Sobre a Reforma da Metafísica e sobre a Noção de Substância, no original: On the Reform of Metaphysics and on the Notion of Substance, Gottfried Wilhelm von Leibniz, 1694)
Vejo que a maioria daqueles que se dedicam com prazer ao estudo da Matemática não gostam do estudo da Metafísica porque na primeira encontram a clareza e na segunda obscuridade. Penso que a razão principal disso é o fato de que noções gerais — consideradas perfeitamente conhecidas por todos — tornaram-se ambíguas e obscuras pela negligência dos homens e pela inconsistência de seus pensamentos, e aquilo que normalmente são dadas como definições não são sequer definições nominais, porque não explicam absolutamente nada. E não é de se admirar que este mal se tenha espalhado pelas outras ciências, que estão subordinadas a essa primeira e arquitetônica ciência. Assim, temos distinções sutis no lugar de definições claras, e no lugar de axiomas verdadeiramente universais temos regras gerais que são frequentemente mais quebradas por exceções do que apoiadas por exemplos. No entanto, os homens, por uma espécie de necessidade, muitas vezes fazem uso de termos metafísicos, e elogiam a si próprios dizendo que entendem o que aprenderam a dizer. E é evidente que os significados verdadeiros e frutíferos, não só de substância, mas também de causa, de ação, de relação, de semelhança e da maioria dos outros termos gerais permanecem, na maior parte das vezes, ocultos. Por isso, não é de surpreender que esta rainha das ciências, que é chamada de Filosofia Primeira e que Aristóteles definiu como a ciência desejada ou a que se deve buscar (ξητουμένη), permaneça até hoje no conjunto das ciências buscadas. Platão, é verdade, muitas vezes em seus Diálogos indaga sobre o valor das noções; Aristóteles faz o mesmo em seus livros intitulados Metafísica; no entanto, sem muito lucro aparente. Os últimos Platonistas caem em monstruosidades da linguagem, e os discípulos de Aristóteles, especialmente os Escolásticos, estavam mais desejosos de levantar questões do que de respondê-las. Em nossos dias, alguns homens ilustres também se dedicaram à Filosofia Primeira, mas até os dias de hoje sem muito sucesso. Não se pode negar que Descartes nos trouxe muitas coisas excelentes; que ele tem, acima de tudo, o mérito de ter renovado o estudo platônico ao desviar a mente das coisas dos sentidos e de ter, posteriormente, empregado utilmente o ceticismo acadêmico. Mas logo, por uma espécie de inconsistência ou de impaciência em afirmar, ele foi desviado: não mais distinguiu o certo do incerto, fez com que a natureza da substância corpórea consistisse incorretamente em extensão, e manteve falsas noções acerca da união da alma e do corpo; a causa de tudo isso era que a natureza da substância em geral não era compreendida. Com efeito, ele havia avançado, por assim dizer, para a solução das questões mais graves, sem ter explicado as noções que elas implicavam. Por conseguinte, nada mostra mais claramente até que ponto suas meditações metafísicas estão afastadas da certeza do que a escrita pela qual, com as orações de Mersenne e outros, ele tentou em vão vesti-las com um traje matemático. Vejo também que outros homens dotados de raro senso de penetração abordaram a Metafísica e trataram algumas partes dela com profundidade, mas envolvendo-as com tanta obscuridade que parecem supor em vez de provar. Porém a metafísica, parece-me, necessita de mais clareza e certeza, até mesmo mais do que a matemática, porque esta última traz consigo suas provas e corroborações, que é a principal causa de seu sucesso; enquanto que na metafísica somos privados dessa vantagem. Portanto, é necessário um certo plano particular na exposição que, assim como o fio do Labirinto, nos sirva, não menos que o método de Euclides, para resolver nossos problemas, por assim dizer, calculando; preservando, no entanto, sempre a clareza, a qual, mesmo na conversa comum, não deve ser sacrificada.
A importância dessas coisas é evidente, especialmente pela noção de substância que eu dou, porque é tão frutífera que dela seguem as primeiras verdades, mesmo aquelas que dizem respeito a Deus e às almas e à natureza dos corpos; verdades em parte conhecidas mas não suficientemente provadas; em parte desconhecidas até este momento, mas que seriam da maior utilidade nas outras ciências. Para dar uma amostra delas, é suficiente dizer que a idéia de energia, chamada pelos alemães de kraft, e pelos franceses de la force — e para cuja explicação elaborei uma ciência dinâmica especial —, acrescenta muito à compreensão da noção de substância. Porque a força ativa difere da força simples, que é familiar às escolas, na medida em que a força ativa — ou a faculdade dos escolásticos — nada mais é do que a possibilidade disponível para agir, que no entanto precisa, para passar à ação, de uma excitação externa, e por assim dizer de um estímulo. Mas a força ativa inclui uma espécie de ato ou ὲντελέχεια, que está a meio caminho entre a faculdade de agir e a própria ação, envolve um esforço, e, assim, por si só passa à operação; tampouco precisa de outra ajuda além da remoção dos impedimentos. Isso pode ser ilustrado pelo exemplo de um corpo pesado pendurado que estica a corda que o sustenta, ou por um arco tensionado. Porque, embora a gravidade ou a força elástica possa e deva ser explicada mecanicamente a partir do movimento do éter, a razão final do movimento na matéria é a força impressa na criação, uma força inerente a cada corpo, mas que é limitada e confinada na natureza pela própria colisão dos corpos. Eu digo, então, que essa propriedade da ação reside em toda substância; que sempre nasce dela algum tipo de ação; e que, consequentemente, a substância corpórea, não menos do que a espiritual, nunca cessa de agir; É uma verdade que aqueles que colocam sua essência na mera extensão ou mesmo na impenetrabilidade, e que imaginaram que conceberam o corpo absolutamente em repouso, parecem não ter entendido suficientemente. Surgirá, também, de nossas meditações o fato de que uma substância criada recebe de outra substância criada não a força em si, mas apenas os limites e a determinação de uma tendência ou virtude de ação já preexistente. Omito aqui outras considerações úteis para a solução do difícil problema relativo à operação mútua de substâncias.
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