“A Lei Natural e Aristóteles: Que é o Certo por Natureza?”, texto de Eric Voegelin, foi publicado originalmente aqui.

Na filosofia clássica, o “certo por natureza” era um símbolo, com a ajuda do qual o filósofo interpretava sua experiência noética acerca da ação humana correta. Por meio da dogmatização da filosofia, que começou com os estóicos e ainda não foi totalmente superada até hoje, o símbolo da exegese noética foi gradualmente separado de sua experiência subjacente e transformado, sob o título de “lei natural”, em um tópico das escolas de filosofia.
Na história moderna do direito, esse tópico, como uma idéia de um corpo de normas que afirma possuir validade eterna e imutável, exerceu uma influência significativa desde o século XVII, embora suas premissas noéticas não tenham sido elucidadas com clareza suficiente.
Infelizmente, mesmo em nossos dias, o debate sobre a lei natural, tendo recuperado um impulso renovado, ainda sofre seriamente devido ao caráter tópico de seu objeto, separado, por causa dessa atualidade, da experiência que lhe dá significado.
Tentaremos sondar os fundamentos do topos da filosofização dogmática e reconstituir o símbolo da exegese noética. Para isso, examinaremos a ocasião em que as expressões “direito” e “natureza” foram ligadas pela primeira vez em um contexto teórico mais amplo, a saber, o physei dikaion aristotélico (direito por natureza).
Esse caso obviamente merece nossa atenção, não apenas porque é o primeiro de seu tipo que garante a esperança de que possamos descobrir nele as bases experienciais do símbolo, mas também e especialmente porque o physei dikaion de Aristóteles é supostamente válido em todos os lugares e para todos os tempos, mas é ao mesmo tempo um kineton, ou seja, algo que pode ser mutável em todos os lugares. Assim, o conteúdo do conceito original difere consideravelmente do conteúdo do topos posterior.

A questão de como se deu a transição de um para o outro certamente exige uma investigação mais precisa, especialmente porque ela ainda não foi realizada. Essa questão, entretanto, está para além do escopo deste projeto. Nosso objetivo será atendido adequadamente ao esclarecer o significado do physei dikaion e ao desvendar algumas de suas implicações filosóficas.
Physei Dikaion: Esclarecendo um Termo Ambíguo
O texto em que o termo physei dikaion aparece carece de clareza a tal ponto que muitos supuseram que essa página específica da Ética a Nicômaco (NE 1134b18 e seguintes) foi escrita por outra pessoa que não Aristóteles. Isso pode até ser verdade, mas eu não iria tão longe.
O que de fato temos aqui parece ser uma primeira versão, possivelmente anotada durante um ditado. Qualquer pessoa que tenha se esforçado com a tarefa de penetrar em um grande complexo de pensamentos reconhecerá, ao ler o texto, uma contaminação mútua de várias sequências de pensamentos.
A página deveria ter sido reformulada para colocar a sequência associativa em uma ordem discursiva.
O texto não é claro porque (1) os conceitos rompem o esquema lógico do geral e do específico e porque (2) o termo physis recebe, nessas poucas frases, vários significados, de modo que somente o leitor experiente pode determinar com alguma certeza qual significado se aplica a qual passagem.
A Justiça Aristotélica está Ligada à Polis
A primeira razão para a falta de clareza envolve o complexo total da philosophia peri ta anthropina (filosofia dos assuntos humanos, NE1181b15 f.), como Aristóteles define a obra que compreende a Ética e a Política. Na medida em que essa é a razão mais penetrante, devemos abordá-la primeiro. Uma vez que a maior deficiência de clareza que afeta em geral a formulação de conceitos seja removida, os equívocos menores do termo physis podem ser resolvidos sem maiores dificuldades.
A falta de clareza na geração de conceitos relativos ao direito por natureza tem sua raiz no interesse dominante de toda a obra na teoria da polis e só pode ser removida por meio de uma interpretação do texto à luz do contexto teórico mais amplo. Para esse fim, são de especial relevância as definições de Política (1253a38 e seguintes), bem como a estrutura do Livro 5 da Ética a Nicômaco.
Na passagem acima da Política, Aristóteles formula três definições fundamentais:
A justiça (dikaiosyne) é um politikon;
O direito (dikaion) é a ordem (taxis) da koinonia politike (a comunidade política);
A decisão judicial (dike) é a determinação do que é certo (dikaion).
Inferimos dessas definições que Aristóteles queria estabelecer uma conexão essencial entre a polis e as questões de justiça e do que é o certo. Pois a justiça é um politikon; o dikaion, por sua vez, relaciona-se apenas à polis e não à ordem de algum outro tipo de associação; por fim, o julgamento do direito, seja ele entendido como uma máxima legal legislativa ou como uma decisão de um juiz, refere-se ao que é certo dentro da estrutura da comunidade da polis.

Assim, as declarações nas quais esses conceitos figuram não devem se tornar uma forma generalizada de uma “filosofia do direito” aristotélica, nem se pode concluir, por outro lado, a partir dessa relação com a polis, que essa ou aquela declaração não pode ser válida para outros tipos de associação. As declarações devem ser entendidas como “primariamente relacionadas à polis”.
O “Politicamente Correto” na Ética a Nicômaco
Essa regra que rege a interpretação é corroborada pela curiosa estrutura do Livro 5 da Ética a Nicômaco. Aristóteles começa com uma distinção da justiça em um sentido geral e em um sentido mais restrito; em seguida, subdivide a última em justiça distributiva e comutativa.
Tendo levado sua investigação bastante abrangente até esse ponto, ele subitamente lembra (1134a25) que seu objeto é, na verdade, a relação entre o que é geralmente correto e o que é politicamente correto (politikon dikaion). Tudo o que se segue após a seção sobre a justiça em geral acaba sendo uma única digressão extensa da qual agora retornamos — para não esquecermos — ao assunto proposto, o politikon dikaion.
Esse novo começo traz consigo novas subdivisões claramente definidas:
“O politikon dikaion consiste no direito physikon (natural) e no nomikon (convencional) (1134b20); o nomikon é eliminado, uma vez que, por definição, ele se preocupa com a adiaphoia, os assuntos essencialmente indiferentes, como regras de trânsito, medidas e pesos; finalmente, a investigação se concentra no physikon dikaion (direito natural) como o direito que se preocupa com o essencial”.
Dentro de cada uma das duas partes, a formulação de conceitos procede claramente de acordo com o esquema do geral e do específico; a obscuridade intervém no local da ruptura, onde a justiça no sentido geral torna-se subitamente relacionada à polis, e o conceito de dikaion politikon (direito político) é introduzido.
O Direito é a Lei Entre os Homens que São Iguais
O que, então, é “esse direito em um sentido político”?
Aristóteles define:
“É o direito que se obtém entre os homens que compartilham uma vida comum para que sua associação lhes traga auto-suficiência e que sejam livres e iguais. Portanto, em uma sociedade entre aqueles que não são nem livres nem iguais, não há nada justo no sentido político, mas apenas algo que apresenta uma semelhança (kath’ homoioteta).”
Para fundamentar essa definição, ele continua:
“Pois o justo existe apenas entre os homens cuja relação mútua é regulada pela lei (nomos), e a lei existe onde a injustiça (adikia) pode ocorrer. Isso também só é possível entre homens que são livres e iguais, pois somente entre eles há uma decisão judicial a respeito da justiça (dike) que distingue entre o que é justo (dikaion) e o que é injusto (adikon).”
Essas sentenças não apresentam um argumento, mas um fluxo distintamente circular de significados no qual o que é justo está intimamente ligado à polis e suas relações entre cidadãos livres e iguais, enquanto as relações entre homens pertencentes a outras associações afundam de maneira igualmente distinta em uma condição sombria de irrealidade.
Os significados flutuantes recebem alguma determinação adicional do termo nomos, introduzido nessas sentenças. Nomos, a lei, deve governar, não o homem. O governante não deve ser mais do que o guardião do dikaion, do que é certo, que é distribuído e comutativamente obtido entre os homens que são livres e iguais; se o governante viola o dikaion, se ele age em seu próprio interesse, atribuindo a si mesmo mais do que a parte que lhe é devida na condição de igual entre iguais, ele se torna um tirano.

Para Aristóteles, a regra do nomos, portanto, não acomoda nenhum conteúdo arbitrário da lei positiva; na verdade, só se pode falar de regra da lei quando a lei tem um conteúdo definido e substancial. Agora estamos em condições de dissipar as obscuridades causadas pelo interesse dominante de Aristóteles na polis.
A Justiça se Aplica a Outras Associações que Não a Polis
Acima de tudo, é preciso prestar atenção à natureza em múltiplas camadas dos significados em questão. Os conceitos referem-se principalmente à polis como uma manifestação de uma ordem essencialmente correta. Consequentemente, nesse nível, parece que a justiça, o direito, as leis e assim por diante poderiam ser relevantes apenas em referência à polis.
Entretanto, como Aristóteles sabe que os problemas trazidos por esses termos também dizem respeito a homens que vivem em outras associações que não a pólis, um segundo nível de significado é interpolado, no qual ressoam problemas correspondentes que estão para além da associação da polis.
Aristóteles reconhece não apenas um dikaion que é politikon (político), mas também um dikaion despotikon (senhor-escravo), patrikon (pai-filho) e oikonomikon (marido-esposa) — apenas o último deve ser distinguido do direito substancial da polis como um homoion, uma “semelhança”.
O direito de outras associações não deve, de modo algum, ser negado a um physikon, desde que também seja entendido, por sua vez, no modus deficiens (modo defeituoso) de uma “semelhança” — mas Aristóteles não tem muito a dizer sobre esses outros tipos do que é correto por natureza, uma vez que eles não são de interesse para a investigação do politikon.
O direito substancial, portanto, se funde com o direito da polis historicamente concreta, enquanto as questões de ordem correta para outros tipos de associação são reguladas para um esboço às margens da investigação.
O “Direito da Polis” não é Lei Positiva
Dado o domínio do politikon, nenhuma lei natural pode ser concebida para confrontar a lei positiva mutável como uma norma eterna e imutável, universalmente válida para todos os homens e sociedades. Isso ocorre porque o direito da polis, seu nomos, na medida em que constitui a ordem mantida pelo estado de direito entre homens livres e iguais, é ele próprio physei dikaion, direito por natureza.
O direito da polis não é lei positiva no sentido moderno, mas lei substancial, dentro da qual somente surge a tensão entre physei dikaion e um possível descarrilamento em legislação por despotismo humano arbitrário. De fato, o nomos da polis também é legislado de maneira correta e obrigatória nessa capacidade, mas esse atributo está abaixo da questão de o conteúdo do estatuto ser physei ou o produto da hybris humana.
Essa concepção aristotélica de nomos não parece diferir em princípio da concepção mais antiga de Heráclito ou Sófocles. Em Heráclito, encontramos a sentença (B 114) de que todas as leis humanas (anthropeioi nomoi) são nutridas por uma que é divina (theios nomos), que governa tanto quanto quer e é suficiente para todas as coisas, e mais do que suficiente.
E Antígona, de Sófocles, fala dos comandos não-escritos e inalteráveis (nomima), cujo surgimento não é visto por ninguém; ela não quer “tornar-se culpada perante os deuses” por se conformar às ordenanças que surgiram do pensamento obstinado (phronema) de um homem (Ant. 450-470).
Em Aristóteles, o theios nomos (lei divina) foi substituído pelo physei dikaion; portanto, o nomos não está mais sujeito ao critério do divino, mas ao da natureza. O que mudou com essa transformação do critério ou se, em geral, algo mudou só pode ser verificado por meio de um exame mais preciso do conceito de natureza.
O “Direito Político” deve ser Natural ou Convencional
A segunda razão para a falta de clareza é a mudança de significado do termo physis. Ora, depois que o motivo principal foi removido, podemos analisar o texto com vistas aos diferentes significados de physis. O direito político é physikon (natural) ou nomikon (convencional). Enquanto o physikon tem a mesma validade (dynamis) em todos os lugares e é independente do que os homens pensam, o nomikon se refere a coisas que poderiam ser ordenadas de uma maneira ou de outra, já que em termos de substância elas são obviamente indiferentes.

Depois dessas definições, Aristóteles interrompe sua linha de pensamento e cita uma opinião generalizada: Muitas pessoas pensam que o que é certo é totalmente nomikon (convencional), pois enquanto o que é imutável por natureza é o mesmo sempre e em todos os lugares — como, por exemplo, o fogo queima da mesma maneira aqui e na Pérsia —, o que é certo parece estar de fato sujeito a mudanças.
Contra essa perspectiva, ele argumenta que a sentença de que o que é certo é mutável não se aplica aos deuses de modo algum, ao passo que, entre os homens, mesmo que haja obviamente algo que seja certo por natureza, isso ainda é sempre mutável (kineton). Ele acrescenta que é fácil reconhecer quais são dikaia por natureza e quais não são.
Os Três Significados de “Natureza”
As dificuldades desse texto se resolvem se entendermos que a palavra physis (natureza) tem três significados: um físico, outro divino e o terceiro, humano, sem que Aristóteles indique qual dos três significados ele usa em cada caso específico.
Ademais, a linguagem apressada dessa passagem (1134b20 e seguintes) não distingue com precisão entre a legislação arbitrária na qual se baseiam os nomika e a legislação não arbitrária, mas estritamente delimitada, relativa aos physica.
Isso poderia facilmente ocasionar mal-entendidos, quando Aristóteles fala do dikaion physikon (direito por natureza), em um momento como aquilo que é válido em todos os lugares (tomando-o como sua substância divina), em outro momento como aquilo que é mutável (concebendo-o como sua realização por meio dos seres humanos em uma situação concreta).
Quando ele agora começa a falar de ta me physika all’ anthropina dikaia (o que é justo não por natureza, mas por ação humana), é realmente difícil decidir se por physika ele quer dizer natureza no sentido físico ou a substância divina. A única coisa certa é que os anthropina não são nomika em oposição a physika, mas a physika no terceiro sentido da realização humana do que ocorre por natureza.
Podemos dizer, de modo resumido, que o physei dikaion é o que é correto por natureza em sua tensão entre a substância divina imutável e a mutabilidade humana condicionada existencialmente.
Adaptação da Lei à Situação
Com a passagem que contrasta a physika com a anthropina (NE 1135a3), começa uma frase que recebeu pouca atenção por causa de seu contexto confuso, embora seja de fundamental importância para a ética e a política aristotélicas.
Aristóteles faz a seguinte comparação (NE 1134b35 ff.): Os nomika são baseados em acordo e utilidade, como, por exemplo, várias medidas padrão para o comércio atacadista e varejista são adotadas. O que se aplica às medidas que são adaptadas à situação do mercado também é válido para as dikaia, que não são physika, mas anthropina, pois mesmo as constituições (politeiai) não são as mesmas em todos os lugares, embora haja apenas uma politeia de acordo com a natureza (kata physin), a saber, a melhor.
Nessa passagem, como já mencionamos, os anthropina devem ser entendidos como o que é natural em sua realização humana e, portanto, não são equiparados aos nomika, mas apenas comparados a eles, sendo o tertium comparationis a adaptação a uma determinada situação.
O Problema Central da Ciência Política
Em primeiro lugar, essa passagem é importante porque, ao concluir o texto sobre o politikon dikaion, ela informa ao leitor que o conteúdo do direito político é a melhor constituição, cujo modelo Aristóteles delineou em Política 7-8. Ao contrário das idéias posteriores sobre a lei natural como a quintessência das máximas legais eternas e imutáveis, o direito por natureza aqui é idêntico ao paradigma da ariste politeia (a melhor constituição).
A investigação sobre o physei dikaion, portanto, não deve ser entendida como um corpo autônomo de ensinamentos que poderia ser desenvolvido em uma “doutrina do direito natural”; em vez disso, ela leva diretamente ao problema central da ciência política, a questão da ordem correta da sociedade.
Na medida em que essa passagem aponta para essa direção, ela é, portanto, em segundo lugar, importante para a estrutura geral da episteme politike de Aristóteles: Enquanto o esboço do modelo tenta apenas compreender o direito por natureza em seu aspecto imutável, a descrição das constituições concretas na Política exibe toda a gama de variações das tentativas humanas de realizar o modelo.
Somente as duas investigações combinadas, à medida que interagem mutuamente, constituem a totalidade da ciência política.
A Determinação Quádrupla do Direito
As tensões entre os direitos imutáveis da natureza e os modos mutáveis de sua realização ocorrem, entretanto, dentro da polis, cujo conjunto de problemas reconhecemos como o motivo dominante da elaboração dos conceitos aristotélicos.
Uma vez que a polis é a melhor comunidade (koinonia) por natureza, o direito como um todo é determinado como natural de uma maneira quádrupla.
Primeiro, ele é correto por natureza, porque a polis, como um tipo histórico de comunidade, é a melhor por natureza;
Segundo, é natural na medida em que se relaciona com a essência humana, em contraste com a adiaphora;
Terceiro, é — dentro da tensão — o preeminentemente natural que é válido em todos os lugares, semelhante, nesse aspecto, ao theios nomos (lei divina) de Heráclito;
Quarto, é o mutavelmente natural, o anthropinon, nas constituições concretas da polis; nesse sentido, é semelhante ao anthropeioi nomoi (leis humanas) de Heráclito.
Esse é um comentário sobre o texto a respeito do physei dikaion.

Phronesis é a Virtude Prática de se Fazer o Certo
O que é certo por natureza não é fornecido como um objeto que se prestaria, de uma vez por todas, à declaração em proposições corretas. Pelo contrário, ele tem seu modo de ser na experiência concreta do homem quanto ao que é certo, que é imutável e sempre o mesmo, e ainda assim, em sua realização, também mutável e sempre diferente.
O que temos aqui é uma tensão existencial que não pode ser resolvida teoricamente, mas somente na prática do homem que a experimenta. A mediação entre seus pólos não é uma tarefa fácil. Conhecemos a queixa de Sólon com relação à sua reforma: “É muito difícil reconhecer a medida invisível do julgamento correto; e, no entanto, somente essa medida contém os limites corretos (peirata) de todas as coisas.” (Sólon 6.2)
É muito fácil perder essa medida invisível e divina; uma vez perdida, ela será substituída pela arbitrariedade de um legislador que está buscando seus interesses especiais. Para cumprir essa tarefa com um mínimo de sucesso, o homem precisa de uma faculdade existencial, uma qualidade especial que lhe permita mediar entre os pólos da tensão. Essa faculdade Aristóteles chama de phronesis.
Os problemas da phronesis enquanto faculdade de mediação são paralelos aos da tensão entre a ordem correta e a ordem atual na polis. Ao lidar com o que é correto por natureza, Aristóteles permitiu que o politikon dominasse a elaboração de seus conceitos; da mesma maneira, ao lidar não apenas com a phronesis, mas com a virtude em geral, ele subsume essa elaboração à idéia de alcançar um equilíbrio na tensão existencial.
Essa concepção abrangente não tem recebido, até onde sei, muita atenção; no entanto, é essa concepção que dá peso a qualquer empreendimento no campo da ética, não apenas em Aristóteles. A fim de identificar os traços característicos de seu locus filosófico, é indicado recorrer a uma ontologia da ética.
Por Que a Verdade é Mais Certa no Caso Particular?
A intenção ontológica de Aristóteles se manifesta em sua atribuição de um grau mais alto de verdade à ação concreta do que aos princípios gerais da ética. Em NE1107a28 e seguintes, ele segue uma definição de virtude como a média entre os extremos com uma observação sobre o valor dos conceitos gerais na ética.
Não devemos nos deter em generalidades, diz Aristóteles, mas devemos olhar para o hekasta, os fatos ou casos concretos. Na ciência da ação humana, os princípios gerais podem ter uma gama mais ampla de aplicação (ou são mais amplamente aceitos): A palavra koinoteroi [generalidades de um grau mais elevado] também permite esse significado), mas os específicos são alethinoteioi, ou seja, contêm um grau mais elevado de verdade.
A razão para isso é o fato de que, ao entrarmos em ação, estamos lidando com coisas concretas (hekasta) e precisamos nos ajustar filosoficamente a elas. Enquanto outras ciências se esforçam para chegar a princípios gerais da mais alta generalidade com a mais ampla gama possível de aplicações, na ética as generalidades são relativamente desinteressantes, possivelmente porque já são universalmente conhecidas.
É somente em um nível mais baixo de abstração, na doutrina das virtudes particulares e na casuística, que entramos em contato com coisas que são realmente importantes; é a esses níveis mais baixos que Aristóteles atribui um grau mais alto de verdade.
A Verdade da Existência é Encontrada na Realidade da Ação
Não é de modo algum óbvio que os níveis inferiores mereçam o atributo de um grau mais elevado de verdade. Mesmo que a ação concreta seja considerada mais importante, por que os princípios e definições gerais deveriam ser “menos verdadeiros” do que as decisões que envolvem casos particulares?
Nessa identificação da verdade com o concreto, há um avanço do conhecimento do filósofo, hoje quase esquecido, de que a ética não é nem um catálogo de princípios morais, nem uma retração da existência das complexidades do mundo e uma contração da existência em um estado de tensão de preparação ou expectativa escatológica, conforme praticado pelos gnósticos existencialistas de nossa época, mas a verdade da existência na realidade da ação em situações concretas.
O que está envolvido aqui não são princípios corretos sobre o que é certo por natureza em um estado imutável, nem uma consciência aguda da tensão entre uma verdade imutável e sua realidade mutável (possivelmente ainda com tons trágicos), mas a mutabilidade, o próprio kineton e os métodos de elevá-lo à realidade de sua verdade. A verdade da existência é alcançada onde ela se torna concreta, ou seja, na ação.

O kineton da ação é o local onde o homem alcança sua verdade. Isso não significa que a ética nos níveis mais altos de abstração seria supérflua para a verdade da ação, pois a ação correta em situações concretas requer deliberação sobre os prós e contras na tensão em direção ao que é imutavelmente correto, e a premissa da deliberação racional é o conhecimento ético.
O Raciocínio Vai de Deus à Ação Humana
No entanto, é quando essa questão é levantada que Aristóteles está disposto, com base em suas experiências, a permitir outras possibilidades, na medida em que reconhece a ação correta, que atinge sua verdade sem a mediação do conhecimento ético. Na Ética a Eudemo, ele introduz o termo tyche, a sorte da ação correta.
Não haveria fim para a deliberação, argumenta ele, se surgisse razão após razão exigindo consideração, enquanto a razão deliberativa (nous) não tivesse uma origem e um início absolutos (arche) de seu raciocínio — sendo esse início Deus.
O raciocínio sobre a ação concreta é parcela de um movimento dentro do ser, que parte de Deus e termina na ação humana. Assim como Deus move (kinei) tudo no universo, o divino também move todas as coisas em nós (EE 1248a27). Com certeza, o divino em nós se move normalmente por meio do conhecimento (episteme), da mente (nous) e da virtude (arete), mas também pode prescindir desses instrumentos e nos mover sem eles, diretamente por meio do enthousiasmos.
Perto da certeza da ação correta encontrada nos homens sábios, há a certeza dos insensatos (alogoi) que atingem a marca da decisão correta por meio da divinação (mantike). Essa certeza da ação verdadeira sem o instrumento (organon) do conhecimento e da experiência faz de seu possuidor um afortunado, um eutyches.
Essas reflexões sobre o homem favorecido pela fortuna revelam uma conexão entre ética e ontologia, uma ontologia que ainda tem um caráter decididamente cosmológico. A partir do motor imóvel como causa primeira, o movimento do ser percorre o cosmos até a última coisa que é movida e, no reino da humanidade, até a ação humana.
Não são Particularidades Históricas no Sentido Moderno
Se, então, o que é correto por natureza é mostrado como tendo as características do kineton, a tradução desse termo como “mutável” pode estar correta, mas deve ser complementada pelo significado de “ser movido cosmicamente pela causa de todo movimento”. Os tons cosmológicos também devem nos impedir de entender o que está sendo representado como diferente de caso para caso simplesmente como particularidades históricas no sentido moderno.
As constituições da polis, que Aristóteles usa para exemplificar a mutabilidade do que é correto por natureza, de fato pertencem ao reino que hoje chamamos de história. No entanto, para o pensador helênico, elas apareciam como realidades de um reino a-histórico do ser. Não nos esqueçamos da comparação utilitarista de Aristóteles com a situação do mercado, para a qual uma ou outra medida pode ser adequada.
Essa questão não pode ser abordada em maiores detalhes neste momento, pois estamos tocando em um problema teórico da delimitação da história que quase não foi levantado hoje.
As Deliberações do Sábio são Ética
Quaisquer que sejam esses limites, para Aristóteles o histórico e o mutável a-histórico se fundem em um único complexo daquilo que está sendo movido pelo divino. O movimento pode tomar um atalho a partir da arche divina no homem até sua ação, ou pode usar os instrumentos da razão, do conhecimento e da virtude habitualmente adquirida.
O caso do insensato favorecido pela sorte não é a regra; na verdade, é o caso do homem sábio. O homem sábio, entretanto, delibera com base em seu conhecimento; e esse conhecimento pode ser ordenado e expresso na forma duradoura de proposições de vários graus de generalidade, forma essa chamada de ética.
Na medida em que esse estado constante de conhecimento é o instrumento usado pelo divino para alcançar sua verdade na realidade da ação, a própria ética é uma fase do movimento do ser que termina no kineton, e sua criação é uma obra de serviço em direção ao motor imóvel. A realização filosófica da ética tem sua dignidade como parte do movimento divino que leva à verdade da ação.
A Phronesis Como Base da Ética
O fundamento para uma ontologia da ética é estabelecido pela percepção de que o conhecimento e a deliberação éticos são partes do movimento do ser. Entre o que move e o que é movido, entretanto, há o homem que é ou não permeável ao movimento do ser.

De modo algum todos os homens são sábios ou afortunados; pelo contrário, a maioria deles permite que suas ações sejam determinadas pelo prazer (hedone) (NE 1113a35). O próximo passo, portanto, é a concepção de um homem no qual o conhecimento e a deliberação se combinam.
O grau de permeabilidade ao movimento do ser determina a classificação dos seres humanos, sendo que o mais elevado deles é o tipo spoudaios. O spoudaios é o homem maduro que deseja aquilo que é de fato desejável e que julga tudo corretamente. Todos os homens desejam o que é bom, mas seu julgamento acerca do que é de fato bom é obscurecido pelo prazer.
Se tentássemos descobrir o que é verdadeiramente bom por meio de uma pesquisa em qualquer grupo humano, obteríamos tantas respostas diferentes quanto as diferentes características dos entrevistados (NE 1113a32), pois cada indivíduo considera bom aquilo que deseja.
Portanto, devemos perguntar ao spoudaios, que difere dos outros homens por ver “a verdade nas coisas concretas” (hekastois), pois ele é, por assim dizer, seu padrão e medida (kanon kai metron) (NE 1113a34) — um princípio de método ao qual nossos cientistas sociais “empíricos” devem prestar atenção.
As passagens que tratam do spoudaios mostram muito claramente que Aristóteles não pode ver o que é correto por natureza como uma lei natural, um conjunto de proposições eternas e imutáveis, porque a verdade de uma ação concreta não pode ser determinada por sua subordinação a um princípio geral, mas apenas pelo questionamento do spoudaios.
A justificativa de uma ação não apela para um princípio imutavelmente correto, mas para a ordem existencialmente correta do homem. O critério de uma existência humana corretamente ordenada, entretanto, é sua permeabilidade ao movimento do ser, ou seja, a abertura do homem para o divino; a abertura, por sua vez, não é uma proposição sobre algo dado, mas um evento. Consequentemente, a ética não é um corpo de proposições, mas um evento do ser (Seinsereignis) que se permite falar sobre seu apelo à ordem correta do homem.
Phronesis Como Virtude da Ação Correta
A ontologia da ética é completada pela teoria da phronesis, aquela virtude que é, para Aristóteles, o locus no qual o movimento do ser no homem se torna realidade e, simultaneamente, recebe uma voz. A phronesis é a virtude da ação correta e, ao mesmo tempo, a virtude da verbalização correta da ação.
O texto não fornece nenhuma outra pista para uma caracterização geral da phronesis. Várias premissas platônicas, no entanto, estão implícitas, mas não podem ser explicitadas devido ao domínio do pensamento cosmológico. Antes de entrarmos em detalhes, é necessário falar um pouco sobre a doutrina da virtude na República e sobre a relação da doutrina da virtude em Aristóteles com ela.
Platão distingue três virtudes — sophia (sabedoria), andreia (coragem) e sophrosyne (temperança) — que determinam, por meio de seu respectivo domínio na alma, três tipos de caráter, enquanto a quarta virtude, dikaiosyne (justiça), zela pela relação correta de subordinação e superordenação das outras três; em outras palavras, ela também zela pela ordem geral da alma.
Com base nesse papel, a dikaiosyne de Platão está intimamente relacionada, embora não seja idêntica, à “justiça no sentido mais amplo” de Aristóteles. Fora do sistema fechado das quatro virtudes cardeais na República, a phronesis funciona como a virtude que é ativada no homem quando ele participa da opsis, a visão da idéia do bem. Resultante da abertura da alma, ela é uma virtude que informa completamente toda a existência, cuja formação por si só facilita a operação do sistema das virtudes cardeais.
Nós a chamamos de virtude existencial para distingui-la das virtudes com funções específicas. A phronesis de Aristóteles também é uma virtude existencial, mas seu caráter existencial não se torna suficientemente claro no clima do pensamento cosmológico, porque sua ativação por meio de uma experiência de transcendência não se torna explícita.
Virtudes Éticas x Dianoéticas
Além disso, o caráter dessa experiência é obscurecido pela classificação da phronesis sob as virtudes intelectuais na bipartição das virtudes de Aristóteles em virtudes éticas e dianoéticas.
A própria bipartição decorre, por sua vez, da diferença entre Aristóteles e Platão. Para este último, a relação da ação com a polis ainda estava relativamente fora de questão e, portanto, ele não tinha interesse em tal bipartição. Aristóteles, por outro lado, atribui ao bios theoretikos (vida contemplativa) o posto mais alto entre as formas de existência humana. Essa forma de existência oscila ambiguamente entre a experiência primária do cosmos, uma orientação transcendente e o estabelecimento de metas imanentes.
O fato de a classificação das virtudes em sua bipartição entre virtudes éticas e dianoéticas não funcionar é demonstrado pelo tratado sobre philia (NE 8-9), um tratado sobre um fenômeno concebido de forma muito ampla e com muitas camadas, cujo núcleo é o amor pelo nous divino.

O legado platônico da experiência de transcendência se afirma e compele Aristóteles a reconhecer a virtude que ele chama de philia, que, como amor noético, compreende o amor por Deus, bem como o amor pelo que é divino em nosso eu e em nosso semelhante. Essa parte da investigação de longo alcance deve ser vista como a penetração especificamente filosófica da questão da imago Dei.
A “Pequena Política” de Aristóteles
Ademais, no tratado sobre philia, a relação direta de Platão entre a experiência da transcendência e a ordem da comunidade também reaparece. Pois a philia noética, como amor ao nous divino, que vive em todos os homens e é comum a eles (um eco do nous de Heráclito como o xynon, o comum), torna-se a philia politike, a virtude central da comunidade política.
De fato, Aristóteles até tenta derivar os vários tipos de organização social e, particularmente, os tipos de constituição, de tipos específicos de philia (os capítulos relevantes, NE 8.9-11, formam uma “pequena” Política, cuja relação com a “grande” Política, infelizmente, passou praticamente despercebida).
É óbvio que Aristóteles conhece as virtudes existenciais, mas não as identifica claramente como tais, nem as diferencia das outras virtudes. Das três virtudes que podem ser reconhecidas com certeza como existenciais, pelo menos na medida de sua descrição, ele lida com a “justiça no sentido mais amplo” sob o título de virtudes éticas em NE 5, e com a phronesis como uma das virtudes dianoéticas em NE 6, e com a philia per se em NE 8-9.
Phronesis como Deliberação
Vamos agora examinar os principais pontos da investigação de Aristóteles sobre a phronesis. Eles são os seguintes:
“A phronesis é uma virtude de deliberação sobre o que é bom e útil para o homem. No entanto, nem toda deliberação sobre fins e meios para um fim se enquadra na phronesis, mas apenas a deliberação sobre a vida boa (eu zen) (NE 1140a26 e segs.). Através da limitação ao ‘eu zen como um todo’, o possuidor da virtude torna-se idêntico ao spoudaios, o homem maduro; mas na medida em que ele é o possuidor da phronesis, ele é chamado uphronimos.”
A deliberação com vistas a uma possível ação não pode se relacionar a coisas que não podem ser mudadas, nem a objetivos que não podem ser realizados (NE 1140a32 f.). A phronesis não é conhecimento sobre a ordem imutável do mundo; ela se relaciona apenas com assuntos humanos (anthropina) e, entre eles, novamente apenas com aqueles que podem ser objetos de deliberação significativa (NE 1141 b 8 ff.).
A “mutabilidade” nessas passagens não deve ser confundida com o kineton. O que é correto por natureza é mutável no sentido de que em cada caso sua realização é diferente. Nas passagens relativas à phronesis, no entanto, Aristóteles não fala de um kineton, mas estritamente no que diz respeito à possibilidade de ação, ou seja, de algo capaz ou não de ser diferente do que é. Consequentemente, a ação pode, ou não, ter um efeito de mudança nesse algo.
A phronesis, portanto, deve ser distinguida das virtudes dianoéticas da ciência (episteme), que nos permite tirar conclusões a partir de princípios; do intelecto (nous), que nos permite reconhecer os primeiros princípios; e da sabedoria (sophia), que, como uma combinação de ciência e intelecto, refere-se às coisas divinas (NE 6.6-7). Por fim, a phronesis deve ser distinguida da habilidade artística e técnica (techne), que se refere a coisas que podem ser mudadas, mas que produz artefatos e, portanto, não é uma ação que tem seu fim em si mesma (NE 6.4).
Phronesis como Conhecimento do Que é Bom
A phronesis possui a mesma característica moral (hexis) da ciência política. As duas são idênticas como virtudes, embora na linguagem geral, como Aristóteles aponta explicitamente, haja uma tendência a diferenciar de acordo com as categorias de ação, como entre ação em assuntos privados (phronesis em um sentido mais restrito) e questões políticas (NE 6.8). A identificação é importante para compreender o ponto seguinte, no qual a phronesis deve ser entendida como sempre incluindo a ciência política.
A phronesis não é idêntica à sabedoria (sophia), pois a sabedoria é o conhecimento das coisas mais honrosas (timiotata). Seria absurdo afirmar que a ciência política, ou phronesis, é o tipo mais elevado de conhecimento (spoudaiotate episteme), pois o homem não é a melhor coisa (ariston) no cosmos (kosmos).

A phronesis é, na verdade, o conhecimento sobre o que é salutar e bom para cada tipo de ser vivo (zoa), e o salutar e o bom são, respectivamente, diferentes para os homens e para os vários tipos de animais. Não poderia haver um único tipo de phronesis para todos os tipos de animais, assim como não poderia haver um único tipo de medicamento para todos eles. Tampouco se poderia reivindicar o termo sophia para a phronesis humana com base no fato de o homem ser mais elevado do que os animais, pois há coisas que, por natureza, são muito mais divinas do que o homem, por exemplo, os visíveis mais elevados (phanerotata), que compõem o cosmos (NE 6.7).
Limitações Cósmicas
Por meio de um resumo das determinações positivas e negativas dos pontos mencionados acima, pode-se concluir:
O pensamento de Aristóteles é dominado pela experiência do cosmos, no qual há diferentes tipos de coisas, entre elas também os homens. O homem não é o ser mais elevado em um mundo que se tornou imanente, no qual se poderia pensar que ele está acima de todas as coisas mundanas e que está sujeito apenas ao Deus transcendente. Pelo contrário, ele é uma “coisa” acima da qual existem coisas visíveis (phanerotata) mais elevadas no cosmos, a saber, as divindades estelares (Sterngötter).
Assim, a phronesis se torna um conhecimento com a ajuda do qual o homem realiza seu eu zen, o modo especificamente humano de permeabilidade à ordem do cosmos. Na medida em que o homem realiza essa permeabilidade de forma otimizada em sua existência, ele é um uphronimos; ele é um spoudaios apenas na medida em que ocupa a posição mais elevada entre as coisas de sua própria espécie. Uma posição mais elevada entre os zoa é ocupada pelos deuses das estrelas, dos quais temos conhecimento por meio da virtude da sabedoria; por essa razão, a phronesis não é o tipo mais elevado de conhecimento (spoudaiotate).
Além disso, não é conhecimento de modo algum, no sentido estrito do conhecimento de princípios e de proposições derivadas destes; é episteme apenas no sentido de um “tipo de conhecimento”.
Verdade na Ação
Essas limitações, decorrentes da pressão da experiência do cosmos, dão origem, na Ética a Nicômaco, que está sob a égide do legado platônico, a certas dificuldades.
Supõe-se que a phronesis, idêntica à ciência política, seja, por essa razão, a episteme kyriotate e architektonike, a ciência suprema e mestra do homem, a única que atribui a todas as outras ciências sua devida posição na polis (NE 1094a27 ff.). Essa ciência, que acaba de ser elevada ao posto mais alto da ciência da polis, é imediatamente identificada como uma ciência de um grau inferior de precisão (akribeia), por meio da qual não podemos alcançar mais do que um esboço da verdade (NE 1094b12 e seguintes).
Assim, existe um conflito cujo aspecto depreciativo é determinado pela insistência de Aristóteles em preservar a qualquer custo o caráter da phronesis como um conhecimento que possui sua verdade, não nos princípios gerais, mas na ação, sempre que ela se torna concreta.
A Ação como o Fim Último do Conhecimento
Sua investigação, portanto, retorna repetidamente a essa questão. Em NE 1141b14 e seguintes, phronesis é o conhecimento não apenas de princípios gerais, mas de coisas concretas, do hekasta. Por essa razão, é possível que homens que ignoram os princípios gerais sejam, às vezes, mais eficazes (praktikoteroi) na ação do que outros que têm esse conhecimento.
Aristóteles insiste ainda mais incisivamente em NE 1142a24 e seguintes, que a phronesis se relaciona com a coisa concreta última, pois o praktikon, a coisa verdadeiramente eficaz, é o eschaton, o último. (Nesse ponto, a amplitude de significado do praktikon é digna de nota: o que importa aqui não são os aspectos éticos, mas sim os aspectos efetivos da ação, até a magia efetiva).
A insistência de Aristóteles nesse ponto suscita a pergunta última sobre se a phronesis pode, de fato, ser adequadamente caracterizada como conhecimento da ação correta, pois esse modo de expressão interpõe entre o conhecimento e a ação a distância da objetividade que é precisamente o que Aristóteles queria eliminar.
Para ele, esse conhecimento se traduz em ação concreta, e a ação é o eschaton (o fim último) do conhecimento; o conhecimento é ação, e a ação é a verdade do conhecimento; o que separa os dois não é a distância entre sujeito e objeto, mas uma tensão noética no movimento do ser.
O Julgamento Inteligente não é Ação
O fato de essa ter sido, de fato, a intenção filosófica de Aristóteles é comprovado por sua diferenciação entre phronesis e synesis ou eusynesia, a virtude do entendimento e do julgamento corretos (NE 6.10).
O julgamento inteligente tem seu valor, mas não é ação. A synesis tem o mesmo escopo que a phronesis, mas não é idêntica a ela, pois a phronesis emite um comando (epitaktike), ordenando o que deve ser feito e o que não deve, enquanto a synesis é a virtude do julgamento e do entendimento corretos (kritike). O synetos, o homem de bom senso, sabe como avaliar a ação corretamente, mas não se torna um uphronimos, que age de forma correta e eficaz.
Como a synesis de fato coloca uma distância objetiva entre o conhecimento e a ação, que é precisamente o que a distingue da phronesis, esta última deve ser entendida ontologicamente. A virtude que Aristóteles chama de phronesis, ou ciência política, é uma virtude existencial; é o movimento do ser, no qual a ordem divina do cosmos alcança sua verdade no reino humano.
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