Sobre a Sabedoria: A Arte de Raciocinar Bem, A Arte da Descoberta, A Arte de Lembrar – Gottfried Wilhelm von Leibniz

Sobre a Sabedoria: A Arte de Raciocinar Bem, A Arte da Descoberta, A Arte de Lembrar, no original: On Wisdom – The Art of Reasoning Well, The Art of Discovery, The Art of Remembering, Gottfried Wilhelm von Leibniz, 1711

A Sabedoria é um conhecimento perfeito dos princípios de todas as ciências e da arte de aplicá-los. Chamo de princípios todas as verdades fundamentais que bastam para extrair delas todas as conclusões em caso de necessidade, após algum exercício e com alguma pouca aplicação. Em uma palavra, aquilo que serve para levar a mente a regular os modos, a subsistir honestamente e em todos os lugares — mesmo que se esteja entre bárbaros —, a preservar a saúde, a aperfeiçoar a si mesmo em todo tipo de coisa de que se possa ter necessidade e, finalmente, a proporcionar as conveniências da vida. A arte de aplicar esses princípios às exigências abraça a arte de julgar bem ou raciocinar, a arte de descobrir verdades desconhecidas e, finalmente, de lembrar o que se sabe no momento e quando se tem necessidade disso.

A arte de Raciocinar Bem consiste nas seguintes máximas: 

1. Nada jamais será reconhecido como verdadeiro, a não ser o que é tão evidente que não se possa encontrar motivo para dúvidas. É por isso que será bom, ao iniciar uma investigação, imaginar-se interessado em sustentar o contrário, a fim de ver se este incitamento não poderia despertar o interesse de descobrir se o assunto tem algo sólido a ser dito a seu favor. Pois os preconceitos devem ser evitados e nada deve ser atribuído a coisas a não ser o que elas incluem. Além disso, nunca devemos ter opiniões.

2. Quando parecer não haver meios de obter essa garantia, devemos, na espera de maior luz, contentar-nos com a probabilidade. Todavia, devemos distinguir os graus de probabilidade e devemos lembrar que tudo o que inferimos de um princípio que é apenas provável deve ostentar as marcas da imperfeição de sua fonte, especialmente quando várias probabilidades devem ser supostas para se chegar a essa conclusão, pois assim ela se torna ainda menos certa do que cada probabilidade que a serve de base.

3. Para inferir uma verdade a partir de outra, uma certa conexão, que deve ser ininterrupta, deve ser observada. Pois, uma vez que se pode ter certeza de que uma corrente se manterá quando se tiver a certeza de que cada elo separado é de bom material e que ele prende os dois elos vizinhos, ou seja, o anterior e o seguinte, podemos ter certeza da exatidão do raciocínio quando o assunto for bom, ou seja, quando nada de duvidoso entrar nele, e quando a forma consistir em uma concatenação perpétua de verdades que não permita nenhuma lacuna. Por exemplo, A é B, e B é C e é D, daí A é D. Essa concatenação sempre nos ensinará a nunca colocar na conclusão mais do que havia nas premissas.

A arte da Descoberta consiste nas seguintes máximas: 

1. Para saber uma coisa devemos considerar todos os requisitos dessa coisa, ou seja, tudo o que é suficiente para distingui-la de qualquer outra coisa. Isso é o que se chama definição, natureza, propriedade recíproca.

2. Uma vez encontrado um meio de distingui-la de qualquer outra coisa, essa primeira regra deve ser aplicada à consideração de cada condição ou requisito que participa desse meio, e todos os requisitos de cada requisito devem ser considerados. E isso é o que eu chamo de verdadeira análise ou distribuição da dificuldade em várias partes.

3. Quando chegamos ao fim da análise, ou seja, quando consideramos os requisitos que entram na consideração da coisa proposta e até mesmo os requisitos dos requisitos, e quando finalmente chegamos à consideração de algumas naturezas que são compreendidas somente por si próprias, que são sem requisitos e que não precisam de nada fora delas para serem concebidas, chegamos a um conhecimento perfeito da coisa proposta.

4. Quando a coisa merece, devemos tentar ter esse conhecimento perfeito presente na mente de uma só vez, e isto é feito repetindo a análise várias vezes até que nos pareça que vemos o todo com um único olhar da mente. E, para obter esse resultado, uma certa ordem de repetição deve ser observada.

5. A marca do conhecimento perfeito surge quando nada se apresenta na coisa em questão para a qual não podemos prestar contas, e quando não há conjunção cujo resultado não podemos prever diante de nós. É muito difícil conduzir uma análise das coisas, mas não é tão difícil completar a análise das verdades das quais necessitamos. Porque a análise de uma verdade se completa quando sua demonstração é encontrada, e nem sempre é necessário completar a análise do assunto ou do predicado a fim de encontrar a demonstração de uma proposta. Na maioria das vezes, o início da análise de uma coisa é suficiente para efetuar a análise ou obter um conhecimento perfeito a respeito da verdade que conhecemos da coisa.

6. Devemos sempre começar nossas investigações com o mais fácil, tais como o mais geral e o mais simples, do mesmo modo, com aquilo em que é fácil fazer experimentos e encontrar sua razão, tais como os números, as linhas e as moções.

7. Devemos proceder em ordem, e das coisas fáceis para as difíceis, e devemos tentar descobrir alguma progressão na ordem de nossas meditações, para que possamos ter a própria natureza como nosso guia e comprovante.

8. Devemos tentar não omitir nada em todas as nossas distribuições ou enumerações. Para isso, as dicotomias de membros opostos são muito úteis.

.9. O fruto de várias análises de diferentes assuntos particulares será um catálogo de pensamentos simples, ou daqueles que não estão longe de ser simples.

10. Tendo um catálogo de pensamentos simples, estaremos em condições de recomeçar a priori e explicar a origem das coisas, começando por sua fonte, em uma ordem perfeita e em uma combinação ou síntese absolutamente completa. E isto é tudo que nossa mente pode fazer no estado em que se encontra no momento.

A arte de Lembrar no Momento Certo e quando o que se sabe se faz necessário consiste nas seguintes observações:

1. Devemos nos acostumar a ser uma mente-presente, ou seja, ser capazes de meditar tão bem em um tumulto, em ocasiões e em perigo, como se estivéssemos em nosso gabinete. É por isso que devemos testar a nós mesmos em ocasiões e até mesmo procurá-las; com a precaução, porém, de não nos expormos a um mal irreparável sem que haja uma boa razão. Entretanto, é bom nos exercitarmos em ocasiões em que o perigo é imaginário ou pequeno, como em nosso esporte, em conversas, conferências, exercícios e comédias.

2. Devemos nos acostumar com enumerações. É por isso que é bom nos exercitarmos na coleta de todos os casos possíveis do assunto em questão, todas as espécies de um gênero, todas as conveniências ou inconvenientes de um meio, todas as maneiras possíveis de visar a algum fim.

3. Devemos nos acostumar às distinções; ou seja, sendo dadas duas ou mais coisas muito semelhantes, localizar imediatamente todas as suas diferenças.

4. Devemos nos acostumar com analogias; isto é, dadas duas ou mais coisas muito diferentes, encontrar suas semelhanças.

5. Devemos ser capazes de apresentar imediatamente as coisas que se assemelham muito à coisa dada ou que são muito diferentes dela. Por exemplo, quando se nega alguma máxima geral, é bom que eu possa apresentar rapidamente alguns exemplos. E quando um outro cita alguma máxima contra mim, é bom que eu possa de imediato contrapor-lhe um exemplo. Quando alguém me conta uma história, é bom que eu possa apresentar-lhe uma. 

6. Quando existem verdades ou conhecimentos em que a conexão natural do sujeito com seu predicado não é conhecida por nós, como acontece em matéria de fato e em verdades relativas à experiência, a fim de retê-las devemos fazer uso de certos artifícios, como, por exemplo, no caso das propriedades específicas da história simples, natural, civil e eclesiástica, da geografia, dos costumes, das leis, dos cânones e dos idiomas. Não vejo nada tão adequado para nos fazer reter essas coisas como os versos burlescos e às vezes o uso de certas figuras; também as hipóteses inventadas para explicá-las através da imitação das coisas naturais (com uma etimologia apropriada, verdadeira ou falsa, em relação à língua, Regula mundi, para imaginar certas ordens de providência para a história).

7. Finalmente, é bom fazer um inventário por escrito dos conhecimentos que são mais úteis, com um registro ou tabela alfabética. E, por fim, um manual portátil deve ser elaborado a partir do que é mais necessário e mais comum.


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Sobre o Autor ou Tradutor

Bernardo Santos

Aluno do Olavão, bacharel em matemática, amante da Filosofia, tradutor e músico nas horas vagas, Bernardo Santos é administrador principal do Diário Intelectual.

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