Aristóteles, Filosofia da Natureza — Sir William David Ross

A classificação das ciências feita por Aristóteles, tal como vimos, as divide primeiramente em teoréticas, que visam ao conhecimento por si só, práticas, que visam ao conhecimento como guia de conduta, e produtivas, que visam ao conhecimento a ser usado para se produzir algo útil ou belo. As ciências teoréticas são subdivididas em “teologia” (ou metafísica), física e matemática. A física trata de coisas que têm uma existência distinta mas que não são imutáveis (ou seja, dos ‘corpos naturais’ que têm em si uma fonte de movimento e repouso), a matemática trata de coisas que são imutáveis mas que não têm existência distinta (ou seja, dos números e figuras espaciais que têm apenas uma existência adjetival, como substâncias qualificadoras); a teologia lida com coisas que tanto têm existência distinta como são imutáveis (ou seja, com as substâncias que existem livres de qualquer ligação com a matéria); ela deve seu nome ao fato de que a principal dessas substâncias puras é Deus.1 A “Física”, assim definida, é exposta por Aristóteles em uma longa série de obras. O fato de que elas foram pensadas com o objetivo de formar uma unidade é indicado pela abertura do Meteorologica; ali Aristóteles afirma ter lidado (1) com as primeiras causas da natureza (ou seja, os elementos constituintes que em Física I e II ele mostra estar envolvidos em toda mudança) e com o movimento natural em geral (Física III — VIII); (2) com a ordem e o movimento das estrelas (Do Céu I e II), o número e a natureza dos elementos corporais e sua transformação uns nos outros {Do Céu III e IV); (3) com o vir a ser e o falecer, de modo geral {Da Geração e Corrupção). Ele propõe lidar (4) com ‘as coisas que acontecem de acordo com a natureza, mas com uma natureza menos ordenada que aquela do primeiro (ou celestial) elemento, na região que mais se aproxima do movimento das estrelas’2 {Meteorologica); e (5) com os animais e plantas, tanto em geral como de acordo com seus tipos (as obras biológicas).

O movimento, como se verá, vai do geral ao particular.3 A Física lida de fato com os corpos naturais em geral, com a natureza comum de todos aqueles corpos que têm em si mesmos uma fonte de movimento e de descanso. Isso inclui não apenas os corpos vivos, mas os elementos e seus compostos inorgânicos; estes também têm uma tendência inata ao movimento — seja em círculo, seja de ou para o centro do universo. Mesmo as coisas manufaturadas têm um movimento natural, na medida em que seus materiais são corpos naturais; mas seu movimento como coisas manufaturadas é algo imposto a elas pela mão do artesão que as fabrica e daquele que as usa.4

A Física anuncia-se como lidando com “a ciência da natureza”, mas não oferece, no início, nenhuma descrição do que se entende por “natureza”. Antes dela, havia toda uma série de obras “sobre a natureza”, uma vez que esse fora um título favorito dos pré-socráticos; e, à luz dessas obras anteriores, Aristóteles podia considerar que seu significado era suficientemente claro. Ele seria, então. entendido como tento a intenção de lidar tanto com as últimas coisas de que os corpos materiais são feitos quanto com a natureza e as causas das mudanças discerníveis neles. A importância da descoberta das causas é enfatizada desde o início. Os fatos da experiência são representados como uma massa confusa que deve ser analisada até vermos suas implicações últimas, as “origens”, “causas”, ou “elementos” que são “claros por natureza” embora para nós inicialmente sejam obscuros.5 Diferentes pontos de vista podem ser adotados a respeito dessas causas originárias. Mas há um ponto de vista, aponta Aristóteles, que equivale à abolição da filosofia natural — a visão de que a realidade é única, indivisível e imutável. Devemos tomar como estabelecido pela experiência que a mudança existe, e devemos fazer disso nossa base. No entanto, o Eleaticismo desempenhara um papel tão grande no pensamento grego que Aristóteles não poderia deixá-lo de lado por meio de um mero apelo à experiência; e passa, assim, a apontar várias confusões sobre as quais essa doutrina se apoia.6

Substrato, Forma, Privação

As opiniões dos “filósofos naturais” (ao contrário dos Eleáticos, que em princípio negavam a existência da natureza) são de dois tipos principais. Alguns sustentam que existe um tipo de corpo subjacente do qual todas as outras coisas são geradas pela condensação e rarefação. Outros sustentam que existem diferenças qualitativas fundamentais entre as coisas, mas que todas as coisas foram peneiradas de uma única massa na qual todas as “contrariedades” estavam presentes. Esta última perspectiva está sujeita às críticas.7 O que Aristóteles acha comum a todas as escolas anteriores é que elas reconhecem os contrários como primeiros princípios. Raro e denso, sólido e oco, ser e não-ser, para cima e para baixo, diante e atrás, reto e curvo — tais opostos desempenham papéis importantes em todas as teorias anteriores. Isso decorre da natureza dos primeiros princípios, (1) eles não devem ser gerados um do outro, nem de outras coisas, e (2) todas as outras coisas devem ser geradas a partir deles. Os contrários primários, sejam eles quais forem, evidentemente satisfazem essas condições. Todavia, essa doutrina pode ser confirmada por um argumento mais elaborado. Tudo no mundo exige que exista um caráter particular naquilo a partir do qual deve emergir; vale dizer, se descartarmos as conexões acidentais. O branco só pode surgir do musical porque o não-branco por acaso é musical; estritamente ele surge do não-branco, ou seja, do que é preto ou intermediário entre o preto e o branco. E os intermediários são formados por uma mistura de contrários, de modo que, no fundo, o que a mudança para qualquer estado pressupõe é o contrário desse estado.8

Existem, portanto, pelo menos dois primeiros princípios. Não pode haver um número infinito. Pois (1) se houvesse, o ser seria incognoscível; (2) a substância é um gênero, e um gênero tem apenas um contrário fundamental; (3) é possível derivar a realidade de um número finito de princípios, e uma explicação simples, onde é possível, é melhor que uma mais complexa; (4) alguns contrários são obviamente derivados, mas os primeiros princípios devem ser eternos, não-derivados. Porém, não podemos reduzir nossos princípios a dois, como a economia pode sugerir. Porque (1) a densidade não age sobre a raridade nem vice-versa; o amor não se une ao conflito nem o conflito separa o amor; deve haver uma terceira opção na qual um lado une e o outro divide. (2) Parece não haver nada cuja substância exista através e por meio de um de dois contrários. Os contrários são essencialmente adjetivos; eles pressupõem uma substância da qual são herdeiros. (3) Substância nunca é contrária à substância. Tratar os contrários como os primeiros princípios, então, é derivar a substância de não substâncias; mas não pode haver nada mais primário do que a substância. Devemos, então, pressupor uma tertium quid, recorrendo nisso ao ponto de vista dos primeiros pensadores que supunham um único substrato material de todas as coisas. Porém, não devemos identificar esse substrato último com qualquer um dos corpos elementares óbvios; fogo, ar, terra e água incluem contrariedades em sua natureza — por exemplo, o fogo se move para cima, a terra para baixo. Seria mais razoável identificar o substrato com algo intermediário entre os quatro “elementos”.

Um único substrato, e contrários diferem pelo excesso e defeito de alguma qualidade, — estes são os princípios que um simples estudo da mudança revela, e estes são de fato os princípios aos quais chegou o pensamento anterior. Nada se ganha, e algo se perde, ao se reconhecer mais de três princípios. Dos princípios passivos, um é claramente suficiente; mas se permitirmos mais de um par de princípios ativos contrários, cada par exigirá um princípio passivo separado para trabalhar. Além disso, a substância, sendo um simples gênero, só pode ter princípios distinguidos por ordem de prioridade, não princípios fundamentais genericamente diferentes. Estamos seguros então ao dizer que não há menos de dois ou mais de três primeiros princípios.9

Falamos de dois tipos diferentes de coisas como vindo a ser; dizemos “o homem torna-se musical” e dizemos “o não-musical torna-se musical”. No primeiro caso, aquilo que se torna persiste, no segundo, ele deixa de existir. Mas se dizemos ‘a torna-se b’ ou ‘não-b torna-se b’, o que sempre acontece é que a-não-b torna-se ab. O produto contém dois elementos (um substrato e uma forma), mas um terceiro elemento é pressuposto pela mudança (a privação da forma). O substrato, antes da mudança, era numericamente um, mas incluía dois elementos distinguíveis — o que deveria persistir através da mudança e o que deveria ser substituído por seu oposto. Assim, temos três pressupostos da mudança — matéria, forma, privação.10 Os pensadores anteriores haviam ficado perplexos com o problema do devir; aquilo que é, aparentemente, não poderia vir a ser a partir daquilo que é, nem tampouco a partir daquilo que não é. Aristóteles resolve a dificuldade apontando (1) que “nada vem a ser simplesmente do não-ser”. Uma coisa vem ao ser a partir de sua privação, que é de fato não-ser simpliciter, mas vem a ser a partir dela não-simpliciter, porém . incidentalmente; ela não poderia vir ao ser a partir de uma privação pura, mas somente de uma privação num substrato. E, ademais, nada vem ao ser simpliciter do ser. Ela vem ao ser a partir do que incidentalmente é, mas não a partir dele enquanto ser, mas como não sendo a coisa particular que vem a ser. (2) A dificuldade é removida pela distinção de graus de potencialidade e atualidade; uma coisa vem do que é potencialmente, mas não de fato.11

A matéria e a forma das coisas físicas, é preciso notar, são elementos distinguíveis pelo pensamento, mas inseparáveis na realidade. A matéria nunca existe desnuda, mas sempre informada. Ela existe com pelo menos tanta forma ou caráter definido como está implícito em seu ser, seja éter ou fogo ou ar ou água ou terra; esses são os “corpos naturais” mais simples. E se a forma às vezes existe desnuda, não é a forma das coisas físicas que assim o faz; as únicas formas puras são Deus, as inteligências que movem as esferas, e talvez a razão humana antes e depois de seu período de união com um corpo. E, em segundo lugar, devemos observar que a privação não é um terceiro elemento envolvido na natureza de uma coisa enquanto ser; ter uma forma é ipso facto estar privado da forma oposta, e este último fato não precisa ser mencionado tão bem quanto o primeiro. É no estudo do devir das coisas que a fase de privação deve ser reconhecida — daí sua importância na Física e sua comparativa falta de importância na Metafísica.

O substrato, acrescenta Aristóteles, não vem ao ser nem deixa de ser. Se fosse gerado, isso implicaria em um substrato persistente a partir do qual foi gerado — mas isso é apenas sua própria natureza; se fosse destruído, algum outro substrato persistiria. Assim, ele teria que ser antes de vir à existência, e ser destruído antes de poder ser destruído.12

Natureza

O segundo livro da Física divide-se em três partes principais. O capítulo I discute o significado de ‘natureza’; o capítulo II trata da distinção entre física e matemática; os capítulos III-IX apresentam as ‘causas’ que a física deve reconhecer. Aristóteles começa por distinguir as coisas que existem por natureza daquelas que não. As primeiras são (1) os animais e suas partes, (2) as plantas, (3) os corpos simples. A distinção óbvia é que eles têm em si mesmos uma fonte de movimento ou repouso, enquanto as coisas fabricadas têm uma tendência a se mover (por exemplo, para cima ou para baixo) não enquanto tais, mas em virtude do material do qual são feitas. Aristóteles nem sempre inclui em seu relato da “natureza” a noção de um princípio do repouso, e os corpos celestes não têm, de fato, de acordo com ele, tal tendência. Mas eles não são mencionados aqui entre as “coisas que existem por natureza” e, além disso, ele ainda não estabeleceu sua existência como coisas que nunca repousam, coisas que estão sempre em movimento. Todos os processos naturais, exceto o movimento dos corpos celestes — o movimento ascendente e descendente dos elementos terrestres e seus compostos, o crescimento de plantas e animais, a mudança qualitativa — têm um terminus ad quern no qual eles naturalmente descansam.

Aristóteles fala habitualmente como se no movimento ascendente ou descendente dos elementos e de seus compostos, e nos movimentos dos animais, houvesse um início de movimento a partir de dentro, e esta é de fato a distinção que ele faz entre objetos naturais e manufaturados. Mas quando ele chega a examinar se o movimento pode começar ou cessar, ele aponta que essa aparente iniciação do movimento não é uma iniciação real. (1) Os movimentos locais dos animais se devem aos movimentos estabelecidos em seus corpos pela alimentação e nutrição e aos consequentes processos de sensação e desejo estabelecidos em suas almas.13 E (2) os movimentos ‘naturais’ dos corpos inanimados não são iniciados por eles mesmos, mas ou por aquilo que remove o obstáculo ao seu movimento natural, ou por aquilo que os gerou e os tornou leves ou pesados respectivamente (ou seja, presumivelmente, pelas ‘contrariedades primárias’ do calor e do frio, que são os princípios operativos na produção dos corpos físicos) . Assim, os corpos inanimados têm em si mesmos “um princípio do ser movido”, mas não “um princípio causador do movimento”.14

A natureza, então, é “impulso inato ao movimento”. Que isso existe é óbvio por experiência e não precisa de provas. Argumentar por sua existência seria colocar-se na posição de um cego que tem que argumentar sobre a cor porque não pode apreendê-la diretamente. Dois pontos de vista principais são defendidos, aponta Aristóteles, no que diz respeito à “natureza” das coisas. Alguns pensadores a encontram na matéria, no ‘aquilo que está diretamente presente em uma determinada coisa, não tendo em si mesmo forma’. Assim, as pessoas falam da madeira como sendo a “natureza” de uma cama, seu material persistente e relativamente sem forma. Mas a própria madeira pode ser um caráter transitório conferido a algo mais fundamental, por exemplo, a terra, que será então a “natureza” da madeira. Assim, fogo, ar, água e terra foram todos descritos como sendo a natureza das coisas, o material eterno do qual todas as outras coisas estão passando por modificações. Outros identificam a natureza das coisas com sua forma, tal como é afirmada em sua definição, o caráter que têm quando plenamente desenvolvidas. Essa Aristóteles sustenta ser mais propriamente a natureza de uma coisa do que seu material, pois uma coisa é o que ela é, tem sua natureza, mais plenamente quando ela existe de fato, quando atingiu sua forma, do que quando ela existe potencialmente, ou seja, quando a mera matéria para ela existe.15 Ele normalmente identifica a natureza como poder de movimento com a natureza como forma. A forma ou modo de estrutura de uma coisa — por exemplo, a de um animal — é exatamente aquela em virtude da qual ela se move, cresce e se altera, e vem a repousar quando atinge o término de seu movimento. E ao contrário, o poder de mover-se, crescer e alterar de certa forma definida é apenas a forma ou o caráter de cada coisa.

Além desses usos da palavra “natureza” em Aristóteles, temos que reconhecer seu uso em muitas frases das quais “a natureza nada faz em vão” é um exemplo típico. A natureza está aqui para ser pensada não como um princípio transcendental, mas como um termo coletivo para as naturezas de todos os “corpos naturais” que trabalham harmoniosamente juntos.

Física e Matemática

Aristóteles passa a definir16 o caráter da física (1) comparando seu objeto com o da matemática, (2) considerando se estuda a natureza como matéria ou a natureza como forma, (1) Na primeira questão, ele encontra uma dificuldade. Os corpos estudados pela física têm neles “planos e sólidos, linhas e pontos” que são objetos de estudo matemático. As matérias das duas ciências são, portanto, em certo sentido, as mesmas; como então devemos distinguir as ciências? A resposta é que o matemático estuda de fato tais coisas, mas não enquanto “limites de um corpo físico”. Os objetos da matemática, embora sejam de fato inseparáveis do corpo físico, móvel, são estudados em abstração do movimento, e essa abstração não envolve nenhum erro. O erro cometido pela teoria ideal de Platão é o de tentar abstrair de entidades de matéria em cuja própria natureza, ao contrário da dos objetos matemáticos, a matéria está envolvida. Ímpar e par, reto e curvo, número, linha e figura podem ser estudados fora da conexão com o movimento; carne, osso e homem não o podem. Eles estão para os objetos da matemática — para usar a ilustração favorita de Aristóteles — tal como “empinado” está para “curvado”. “Empinado” é um termo que só pode ser definido como uma certa qualidade — a concavidade — de um certo objeto físico — um nariz; ‘curvado’ pode ser definido e proposições podem ser apresentadas sem a introdução de tal referência.17 Um é resultado de abstração, o outro é resultado de adição ou concreção.18 O matemático faz abstração de tudo que é sensível — por exemplo, do peso e leveza, dureza e suavidade, calor e frio.19 Ele deixa apenas o que é quantitativo e contínuo, e seus atributos como tal. A aritmética lida com a quantidade discreta ou não estendida, a geometria com a quantidade contínua ou estendida.20 Os objetos geométricos têm uma certa matéria, mas é pura extensão, matéria inteligível, que não é sensível, nem física ou material móvel.21 É isso o que torna possível a pluralidade de inteligíveis, pois a matéria sensível torna possível a pluralidade de sensibilidades. Mas nem a matemática nem a física levam em conta as diferenças individuais; o objeto de toda ciência é o universal, a espécie. A física não estuda a matéria deste ou daquele homem, mas o tipo de matéria que se encontra em todos os homens e é universalmente o substrato da forma do homem — o que São Tomás chama de materia sensibilis communis em oposição à materia individualis. Embora a matéria seja frequentemente oposta à definição, a definição que o físico faz do homem, ou de qualquer outra espécie, deve incluir uma declaração da matéria própria da espécie.22 Dessa matéria sensível, a qual o físico leva em conta, várias etapas devem ser reconhecidas. Se começarmos com o tipo mais complexo de entidade física, um ser vivo, a matéria deste — que deve ser especificada em uma definição física completa — é uma certa combinação de “partes anomoeomerosas”, ou órgãos — partes divisíveis em sub-partes com características diferentes entre si e umas das outras — nas quais e somente nas quais a forma da espécie pode ser incorporada. A matéria destas, por sua vez, são certas “partes homoeomerosas” ou tecidos; A matéria delas são os quatro elementos.23 Os elementos são as instâncias mais simples de matéria sensível, pois a única análise aplicável a eles é aquela em termos de matéria prima e das contrariedades quente e frio, seco e líquido, e a matéria prima não é sensível nem nunca é encontrada sozinha na experiência, sendo apenas reconhecida pelo pensamento abstrato.24 

Se a distinção geral de Aristóteles entre matemática e física é satisfatória, uma dificuldade especial é apresentada no caso da matemática aplicada — astronomia, ótica, harmônica, mecânica — as “partes mais físicas da matemática”.25 Tais ciências tratam aparentemente de corpos físicos, mas são matemáticas em seu método e Aristóteles as encontra comumente tratadas como ramos da matemática. Na presente passagem, no entanto, ele as considera como ciências físicas em geral. “A geometria considera uma linha física, mas não qua física; a óptica considera uma linha matemática, mas não qua matemática, mas qua física”. Porém, seu relato não é totalmente claro. Um pouco antes ele parece querer dizer que coisas como a forma do sol e da lua podem ser consideradas tanto pelo físico quanto pelo matemático, este último tratando-as “não como limites de um corpo físico”. Em outras palavras, a astronomia matemática e as ciências afins são aqui tratadas como sendo exatamente como a matemática pura, na medida em que tratam de realidades concretas, mas as tratam em relação a certos atributos abstraídos de sua realidade concreta.

Em outros lugares, ele trata essas ciências como definitivamente subordinadas à matemática pura, na medida em que elas lidam com algum tipo particular de linhas ou números sônicos particulares.26 Porém, ele reconhece uma complicação adicional ao distinguir a óptica matemática, que é uma aplicação especial da geometria, da óptica física, que é uma aplicação especial da óptica matemática, e similarmente com a harmônica e a astronomia.27 Em tal hierarquia, a ciência superior estuda as razões para os fatos que são estudados pela inferior.28 

(2) É tarefa do físico estudar a natureza em ambos os sentidos previamente especificados — matéria e forma. Se olhássemos para nossos predecessores, observa Aristóteles, poderíamos supor que apenas os estudos da física são importantes. Mas três considerações mostram que isso não é verdade. (a) A arte (que é apenas a imitação da natureza) requer conhecimento tanto da forma quanto de uma certa extensão da matéria; um médico deve conhecer tanto a natureza da saúde quanto a da “vesícula e fleuma” na qual a saúde deve se incorporar, (b) A mesma ciência estuda fim e meios. Ora, a natureza-enquanto-forma de uma coisa é o fim para o qual seu desenvolvimento se move; a natureza-enquanto-matéria é o meio para esse fim. A conclusão que se tira é que a física deve estudar tanto a forma quanto a matéria; mas o argumento sugere (o que Aristóteles diz definitivamente em outro lugar)29 que seu estudo é principalmente da forma das coisas, e da matéria apenas na medida em que seja necessária para a realização da forma. (c) A matéria é algo relativo, já que formas diferentes requerem matérias diferentes para sua realização. Portanto, como o conhecimento de um termo relativo implica o conhecimento de seu termo correlato, a física deve estudar ambos. No entanto, ela considera apenas as formas que, embora separáveis no pensamento, são encarnadas na matéria; a forma verdadeiramente separável é objeto não da física, mas da filosofia primeira.

Qual é a força deste relato muito abstrato a respeito do  objeto-matéria da física? Seu objetivo é distinguir a física de dois tipos de estudo entre os quais ela é intermediária. Deve ser distinguida, por um lado, da metafísica, o estudo de formas puramente existentes separadamente. Ora, na opinião de Aristóteles, poucas formas puras existem. Deus é pura forma; assim são as inteligências que movem as esferas; assim é o elemento racional na alma humana. Nada disso tem que ver com a física. Porém, por outro lado, distingue-se de um estudo que se concentra inteiramente na matéria, que reduz um corpo vivo, por exemplo, ou um composto químico inanimado, a seus elementos, e não leva em conta a estrutura que faz do corpo vivo ou do composto o que ele é. Aristóteles se pronuncia, de fato, a favor da teleologia contra o mero mecanismo, a favor do estudo das partes à luz do todo em vez de tratar o todo como uma mera soma de partes. A física não é o estudo apenas da forma ou da matéria, mas da matéria informada ou da forma materializada.30

Quatro Causas

Aristóteles agora31 aborda o problema da indicação das causas que estão em ação na natureza — o problema a ser solucionado que fora estabelecido no começo da Física. Conhecer é conhecer por meio de causas.32 Portanto, é o trabalho da física conhecer as causas da mudança física. É necessário especificar para quais tipos de causas o físico deve estar atento, e a resposta de Aristóteles a essa pergunta é que existem quatro tipos, (i) Diz-se que o termo “causa” é aplicado primeiro “àquilo a partir do qual uma coisa vem a ser e que está presente como um constituinte no produto”, tal como uma estátua é feita de bronze e tem bronze dentro dela. (2) Aplica-se “à forma ou padrão, ou seja, à fórmula daquilo que deve ser a coisa em questão”, tal como a proporção 2:1 é a fórmula da oitava. (3) Aplica-se “àquilo de onde vem a origem imediata do movimento ou do repouso”, Esta causa pode ser encontrada no âmbito da conduta (quem aconselha um ato é a causa dele), e no da natureza (o pai é causa do filho); a relação é, em geral, a de agente com a coisa feita, de produtor de mudança com a coisa mudada. (4) O termo “causa” é aplicável ao “fim ou objetivo”; a saúde é, em tal sentido, a causa de nosso caminhar,

Certos pontos importantes são levantados em conexão com as quatro causas. (1) Uma coisa tem causas de mais de uma dessas causas. (2) Duas coisas podem ser causas uma da outra; o exercício é a causa eficiente da saúde, a saúde é a causa final do exercício. Em outras palavras, mecanismo e teleologia não são mutuamente excludentes; onde A mecanicamente necessita de B, também pode ser verdade que B teleologicamente necessita de A. (3) Podemos, no caso de cada uma das quatro causas, declarar ou a causa próxima de uma coisa, que será comensurável com ela, ou uma causa distante, algum gênero que inclua a causa comensurável; a causa da saúde pode ser dita como sendo “um homem profissional” bem como “um médico”. (4) Se A é uma concomitante de B, que é a causa de C, pode-se dizer que A é per accidens a causa de C. A verdadeira causa de uma estátua é “um escultor”, mas se o escultor é Polyclitus, pode-se dizer que Polyclitus é a causa. (5) Podemos declarar a causa de um efeito B tanto como sendo A, o proprietário da faculdade, quanto como sendo ‘A exercendo a faculdade’. A causa da construção de uma casa é “um construtor” ou “o construir do construtor”. (6) As causas atuais e individuais são de origem e cessação simultânea com seus efeitos; as causas potenciais não o são. Uma casa e seu construtor não precisam deixar de sê-lo simultaneamente, mas se um construtor está construindo uma casa, uma casa deve estar sendo construída, e vice-versa. (7) O objetivo deve ser declarar a causa precisa. Por exemplo, pode-se dizer que um homem é a causa de uma casa, mas não é porque ele é um homem, mas porque ele é um construtor que ele o é, e um construtor constrói uma casa somente porque ele possui a arte de construir; isso, que faz com que outras coisas causem o efeito, é em si mesmo a causa precisa.

Será observado que das quatro causas de Aristóteles apenas duas, a eficiente e a final, correspondem ao significado natural de “causa” em inglês. Pensamos na matéria e na forma não como relativos a um evento que elas causam, mas como elementos estáticos que a análise descobre em uma coisa complexa. Isso porque pensamos em causa como aquilo que é simultaneamente necessário e suficiente para produzir um certo efeito. Mas para Aristóteles nenhuma das quatro causas é suficiente para produzir um evento; e falando de modo geral podemos dizer que, em sua opinião, todas as quatro são necessárias para a produção de qualquer efeito. Temos, então, que pensar em suas “causas” como condições necessárias, mas não suficientes separadamente para explicar a existência de uma coisa; e se olharmos para elas dessa maneira, deixaremos de nos surpreender com o fato de que a matéria e a forma são chamadas de causas. Pois certamente sem elas, nenhuma coisa natural pode ser ou vir a ser. Aristóteles está de fato reunindo aqui sob a idéia geral de ‘causa’, ou seja, condição necessária, os dois elementos internos ou constituintes já descobertos pela análise do devir (sendo omitida a privação, que era uma condição prévia mas não constituinte) e as duas condições externas que naturalmente se sugerem, a causa eficiente ou vis a tergo e a causa final ou vis a fronte.

A “matéria” não é para Aristóteles um certo tipo de coisa, uma vez que falamos de matéria em oposição à mente. Esse é um termo puramente relativo — relativo à forma.33 É o material de uma coisa em oposição à estrutura que os mantém juntos, o determinável em oposição ao determinante. E a distinção de matéria e forma pode ser feita em muitos níveis diferentes dentro da coisa concreta. No reino da arte, o ferro, que é o produto final da fundição, é matéria para o fundidor. E no reino da natureza, os elementos, que são o produto determinante da matéria prima + as contrariedades primárias, quente e frio, seco e liquido, são matéria relativamente a seus compostos simples os tecidos; estes novamente são matéria relativamente aos órgãos, e estes são matéria relativamente ao corpo vivo. A matéria prima, deve-se observar, nunca existe à parte; os elementos são as coisas físicas mais simples, e dentro deles a distinção da matéria e da forma só pode ser feita por uma abstração do pensamento. A matéria secundária em todas as suas etapas existe à parte; encontramos na experiência, por exemplo, não apenas tecidos combinados em órgãos, mas tecidos não combinados assim. E a matéria secundária pode ser separada na realidade, não apenas pensada separadamente, de sua forma; por exemplo, os órgãos podem ser decompostos em seus tecidos componentes.

A “Forma’, para Aristóteles, abrange uma variedade de significados. Às vezes é usada como formato sensível, como quando se diz que o escultor impõe uma nova forma ao seu material. Porém, mais frequentemente, talvez seja pensada como algo que é um objeto de pensamento e não do sentidos, como a natureza interior de uma coisa que se expressa em sua definição, o plano de sua estrutura. E mesmo formas sensíveis podem ser assim expressas; a forma de uma estátua poderia ser expressa por uma fórmula matemática, embora necessariamente uma muito complexa. No conjunto, μορφή aponta para uma forma sensível e εἶδος para uma estrutura inteligível, e este último é o principal elemento na noção de forma de Aristóteles. Assim, λόγος (fórmula ou definição) e τὸ τί ἦν εἶναι (o “que deveria ser assim e assim”,  ou seja, a essência) são constantemente utilizados como sinônimos para εἶδος. No entanto, Aristóteles indica frequentemente a identidade da forma com as causas eficiente e final. Contudo, se essas são uma mesma coisa, “seu ser não é o mesmo”. A forma é o plano de estrutura considerado como informando um produto particular da natureza ou da arte. A causa final é o mesmo plano considerado como ainda não encarnado na coisa em particular, mas tal como visado pela natureza ou pela arte. Todavia, falar assim, tal conforme Aristóteles faz com frequência, é falar de maneira abstrata. Nem a natureza nem a arte são para ele uma força existente por si só. Natureza é um nome coletivo para as respectivas naturezas de todos os objetos naturais, e arte um nome para o conhecimento atual que reside em artistas individuais. A causa final na arte é, portanto, estritamente uma certa estrutura que alguns artistas estão se esforçando conscientemente para corporificar em um determinado material. A causa final na natureza é uma estrutura comum a toda uma infima species,34 à qual os membros individuais da espécie lutam sem propósito consciente para dar uma nova encarnação individual.

Essa causa formal-final é evidentemente também a causa eficiente. Para Aristóteles, a mente é inteiramente informada e caracterizada por aquilo que conhece. A forma de uma cama ou de um Hermes, tal como imaginativamente apreendida por um artista, é dita como estando atualmente “em sua alma”, e a forma em sua alma é o que o leva a trabalhar para corporificá-la em madeira ou em mármore. E na natureza, a forma que busca uma nova encarnação já está presente e é a causa do movimento.

O principal tipo desse movimento natural é aquele relacionado à reprodução. Aqui o parente masculino, cuja função na reprodução é tratada como sendo puramente a da forma, encontra na matéria contribuída pelo parente feminino uma nova incorporação para a forma da espécie.

Todavia, o movimento ou processo natural tem formas menos radicais do que a produção de uma nova substância individual. Há uma mudança de lugar, de qualidade e de tamanho. Em que sentido a causa formal-final aqui também é a causa eficiente? Cada tipo de coisa material tem, segundo Aristóteles, um movimento natural, que ela efetuará quando não houver interferência; ela tende para uma região definida do universo — o fogo em direção à circunferência, a terra em direção ao centro. Estar nessa região faz parte de sua própria forma35 e esse fato opera tanto como causa final quanto como causa eficiente. Em mudança de qualidade e em crescimento ou decadência, o mesmo princípio se aplica. A qualidade e o tamanho que acompanham o desenvolvimento completo de uma coisa estão incluídos em sua forma e funcionam como uma causa final e, portanto, como uma causa eficiente.

Acaso

Aristóteles passa a considerar algo que ele encontra comumente pensado como sendo uma causa adicional às quatro já mencionadas, ou seja, a sorte e o fortuito.36 Ele tenta estabelecer a existência de tal coisa apontando37  que (1) além das coisas que acontecem sempre da mesma maneira, e das coisas que acontecem em grande parte, existem, por acordo universal, eventos que formam exceções à regra habitual da natureza. Os mesmos eventos que são assim caracterizados por Aristóteles como acontecendo “nem sempre nem em grande parte” também são caracterizados como acontecendo per accidens, ou seja, “em virtude de um concomitante”, se B produz C, e A é um concomitante de B, ou se A produz B, e C é um concomitante de B, diz-se que A produz C, per accidens. Se uma e a mesma pessoa é um arquiteto e é pálida, ‘o pálido’ torna-se per accidens a causa de uma casa. Uma vez que não há nenhuma razão particular da necessidade de um arquiteto ser pálido ou de que uma pessoa pálida seja um arquiteto, uma produção de casas por pessoas pálidas não ocorrerá “nem sempre nem na maior parte do tempo”.

Todavia (2) nem todos os eventos excepcionais ou acidentais são eventos fortuitos. Os eventos de acaso são, além disso, “para um fim”. Ou seja, produzem um resultado desejável que pode ser naturalmente um fim, seja (a) para a ação proposital de agentes humanos ou (b) para o esforço inconsciente da natureza.

Onde os marcos (1) e (2) estão unidos, temos uma conexão “casual”. Por exemplo, um homem vai ao mercado para fazer compras; lá ele encontra um homem que lhe deve dinheiro, e cobra sua dívida. Trata-se de um “acaso” uma vez que (1) a recuperação da dívida é na verdade apenas uma concomitância excepcional daquilo que foi objeto de sua ação, mas (2) poderia razoavelmente ter sido feito um objeto de ação por ele, se ele soubesse que isso iria acontecer. Portanto, o acaso pode ser definido como “a causa per accidens naquela divisão de coisas-para-um-fim que envolve uma ação propositada”.38  Segue-se que as coisas que podem se tornar causas de um resultado casual são bastante indeterminadas; nenhuma regra pode ser estabelecida para limitá-las, e a opinião popular que considera o acaso como algo indeterminado e obscuro para o homem é justificada. Ademais, há sentido no ponto de vista de que nada acontece por acaso. O acaso não é uma causa operativa, mas apenas um nome para um certo tipo de conexão entre os eventos.

Aristóteles procede39 a fim de distinguir o acaso do fortuito. Apropriadamente, ‘o fortuito’ é o termo mais amplo, e aplica-se (1) a eventos de sorte, ou seja, àqueles eventos fortuitos que acontecem com seres que podem agir em decorrência de uma escolha deliberada. Sorte é a ocorrência, enquanto mero concomitante do resultado atual de uma ação deliberada, daquilo que naturalmente poderia ter sido feito um objeto de tal ação. Ela é inaplicável às coisas inanimadas, aos animais inferiores e às crianças. O fortuito inclui (2) (a) resultados igualmente concomitantes da atividade de coisas que não têm escolha deliberada, como quando um cavalo é salvo das mãos de usuários malignos pelo acidente de chegar ao local onde está seu proprietário. Aqui a causa de o cavalo estar indo nessa direção é algo externo a ele. Porém a diferença entre o fortuito e o casual, Aristóteles observa, em (b) casos nos quais a causa está dentro, por exemplo, na produção de nascimentos monstruosos que ocorrem “por natureza” (ou seja, são produzidos pelo impulso generativo inerente ao progenitor masculino), embora não sejam “de acordo com a natureza”, uma vez que a forma fornecida pelo progenitor masculino falhou em dominar a matéria proporcionada pela fêmea. Tais produções são fortuitas, mas evidentemente não deram sorte.

Embora esse seja o uso estrito, é de se notar que Aristóteles às vezes usa τύχη (sorte) no sentido genérico, e τὸ αὐτόματον (o fortuito) no sentido de espécie (2).

Há uma discussão sobre o fortuito na Metafísica, que não é muito fácil de ser alinhada com a da Física. Ele está ali dividido em dois tipos, os que reproduzem a ação da arte e da natureza, respectivamente. Eles correspondem grosso modo, mas apenas grosso modo, a (1) e (2) (b). (1) Aristóteles observa40 que a saúde, que pode ser produzida pela atividade proposital do médico, pode também ser produzida espontaneamente. A atividade do médico é dividida em duas seções, uma delas é a de refletir a partir do fim desejado até o meio imediato a ser adotado, e outra é a de agir, que começa com o meio imediato e culmina com o efeito desejado. O segundo desses processos pode ocorrer sem o primeiro quando o corpo do paciente pode iniciar precisamente aquela série de mudanças que o médico teria prescrito, por exemplo, quando seu calor natural inicia o mesmo conjunto de mudanças que o médico teria produzido pela massagem. E do mesmo modo (2) pode haver geração espontânea ou fortuita que simula a geração natural, quando há matéria que pode iniciar em si mesma o mesmo conjunto de processos vitalizantes que, na geração natural, o elemento masculino configura no feminino.41 Aristóteles acredita que muitas formas baixas de vida são produzidas por tal generatio aequivoca a partir da matéria em que o calor do sol atua.42

Os defeitos do tratamento do acaso em Aristóteles são evidentes. A distinção entre o usual e o excepcional é insatisfatória. Ele trata a existência do excepcional como devida à capacidade da matéria de receber mais de uma determinação. Porém, obviamente, quando a matéria sofre a ação das mesmas condições, recebe a mesma determinação; sua indeterminabilidade não envolve contingência. Haverá exceções às regras, mas essas exceções estarão de acordo com a regra. Em pelo menos uma passagem, Aristóteles reconhece isso.43 E, em geral, o tratamento do acaso na Física não implica a existência da contingência. Cada evento é representado como seguindo determinadamente a partir de causas próprias. A vai ao mercado por razões suficientes; o mesmo faz B. Contudo, do ponto de vista de A, a presença de B (embora não seu próprio estar lá) é um evento casual, pois flui de causas das quais A nada sabe. E assim, para B, do ponto de vista de B, também o é a presença de A. O acaso é simplesmente um nome para o encontro imprevisto de duas cadeias de causas rigorosas. Até agora não temos motivos para atribuir indeterminismo a Aristóteles.

Teleologia e Necessidade

A filosofia natural deve, sustenta Aristóteles, levar em conta cada uma das quatro causas e referir-se a todas elas em sua explicação dos acontecimentos.44 Mas ele se vê45 confrontado por uma doutrina que nega a existência de causas finais na natureza. Empédocles tinha apresentado a brilhante teoria de que as espécies animais existentes, com toda a aparente adaptação de suas partes aos fins, são simplesmente os resultados da seleção natural pela sobrevivência do mais apto; segundo a qual a natureza produzira uma enorme variedade de espécies — incluindo ‘gado com rostos de homens’ e similares —  e que apenas o mais apto a sobreviver permanecera. Em oposição a essa teoria, Aristóteles tenta provar a existência da teleologia na natureza. As adaptações observadas (por exemplo, de dentes para o trabalho que eles têm que fazer) são, ele insiste, encontradas sempre ou na maior parte do tempo. Porém, os resultados do acaso nunca se encontram sempre ou na maior parte do tempo. Portanto, as adaptações observadas não são o resultado do acaso. A única alternativa é que elas existem para um fim. Contudo, elas são reconhecidamente naturais. Portanto, algumas coisas naturais ocorrem para um fim.

O argumento à primeira vista falha. Pois ele se baseia na suposição de que a adaptação aparente existe “sempre ou na maior parte do tempo”, enquanto a teoria de Empedocles é a de que as adaptações foram produzidas em uma minoria de casos e as não adaptações pereceram por necessidade mecânica. Porém, Aristóteles pode argumentar: por que os crescimentos monstruosos não continuam a ser produzidos com a mesma frequência que os crescimentos normais? Por que os animais se reproduzem de acordo com o tipo? A permanência dos tipos é, no fundo, seu principal argumento para o design. Com os outros argumentos aqui aduzidos,46 não temos espaço para lidar.

Aristóteles usa muita linguagem antropomórfica sobre a teleologia na natureza. “A natureza, como um bom dono de casa, não joga fora nada do que possa ser útil”. ‘A natureza não faz nada em vão, nada supérfluo’. “A natureza se comporta como se tivesse previsto o futuro.’47 Em grande parte, isso é apenas a afirmação de uma teleologia de facto. O mundo, Aristóteles afirma, está bem ordenado; ou seja, tudo nele está disposto de modo a assegurar sua conservação em seu estado atual. Só raramente ele atribui a Deus uma ação proposital,48 e tal atribuição é inconsistente com a teologia da Metafísica. Provavelmente deve ser considerada como um dispositivo literário e uma concessão às formas ordinárias de pensamento.

Aristóteles passa a considerar49 se a necessidade que existe na natureza é “hipotética” ou “simples” necessidade. A opinião popular explica os fatos da natureza como sendo devidos à simples necessidade, sendo os efeitos supostamente determinados mecanicamente por causas pré-existentes. Isto é, diz ele, como se disséssemos que uma parede assume a forma que assume porque as pedras da fundação descem ao fundo por causa de seu peso, a terra ocupa um lugar intermediário, e a madeira chega ao topo. Dizer isso é ignorar o fato de que o muro existe para um propósito. Ela não existe por causa de seus materiais, embora não pudesse existir sem eles. A necessidade encontrada aqui é, portanto, uma necessidade hipotética. Não é que B deva existir porque A existe, mas que A precisa existir porque B está para existir. A matéria deve estar lá porque a forma a exige para sua realização. Assim, o principal trabalho do físico é declarar a forma, a definição ou o fim do que quer que seja que ele esteja investigando, pois a partir disso sua matéria poderá ser deduzida; mas ele deve prosseguir para declarar a matéria. E a definição completa conterá tanto a matéria quanto a forma.

Ao mesmo tempo, muitos fenômenos naturais são devidos a uma necessidade simples ou absoluta. Eles fluem inevitavelmente da natureza da matéria. Às vezes, essa necessidade absoluta tem um fim. A luz deve passar através da lanterna porque suas partículas são mais finas que os poros do chifre,50 mas ao fazê-lo, ela serve para nos salvar dos tropeços.51 Do mesmo modo, a natureza emprega o propósito de fazer dos chifres a matéria excedente que, de qualquer maneira, deve estar presente nos animais maiores.52 E assim é em muitos outros casos53  Porém, fora os casos em que o mecanismo e a teleologia conspiram juntos, há casos em que o mecanismo sozinho está em ação. Nem sempre devemos procurar uma causa final; algumas coisas são explicadas apenas através de causas materiais e eficientes.54 Os animais precisam ter olhos para poder ver, mas a cor deles se deve às circunstâncias do nascimento e não serve a um fim.55 Às vezes, ademais, a necessidade se opõe à teleologia. No caso de nascimentos monstruosos, tal fato é decorrente de matéria defeituosa.56 Em outros é devido à interferência de alguma causa eficiente externa, como quando o ar e o fogo são arrastados pelo movimento dos céus e, portanto, não seguem seus caminhos naturais.57 No entanto, esse movimento antinatural desempenha um papel importante no aquecer dos corpos na terra e, portanto, faz parte do curso da natureza.

Aristóteles não é um determinista absoluto. No De Interpretatione58 ele nega a aplicabilidade da lei do meio excluído59 às declarações acerca de eventos futuros específicos. Afirmar sua aplicabilidade é dizer que nada acontece por acaso. Se ou a afirmação de que A será B ou a afirmação de que não o será é agora verdadeira, A será necessariamente B ou necessariamente não será B. Isso seria um disparate de deliberação. Contrariamente a isso Aristóteles afirma que a deliberação e a ação formam verdadeiros pontos de partida para eventos subsequentes. Porém, para colocar a questão de forma mais geral, as inclinações que nem sempre energizam são capazes ou de agir ou de não agir. Isto é, há a contingência mesmo para além da ação humana. Em alguns casos, a afirmação não é mais verdadeira do que a negação, nem vice-versa: em outros, uma tem maior tendência a ser verdadeira, mas a outra pode ser verdadeira. É necessariamente verdade em relação a qualquer coisa que ela será ou não será, mas também não é verdade que ela será ou não será. Deverá haver ou não uma luta marítima amanhã, mas não é verdade que deva haver ou que não deva haver uma.

Do mesmo modo, na Metafísica60 lemos que um conjunto de causas necessárias pode ser rastreado até um certo ponto, mas não pode ser rastreado para mais além. Tal ponto é uma causa que não tem nenhuma causa. Existem condições já existentes que garantem que todo animal morrerá, mas se morrerá por doença ou por violência é algo que ainda não está determinado, e só será determinado quando tal causa não-causada tiver surgido.

Em outra passagem61 Aristóteles afirma que alguns eventos são claramente não necessários; podemos dizer deles apenas que “estão prestes a ser” e não que “vão ser”. Existem, então, ele pergunta, alguns eventos que são absolutamente necessários? Os únicos eventos sobre os quais a necessidade absoluta pode ser baseada são aqueles que fazem parte de uma série recorrente — seja de uma série literalmente circular como as órbitas dos corpos celestes, ou de uma série metaforicamente cíclica como a sucessão das estações, ou a série nuvem-chuva-nuvem-chuva . . . . ou homem-semente-criança-menino-homem . . Evidentemente, isso deixa como presa de contingência muitos detalhes da história do mundo. No entanto, é duvidoso que esse seja o verdadeiro pensamento de Aristóteles.

Movimento

Sendo a natureza um princípio de movimento, Aristóteles passa aconsiderar62 o que é o movimento. A partir disso, ele passará a considerar certas noções implícitas no movimento. O movimento é contínuo, e o contínuo é muitas vezes definido como aquele que é divisível ao infinito. Espaço, tempo e vazio também são considerados como implicados no movimento.

A Eleaticos negaram completamente a existência de movimento (ou mudança). O Eleatismo, a meio caminho dos mecanicistas (Empédocles, Anaxágoras, os Atomistas), havia negado a existência de mudança de qualidade; segundo eles, havia apenas “mistura e separação”.63 Por outro lado, a Escola Megárica havia abolido a continuidade do movimento, classificando-o em movimentos unitários indivisíveis.64 Podemos comparar com esta sugestão de Platão de que o movimento ocorre de maneira descontínua “no instante”.65  Aristóteles defende tanto a realidade quanto a continuidade do movimento. Segundo ele, não se trata de uma súbita substituição de um estado por outro, mas da transição entre eles.

O movimento é “a atualização daquilo que é potencialmente, como tal”. Ou seja, se há algo que é atualmente x e potencialmente y, o movimento é o tornar atual a sua y-dade. A moção chamada de construção, por exemplo, é a colocação dos tijolos e argamassa que podem ser incorporados em uma casa, no estado de ser uma casa. Antes do início da construção, a construção ainda não estava sendo realizada; quando a construção termina, a construção não está mais sendo realizada. Somente quando a construção está em andamento é que a construção como tal está sendo atualizada, e o construir é apenas sua atualização. E o movimento em geral é a atualização do potencial. Portanto, faz parte da natureza do movimento que o potencial ainda não tenha perdido completamente sua potencialidade e se tornado atual; essa é a diferença entre movimento e atividade.66 Em cada momento da atividade, a potencialidade é completamente cancelada e transformada em atualidade; no movimento, a transformação não está completa até que o movimento tenha terminado. Em outras palavras, o movimento difere da atividade tal como o incompleto em relação ao completo; ou, mais vagamente, o movimento é a atividade incompleta e a atividade é o movimento completo. O movimento não pode ser simpliciler classificado nem como potencialidade nem como atividade. Ele é uma atualização, mas que implica em sua própria incompletude e na presença contínua da potencialidade.

Os elementos envolvidos na mudança são: aquilo que produz o movimento, aquilo que é movido, o tempo em que se move, aquilo do qual e aquilo para o qual se move (estes dois últimos incluindo não apenas os dois lugares envolvidos na locomoção, mas as duas características substanciais envolvidas na geração-destruição, os dois tamanhos envolvidos no crescimento e na diminuição, as duas qualidades envolvidas na alteração)67. A mudança é sempre entre contrários ou entre um contrário e um intermediário (que então representa o outro contrário), ou entre os contraditórios. Deixando de lado a mudança incidental (mudança ligada a A por causa da concomitância de A com B, o verdadeiro sujeito de mudança) e a mudança ligada a A porque B, o verdadeiro sujeito de mudança, faz parte de A, descobrimos que o movimento propriamente dito deve ser 

(1) de um termo positivo para um termo positivo (seu contrário),
(2) de um termo positivo para seu contraditório,
(3) de um termo negativo para seu contraditório, ou
(4) de um termo negativo para um termo negativo.

Mas (4) não muda, uma vez que não está entre opostos. Caso (3) é geração, caso (2) é destruição. Caso (3) é mudança, mas não é movimento, porque somente o que é, e o que está no espaço, pode ser movido. Caso (2) é mudança, mas não movimento, pois o contrário de movimento é movimento ou repouso, enquanto que o contrário de destruição é geração. Assim, apenas o caso (1) é movimento.68

A fim de descobrir quais os tipos de movimento, devemos perguntar em qual categoria ele se enquadra.69 Não há movimento em relação à substância, uma vez que a substância não tem nenhum contrário; nem no que diz respeito à relação, pois se a, que está em relação a b, mudar, o termo que expressa a relação pode deixar de ser aplicável a b embora b não mude em absoluto. Na verdade, a mudança de relação é sempre incidental a algum outro tipo de mudança e não forma uma espécie independente. Não há movimento do agente e do paciente porque não há mudança de mudança, ou seja, não há mudança na qual a mudança é ou o sujeito ou o terminus a quo ou ad quem. Aristóteles assume tacitamente que não há movimento em relação ao tempo — sem dúvida porque ele reconheceu o tempo como um elemento em toda mudança e, portanto, indisponível como distintivo de qualquer tipo particular de mudança. Segue-se, então, que existem apenas três tipos de movimento — em relação à qualidade, quantidade e lugar, em cada um dos quais existe a contrariedade necessária. A qualidade, acrescenta-se, não deve ser considerada no sentido das qualidades essenciais que formam os diferenciais das coisas (a mudança em relação a elas não seria movimento, mas geração-destruição), porém no sentido das qualidades “afetivas” em relação às quais se diz que uma coisa deve sofrer ação ou ser impassível, ou seja, as qualidades que são objetos dos sentidos especiais.70 De todos os quatro tipos de mudança, a locomoção é a mais fundamental, a que está implícita em todas as outras; e a mudança qualitativa e a geração-destruição estão implícitas na mudança de tamanho. Todavia, Aristóteles, embora aponte tais implicações, nunca tenta reduzir um tipo de mudança a outro; a diferença de categoria é uma barreira contra qualquer tentativa desse tipo.

Infinito

A principal distinção preliminar que Aristóteles faz aqui é entre (1) o infinito em relação à adição, aquilo que não pode ser esgotado por meio qualquer adição de parte a parte, e (2) o infinito em relação à divisão, aquilo que é divisível ad infinitum.71 Em resumo, a opinião de Aristóteles é a de que o número é infinito no primeiro sentido, o espaço no segundo, e o tempo em ambos. Ele se concentra primeiro na questão mais apropriada à física, isto é, se existe um corpo que seja infinitamente grande, e oferece razões para a opinião negativa72 – motivos que foram emprestados principalmente de sua teoria dos “lugares naturais” dos quatro elementos e, portanto, um tanto quanto inconclusivos. Porém, se não houver um infinito, ele acrescenta,73 resultados impossíveis se seguirão, (i) Haverá um começo e um fim do tempo. (2) Magnitudes serão divisíveis naquilo que não são magnitudes. (3) O número não será infinito. 

Portanto, em um sentido há, enquanto em outro sentido não há um infinito. A magnitude espacial não é realmente infinita, mas é infinita em divisibilidade. Mas essa potencialidade não é uma que alguma vez será completamente atualizada tal como a potencialidade do bronze de se tornar uma estátua. Nenhuma magnitude espacial jamais será de fato dividida em um número infinito de partes. O infinito, como um dia ou uma noite, existe por meio de uma parte após a outra que vem à existência; sua atualização, para usar a linguagem de São Tomás, não é in actu permanente, in facto, mas sucessiva, in fieri.

Os casos do tempo e da sucessão de gerações são como os da magnitude espacial, pois também aqui o infinito existe “por meio de uma parte após outra que está sendo tomada”, e embora “aquilo que é tomado” seja sempre finito, novas partes podem ser tomadas ad infinitum, assim o infinito não é uma substância individual como um homem ou uma casa. Esses casos são diferentes dos da magnitude espacial, na medida em que nesta última cada parte tomada persiste, enquanto que no tempo e na sucessão de gerações ela não persiste — ela desaparece, mas o fornecimento nunca falha.

Aristóteles assinala a seguir que o infinito em relação à adição é, em certo sentido, o mesmo que o infinito em relação à divisão. Considere um todo finito. Ao tomar partes iguais dele, por menor que sejam, com suficiente frequência você irá esgotar o todo no tempo. Mas se, ao invés disso, você pegar partes sucessivas que diminuem em uma proporção constante, você nunca irá esgotar o todo. O todo que é finito é, no entanto, “infinito em relação à adição” no sentido especial de que você não pode construí-lo pela adição de partes que diminuem em uma proporção constante. Isto é, Aristóteles reconhece a existência de séries infinitas que convergem para uma soma finita. O espaço é para ele uma série convergente infinita; tempo e número são séries infinitas divergentes. O próprio fato de que a magnitude pode ser dividida ilimitadamente implica que o número pode ser aumentado ilimitadamente. O número tem um mínimo mas nenhum máximo; o espaço tem um máximo mas nenhum mínimo. Os matemáticos, observa ele,74 não precisam de uma linha infinita, mas apenas de uma linha limitada pelo tamanho que quiserem. Sua teoria é aqui um tanto obscura. Ele defende, por fim, que o mundo físico é uma esfera de tamanho finito. O matemático não pode ter uma linha reta maior do que o diâmetro dessa esfera que lhe é presente em sensação, e o significado deve ser que ele é livre para imaginar tal linha se ele assim o desejar, e se ele puder.

O resultado da teoria de Aristóteles é que nenhuma forma de infinito existe enquanto um determinado todo simultaneamente existente. Nenhuma extensão é “infinita em relação à adição”, sendo incapaz de ser construída a partir de um número finito de partes finitas iguais. Nenhuma extensão é, em nenhum momento, atualmente subdividida em um número infinito de partes, embora possa ser dividida alternadamente ou sucessivamente em um número infinito de pontos. O tempo não existe como um infinito todo determinado, já que não é da natureza de suas partes coexistir, mas o tempo, ao contrário da extensão, é potencialmente infinito no que diz respeito à adição. O tempo como extensão é infinitamente divisível, mas não é infinitamente dividido. O número é, como o tempo, potencialmente infinito no que diz respeito à adição. Ao contrário da extensão e do tempo, ele não é infinitamente divisível, pois é discreto e a unidade forma um limite para sua divisibilidade.

Lugar

A existência de lugar está provada para Aristóteles75 pelo fato de que onde um corpo está, um outro pode vir a estar, de modo que esse lugar deve ser algo diferente de qualquer um dos corpos que o ocupam. O fato de que ele não só existe, mas “tem significado”, é provado para ele pela tendência natural dos elementos de se deslocar e repousar em determinados lugares. Acima e abaixo não são apenas relativos a nós. “Para cima” é a direção na qual o fogo se move, e “para baixo” é a direção na qual a terra se move.

Aristóteles distingue76 entre o “lugar comum” que uma coisa compartilha com outras coisas e seu lugar próprio ou peculiar. Cada coisa de fato está num aninhamento de lugares, um dentro do outro, mas seu lugar próprio é aquele que imediatamente a contém, ou seja, que não contém mais nada; e isso pode ser tomado como uma primeira definição de lugar.

O lugar deve ser uma de quatro coisas — forma, matéria, o intervalo entre as extremidades, ou as próprias extremidades.77 Mas (1) não é forma. As extremidades do recipiente e do contido coincidem, mas são diferentes, e a forma de uma coisa é o limite da coisa, enquanto seu lugar é o limite do corpo que a contém. (2) Como o conteúdo muda frequentemente enquanto o recipiente permanece, o intervalo entre as extremidades (isto é, as extremidades externas do conteúdo ou as extremidades internas do recipiente) é às vezes considerado como uma entidade distinta. Porém isso não é assim; o intervalo não existe por si só, mas como um acidente dos corpos que sucessivamente enchem o recipiente. Se houvesse um intervalo que existisse por si só e permanecesse em si mesmo, (a) haveria um número infinito de lugares no mesmo lugar. Porque quando a água e o ar mudassem de lugar, as partes da água fariam o mesmo por toda a água da mesma maneira que a água faz no recipiente, ou seja, partiriam e deixariam lugares auto-subsistentes para trás. E b) se o recipiente fosse deslocado, o espaço da coisa contida seria deslocado, de modo que um lugar viria a ter outro lugar. Mas, a nosso ver, o lugar exato ou imediato da coisa contida não se torna diferente quando o recipiente é movimentado. O recipiente é deslocado para um novo lugar, e o lugar de seu conteúdo permanece o mesmo, ou seja, a superfície interna do recipiente. (3) A matéria poderia parecer ser lugar, se se considera o caso de uma coisa (a) contida em um recipiente em repouso, e (b) contínua com seu recipiente. A matéria tem as mesmas duas qualidades, repouso (ou seja, persistência através da mudança) e continuidade. O fenômeno que dá origem à crença no lugar é como aquele que dá origem à crença na matéria; acreditamos na matéria porque o que era ar agora é água, e no espaço porque onde havia ar agora há água. Mas a matéria de uma coisa não é separável dela nem a contém, enquanto que o lugar de uma coisa é separável dela e a contém de modo que a matéria não é lugar.

Portanto (4) o lugar é o limite de um corpo continente.78 Mas deve ser feita uma distinção entre o recipiente de uma coisa, ou corpo que contém uma coisa, e seu lugar; o recipiente pode ser chamado de um lugar móvel ou o lugar de um recipiente não-móvel. Um riacho em movimento é o recipiente e não o lugar do barco que ele transporta. Assim chegamos à definição final de lugar; é o primeiro limite não-movimentado do recipiente.79 Isto é, o lugar de uma coisa é o limite interno do primeiro corpo não-movimentado que a contém (primeiro, contando para fora a partir da coisa). Daí decorre que, enquanto tudo no universo físico está num lugar, o universo não está.80

É importante lembrar que Aristóteles não está oferecendo uma teoria do espaço. Ele quase nunca usa a palavra grega para espaço,81 e sua visão sobre o espaço pode ser encontrada em sua discussão sobre μεγέθη, magnitudes espaciais. Ele está aqui discutindo as diferentes noções de lugar, e é impossível exagerar o engenho com o qual ele tenta fazer justiça ao que está implícito na noção de lugar de uma coisa, sem “multiplicar entidades além da necessidade”. No limite interno do corpo continente, ele encontra algo que satisfaz os requisitos, e ele se recusa, portanto, a reconhecer qualquer outra entidade como implícita na noção.

O Vazio

Aristóteles começa82 observando que aqueles que falam do vazio pensam nele como uma espécie de lugar; há um plenum quando um lugar contém o volume que é capaz de conter, e um vácuo quando não o faz; vácuo, plenum e lugar são a mesma coisa, mas “seu ser não é o mesmo”. Aqueles, por outro lado, que tentam refutar a existência do vazio, o fazem provando experimentalmente a corporeidade do ar, mas isso está para além da evidência; o que os crentes no vazio querem dizer é que há lugares onde não há ar nem qualquer outra matéria. O fato do movimento no lugar é pensado no sentido de apoiar tanto a crença no lugar quanto a crença no vazio.83 Contudo, o movimento não implica um vazio, pois os corpos podem ocupar os lugares uns dos outros sem que haja um intervalo separável dos corpos; isso podemos ver em movimentos de vórtice em líquidos.84 Os corpos podem ser “compactados” mediante a expulsão das coisas neles contidas (por exemplo, do ar da água). O argumento para um vácuo retirado da expansão dos corpos pelo crescimento envolve-se em dificuldades; seguir-se-á que ou (1) nenhuma e nem qualquer parte de um corpo em crescimento cresce, ou (2) se cresce, (a) as coisas crescem de outra forma que não seja pela adição do corpo, ou (b) pode haver dois corpos no mesmo lugar, ou (c) o corpo inteiro deve ser vazio, se ele for aumentado em qualquer lugar e aumentado por meio de um espaço vazio dentro dele, — todas essas são consequências impossíveis. 

Aristóteles se propõe a provar (1) que não há nenhum vazio separado dos corpos.85 Vários de seus argumentos se voltam contra a noção equivocada de um  “movimento natural”. O argumento mais elaborado, entretanto, é aquele que ele pode reduzir à seguinte forma: a velocidade do movimento varia na relação entre o peso do corpo movido e a resistência do meio. Portanto (a) aquilo que passa através de um vazio não deve levar tempo para fazê-lo, e (b) um corpo leve não deve levar mais tempo para se mover através do vazio do que um corpo pesado. Porém, na verdade, não há nada que se mova sem tempo, e os corpos pesados sempre se movem mais rápido do que os leves,86

(2) Não há nenhum vazio ocupado por corpos.87 Se reconhecermos a maior parte de um corpo como algo distinto de suas qualidades sensíveis (ainda que separável apenas em pensamento), não precisamos reconhecer, adicionalmente, um vazio.

(3) Não há interstícios de vazios nos corpos.88 Em favor de um vazio, argumentou-se que se houver diferenças de densidade entre corpos deve haver um vazio, e que se não houver diferenças de densidade entre corpos não há compressão e, portanto, ou (a) o movimento nunca ocorre, ou (b) quando ele ocorre todo o universo material deve se expandir, ou (c) quando uma quantidade x de ar passa a uma quantidade y de água, uma quantidade y de água deve passar simultaneamente a uma quantidade z de ar. Diante desse argumento, Aristóteles primeiro mostra que um vazio não vai ajudar a explicar os fatos. Depois ele tenta dar um relato positivo.89  As alternativas (a)(b), (c) acima são as únicas alternativas se não houver densificação e rarefação. Densificação e rarefação ocorrem, mas a existência de um vazio não pode ser inferida. Há uma única matéria dos opostos que, por ser potencialmente, digamos, quente, chega a ser assim em ato. Do mesmo modo, a mesma questão serve para um corpo grande e para um corpo pequeno. Quando a água se transforma em ar, a mesma matéria, sem qualquer adição de fora, torna-se na verdade o que era potencialmente. Assim também acontece quando o ar é contraído ou expandido. Como a mesma matéria que estava fria se torna quente, a mesma matéria que estava quente pode se tornar mais quente, sem que qualquer parte dela se torne quente sem que não estivesse quente quando o todo estava menos quente. Da mesma maneira, o tamanho de uma massa sensível pode se expandir sem adição de fora, porque a mesma matéria é capaz de ocupar mais ou menos espaço. Assim, Aristóteles explica o crescimento e a diminuição dos corpos da mesma maneira que a mudança qualitativa, como devido a uma matéria capaz de vários estados, ou seja, “de preencher o espaço com todos os graus de intensidade possíveis”.90 Essa é a doutrina que ele coloca contra a doutrina do vazio. Em outro lugar91 ele aponta a analogia entre o vazio e o infinito. Não há um infinito atual, e nenhum vazio atual; mas assim como “a divisão nunca chega ao fim”, de modo que a linha (por exemplo) é infinitamente divisível, assim podemos sempre imaginar um corpo menos denso do que qualquer outro corpo. A matéria é contínua em todo o universo, mas não há limite para sua possível tenuidade.

Tempo

Depois de apontar as peculiaridades na natureza do tempo que sugerem que ou ele é irreal ou “dificilmente real”, Aristóteles passa a considerar sua natureza.92 Uma sugestão plausível é aquela que o identifica com o movimento ou a mudança. Mas isso não pode ser; pois há apenas um tempo, mas há muitos movimentos, e o tempo, ademais, não pode ser rápido ou lento. No entanto, o tempo implica mudança.93 Pois quando nosso estado de espírito não muda ou não temos consciência da mudança, não pensamos que o tempo tenha decorrido. Quando percebemos a mudança, pensamos que houve um lapso de tempo, e vice-versa. Qual é, então, a relação do tempo com o movimento? A magnitude espacial é contínua, e é o continuum primário. O movimento é contínuo porque ele é movimento através do espaço contínuo, e o tempo é contínuo porque ele é ocupado pelo movimento contínuo. Da mesma maneira, “anterior” e “posterior” referem-se principalmente ao espaço, depois ao movimento e, finalmente, ao tempo. Reconhecemos um lapso de tempo quando notamos uma distinção de antes e depois no movimento, ou seja, distinguimos dois “agoras” e um intervalo entre eles; pois o que é delimitado por um agora é o tempo. O tempo é “o número do movimento em relação ao antes e ao depois”; pois discriminamos quanto mais e menos por meio do número, e quanto mais e menos movimento pelo tempo. Porém, tempo não é número no sentido daquilo pelo qual numeramos (ou seja, no sentido de número puro), mas no sentido daquilo que é numerado; isto é, ele é o aspecto numérico do movimento.

Segue-se uma interessante e difícil passagem94 cujo objetivo é assinalar que, tal como o movimento é reconhecido ao se observar um único corpo em movimento sucessivamente em diferentes pontos, a passagem do tempo é reconhecida ao se observar que o caráter único da “agoridade” tem sido ligado a mais de um evento experimentado. O tempo depende do agora tanto para sua continuidade quanto para sua diferenciação em partes, tal como o movimento faz relativamente ao corpo em movimento, e a linha relativamente ao ponto. E, Aristóteles acrescenta, se é em virtude de seus agoras que o tempo é numerado, não devemos supor que os agoras são partes do tempo, da mesma maneira que os pontos não são partes de uma linha. Não há menos tempo, tal como não há menos linha.95

Aristóteles passa a considerar o que se entende por uma coisa estar “no tempo “.96 Estar no tempo deve significar (i) estar quando o tempo está, (2) ser uma parte ou atributo do tempo, ou (3) ser mensurável pelo tempo. Mas estar no tempo não é estar quando o tempo está, assim como tampouco estar em movimento ou no lugar é estar quando o movimento ou o lugar está. Presente, passado e futuro estão no tempo como sendo partes dele; os eventos estão nele enquanto sendo mensuráveis por ele. Eles são contidos pelo número (ou seja, pelo tempo) tal como as coisas no lugar o são pelo lugar. Como eles estão no tempo nesse sentido, deve haver um tempo maior do que qualquer coisa que está no tempo. Portanto, as coisas que são sempre não estão no tempo, pois elas não são contidas nem medidas pelo tempo. Uma vez que o tempo é a medida do movimento, é a medida do repouso; e somente as coisas que estão em movimento ou em repouso (ou seja, que estão ou podem estar em movimento) estão no tempo. Portanto, as verdades necessárias não estão no tempo. O tempo nunca falhará porque o movimento nunca falhará, e porque cada agora é por sua natureza o começo de um futuro, bem como o fim de um passado.97 

Aristóteles levanta, sem responder muito definitivamente, uma questão importante quando pergunta se haveria tempo se não houvesse alma.98 Poderia ser instado, ele aponta, que se não houvesse ninguém para contar, não haveria nada que pudesse ser contado e, portanto, nenhum número. Tudo o que poderia então existir não seria tempo, mas seu substrato de movimento, ou seja, ainda haveria movimento, mas não haveria aspecto mensurável.

O movimento cujo tempo é o número pode ser tanto de geração ou destruição, crescimento, mudança qualitativa ou locomoção; mas o movimento é naturalmente medido por meio de seu tipo primário, a locomoção, o único tipo de movimento que procede a um ritmo constante.99 E o tipo primário de locomoção é aquele que ocorre em um círculo. Daí a visão inicial que identificava o tempo com o movimento da esfera celestial, e também a visão que descreve os acontecimentos humanos, todas as mudanças e o próprio tempo como cíclicos.

Continuidade

A título de preliminar à sua discussão sobre a continuidade, Aristóteles procede para definir certos termos fundamentais.100 A é consecutivo a B quando está depois de B em algum aspecto (em posição, tipo, etc.) e nada na mesma classe está entre eles. A está em contato com B quando suas extremidades estão no mesmo lugar imediato. A é contínuo com B quando os limites pelos quais eles se tocam são um só. O contato implica em consecutividade, mas não vice-versa (por exemplo, os números podem ser consecutivos, mas não podem se tocar); e a continuidade implica em contato, mas não vice-versa. 

Dessa definição de contínuo decorre que nenhum contínuo pode ser composto de indivisíveis — nenhuma linha, por exemplo, de pontos.101 Porque (1) um indivisível não tem extremidades, e (2) se uma linha fosse composta de pontos, estes teriam de ser contínuos ou se tocar. Contínuos, como já vimos, eles não podem ser. Tampouco podem se tocar. Porque (a) o todo de um teria que tocar o todo de outro, ou ( b) parte de um teria de tocar parte de outro, ou (c) parte de um o todo do outro. (b) e (c) são impossíveis porque os pontos não têm partes; mas se (a) o todo toca o todo ele não será contínuo, pois o que é contínuo deve ter partes separadas no lugar. 

Ademais, o ponto não pode ser consecutivo ao ponto (que é uma condição prévia do toque), nem momento a momento, pois há uma linha entre quaisquer dois pontos e um tempo entre quaisquer dois momentos.

(3) Se o contínuo fosse composto de indivisíveis, ele poderia ser dividido em indivisíveis. Mas, se fosse, indivisíveis tocariam indivisíveis, o que, como vimos, não pode ser feito.

(4) Se a extensão for composta de indivisíveis, o movimento sobre essa extensão deve ser composto de movimentos indivisíveis, ou seja (como prova Aristóteles) de movimentos completados que nunca foram executados. Assim, o que se movia continuamente também estaria continuamente em repouso.

(5) Aristóteles acrescenta uma prova muito elegante da infinita divisibilidade do tempo e do espaço.102 Considere que A seja mais rápido que B e que B tenha se movido CD no tempo EF. A terá então se movido essa distância em um tempo menor EG. Assim, B terá no tempo EG coberto uma distância menor CH. Portanto, A terá movido a distância CH em um tempo menor, e assim ad infinitum. Somos conduzidos sem limite a tempos e distâncias cada vez menores.

Segue-se uma breve discussão sobre os paradoxos pelos quais Zenon tentou mostrar a impossibilidade de movimento.103 Aristóteles os discute mais detalhadamente em outro lugar;104 a essência de sua resposta é que, embora seja impossível atravessar um espaço infinito em um tempo finito, é possível atravessar um espaço infinitamente divisível em um tempo finito, uma vez que um tempo finito é em si infinitamente divisível. 

O restante do Livro VI da Física tem um interesse duplo. Ele desenvolve a doutrina da continuidade e da infinita divisibilidade do espaço, do movimento e do tempo em uma série de proposições admiravelmente deduzidas dos princípios fundamentais de Aristóteles; e ao fazê-lo, fornece algumas das premissas necessárias para a prova da existência de um primeiro motor imóvel. A principal noção, talvez, que tem que ser compreendida para tornar seu significado inteligível é a de “primeiro” tempo de um movimento. Um evento está em um aninhamento de tempos tal como um corpo está em um aninhamento de lugares; a morte de César ocorreu em 44 de março a.C. e também em 44 a.C. e também no primeiro século a.C. O “primeiro” tempo de um evento é o tempo que ele ocupa precisamente, seu tempo exato ou comensurável. Há, a esse respeito, uma estreita analogia entre o tratamento do tempo de Aristóteles e seu tratamento do lugar.

Devemos nos contentar aqui em expor o conteúdo principal do livro em forma de esqueleto: 

Cap. 3. o momento é indivisível, e nada se move ou repousa em um momento.

4. 234 b10–20. O que quer que mude é divisível.

4. 234 b21-235 a13. O movimento é divisível (a) em relação ao tempo que ele ocupa, (b) em relação aos movimentos separados das partes do corpo móvel.

4. 235 a13-b5. O tempo, o movimento, o corpo que está sendo movido, o corpo que está em movimento, e a distância que ele se move, todos têm divisões correspondentes.

5. 235 b6-32. Qualquer coisa que tenha mudado estará, tão logo tenha mudado, naquilo em que mudou.

5. 235 b32-236 a7. O tempo exato de uma coisa que mudou é indivisível (ou seja, um momento).

5. 236 a7-b18. Há um tempo exato de uma coisa esta sendo mudada, mas nenhum no qual ela começa a mudar.

6. 236 b19-32. Uma coisa muda em cada parte do exato tempo de sua mudança.

6, 236 b32-237 b22. Qualquer coisa que esteja mudando já mudou, e qualquer coisa que já tenha mudado já esteve mudando.

Cap. 7. (a) Nada pode levar um tempo infinito para executar, ou vir a repousar a partir de um movimento finito. (b) Nada pode realizar, ou repousar a partir de um movimento infinito em um tempo finito.

8. 238 b23-239 a22. (a) O que vem ao repouso está em movimento.

(b) A vinda ao repouso se dá no tempo.

(c) Se supomos que há um tempo exato de uma coisa que está indo ao repouso, ela será encontrada indo ao repouso em cada parte desse tempo.

(d) Não há tempo exato de uma coisa que está indo ao repouso.

(e) Não há tempo exato de uma coisa que está em repouso.

8. 239 a23-b4. Uma coisa não está, pelo tempo exato de seu movimento, em nenhum lugar exato. (Ch. 9. Solução dos argumentos de Zeno contra o movimento.) 

10, 240 b8-24a a26. Aquilo que não tem partes não pode ser movido.

10. 241 a26-b20. Não há uma mudança infinita, exceto o movimento em um círculo.

O Primeiro Motor

O conteúdo do Livro VIII pode igualmente ser exibido como uma série de proposições :

Caps. 1, 2. Sempre houve e sempre haverá movimento.

Cap. 3. Há coisas que às vezes estão em movimento, às vezes em repouso.

Cap. 4. Tudo o que é movido é movido por algo.

5. 256 a4-257 a31. O primeiro motor não é movido por nada além de si mesmo.

5- 257 a31-258 b9. O primeiro motor é imóvel.

6. 258 b10-259 s20. O primeiro motor é eterno e único.

6. 259 a20-b31. O primeiro motor não é movido nem por acidente.

6. 259 b32-260 a19. O primum mobile é eterno.

7. 260 a20-261 a28. A locomoção é o tipo primário de movimento.

7. 261 a28-b26. Nenhum movimento (ou mudança) é contínuo, exceto a locomoção.

8. 261 b27-265 a12. Somente o movimento circular pode ser contínuo e infinito. 

Cap. 9. O movimento circular é o tipo primário de locomoção.

Cap. 10. O primeiro motor não tem partes ou magnitude, e está na circunferência do mundo.
Que o primeiro motor está na circunferência do mundo se segue para Aristóteles a partir (a) da suposição de que o movimento deve originar-se ou do centro ou da circunferência, sendo esses os únicos “começos”; (b) da suposição de que o movimento transmitido diretamente pelo primeiro motor deve ser o mais rápido de todos os movimentos, uma vez que o impeto deve desvanecer no curso da transmissão; e (c) do fato (supostamente) observado de que o movimento da esfera das estrelas fixas é o mais rápido de todos os movimentos. Temos assim a visão de que todo o movimento no mundo é transmitido do “primeiro (ou seja, o mais externo) céu” e que o primeiro motor, por atuar diretamente sobre esse corpo, deve estar no exterior do universo. Aristóteles tenta em outros lugares105 dar concretude a essa ousada generalização, mostrando como os corpos celestes (e em particular o sol) através de seu movimento produzem os fenômenos meteorológicos que formam o cenário da vida terrestre, e por meio do ritmo do dia e da noite, do tempo da semente e da colheita, dão aos eventos terrestres sua forma e caráter geral. Mas a conclusão da Física nos deixa com dois problemas sem resposta. (1) Como pode o primeiro motor incorpóreo e não estendido, ainda assim, estar na circunferência do universo? E (2) como pode um ser incorpóreo transmitir movimento? Os dois modos de transmissão de movimento que Aristóteles reconhece em último caso estão empurrando e puxando,106 e o que é incorpóreo não pode ser creditado com nenhum dos dois. A essas perguntas ele tenta uma resposta na Metafísica107, O primeiro motor é descrito como causador do movimento ‘tal como um objeto de desejo’ ou de amor, ou seja, não como um agente físico, e portanto não precisa mais ser visto como tendo uma habitação local.108 Porém, essa solução levanta dificuldades não inferiores àquelas que ela remove.


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Notas

[1] Metafísica. 1025 b18-1026, a19

[2] Meteorologia, 338 a26-b3.

[3] Física, 184 a23, 200 b24.

[4] 192 b9~20

[5] Ib. I, 1

[6] I. 2, 3.

[7] I, 4.

[8] I. 5-

[9] I. 6.

[10] I. 7.

[11] I. 8.

[12] I, 9.

[13] 253 a7-20, 259 b1-16.

[14] 254, b33-255 b31. Cf. Do Céu 311 a9, 12, 

[15] II, 1.

[16] II, 2.

[17] Met. 1025 b30-1026 a10.

[18] De Caelo, 299 a15, etc. 

[19] Met. 1061 a28-b3.

[20] Cat. 4 b20 ff ; Met. 1020 a7-14.

[21] Met. 1036 a2-12, b32-1037, a5; De An. 403 b17.

[22] De An. 403 a25-b12; Met. 1035 b27-31, 1037 a5-7, 1043 a14-19.

[23] Partes dos Animais 646 a12-24.

[24] De Gen. et Corr. 329 a24-26.

[25] An. Post. 75 b14-17, 76 b22-25, 78b 35-39, 87 a31-37; Física 193 b25-30, 194 a7-12; Met. 997 b20-998 a6, 1073 b5-8, 1077 a1-6, 1078 a14-17.

[26]  An. Post. 75 b14, 76 a9, 22, 87 a31-37.

[27]  Ib 78 b35-79, a13.

[28]  Ib. 76 a9-13, 78 b34, 79 a10-13. 

[29]  Met. 1025 b27.

[30]  De An. 403 a29-b9 ; Partes dos Animais. 645 a30-36.

[31]  Física II, 3

[32]  An. Post. 71 b9~i2, 94 a20; Física184 a10-14.

[33]  104 b9.

[34]  A mais restrita das espécies; uma que não é um gênero para qualquer outra coisa.

[35]  Da Caelo, 311 a1-6.

[36]  Física II, 4-6

[37]  II. 5.

[38]  197 a5

[39]  II. 6.

[40]  1032 a27-29, 1034 a9-21.

[41]  1032 a30-32.; 1034 b4-6.

[42]  H.A 539 a15-25; G.A. 743 a35, 762 a8-15.

[43]  Met. 1027 a25 f.

[44]  Física II, 7. 

[45]  II, 8. 

[46]  199 a8-b32.

[47]  G.A. 744 b16, a36; De Caelo, 291 b13, a24; P.A. 686 a22, etc.

[48]  De Caelo, 271 a33 ; De Gen. et Corr. 336 b32.

[49]  Física II. 9, cf. P.A. 639 b21 ff.

[50]  Nos tempos de Aristóteles, as lanternas eram feitas com pedaços finos de chifres de animais, de modo que a luz passasse por eles ao mesmo tempo que se impedisse que a vela fosse apagada pelo vento. ,

[51]  An. Post. 94 b27-31. 

[52]  P.A. 663 b20-35, cf. 677 a15-17

[53]   Por exemplo: De Resp. 477 a14-30 ; P.A. 642 a31-b2, 663 b13 f.; G.A. 731 b20-31.

[54]  P.A. 642 a2, 677 a17-19; G.A. 743 b16, 789 b19.

[55]  G.A. 778 a26-b29.

[56]  Ib. 767 b13-23.

[57]  Meteor. 341 a1 ff.

[58]  Capítulo 9.

[59]  Ou Lei do Terceiro Excluído. 

[60]  E. 3.

[61]  De Gen. et Corr. II.11.

[62]  Física III, 1.

[63]  Por exemplo, De Gen. et Corr. 325 a23-34.

[64]  Física 232 a6-10, 240 b30-241 a6.

[65]  Parm. 156 d,e.

[66]  ἐνέργεια

[67]  V, 1.

[68]  Em III. 1, Aristóteles usa “movimento” como sinônimo de “mudança”, incluindo geração e destruição (200 b32-201 a16). Aqui ele alcança maior precisão de linguagem restringindo o “movimento” de modo a excluir “mudança em relação à substância”, ou seja, geração e destruição. Ambas as formas de falar ocorrem com frequência em seus outros trabalhos.

[69]  V. 2.

[70]  Esse argumento é elaborado em VII, 3. 

[71]  204 a6.

[72]  204 b1-206 a8.

[73]  III,6.

[74]  207 b27-34.

[75]  IV, 1. 

[76]  209 a3i-b2.

[77]  211 b6-9.

[78]  212 a5.

[79]  Ib. 20.

[80]  212 b20-22.

[81]  χώρα

[82]  IV, 6.

[83]  214 a22.

[84]  Isso é o que Aristóteles chama de ἀντιπερίστασις

[85]  214 b12-216 a26

[86]  Galileu supunha que Aristóteles estaria dizendo que corpos pesados cairiam mais rápido no vazio do que corpos leves, e foi o ceticismo em relação a isso que o induziu a lançar cargas de pesos diferentes da torre inclinada de Pisa, e assim levou à revolução da dinâmica. Mas na verdade Aristóteles está tentando refutar o vazio, mostrando que nele corpos pesados e leves teriam que se mover com igual velocidade, num aspecto, e noutro com uma velocidade desigual. 

A visão de Aristóteles sobre a velocidade do movimento ‘não-natural’ ou impressionado pode ser vista em Física. 249 b30-250 a7; De Caelo, 301 b4-11, onde ele enuncia o que é, em gérmen, o princípio das velocidades virtuais. “Se A for o movimento, B a coisa movida, C o comprimento pelo qual ela é movida, D o tempo que leva, então 

A moverá ½  B por uma distância 2 C no tempo D;
A moverá ½  B por uma distância C no tempo ½ D;
A moverá B por uma distância ½  C no tempo ½ D;
½ A moverá ½ B por uma distância C no tempo D;”

A teoria do equilíbrio e da alavanca se baseia nesse princípio em Mechanica (848 a11-19, 850 a36-b6). Mas Aristóteles vê que nem sempre é o caso que A moverá 2 B (ou que 1/2 A moverá B) sobre a distância 1/2 C no tempo D, pois A pode ser incapaz de mover 2 B (Física 250 a9-19).

[87]  216 a26—b21.

[88]  IV,9.

[89]  217 a10—b20.

[90] Joachim em De Gen. et Corr., p. 124, quem compara apropriadamente essa concepção da matéria com a concepção de Kant de ‘o real ‘ em ‘Antecipações da Percepção‘.

[91]  Met. 1048 b9-i7.

[92]  IV, 10.

[93]  IV, 11.

[94]  219 ’b9-220 a24.

[95]  220 a27-32.

[96]  220 b32-222 *a9.

[97]  222 a29~b7.

[98]  223 a21-29

[99]   223 a29-224 a2.

[100]  V, 3.

[101]  VI, 1.

[102]  232 a23-233 a21.

[103]  233 a21-bi5,

[104]  VI. 9; 263 a4-264 a6.

[105]  De Caelo, II. 3; De Gen. et Corr. II. 10; Meteor. I—III passim.

[106]  VII. 2, onde “arremessar” é tratado como um modo de empurrar, “carregar” como incidental a ser empurrado, puxado ou girado, e girar como uma combinação de empurrar e puxar.

[107]  A. 7.

[108]  Cf. De Caelo, 279 a18-22.

Sobre o Autor ou Tradutor

Bernardo Santos

Aluno do Olavão, bacharel em matemática, amante da Filosofia, tradutor e músico nas horas vagas, Bernardo Santos é administrador principal do Diário Intelectual.

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