“Quando não há alegria” foi extraído da obra El Espectador I (1916), do filósofo espanhol José Ortega y Gasset.
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Quando não há alegria, a alma se retira para um canto de nosso corpo e faz dele sua toca. De tempos em tempos, ela dá um uivo queixoso ou mostra seus dentes às coisas que passam. E todas as coisas nos parecem fazer seu percurso rendidas sob o peso de seu destino, e que nenhuma delas é forte o suficiente para dançar com ele em seus ombros. A vida nos oferece um panorama da escravidão universal. Nem o estremecer da árvore, nem a serra que vacilante incorpora seu peso, nem o velho monumento que perpetua em vão sua exigência de ser admirado, nem o homem que, por onde quer que ande, sempre carrega o semblante de quem está subindo uma colina – nada, ninguém mostra mais vitalidade que a que é estritamente necessária para alimentar sua dor e sustentar seu desespero.
E, ademais, quando não há alegria, acreditamos que estamos fazendo uma descoberta atroz. Muito especialmente, se a falta de alegria vem da dor física, percebemos com estranhas evidências a linha negra que limita cada ser e o encerra dentro de si, sem janelas para o exterior, tal como dizia Leibniz, todavia sem o infinito que este contente homem depositava dentro de cada um. Esta é a descoberta que fazemos através da dor, como se através de um microscópio: a solidão de cada coisa.
E como a graça, a alegria e o luxo das coisas consistem nos inúmeros reflexos que umas lançam sobre as outras e delas recebem – a sardana que todas elas dançam de mãos dadas – a suspeita de sua solidão radical parece diminuir o pulso do mundo. Apagam-se as reverberações que resplandeciam em seus flancos; nada soa ou ressoa; as gargantas são mudas, os ouvidos são surdos e o ar intermédio, tal como paralítico, é incapaz de vibrar. O resto é fantasmagoria, festa irreal de luz que se acende por um instante nas longas nuvens vespertinas – pensamos. E é quase um regozijo de nossa falta de alegria seguir com nosso olhar as costas curvas, rendidas, de cada coisa que segue seu caminho solitário. E pressentimos que há escondido em algum lugar um nervo que alguém está ocupado a punçar ritmicamente. Na estrela, na onda do mar, no coração do homem, dá seu ritmo à batida da dor inesgotável…
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