José Ortega y Gasset

José Ortega y Gasset

José Ortega y Gasset (1883-1955) foi um prolífico e distinto filósofo espanhol do século XX. No decorrer de sua carreira como filósofo, teórico social, ensaísta, crítico da cultura e da estética, educador, político e editor da influente Revista de Occidente, ele escreveu sobre uma ampla gama de temas e assuntos. Entre seus muitos livros estão Meditações do Quixote (1914), España Invertebrada (1921), O Tema de Nosso Tempo (1923), Ideas Sobre la Novela (1925), A Desumanização da Arte (1925), O que é Filosofia? (1929), A Rebelião  das Massas (1930), Ao Redor de Galileu: Esquema das Crises Históricas (1933), História como Sistema (1935), O Homem e os outros (1939-40), Origem e Epílogo da Filosofia (1943), La Idea de Principio en Leibniz y la Evolución de la Teoría Deductiva (1948). Além desses livros, ele também escreveu centenas de ensaios e artigos de jornais e revistas, os mais importantes dos quais estão reunidos em doze volumes, vários foram traduzidos para o inglês, francês e alemão. Seus principais escritos revelam um desenvolvimento intelectual que atravessou as experiências de vida mundial, articuladas dentro das perspectivas da fenomenologia, do historicismo e do existencialismo.

A percepção de Ortega da vida humana como realidade fundamental e como “acontecer”, sua análise da distinção ontológica entre “ser” e “ser autêntico”, sua descrição da interação intersubjetiva do “eu” e dos “outros” no mundo social, seus conceitos de “geração”, “contemporâneos” e “coetâneos”, e suas idéias de “perspectivismo”, “vital” e “razão histórica”, tudo isso se combina para ampliar e avançar sua filosofia das realidades humanas sociais e históricas. Através dessas orientações intelectuais, Ortega se preocupou com o status epistemológico do conhecimento histórico e abordou a filosofia crítica da história enquanto interpenetração de atitudes filosóficas e históricas. A filosofia crítica da história refere-se assim à posição que caracteriza o mundo que conhecemos e no qual atuamos como produto da atividade humana e da mente. Assim, Ortega representou o pensador reflexivo “moderno” que tratou a história a partir da filosofia, e cujas teorias da história como fonte do conhecimento humano resumiram a tendência de conectar conceitos de temporalidade histórica e de mente. Ele desafiou as abordagens positivistas da história e contribuiu com um aspecto importante para o conceito moderno de história: o princípio de que há conexão e significado na história humana, que emana de um princípio de continuidade inerente às vidas humanas individuais.


1. Biografia

1.1 Início da Vida

José Ortega y Gasset nasceu em 9 de maio de 1883, em Madri, sendo o segundo dos quatro filhos de José Ortega Munilla e Dolores Gasset Chinchilla. Eduardo Ortega y Gasset, seu irmão, nasceu em abril de 1882, e depois de José, Rafaela em 1884 e Manuel em 1885. Sua mãe era filha de Eduardo Gasset y Artime, fundador do El Imparcial, o eminente jornal diário liberal; Ortega dividiu seu tempo entre a escrita criativa e o trabalho como editor da empresa familiar entre 1900 e 1906. De setembro de 1891 a 1897, Ortega e seu irmão Eduardo foram matriculados no Colégio Jesuíta de San Estanislao de Kostka em Miraflores del Palo, em Málaga, onde estudou grego e outros assuntos sob a tutela do Padre Gonzalo Colomer e recebeu seu bachillerato. Em novembro de 1897, o jovem Ortega matriculou-se na Universidade Jesuíta de Deusto, em Bilbao, acompanhado do Padre Colomer, com o objetivo de estudar filologia e grego com o renomado estudioso Julio Cejador y Frauca. Ele permaneceu em Deusto, estudando filosofia, letras e direito até 13 de maio de 1898, quando recebeu a distinção em seus exames do primeiro ano na Universidade de Salamanca. Miguel de Unamuno, figura eminente nos meios intelectuais espanhóis e decano do corpo docente, fez parte do painel de examinadores. No ano seguinte, Ortega se transferiu para a Universidade Central de Madri, da qual recebeu sua licenciatura em filosofia e letras em junho de 1902, e seu doutorado em dezembro de 1904. Ele escreveu sua tese Los Terrores del Año Mil, na qual se tornou evidente um interesse inicial por uma abordagem interpretativa geral da história, com vistas às manifestações sociológicas de um período histórico. Enquanto estava na Universidade Central de Madri, Ortega desenvolveu uma estreita amizade com Ramiro de Maeztu, com quem compartilhou um entusiasmo pela filosofia de Friedrich Nietzsche. Em 1904, no ano anterior à sua partida para a Alemanha, Ortega escreveu seu primeiro artigo para o El Imparcial, o jornal da família, sobre o poeta belga Maurice Maeterlinck.

1.2 Ortega na Alemanha

No final de fevereiro de 1905, Ortega deixou a Espanha e foi para a Alemanha “fugindo”, descreveu mais tarde, “da vulgaridade de meu país para me empanturrar de tudo o que eu possa obter fora dele” (El Imparcial, 19 de janeiro de 1908, p. 1; Obras, X: 24). Essa primeira viagem à Alemanha resultou em uma estadia de oito meses na Universidade de Leipzig, onde ele prosseguiu o estudo da filologia clássica e da filosofia. A proficiência de Ortega em alemão mostrou-se inadequada para estudar filologia, mas essa deficiência linguística não impediu seu entusiasmo: ele se matriculou nos cursos de língua e linguagem indo-européia ensinados pelos professores Brugmann e Meyer. Embora o tempo dedicado aos estudos filológicos o tenha distraído um pouco do treinamento filosófico que buscava inicialmente, Ortega foi apresentado aos escritos de Wilhelm von Humboldt, Ernest Renan, Hippolyte Taine, Arthur Schopenhauer, Friedrich Nietzsche e Charles Darwin, e participou dos cursos de anatomia, fisiologia e psicologia de Wilhelm Wundt que, apesar de ter sido nomeado coordenador do curso de filosofia, atuou como professor de fisiologia e psicologia em Leipzig. Ele retornou a Madri no verão de 1906, onde recebeu a notícia de que havia recebido uma bolsa do Estado para retomar seus estudos na Alemanha por mais um ano. Em poucas semanas, partiu para a Universidade de Berlim, onde Wilhelm Dilthey, Friedrich Paulsen, Eduard Meyer, Heinrich Wölfflin, Georg Simmel, Carl Stumpf, Max Planck e Alois Riehl estavam lecionando. No entanto, Ortega só assistiu às palestras de Riehl enquanto estava em Berlim, o que mais tarde ele veio a lamentar, pois perdeu a oportunidade de encontrar dois pensadores que ele admiraria posteriormente: Dilthey e Simmel. Seis meses depois, Ortega deixou Berlim para a Universidade de Marburg, onde começou seus estudos filosóficos, juntando-se a Nicolai Hartmann, Paul Scheffer e Heinz Heimsoeth segundo os filósofos neocantianos Hermann Cohen e Paul Natorp. Uma vez inscrito na “cidadela do Neo-Kantianismo” (Obras, VIII: 32), Ortega estudou Kant e a história da filosofia com Cohen e psicologia e pedagogia com Natorp. A Universidade de Marburg, com sua investigação sobre os fundamentos lógicos das ciências naturais e sua ênfase nas facetas epistemológicas e metodológicas da filosofia, forneceu a Ortega o tipo de fundamentação filosófica e treinamento que ele vinha buscando.

1.3 Ortega na Espanha

Em fevereiro de 1908, Ortega retornou a Madri onde sua nomeação para a equipe do El Imparcial e sua fundação Faro, uma revista semanal, tornou-se o primeiro de vários empreendimentos editoriais. Eles serviram como o veículo pelo qual ele transmitiu sua avaliação crítica das culturas espanhola e européia. Com sua partida para a Alemanha em 1905, a questão intelectual dominante entre a intelligentsia tinha sido a regeneração da Espanha e a questão fundamental, “o que deve ser feito: A ‘hispanização ou europeização'”. Com seu retorno em 1908, a questão continuou sendo o tema central das discussões prolongadas, sendo que a única adição eram as idéias críticas de Ortega. Em uma edição de 1908 do Faro, o historiador e político conservador Gabriel Maura y Gamazo (1879-1963) cunhou pela primeira vez a designação “Geração de 1898”, que foi popularizada pelo romancista Azorín (José Martínez Ruíz, 1873-1967), membro do grupo, em artigos de jornais posteriores em 1910 e 1913. Em 23 de fevereiro de 1908, Maura engajou-se em discussões polêmicas com Ortega e referiu-se à “geração que chega hoje; uma geração que nasceu intelectualmente na raiz do desastre” (Obras, X: 31-38). A Geração de 1898 adquiriu seu nome com o desenrolar dos acontecimentos da Guerra Hispano-Americana, que apresentou a percepção de uma catástrofe nacional e forneceu um contexto para suas críticas nacionais e sociais. Os espanhóis perceberam a guerra como um desastre nacional, e a Geração de 1898 reuniu-se para discutir o que eles consideravam ser a degeneração da Espanha.

Em junho de 1908 Ortega foi nomeado professor de ética, lógica e psicologia na Escola Superior del Magisterio (Escola Normal), que ele havia ajudado a fundar. No final de outubro, na Assembléia para o Progresso da Ciência realizada em Zaragoza, ele falou veementemente a favor da regeneração da Espanha, ampliando seus horizontes dentro do pensamento europeu. Ortega prosseguiu nessas questões com seu ex-professor de grego da Universidade de Salamanca, Unamuno, mas o censurou por preferir “Africanizar” a Europa a “europeizar” a Espanha, convicção que levou a uma separação de caminhos no ano seguinte (Obras, I: 64). Em 8 de outubro de 1910, em um concurso aberto, Ortega apareceu diante de um júri que fora estabelecido para selecionar um sucessor para a cadeira de metafísica, que ficou vaga após a morte de Nicolás Salmerón (1838-1908). Um mês depois, ele recebeu a cátedra de professor na Universidade Central de Madri, com a notável idade de vinte e sete anos. Seis meses antes, em 7 de abril de 1910, Ortega casou-se com sua noiva, Rosa Spottorno y Topete, e de janeiro a outubro de 1911 o casal passou uma lua-de-mel atrasada na Alemanha, auxiliado por uma bolsa concedida através do Ministério da Educação Pública para estudos e pesquisas mais aprofundadas. Seu primeiro filho, Miguel Germán, nasceu em Marburg, em 28 de maio de 1911. O nome simbólico revela a importância de Cervantes e da Alemanha para Ortega. No final de dezembro de 1911, Ortega voltou a Madri para assumir suas funções de professor, e em janeiro de 1912, assumiu o cargo de professor de metafísica, cadeira que ocupou durante vinte e quatro anos, com apenas duas breves interrupções: uma vez em 1929, quando renunciou para protestar contra as invasões da liberdade acadêmica durante a ditadura de Miguel Primo de Rivera; e novamente, em 1931, quando Ortega se tornou um dos primeiros membros das Cortes Constituintes no início da segunda República Espanhola, até ser exilado da Espanha no início da Guerra Civil Espanhola em 1936.

1.4 Ortega como Líder Intelectual

No início da Primeira Guerra Mundial, Ortega começou a contribuir para a “missão cultural européia” da Espanha através de suas palestras sobre algumas das principais tendências dentro das correntes do pensamento europeu. Os pensamentos biológicos de Hans Driesch, August Weissmann e Jakob von Uexküll, e os pensamentos filosóficos, econômicos e sociais de Max Scheler, Georg Simmel e Werner Sombart foram apresentados aos estudantes universitários espanhóis pela primeira vez. Em julho de 1916, Ortega, seu pai e vários outros intelectuais espanhóis partiram da Espanha para a Argentina onde, entre agosto e outubro, Ortega deu uma série de palestras na Universidade de Buenos Aires sobre Kant e as correntes da filosofia continental contemporânea. Essas palestras se seguiram à recente chegada de Julio Rey Pastor, um notável matemático espanhol, que imigrou para a Argentina para elevar o nível de instrução matemática e científica na Universidade de Buenos Aires. A residência de Ortega em Buenos Aires o manteve afastado dos assuntos políticos, exceto por um artigo em junho de 1917 no qual ele criticava o papel dos militares na política. O comentário político precipitou sua saída definitiva do El Imparcial e motivou sua mudança com seu irmão, Eduardo, para juntar-se ao novo jornal diário El Sol, fundado por um amigo íntimo, Nicolás María de Urgoiti do La Papelera Española. O primeiro número foi publicado em 1º de dezembro de 1917. Cinco anos depois, Ortega também ajudou a estabelecer a editora Calpe (mais tarde denominada Espasa-Calpe), que imediatamente disponibilizou literatura clássica e contemporânea espanhola e européia em edições de livros de bolso a preços razoáveis. Entre tais atividades, Ortega tornou-se o fundador e diretor da mensl Revista de Occidente, publicando o primeiro número em julho de 1923. A Revista, que era dirigida a um público educado, rapidamente tornou-se uma das revistas intelectuais de renome na Europa. O órgão tornou-se uma verdadeira “Revista do Ocidente”, pois vários dos artigos, que eram traduções de obras publicadas anteriormente no exterior, eram de importantes tendências filosóficas e científicas representativas de “nossa época”: Spengler, Huizinga, Simmel, Uexküll, Brentano, Heimsoeth, Driesch, Pfänder, Müller e Russell. A revista também se tornou o principal meio da intelligentsia e, em conjunto com as tertulias de Ortega nos escritórios da Avenue Pi y Margall, ajudou a fomentar a geração poética de jovens intelectuais, a “Geração de 1927”. A Geração de 1927 surgiu como um termo para caracterizar uma certa semelhança de poetas e escritores na Espanha dos anos 20. O ano assinalou o momento em que intelectuais e estudantes começaram a resistir à ditadura do General Miguel Primo de Rivera como prelúdio da Segunda República. Como aconteceu com seus predecessores, a Geração de 1898, a crise nacional percebida criou um espírito de mentalidade coletiva, ou pelo menos uma identidade compartilhada, nos anos anteriores à Guerra Civil Espanhola. Vários dos jovens poetas da vanguarda foram publicados pela primeira vez pela Índice, fundada e dirigida por Juan Ramón Jiménez Mantecón (1881-1958), um seguidor do século XIX de Karl Christian Friedrich Krause (1781-1832), que havia sido um dos primeiros a reintroduzir temas modernistas na literatura espanhola. Outros membros da Geração de 1927 encontraram expressão através da Revista de Occidente. Ortega, cujas obras principais foram publicadas nos anos 1920, serviu como um dos mais importantes elos entre as duas gerações, dando assistência editorial aos poetas mais jovens e direcionando A Desumanização da Arte (1925) às suas preocupações. Junto com Américo Castro (1885-1972), Ramón Pérez de Ayala (1880-1962) e Eugenio d’Ors y Rovira (1882-1954), ele forneceu uma liderança intelectual que inspirou os jovens espanhóis a desenvolverem plenamente seus próprios esforços criativos.

Esses jovens artistas e poetas estavam marcando suas carreiras na crista de uma nova onda que varreu os círculos intelectuais na Europa e na Espanha. A política parecia perseguir a cultura e a arte. À medida que esses jovens poetas e artistas amadureciam e se identificavam com a Geração de 1927, tornaram-se mais ousados e dispostos a experimentar novas técnicas e meios de comunicação para produzir um impacto muito mais amplo e vívido. A colaboração amigável de Federico García Lorca (1898-1936) com o pintor Salvador Dalí (1904-1989), o diretor de cinema Luis Buñuel (1900-1983) e o compositor Manuel de Falla (1876-1946) demonstrou uma apreciação pela combinação de novas técnicas para extrair essências misteriosas da experiência humana. Suas obras ofereceram imagens vívidas do novo misticismo estético abstrato e do surrealismo dos anos 1920. Essas novas formas de arte e novos métodos de percepção de essências ocultas foram imediatamente associados às expressões estéticas que rejeitaram antigas moralidades e valores tradicionais, desenvolveram um maior interesse pela política e representaram uma sensibilidade criativa cada vez maior. De fato, essa nova liberdade encontrada na expressão estética foi estendida ao domínio da política. Em abril de 1929, depois que Ortega renunciou à cátedra de metafísica na Universidade Central de Madri em protesto contra as políticas educativas repressivas de Primo de Rivera, vários desses jovens intelectuais representantes de diversas posições políticas se voltaram para ele em busca de conselhos políticos e imploraram-lhe que orientasse seu movimento de reforma em prol de uma orientação “moderna” e “intelectual” em direção à “liberdade” na Espanha. Ortega declinou o papel de liderança proposto por García Lorca e pelo grupo de jovens intelectuais e ofereceu, ao invés disso, sua “simpatia, apoio e camaradagem”.

1.5 Ortega e a República

Em fevereiro de 1931, o governo convocou eleições municipais, preparando-se para as eleições parlamentares gerais. No mesmo período, Ortega, juntamente com o médico e escritor Gregorio Marañón (1887-1960) e o romancista e poeta Perez de Ayala, publicou o manifesto da “Agupación al Servicio de la República” (“Grupo a serviço da República”), apelando para uma associação de intelectuais e profissionais dedicados à realização do objetivo que uniria todas as classes e regiões geográficas sob uma bandeira nacional. A Agrupación se propôs a seguir o caminho entre os “becos sem saída” do comunismo e do fascismo: uma República. A visão política e o estilo intelectual de Ortega proporcionaram a inspiração e a liderança buscadas pela Agrupação e pela coletividade intelectual de Lorca após a súbita abdicação de Alfonso XIII e a proclamação da República em 14 de abril de 1931. Embora limitado através de restrições legais, La Agrupación apoiou a plataforma de candidatos socialistas republicanos. Catorze membros do grupo, incluindo Ortega, Marañón e Ayala, foram eleitos nas eleições parlamentares de junho. Ortega foi eleito para as Cortes Constituintes nas províncias de León e Jaén; ele renunciou a esta última cadeira. Os resultados das eleições revelaram que os candidatos republicanos receberam três vezes mais votos do que os monarquistas. As Cortes Constituintes reuniram-se em 14 de julho, uma data escolhida conscientemente para simbolizar a identidade da Segunda República com a Revolução Francesa de 1789. A Segunda República, quando observada no contexto mais amplo da história européia, foi a décima quinta e última de uma série de repúblicas que haviam sido instaladas durante as primeiras décadas do século XX.

Como membro das Cortes, Ortega experimentou as dificuldades práticas inerentes à natureza da liderança política. Manuel Azaña y Díaz (1880-1940), figura dominante no governo na época, e seu seguidor político se opuseram continuamente às idéias e à liderança de Ortega e seus associados do La Agrupación. No outono de 1932, Ortega abandonou a política ativa quando a comunicação se tornou virtualmente impossível devido aos incessantes argumentos e conflitos entre os seguidores de Ortega e Azaña. Assustado mas não angustiado, Ortega voltou à sua cátedra de metafísica na Universidade Central de Madri. Entre o momento de seu retorno à universidade e o início da guerra civil espanhola, Ortega continuou escrevendo artigos políticos no El Sol, identificando e criticando os políticos que ele pensava serem os principais responsáveis por conduzir a República na direção errada.

1.6 Exílio, Retorno e Últimos Anos de Ortega

Os comentários acríticos de Ortega não conseguiram protegê-lo da turbulência política da República. Assim, em 31 de agosto de 1936, durante as fases iniciais da Guerra Civil Espanhola, acometido por sérios problemas de vesícula biliar e sem saber o que esperar de seus inimigos políticos, Ortega, sua esposa, seus três filhos e seu irmão Eduardo embarcaram num navio francês de Alicante a Merseilles com a ajuda da Embaixada da França. Eles se estabeleceram em La Tronche, perto de Grenoble, até novembro, quando mudaram-se para Paris, onde permaneceram, entre o inverno de 1937 e agosto de 1939, exceto para viagens curtas para a Holanda e Portugal. A convite de Johann Huizinga, no final de novembro de 1937 a fevereiro de 1938, Ortega apresentou palestras em Roterdã, Amsterdã, Delft, Leiden e Haia. Após as palestras na Holanda, Ortega retornou a Paris, onde foi submetido a uma operação de vesícula biliar em outubro. Em fevereiro de 1939, ele viajou para o sul de Portugal para recuperar-se da operação. Enquanto estava em Portugal, a mãe de Ortega morreu em 21 de abril de 1939 em uma pequena cidade (Puente Genil) perto de Córdoba; em 12 de novembro do ano seguinte, sua irmã, Rafaela, morreu. Por fim, no final de agosto, Ortega partiu para a Argentina acompanhado de sua esposa e filha. Ele permaneceu na Argentina durante a maior parte da Segunda Guerra Mundial, lecionando na Universidade de Buenos Aires até o final de fevereiro/início de março de 1942, quando ele, sua esposa e filha se estabeleceram no Estoril, Portugal.

Em agosto de 1945, Ortega voltou à Espanha pela primeira vez desde o início da Guerra Espanhola. Ele passou o restante do verão em Zumaya antes de retornar a Portugal para o inverno. O retorno de Ortega ao seu país natal em 1945 marcou o fim de nove anos no exílio. Entretanto, para vários de seus compatriotas republicanos que permaneceram no exílio, um retorno à Espanha de Franco pôs em questão sua integridade intelectual. Os partidários de Franco, por outro lado, o consideravam um antigo inimigo e não confiável. Incapaz de republicar os números da Revista de Occidente por causa da intervenção governamental, Ortega publicou extensivamente em periódicos alemães. Embora sua cátedra em metafísica tenha sido oficialmente restaurada, Ortega nunca retomou seu ensino na universidade. Entretanto, em 1948, com a ajuda de seu ex-aluno e discípulo, Julián Marías (1914-2005), Ortega fundou o Instituto de Humanidades, em Madri, no qual lecionou e conseguiu atrair muitos estudantes e intelectuais liberais. Apesar de seu sucesso, o governo raramente permitiu que o Instituto funcionasse livremente e acabou fechando suas atividades em 1950.

Entre 1949 e 1955, Ortega evitou a pressão do governo espanhol ao reativar seus interesses culturais em conferências e reuniões no exterior, onde ele deu palestras e recebeu honras. No início de julho de 1949, ele visitou Aspen, Colorado, com seu bom amigo Ernst R. Curtius, o historiador cultural, para assistir e participar da comemoração do bicentenário do nascimento de Goethe, sob os auspícios e direção de Robert M. Hutchins e da Universidade de Chicago. Em setembro, ele visitou Hamburgo, Berlim, Darmstadt e Munique por razões similares. Em agosto de 1951, ele voltou à Alemanha para participar de uma conferência em Darmstadt (onde conheceu Heidegger) e para receber um doutorado honorário da Universidade de Marburg. A conferência, na qual Ortega foi convidado a participar em Darmstadt, foi patrocinada por cientistas e arquitetos para discutir “O Homem e o Espaço”. Essa breve reunião foi aparentemente agradável, pois nenhum filósofo abordou a questão delicada da originalidade ou similaridade de certos aspectos de seu pensamento durante o curso de suas conversas particulares. Em 1951, ele recebeu outro doutorado honorário da Universidade de Glasgow. A falta de saúde devido ao câncer de estômago e de fígado encurtou suas viagens após sua última palestra dada em maio de 1955 em Veneza. Em 18 de outubro de 1955, em Madri, Ortega morreu em seu apartamento no sexto andar da Calle Monte Esquinza 28.

2. Desenvolvimento Intelectual

2.1 O Neo-Kantianismo e a Busca do Método

Ortega dissociou-se de qualquer escola de pensamento em particular, embora ele fosse o primeiro a reconhecer que as idéias de um filósofo ficam ligadas às tradições filosóficas anteriores. Sua atitude em relação a esse aspecto intrínseco do pensamento torna-se aparente quando ele assinala:

Em nosso presente procedimento filosófico e na doutrina que dele resulta, levamos em conta e contemplamos uma boa parte do que foi pensado anteriormente sobre os temas de nossa disciplina. Isso é o mesmo que dizer que as filosofias do passado colaboram com a nossa, e que elas ainda estão vivas e ativas em nossa própria filosofia. (Obras, IX: 360)

A conexão mais importante e óbvia entre as correntes intelectuais na Europa e o pensamento de Ortega, então, foi a influência da filosofia alemã e, em particular, a de seus estudos na Universidade de Marburg. O Neo-Kantianismo em geral e Hermann Cohen em particular proporcionaram uma ampla influência sobre o desenvolvimento intelectual de Ortega. Ele estudou bastante com Cohen e Paul Natorp, e o primeiro serviu como o principal mentor da Ortega. Ortega lembrou essa relação em seu “Prólogo Para Alemanes” (Obras, VIII: 13-58) onde ele se referiu a Cohen, em retrospectiva, como “meu professor”. Algumas das influências críticas do Neo-Kantianismo de Marburg são discerníveis nos escritos de Ortega. Uma tentativa de distinguir a filosofia das suposições e afirmações — que seja idealista ou positivista — da metafísica especulativa caracterizou sua posição filosófica geral. Ortega rejeitou os sistemas metafísicos especulativos e, como Cohen, repudiou o enfoque da ciência natural à epistemologia com suas explicações naturalistas e psicofísicas da realidade sensível dos idealistas “subjetivos”. Embora Ortega hesite em prosseguir tão longe quanto Cohen, ou seja, postular os “fatos” da ciência a serem determinados completamente pelo pensamento, uma espécie de metafísica Neo-Kantiana permanece em seu ponto de vista filosófico fundamental. Pois, em vez de postular o pensamento puro como exclusivamente real, Ortega substituiu a lógica de Cohen pela noção de “vida humana”. Em outras palavras, a perspectiva generalizada de Ortega sobre a existência contém a vida humana em lugar da lógica humana como o princípio unificador subjacente da realidade. Os principais escritos de Ortega estavam preocupados com a idéia da vida como o “diálogo dinâmico entre o indivíduo e o mundo”; ele não estava preocupado, como Cohen, em atribuir à experiência externa uma realidade que está condicionada aos princípios da lógica e da física matemática. “A estrutura da vida é futurização”, escreveu ele,

o leit motiv mais insistente de meus escritos, inspirado, aliás, por questões muito distantes do problema vital ao qual eu o aplico — suscitado pela lógica de Cohen. (Obras, IV: 403–4)

Essa distinção feita por Ortega entre sua perspectiva vitalista e a lógica abrangente de Cohen sugere que a experiência de Ortega em Marburg o aproximou mais de um Neo-Kantianismo crítico do que de um Neo-Kantianismo absoluto. A abordagem crítica das questões filosóficas tornou-se um fator importante na influência do pensamento de Ortega e no treinamento filosófico que ele recebeu. Em suas “Reflexões sobre o Centenário de Kant” de 1929, Ortega, em retrospectiva, referiu-se metaforicamente à sua luta com a filosofia de Kant e Neo-Kantiana como tendo ocorrido em uma “prisão Kantiana”, (Obras, IV: 25); e em seu “Prólogo para Alemanes“, reconheceu que sua experiência na Universidade de Marburg foi um fator importante para influenciar seu desenvolvimento intelectual. “Nessa cidade”, refletiu, “passei o equinócio de minha juventude; a ela devo metade, pelo menos, de minhas esperanças e quase toda a minha disciplina” (Obras, II: 558-59, VIII: 20-21).

O retorno de Ortega a Marburg em 1911 sinalizou outra guinada em seus interesses intelectuais e seu desenvolvimento filosófico: a introdução à fenomenologia. Ele lembrou em seus escritos posteriores que, enquanto estudava em Marburg durante aqueles meses, ele e os colegas de Cohen e Natorp estavam profundamente imersos no idealismo Neo-Kantiano. Ortega, Nicolai Hartmann, Heinz Heimsoeth e Paul Scheffer discutiam entre si frequentemente sobre seus acordos, desacordos e insatisfação com o Neo-Kantianismo de seus mentores. O espírito crítico de sua “espontaneidade” intelectual tornou-se evidente em suas reações a todas as leituras que haviam empreendido sobre Kant, Parmênides, e a filosofia antiga em geral. Ao reconhecer os limites do renascimento kantiano e refletir sobre as tendências atuais na arte, literatura e filosofia, Ortega e seu grupo intelectual prosseguiram para além do idealismo Neo-Kantiano em direção “à costa imaginária”. Como qualquer viagem ao longo de costas imaginárias, a incerteza do horizonte exige um dispositivo náutico para os meios de navegação. Para Ortega e seus colegas intelectuais em busca de um sistema, o ambiente intelectual lhes proporcionou “o dom de um instrumento prodigioso: a fenomenologia” (Obras, VIII: 20, 42). Esse “despertar comum ” dos jovens do grupo, no entanto, também sinalizou seus caminhos separados. Em 1911, eles, enquanto grupo de estudantes, desafiaram coletivamente as posições de seus professores; ao deixarem Marburg, tiveram que buscar individualmente qualquer autonomia intelectual que pudessem descobrir na fenomenologia, e montar um sistema arquitetônico qualquer que pudesse ser obtido a partir dela.

2.2 A Fenomenologia como Método

Depois de 1911, as evidências apontam como ambos Ortega e Hartmann perseguiram interesses particulares na fenomenologia. Hartmann, que sucedeu Natorp como Presidente em Marburg em 1924, acabou se tornando importante nos desenvolvimentos filosóficos de Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer. Em 1912, Ortega começou a estudar a fenomenologia “seriamente” e em 1913, ele lembrou-se anos mais tarde, foram publicados o Jahrbuch für Philosophie und Phänomenologische Forschung, o Ideen de Edmund Husserl (Ideias Para uma Fenomenologia Pura, [1913, 1982]), e Formalism in Ethics and Non-Formal Ethics of Values de Max Scheler. Mais tarde naquele ano, em uma série de artigos que foram publicados na Revista de Libros, Ortega escreveu uma longa crítica da dissertação de Heinrich Hoffman, Estudios Sobre el Concepto de Sensació, que havia sido apresentada à Universidade de Göttingen durante o mesmo ano. No ensaio, que discutiu a psicologia descritiva de um dos estudantes menos conhecidos do Círculo de Göttingen, Ortega observou que

a influência — cada vez maior — da “fenomenologia” na psicologia tende a separar esta última, da maneira mais fundamental e mais salutar, a descrição da explicação. (Obras, VIII: 43, 47; I: 244-45)

Três das cinco seções da crítica elaborada sobre certos aspectos da fenomenologia de Husserl, em sentido geral, constituem a descrição pura das essências. Em vista dessa caracterização da fenomenologia como “psicologia descritiva”, Ortega enfatizou a importância de se distinguir a intuição individual essencial da “descrição pura” da essência feita por Husserl no Idéias daquilo que ele denominou como a definição equivocada da fenomenologia enquanto uma psicologia descritiva que alguns filósofos tendem a interpretar nas Logische Untersuchungen de Husserl (Obras, I: 249, 251). As afirmações psicológicas, para Ortega, devem ser distinguidas das afirmações puramente descritivas da fenomenologia, com o fundamento de que a psicologia se preocupa com fatos e afirmações e, portanto, são empíricas; por outro lado, a fenomenologia, tal como expressa em uma fórmula mais clara no Idéias de Husserl, preocupa-se com a “consciência”, a consciência humana. Através dessa formulação, Ortega afirmou que

é muito claro que a nova ciência [fenomenologia] não é psicologia, se por psicologia entendemos uma ciência empírica descritiva ou uma ciência metafísica. (Obras, I: 253)

A insatisfação de Ortega com essa compreensão psicológica do Idéias antecipou, em parte, as declarações feitas por Husserl em 1935. Em sua Crisis for European Sciences and Transcendental Phenomenology (1936), Husserl observou de passagem que vários dos parágrafos e locuções da fenomenologia transcendental podem ter induzido vários leitores a entenderem mal sua tese num sentido psicológico. Isso se torna tanto o caso da consciência quanto o que resta depois de toda a transcendência ter sido delimitada, a partir da tese da correlação noesis-noema. A natureza transcendental do conceito de noema facilmente poderia ter sido mal interpretada em favor de uma compreensão psicológica, particularmente tendo em vista o fato de que a característica radical tanto da tese de epoché como da tese de “constituição” não foi plenamente desenvolvida para sua satisfação. A exposição da epoché nas Idéias, lembrada por Husserl na Crisis, apareceu demasiado cartesiana, implicando que se pode mudar subitamente do ponto de vista natural para o transcendental (1936 [1970: 154-5]). Segundo Ortega, Husserl apresentou a fenomenologia como uma maneira descritiva na qual se filosofa sem pressupostos e sem declarações empíricas. A redução fenomenológica, no Idéias, proporcionou o tema principal dessa “nova ciência”, pois foi responsável pelo processo reflexivo da “consciência”, uma consciência que compreende a consciência das percepções do mundo natural. Assim, para Ortega, a posição de Husserl reduz os fenômenos enquanto entidades dentro da posição natural de nosso mundo:

Há uma “forma natural” de realizar atos de consciência, sejam eles quais forem. Essa maneira natural é caracterizada pelo valor executivo desses atos. Assim, a “posição natural” (i) no ato de percepção consiste em aceitar como realmente existente diante de nós uma coisa pertencente a um reino de coisas que consideramos como efetivamente reais e que chamamos de “mundo”. […]

Pois bem, todos os atos de consciência e todos os objetos desses atos podem ser colocados entre parênteses. Todo o mundo “natural”, e a ciência na medida em que é um sistema de julgamentos feitos de forma “natural”, é reduzido a fenômenos. E fenômeno não significa aqui o que significa em Kant, por exemplo, algo que sugere algo substancial por trás dele. O fenômeno aqui é simplesmente o caráter virtual que tudo adquire quando é transformado de seu valor executivo natural em uma posição espetacular e descritiva, sem lhe dar um caráter definitivo. 

Essa descrição pura é fenomenologia. (Obras, I: 252-53)

Esta discussão simpática sobre o Idéias de Husserl inspirou Ortega a buscar a nova ciência da fenomenologia como um método de investigação. Esse método de investigação tornou-se crucial especialmente em vista de seu objetivo expresso de fazer uma distinção entre psicologia descritiva e psicologia explicativa e, assim, esclarecer o conceito do estado mental da consciência. Após o trabalho de 1912 e um trabalho apresentado no Quarto Congresso da Associação Espanhola para o Progresso da Ciência em 1913 sobre “Sensação, Construção e Intuição”, ele apresentou uma série de palestras para o curso, “Psicologia Sistemática”, em 1915. Ortega ampliou essas palestras em um manuscrito intitulado Investigações Psicológicas, que foi publicado postumamente. Tais investigações psicológicas constituíram para ele uma base filosófica sobre a qual definir fenômenos mentais, bastante semelhante ao que Husserl havia se proposto fazer em suas  Investigações Lógicas. Inspirado pela visão reformista da filosofia de Franz Brentano como uma ciência exata, Husserl adotou o ponto de vista de seu mentor para postular a filosofia como uma “ciência rigorosa”. O trabalho inicial de Husserl sobre psicologia descritiva sem pressupostos também estava preocupado com o conceito de presentação de Brentano e a inexistência intencional de um objeto. Seguindo Brentano e Carl Stumpf, ele considerava a natureza essencial dos atos psíquicos como tendo conteúdo e, normalmente, um objeto. Na Primeira Edição das Investigações Lógicas, 1900-1901, Husserl entendeu a Fenomenologia como significando “psicologia descritiva”, que teve sua origem nos esforços anteriores de Brentano. Na virada do século XX, a emergência da psicologia como disciplina independente, liberada da tutela tradicional da filosofia, levou a intensas investigações do comportamento humano que logo revelaram a necessidade de métodos de análise mais sutis do que aqueles fornecidos pelas ciências físicas. Gradualmente, surgiu uma nova concepção do indivíduo, diferente das concepções tradicionais, pois a nova física matemática era diferente de sua predecessora mecanicista.

Para certas autoridades, o conhecimento alcança legitimidade quando é investido com o poder da tradição. A necessidade de fazer um apelo à tradição representa uma das características que confere autoridade aos autores clássicos. Em sua busca por uma metodologia científica com o objetivo de enfrentar novos problemas, Ortega perguntou se a legitimidade filosófica era alcançável sem apelar para a autoridade tradicional. Os princípios formais para a justificação discursiva fornecem a base processual para distinguir a nova ciência da clássica. Pois, escreve ele,

quem quiser seriamente estabelecer uma nova ciência terá que praticar a abnegação necessária para prolongar por muito tempo esse período de escolaridade, de aprendizagem, de estudo dos clássicos. (Obras, XII: 340)

Com certeza, ele argumentou,

a pesquisa científica, como forma de expandir o conhecimento, nos obriga a superar o classicismo. O próprio processo de aprendizagem traz em si a exigência de que ele chegue ao fim e ceda à criação independente. Estudar ou aprender de um clássico acaba nos impulsionando a emular o que seu autor fez: superar a postura clássica anterior, transformar, ampliar e renovar a própria ciência. (Obras, XII: 340-41)

A partir dessa postura, Ortega sustentou que a ciência clássica ou tradicional possuía uma aura de privilégio, distância e permanência sobre ela, mas a nova ciência, ao desafiar esse privilégio e reivindicações de permanência com uma percepção alternativa da realidade, desintegrou essa aura e permitiu ao inquiridor encontrar a realidade em termos de seu próprio tempo e lugar. Em vista dessa caracterização, Ortega formulou seu objetivo filosófico dentro do contexto do início do século XX.

Meu objetivo é estudar os problemas fundamentais da psicologia com o propósito de tornar possível a psicologia sistemática. Esses problemas […] não permitem um tratamento vago; na verdade, eles exigem uma investigação mais detalhada e, se possível, exaustiva. (Obras, XII: 42)

Ortega sustenta que uma vez estabelecido o problema relativo à distinção entre fenômenos mentais e físicos, outras questões também serão resolvidas: as relativas ao objeto e ao método da psicologia e da lógica; a natureza da percepção interior e da introspecção; a possibilidade ou impossibilidade de uma psicologia descritiva direta do pensamento; o significado da intuição; e “consequentemente, se o pensamento não-nutritivo é ou não possível ” (Obras, XII: 342-43).

Após o ensaio de 1912 e as palestras de 1915, a influência da linguagem da fenomenologia torna-se discernível nos trabalhos de Ortega através do uso de termos como “aparência apodíctica”, filosofia como “uma ciência”, e filosofia “como uma ciência sem suposição” (Obras, I: 318-19; VII: 335). Desde 1914, Ortega observou em sua obra A Idéia de Princípio em Leibnitz e a Evolução da Teoria Dedutiva (1947), que foi publicada postumamente em 1958, que uma

reflexão sobre o fenômeno “vida humana” é a base de todo o meu pensamento. Naquela época eu a formulei para expor a fenomenologia de Husserl durante vários cursos — corrigindo, de maneira essencial, a descrição do fenômeno “consciência de […].” que, como é sabido, constituía, naquela época, a base de sua doutrina. (Obras, VIII: 273, n.2)

Em 1925, ele escreveu uma pequena seção em seu ensaio, A Desumanização da Arte, intitulada “Algumas Gotas de Fenomenologia”, na qual discutiu o tema “perspectivismo” de experiências variadas (Obras, III: 360-64). A discrepância entre ciência e experiência, embora extrema para alguns de seus contemporâneos, tornou-se uma de suas preocupações centrais durante esse período. Ele afirmou que as diferentes percepções perspectivadas de um evento idêntico iluminavam para nós o fato de que “uma e a mesma realidade pode se dividir em muitas realidades diversas quando é vista desde diferentes pontos de vista”. A física moderna, embora deixando intactas as explicações mecanicistas de certos fenômenos naturais, abalou a concepção mecanicista geral da natureza. Demoliu a noção de uma realidade objetiva com tudo o que ela implicava: a unidade da natureza, tanto humana quanto física, a universalidade das leis naturais, a determinação dos processos físicos e a capacidade da ciência de resolver todos os problemas do mundo natural. As descobertas da física moderna, portanto, teriam tido um enorme impacto na cultura geral, ainda maior do que, segundo Ortega, a biologia, em meados do século XIX. Albert Einstein, segundo ele, deu o primeiro golpe revelador contra o conceito de uma realidade objetiva — um conceito que pressupõe a existência de tempo e espaço universais nos quais a natureza se encaixa, independentemente do observador. Einstein demonstrou que não existe um único quadro espacial e cronológico de referência. Cada observador está confinado a um sistema tempo-espaço específico e relativo. Ortega percebeu, nesse sistema, o “ponto de vista humano” como aquela realidade em que vivemos: situações, pessoas e coisas. Para estabelecer distância entre nós e a realidade como uma forma de entender essas experiências vividas — que não são de forma alguma absolutas — temos que nos projetar no lugar de outra pessoa e situação. Ao fazê-lo, podemos vir a distinguir entre pessoas, coisas e situações e assim observar mais de perto a realidade (Obras, III: 361, 363, 362).

3. Fatores Ontológicos que Confrontam a Fenomenologia Transcendental

Em 1925, Ortega apresentou a abordagem fenomenológica de Husserl a seus alunos na Universidade de Madri, onde ele projetou seu programa para estudar a “reformulação do problema do Ser” para uma série de publicações. Especificamente, Ortega orientou-se em direção à possível adoção de um método sistemático dentro do qual o problema do “Ser” poderia ter resolvido a questão da realidade humana para ele durante o desenvolvimento de seu pensamento. “Em 1925”, ele relatou:

Afirmei meu tema — alguns de meus alunos seriam capazes de lembrar — dizendo literalmente: 1º, é necessário renovar, a partir de suas raízes, o problema tradicional do Ser; 2º, isso deve ser feito com o método fenomenológico na medida e somente na medida em que isso signifique pensamento sintético ou intuitivo, e não apenas pensamento conceitual-abstracto como é a forma tradicionalmente lógica de se pensar; 3º, mas é necessário integrar o método fenomenológico, adaptando a ele uma dimensão de pensamento sistemático que, como é conhecido, ele não possui; 4º, e finalmente, para que um pensamento fenomenológico sistemático seja possível, é necessário partir de um fenômeno que pode ser um sistema por e em si mesmo. Tal fenômeno sistemático é a vida humana e, é preciso partir de sua reflexão e análise. (Obras, VIII: 273).

Nesse relato de sua busca por um “pensamento sintético “, Ortega procedeu para explicar como ele

abandonou a Fenomenologia no exato momento de aceitá-la. Em vez de nos desapegarmos da consciência, como tem sido feito desde Descartes, tornamo-nos firmes na realidade radical que é para cada pessoa sua vida. (Obras, VIII: 273)

Assim, por volta de 1925, a ambivalência de Ortega em adotar um método fenomenológico tornou-se evidente em sua busca por um método de análise coerente. Ele estava disposto a manter a função “sintética” (ou “intuitiva”) da análise fenomenológica, desde que tal função, por sua vez, se integrasse ao fenômeno sistemático da “vida humana”. Através dessa conexão, o método fenomenológico de análise e a análise das experiências da vida humana desempenharam funções intercambiáveis para Ortega na apreensão sistemática do problema tradicional do ser. Isso explica o lado positivo da ambivalência que o levou a abordar e a aceitar a fenomenologia. No entanto, do outro lado da ambivalência, ele evitou a fenomenologia onde a ênfase parece estar voltada para o abstrato na tradição do idealismo. Sua resposta crítica à Lógica Formal e Transcendental de Husserl (1929) [1969] identificou tal tendência na fenomenologia.

Vários pensadores europeus que foram influenciados de uma forma ou de outra pelos conceitos do movimento fenomenológico, mas que não eram necessariamente membros do movimento, ficaram insatisfeitos com o alegado ponto de vista solipsista da fenomenologia transcendental de Husserl na Formal and Transcendental Logic. Ortega era um desses pensadores, embora ele não expressasse explicitamente qualquer insatisfação com o que percebia como as implicações solipsísticas do idealismo transcendental nesse último trabalho, até doze anos depois. Como indicado anteriormente, Husserl também expressou insatisfação em sua Crisis, afirmando que sua epoché transcendental pode ter sido mal lida por outros. De fato, Husserl insistiu que seus esforços tentaram apontar para longe da via solipsista do “caminho cartesiano”. Em duas palestras proferidas na Sorbonne em 1929, Husserl apresentou idéias que transformaram sua posição anterior sobre a fenomenologia transcendental de um mundo de idéias isoladas em uma comunidade mundial de indivíduos intersubjetivos. As observações e insights feitos nas palestras foram ampliados mais tarde em suas Meditações Cartesianas (1933) e na Crisis. Nesses escritos posteriores, o ego de Descartes perdeu seu status abstrato e absoluto ao se tornar correlativo ao mundo da experiência (1933 [1964: 1-8, 157]; 1936 [1970: 154-55, 188, 257-63]). Em suas Apuntes Sobre El Pensamiento (1941), Ortega considerou a abordagem de Husserl ao problema da gênese da razão como sendo “equivalente a ser absoluto”, particularmente onde Husserl expôs sua “fenomenologia genética” como “consciência da” realidade, assim designando uma “consciência de si mesma” como sendo “imediata a si mesma”. Ele criticou ainda mais a análise e as definições de razão dadas por Husserl em Formal and Transcendental Logic como não incorporando “os temas da humanidade, da vida e do caráter funcional da razão”. Assim, “a atitude fenomenológica formulada em Formal and Transcendental Logic é diametralmente oposta à atitude que eu chamo de razão viva”. Ele se opôs a essa tendência ao idealismo transcendental na Formal and Transcendental Logic, mas recusou-se a rejeitar completamente a fenomenologia (Obras, V: 545).

Nossa discussão até o momento manifesta a ambivalência de Ortega em relação à fenomenologia. Depois de saber da Crisis of European Sciences de Husserl, Ortega não argumentou que sua posterior posição geral e a da fenomenologia eram “diametralmente opostas”. De fato, em uma longa nota de rodapé na conclusão de Apuntes Sobre El Pensamiento, Ortega convidava a uma comparação entre ele e Husserl. Em 1935, Husserl apresentou uma série de quatro palestras em Praga sobre “Filosofia na Crise da Humanidade Européia”, todas elas incorporadas à Crisis. Na época de suas Meditações Cartesianas e da Crisis of European Sciences, Husserl proclamou que o conhecimento científico só pode ser compreendido na medida em que entendemos primeiro esta noção, Lebenswelt. A Crisis se tornou famosa por seu tratamento temático do conceito, mundo-vida. O estudo do mundo vivo, a experiência dele, e a “relação entre o ego e a vida”, tornou-se a principal consideração da fenomenologia. A filosofia Lebenswelt está principalmente engajada na elaboração da questão mais ampla colocada nas Investigações Lógicas: o que se entende por “verdade”? A verdade foi definida aqui como experiência vivida da verdade, ou seja, evidência. A evidência é revelada exclusivamente na experiência presente, e assim a verdade é sempre e exclusivamente testada na experiência presente, pois não se pode reviver o fluxo da experiência. Não há verdade absoluta, tal como postulado tanto pelo dogmatismo quanto pelo ceticismo. Ao contrário, a verdade se define em processo, como revisão, correção e auto-superação. Esse processo dinâmico ocorre no coração do presente vivo. Consequentemente, como indivíduos que vivem no mundo, respondemos corretamente à questão da verdade descrevendo a experiência da verdade e insistindo no desenvolvimento genético do “ego”: a verdade consiste não enquanto objeto, mas enquanto movimento, e existe apenas na medida em que esse movimento é atualmente realizado pelo ego. Também, em relação ao mundo-vida, a contribuição inovadora da Crisis está na tentativa de Husserl de fornecer um relato temático da história, da historicidade do mundo-vida e da subjetividade dentro da estrutura geral da fenomenologia transcendental. A história, no entanto, tal como Husserl chegou a entendê-la, consiste, desde o início, em “nada mais que o momento vivo do ser-com-um-outro e em-um-outro da constituição-significado original e da sedimentação-significado”. Isso também foi referido como “história intencional”. Ademais, os conceitos de história, e da historicidade do mundo-vida são tornados possíveis pela historicidade interior de cada ser humano que nele vive. A história exibe assim um “a priori” histórico propriamente dito que, para ele, assegura a objetividade da história. O próprio a priori histórico pressupõe uma certa idealização na medida em que os “insights do princípio” são históricos. A história se torna dominada não por um apriorismo a-histórico, mas por uma postura transcendental que demonstra que o processo de constituição desenvolvido na história pode ser, em sua estrutura essencial, decifrado no pensamento reflexivo pelo ego reflexivo, como a constituição da ciência moderna. Assim, as verdades da ciência não estão fundadas nem na Divina Providência, tal como pensou Descartes, nem nas condições a priori de possibilidade, como pensara Kant. Ao contrário, elas são fundamentadas em experiências vividas nas quais se fundamenta a verdade da consciência teórica (Husserl 1936 [1970: 349-51, 369-78, 389-95]). Husserl percebeu o mundo histórico como um mundo pré-histórico. Assim ele o expressa,

viver é sempre viver-na-certeza-do-mundo […] desperto no mundo […] consciente de nossos semelhantes em nosso horizonte […]. Tal como eu, todo ser humano […] tem seus semelhantes e tem sempre, continuando ele próprio, uma civilização em geral, na qual ele se conhece enquanto vivente (Husserl 936 [1970: 142, 358, 372]).

Ortega considerou esse tipo de reflexão sobre a maneira histórica de ser, e o mundo da vida, compatível com sua própria noção de “razão histórica” apresentada em História como um Sistema. Ao insistir que ele chegou a tal posição independentemente de Husserl, Ortega deixou clara sua resposta favorável à contribuição inovadora feita por Husserl na Crisis. “Pessoalmente”, Ortega disse a respeito de sua reação à publicação de 1935,

este salto da doutrina fenomenológica tem sido extremamente satisfatório para mim porque consiste em nada menos do que um recurso à “razão histórica”. (Obras, V: 546-7, n.1)

Portanto, os trabalhos posteriores de Husserl, particularmente as Meditações Cartesianas e a Crisis, que foram tentativas de resolver as dificuldades inerentes à fenomenologia transcendental e representativas de sua filosofia fenomenológica, não se opuseram diametralmente aos temas da vida humana. Tampouco negligenciaram a importância de postular as funções epistemológicas e ontológicas da experiência da vida humana. A orientação desses escritos posteriores contribuiu para a teoria de que Husserl percebia a Crisis como a introdução “definitiva” à fenomenologia.

Claramente, a idéia de Husserl sobre a Lebenswelt era o tipo de noção que Ortega discutia em sua própria filosofia da vida humana. Todavia, tal afinidade no pensamento não nega diferenças menores entre os dois pensadores. Discussões nas Meditações Cartesianas sobre o problema das outras pessoas, ou sobre a intersubjetividade e do mundo como um mundo essencialmente habitado por “outros” era conceitualmente a parte da filosofia de Heidegger que teve o efeito mais profundo no desenvolvimento da Fenomenologia Existencial e do pensamento de Ortega. Ortega contestou um pequeno ponto sobre o papel da noção de “transposição analógica” em relação ao “Outro”, que foi feita na quinta meditação, mas não considerou esse ponto como diametralmente oposto à sua noção de vida humana. “Husserl”, ele observou em um ponto de seu O Homem e os Outros (1939-40),

foi o primeiro que definiu claramente o problema radical e não meramente psicológico que eu chamo de “A Aparição do Outro”. O desenvolvimento do problema por Husserl é, em minha opinião, muito menos bem sucedido do que sua definição do problema, embora existam muitas descobertas admiráveis em seu desenvolvimento. (Obras, VII: 160-61)

O Homem e os Outros apresenta ensaios que Ortega desenvolveu e apresentou em várias palestras e cursos ao longo de um período de aproximadamente vinte anos. Em A Origem da Filosofia, numa nota de rodapé, Ortega referiu-se à ocasião em que apresentou pela primeira vez seu conceito de uma “nova sociologia” sob o título “Homem e Povo” em Valladolid em 1934 (Obras, IX: 355, n.1). O primeiro capítulo foi publicado como “Estar dentro e ao lado de si mesmo” pela Espasa-Calpe Argentina, Buenos Aires, 1939 (Obras, V: 291-315; 7:, 72-73, 79). Em um Prólogo a seu Idéias e Crenças, Ortega anunciou em 1940 o surgimento de duas grandes obras: uma exposição filosófica, Alvorada da Razão Histórica, e o corpus de sua doutrina social, O Homem e os Outros. No outono de 1940, na Universidade da Argentina, e quatro anos mais tarde, na Universidade de Lisboa, Ortega apresentou palestras sob o título “Razão Histórica”. Tais exposições variegadas foram compiladas e publicadas postumamente em 1979. Em 1929, Ortega escreveu um ensaio intitulado “The Perception of One’s Fellowman” (Obras, VI: 153-163) que pode explicar sua tentativa de distinguir seu conceito de “o outro” da noção de Husserl de “aparição do outro” n’O Homem e os Outros, em vista das inevitáveis comparações feitas entre as duas.

A discussão anterior não deve sugerir uma ausência de pontos de vista compartilhados entre Ortega e Husserl, e da influência intelectual de Husserl sobre Ortega. Embora Ortega discordasse da noção de Husserl de “transposição analógica”, ele considerou a abordagem fenomenológica do conhecimento deste último como tendo sido “a maior influência deste último meio século”. Ortega também considerou a noção da aparição do outro — isto é, a presença do outro tanto como de um objeto (isto é, a estrutura física de seu corpo) quanto como um sujeito (isto é, como um alter ego que experimenta o mesmo mundo que é experimentado pelo “eu”) — e a experiência de vida como análises que ajudaram a evitar o solipsismo e o enclausuramento do “eu” dentro de si mesmo. Através dessa conexão, Ortega se alinha com o repúdio de Husserl à distinção cartesiana entre o interior (na mente) e o exterior (no mundo) (Obras, V: 545). Embora a própria independência de pensamento de Ortega permaneça controversa, seu desenvolvimento intelectual exibe uma ênfase consistente no discernimento da fronteira traçada entre a coerência extra-histórica e histórica na fenomenologia transcendental. Ortega discutiu, em seus escritos posteriores, noções fenomenológicas tais como ações que são dirigidas aos objetos quando o “eu” encontra seu ambiente; interação ego/alter-ego no mundo das comunidades intersubjetivas como o reino das experiências vividas; e a posição de entrar na atitude transcendental da redução fenomenológica a fim de apreender o alter-ego, todas noções semelhantes às discutidas por Husserl. Nesses escritos abalizados, seu critério de “abertura à experiência” o levou a uma aceitação da variegação histórica e ao princípio de que a relação do ser humano com o mundo consiste em uma relação total de uma entidade entre outras entidades.

Do ponto de vista dessa caracterização da fenomenologia, Ortega voltou ao “Eu sou eu e minhas circunstâncias” como seu ponto de partida para a análise. Para Ortega, o ego individual é consciente de si mesmo através da consciência tanto de suas características fisiológicas e gestos comportamentais, quanto dos “outros” na interação humana recíproca, uma consciência do eu que procede através da auto-análise da essência interior do ser do “eu” e da consciência dos “eus” dos outros como seres semelhantes nas “circunstâncias” do mundo da experiência vivida. Em suma, ele tentou caracterizar a natureza da experiência de um indivíduo acerca de seu mundo e de si mesmo. Há uma tentativa de distinguir entre os fatos de que a relação de uma pessoa com um organismo é diferente da relação com uma pessoa qua ser, e que as ações de uma pessoa para com um organismo são diferentes da maneira como se age para com uma pessoa. “Viver”, disse ele, “é alcançar fora de si mesmo, dedicando-se, ontologicamente, ao que é outro, seja mundo ou circunstâncias” (Obras, V: 545).

4. “Eu sou eu e minhas Circunstâncias”: Nem “Biologismo” nem “Racionalismo”.

Em uma edição de sua obra (1932), Ortega proclamou:

“Eu sou eu e minhas circunstâncias”. Essa expressão, que aparece em meu primeiro livro e que condensa em volume final meu pensamento filosófico, não significa apenas a doutrina que minha obra expõe e propõe, mas significa que minha obra é um caso executório da mesma doutrina. Minha obra é, por sua essência e por sua presença, circunstancial. É exatamente isso que a frase citada declara. (Obras, VI: 347-48)

O primeiro livro ao qual Ortega se referiu foi suas Meditações do Quixote (1914), uma obra composta de ensaios que ele julgava impulsionar as aspirações filosóficas. Segundo alguns comentaristas, o núcleo do princípio filosófico básico de Ortega — a noção de que a vida humana é a realidade última — é formulado nas Meditações do Quixote através da instrumentalidade de sua conhecida expressão: “Eu sou eu e minhas circunstâncias”. Uma leitura atenta e crítica das Meditações do Quixote e dos escritos posteriores de Ortega revela que, embora o “Eu sou eu e minhas circunstâncias” tenha aparecido nesse trabalho inicial, não percebemos uma elaboração sistemática do “Eu sou eu e minhas circunstâncias” como uma declaração analítica e ontológica em seu ponto de vista filosófico geral antes de seus trabalhos posteriores. A interpretação psicológica da excitação externa e interna, tal como discutida por Freud no Outline of Psychoanalysis (1904) e The Psychopathology of Everyday Life (1904), prendeu a atenção de Ortega sobre esse novo método científico entre 1911 e 1915. Husserl e o movimento fenomenológico, e Freud e o movimento psicanalítico, apresentaram para Ortega a nova “tendência intelectual de nosso tempo — o subjetivismo, ou relativismo subjetivista” (Obras, XII: 417). Essa tendência intelectual tornou-se sua preocupação filosófica durante os anos que se seguiram. Tal preocupação tornou-se evidente em suas palestras de 1921-22, posteriormente publicadas como O Tema de Nosso Tempo (1923). Para Ortega, o “tema principal de nosso tempo”, que na sua essência a “modernidade” deveria enfrentar, compreendia o conceito de que “a vida humana está em um grau eminente de vida psicológica” (Obras, III: 152-156).

O fenômeno da vida humana possui assim um “duplo caráter”: o fisiológico e o psicológico. No movimento cultural moderno, cada dimensão do caráter humano tem que encontrar sua expressão dentro do “espírito da época” (Obras, III: 165-66, 68, 297-98). A transformação do sentido moderno da vida humana pode ser melhor compreendida a partir da nova arte de seu tempo. Ortega considerou os artistas de sua época como criando uma alteração muito mais radical na atitude subjetiva da arte. Do ponto de vista do novo sentido da arte, a realidade humana possui sua percepção interior. Essa mudança de ênfase no campo da estética contrapôs a ênfase anterior em fatores “naturalistas”, “materialistas” ou “realistas” na vida humana. A transição na sensibilidade estética do “realismo” do século XIX, e sua correspondente preocupação com a realidade humana, para as “novas” percepções da criatividade do início do século XX marcou, para ele, a “desumanização da arte”. O movimento “moderno” culminou em uma nova sensibilidade estética — o que Ortega rotulou de “pura”, “arte artística” — que conscientemente separou seu público em grupos: a “minoria especialmente dotada” que compreendia a arte moderna e a maioria daqueles que a achavam incompreensível. A nova sensibilidade estética da modernidade, que exigia a “eliminação progressiva dos elementos humanos, todos demasiado humanos” predominantes na produção romântica e naturalista, resultou na criação de uma arte de figuras em vez de uma arte de aventuras, uma arte que se recusou apenas a relatar o mundo, e jurou criá-lo (Obras, III: 358, 355-56). Esse moderno grupo de artistas e críticos que produziram arte e possuíam “um órgão de compreensão” negado à maioria constituía “uma minoria especialmente dotada”. Uma ênfase pronunciada na “estrutura psíquica do indivíduo” tornou-se assim uma das principais consequências da mudança da modernidade a partir do realismo e da representação humana.

Se a noção de Ortega de que as representações “psíquicas” da arte moderna eram acessíveis apenas a uma minoria dotada for estendida para incorporar a noção de que toda atividade intelectual individual apreende a realidade a partir de um ponto de vista acessível apenas a si mesma, sua filosofia do “perspectivismo” como princípio sintético que “regulava o mundo a partir do ponto de vista da vida” torna-se inteligível. O “tema de nosso tempo” refletia as tendências absolutistas do racionalismo e as inclinações céticas do relativismo, propondo a doutrina de Ortega do “ponto de vista como uma terceira visão do processo do conhecimento, que é uma perfeita síntese dos dois” (Obras, III: 179, 198).

5. Perspectivismo: Vida Humana, Razão Vital e Historicismo

A doutrina do perspectivismo expõe a proposição de que todas as épocas históricas participam contribuindo com um elemento de verdade para a realidade. Ou seja, cada indivíduo e cada coleção de indivíduos apreende a realidade a partir do ponto de vista de suas respectivas percepções da realidade. As diferentes percepções da realidade são todas legítimas e explicam o postulado de que diferentes indivíduos interpretam o mesmo “horizonte” de forma diferente, de modo que “cada vida é um ponto de vista dirigido ao universo” (Obras, III: 200). O postulado “perspectivista” de Ortega prometeu assim desempenhar a função de unificar a realidade. Partindo do pressuposto de que “perspectiva” compreende tanto “uma das partes componentes da realidade como seu elemento organizador”, Ortega chegou à conclusão de que “todo conhecimento é conhecimento a partir de um ponto de vista definido” (Obras, III: 199). Portanto, toda verdade se conecta a um lugar no espaço e no tempo. Ao localizar a verdade no espaço e no tempo, ele derivou tanto o modo de percepção quanto a essência da realidade.

Ortega percebeu em seu modo perspectivista de apreensão da realidade um análogo filosófico à física de Einstein e, posteriormente, convidou uma comparação de sua filosofia do perspectivismo com a Teoria Especial da Relatividade de Einstein. O ensaio de Ortega sobre “O Significado Histórico da Teoria de Einstein” apontou tendências paralelas nos novos modos de pensamento do século XX e na teoria da relatividade de Einstein, que ele caracterizou como “o fato intelectual mais importante que o presente pode mostrar” (Obras, III: 231). Ao dissolver todo o edifício da mecânica clássica, a teoria de Einstein introduziu no século XX (o “tempo presente”) muito à maneira pela qual a filosofia de Descartes preparou o pensamento para a era moderna (Obras, III: 231-34). As idéias de Ortega sobre o significado histórico da relatividade foram derivadas principalmente da discussão de Einstein sobre a Teoria Especial. Ele foi levado a comparar a teoria da relatividade com sua filosofia do “perspectivismo” porque a relatividade parecia fornecer uma “prova” científica de suas próprias “verdades perspectivistas”, que foram formuladas em El Espectador em 1916 (Obras, III: 235; ver também II: 15-21).

A doutrina perspectivista de Ortega, como princípio sintético, também implicava para ele uma doutrina pela qual se podia “tentar ordenar o mundo do ponto de vista da vida” (Obras, III: 179). O princípio da vida humana, que constituía a realidade da experiência humana, tornou-se a categoria filosófica através da qual Ortega sintetizou o universo. Correspondentemente, o “sinal dos tempos” também apontava para o importante papel desempenhado por Nietzsche, Croce, Dilthey e Heidegger, assim como Freud e Husserl, na formação do pensamento do século XX. A ênfase colocada no mundo vital da vida levou Ortega um passo além da lógica transcendental Neo-Kantiana de Cohen. Ortega combinou sua idéia de vida humana com uma ênfase na história enquanto constituindo a dinâmica vital de sua expressão, e tal ponto de vista o levou mais próximo do lado humanista da distinção Naturwissenschaften-Geisteswissenschaften feita pela Southwest German ou Baden School e Dilthey do que do Neo-Kantianismo de Cohen.

As semelhanças marcantes no foco historicista de Windelband, Rickert e Dilthey, o pensamento histórico inicial de Croce e o pensamento histórico de Ortega sugerem que Ortega foi influenciado por suas idéias tanto direta quanto indiretamente. As idéias históricas de Windelband e Rickert refletiam as correntes intelectuais européias que acompanharam o desenvolvimento intelectual de Ortega, Dilthey tinha sido reconhecido por Ortega como tendo influenciado seu foco intelectual diretamente, e as idéias históricas iniciais de Croce pareciam ter exercido influência sobre o pensamento histórico de Ortega.

Em seu ensaio, “Wilhelm Dilthey e a Idéia de Vida“, vinte e sete anos após seus estudos em Berlim, Ortega escreveu sobre a importância de Dilthey em seu desenvolvimento intelectual e sua infelicidade de não ter sido exposto às idéias de Dilthey mais cedo como estudante:

Conheci o trabalho de Dilthey já em 1929, e levei mais quatro anos para conhecê-lo suficientemente bem. Essa ignorância, que não hesito em afirmar, me fez perder cerca de dez anos de minha vida — dez anos, em primeiro lugar, de desenvolvimento intelectual, mas isso, naturalmente, significa uma perda igual em todas as outras dimensões da vida.[…] Quando estudei em Berlim em 1906 […] Dilthey por acaso deixou de dar aulas no prédio da universidade alguns anos antes e confessou que tinha aulas em casa para apenas alguns alunos especialmente preparados. Essa causalidade fez com que eu não tivesse a chance de ter entrado em contato com ele. (Obras, VI: 171-72)

No final dos anos 20 e início dos anos 30, porém, Ortega incorporou a idéia da vida humana em seu ponto de vista filosófico. Durante esses anos, ele rotulou sua própria filosofia como “a metafísica da razão vital” para significar sua contínua busca por uma estrutura de vida que fosse transcendente em sua relação com toda realidade existente, e ainda assim localizada dentro da estrutura da realidade temporal e espacial. Como Dilthey, que ele considerava “o mais importante pensador da segunda metade do século XIX”, ele negou a verdade a qualquer princípio constante que se estabelecesse como superior ao fluxo da vida, incluindo o das ciências físicas e biológicas. A Lebensphilosophie de Dilthey, que enfatiza a abertura à experiência, não só nega a noção de uma realidade transcendental abstrata, mas também considera a vida como mais do que um mero organismo biológico. Seu conceito de vida não é biológico e, nesse sentido, a noção de vida humana de Ortega se assemelha à de Dilthey. Para Ortega, “minha vida” — no sentido “biográfico” e não “biológico” — é a questão do que fazer com ela e do que me acontece quando me encontro “naufragado” no precário mar das “circunstâncias”. O indivíduo, sob tal ponto de vista, se salva afundando nas profundezas interiores de seu ser enquanto faz um esforço para se agarrar à consciência e à própria essência de sua vida. “Viver”, ele sustentava, “é lidar com o mundo, visá-lo, atuar nele, ocupar-se dele” (Obras, V: 26, 33-34, 35, 44-45, VII: 103-04). Para Dilthey, a vida é realizada empiricamente dentro do processo experiencial da consciência, enquanto experiência vivida, que dá a experiência da vida individual e da realidade. A posição de Dilthey, como a de Bergson, contém o ponto de vista vitalista de que nossa experiência da vida de nossas próprias mentes é uma experiência direta dessa vida, tal como ela existe, e portanto não pode ser percebida como alguma explicação fisiológica mecanicista do organismo humano ou como algum princípio lógico neo-idealista subjetivo. A ênfase nas dimensões ativa, dinâmica e histórica dos fenômenos humanos e sociais, como realizados dentro das experiências vividas da vida, revelam a vitalização da filosofia e a historicização da perspectiva de vida que são reflexos do historicismo e a atitude de que o conhecimento histórico é único no reino dos assuntos humanos.

Esse historicismo compreende a perspectiva percebida na noção de Ortega do “diálogo dinâmico” no “drama” do mundo da vida do indivíduo. O historicismo não é usado aqui no extremo polêmico caracterizado pela acusação de Karl Popper de que o historicismo é incompatível com qualquer forma de “ciência genuína”. Em sua obra The Poverty of Historicism (1957), que descreve e critica tanto a doutrina “anti-naturalista” quanto a “pró-naturalista” do historicismo, Popper acusa a primeira doutrina de “teologia” e “holismo” e acusa a segunda de avançar a noção de que a “previsão histórica” é seu objetivo principal, algo que se torna alcançável na descoberta dos “ritmos”, “padrões”, “leis” ou “tendências” que fundamentam a evolução da história. (1957 [1964: 2–4, 39, 128–30])

O título de Popper alude a The Poverty of Philosophy (1847) de Marx, que, por sua vez, respondeu à The Philosophy of Poverty (1847) de Proudhon. Popper sinalizou assim sua intenção de formular uma crítica filosófico-metodológica sobre a filosofia marxista e, por extensão, sobre a filosofia hegeliana da história. O termo “historicismo” significa aqui tanto “historismo” (no sentido alemão de Historismus em conexão com Windelband, Rickert, Dilthey, Meinecke — por meio de Herder e Goethe — Mannheim e Troeltsch), quanto “historicismo” (no sentido italiano de Storicismo, como formulado por Benedetto Croce). Ao traçar o termo tanto para Herder como para Goethe, Meinecke percebeu que a ênfase no “concreto”, no “único” e no “indivíduo” constituía o núcleo do historicismo. Através dessa ênfase, o historicismo, entendido como uma concepção do mundo (Weltanschauung), enfatiza a qualidade histórica da existência humana; como uma interpretação da história e da vida, ele se preocupa com conceitos de individualidade e com o desenvolvimento individual. O historicismo procura descrever e interpretar a variedade não sistemática da realidade da sociedade e da história, pois o conceito de individualidade não apenas abrange pessoas individuais, mas também inclui a variedade de formas históricas, tais como diferentes povos, costumes, culturas, instituições, estados-nação e similares; e o conceito de desenvolvimento inclui o processo histórico — em um tempo e lugar particular — no qual a individualidade se manifesta não por leis ou princípios abstratos e gerais, mas pelas expressões vivas da multiplicidade dessas formas históricas únicas. Individualidade, o “fato da mudança”, e o processo histórico, a Weltanschauung do historicismo, combinam-se para formular uma espécie de relativismo histórico. Essa significação dos fenômenos históricos implica o sentido no qual o conhecimento histórico e a realidade são explicados por Dilthey:

A consciência histórica da finitude de cada fenômeno histórico, de cada estado humano ou social, da relatividade de todo tipo de crença, é o último passo para a libertação do homem. Com ela, o homem atinge o poder soberano de arrancar de cada experiência seu conteúdo, de se render totalmente a ela sem prepossessão.[…] Toda beleza, toda santidade, todo sacrifício, revivido e exposto, abre perspectivas que revelam uma realidade.[…] E, em contraste com a relatividade, a continuidade da força criativa se faz sentir como o fato histórico central. (citado em Hodges 1944: 33-34).

A orientação historicista de Croce contribuiu para a mudança de Ortega da historicização da vida para a historicização da filosofia. As aspirações de Ortega em relação à interpenetração da história e da filosofia foram transmitidas em suas palestras de 1929:

Espero, por razões muito concretas, que em nossa era a curiosidade pelo eterno e invariável, que é a filosofia, e a curiosidade pelo inconstante e mutável. que é a história, pela primeira vez se unam e se abracem. (Obras, VII: 285)

A opinião de Ortega de que “o pensamento histórico prossegue com respeito aos fenômenos humanos”, combinada com sua noção das dimensões vitais da “razão histórica”, revela algumas das afinidades em seu pensamento histórico. Croce e Ortega viam a vida humana como personificando um processo essencialmente histórico dentro do qual o reino da realidade humana é percebido e compreendido. O conhecimento histórico é encontrado no fluxo do processo histórico, e o conhecimento desse mesmo processo proporciona uma compreensão essencial da realidade humana. Onde a história, para Croce, consiste na “síntese inseparável do individual e universal”, a história, para Ortega, encarna a “cadeia inexorável” das experiências humanas e é constituída pela função sintética da “razão histórica”. Nesse sentido, tanto elementos historicistas quanto racionalistas de coerência, para Ortega, foram enfatizados em sua formulação do historicismo. Passando da filosofia para a história e depois de novo para a filosofia, Croce apresentou sua sistemática “Filosofia do Espírito” como historicismo absoluto. Ele formulou seu tratamento sistemático da “Filosofia do Espírito” em quatro volumes e dedicou um volume dessa postura geral ao pensamento histórico (Croce 1917 [1920: 60-61]). A história, sob esse aspecto, tem a importante função de sintetizar os níveis teórico e prático da atividade humana, o universal e o particular, assim como o pensamento e a ação. Do ponto de vista de tais níveis de atividade humana, o conhecimento histórico fornece informações sobre o que realmente aconteceu em ocasiões particulares em um determinado lugar e sob um período de tempo claramente especificado. A história abrange não apenas desenvolvimentos individuais concretos e conceitos de individualidade, mas também abrange o “universal”. Para Croce, a individualidade constitui o processo histórico dentro do qual ocorre um avanço em direção ao universal e, neste contexto, o geral é identificado com o que o indivíduo experimenta diretamente. O processo histórico torna-se a expressão da “síntese inseparável do individual e do universal” e, como tal, estabelece para Croce a “identidade da filosofia com a história”. Croce considerou qualquer problema filosófico como sendo idêntico aos julgamentos sintéticos históricos quando restaurado ao contexto histórico que deu origem à pergunta que tentamos responder. Como síntese do indivíduo e do universal, a história possui a forma mais completa de conhecimento. De fato, para Croce, assim como para Collingwood — o filósofo a quem o nome de Croce tem sido frequentemente associado — “história é pensamento” (Collingwood 1948 [1956: 215.245, 247-48]). Da perspectiva teórica, o pensamento estabelece conexões entre percepção sensorial, intuição e conceitos, enquanto a história sintetiza os níveis estético, lógico e prático da atividade humana. A atividade teórica consiste no conhecimento enquanto a atividade prática é caracterizada pela volição e, portanto, sob tal perspectiva, o conhecimento é a condição prévia da ação (Croce 1917 [1920: 60-61; 94-107]; 1909 [1913: 33]).

6. Fenomenologia Existencial e a Filosofia da Vida

No início dos anos 30, Ortega formulou, de forma sistemática, seu ponto de vista filosófico geral — postulando a vida humana como a realidade última — que contém a filosofia dentro da história. Ele a apresenta em seu livro Ao Redor de Galileu (1933), por meio de sua teoria das gerações, e em seu ensaio História como um Sistema (1935). O “conceito de ser” ou “vida humana”, para Ortega, “é a própria raiz da filosofia”, e, portanto, “qualquer reforma da idéia de ser significa uma reforma radical na filosofia”. Neste ponto, ele abandonou o “organismo biológico” contido na sua noção anterior de vida, em O Tema de Nosso Tempo, para incorporar um conceito de vida — “a vida de cada um de nós” — como um ser que vive no mundo. “Biólogos”, ele afirmou,

usam a palavra “vida” para designar os fenômenos dos seres orgânicos.[…] mas […] usamos esta palavra para dar um significado mais imediato, mais amplo e mais decisivo. (Obras, III: 166)”.

Nessa relação mais ampla, o conceito de vida humana de Ortega compreendia uma dimensão semelhante à Fundamentalontologia da Daseinanálise de Heidegger. A análise de Ortega da existência humana e da vida humana caracterizou o “eu sou eu e minhas circunstâncias” como a interação intercambiável do “eu” e do “mundo”. Isto é, “eu estou sempre comigo mesmo […] o mundo está sempre ligado a mim, e meu ser é um ser com o mundo” (Obras, VII: 394, 405, 402). Ortega quis libertar o “eu” da “prisão interna” do “subjetivismo” e propôs que “salvemo-nos no mundo”, naquele “horizonte vital”. Esse sentido de ser como tendo sido “jogado” no “mundo” caracteriza ainda mais a autêntica realidade da vida como “encontrar-se face a face com o mundo” e “dentro do mundo” (Obras, VII: 411, 416-17, 430; compare Heidegger 1927 [1962: 236, 399]). Para “fugir do idealismo”, então, “a vida inclui tanto o sujeito [o eu consciente] quanto o mundo”. Viver é “encontrar a si mesmo no mundo“. Daí:

A vida é sempre encontrada em certas circunstâncias, em uma disposição ao redor — circum — de coisas e outras pessoas. Não se vive em um mundo vago, mas o mundo vital é constitutivamente uma circunstância, é este mundo, aqui, agora.  (Obras, VII: 422, 431)

Ortega considerou Dilthey um dos “primeiros descobridores” da “nova grande idéia de vida”, que “nos ensinou mais radicalmente que qualquer um de seus predecessores — Hegel, Comte — a ver a historicidade como uma característica constitutiva do ser humano” (Obras, VI: 166; IX: 396). Após a publicação póstuma de Gesammelte Schriften, de Dilthey, em 1928, e do subsequente “conhecimento” de Ortega acerca do trabalho filosófico de Dilthey, começamos a observar o eventual desdobramento de uma declaração sistemática geral da vida humana na filosofia e no pensamento histórico de Ortega. Os anos em torno da absorção por Ortega dos escritos de Dilthey sugerem que ele derivou de Dilthey um senso de historicidade, que ele nunca havia possuído anteriormente. Ele atribuiu, tal como Dilthey, à história a tarefa de fornecer a única “linha fixa, pré-estabelecida e dada” da vida humana, de converter-se na “razão histórica” que assegura o único tipo de progresso contínuo e empírico do qual o indivíduo é capaz. Observamos também que, além das influências do historicismo e da fenomenologia, Ortega também integrou a filosofia existencial em sua orientação filosófica geral. Durante o final dos anos 1920 e 1930, no decorrer de seu desenvolvimento intelectual, Ortega incorporou a idéia da vida humana em sua visão filosófica fundamental, e a transição discernível da “razão vital” para a “razão histórica” ocorreu em seu pensamento. Ou seja, uma vez estabelecida a vida humana como base de seu ponto de vista filosófico, “razão vital” e “razão histórica” tornaram-se termos intercambiáveis para Ortega (Obras, V: 538, VI: 39-41). Embora ele tenha falado de um paralelismo entre as idéias de Dilthey e as suas próprias, durante o período de 1914 e 1929, e embora sua insistência no fato de que ele discutiu a noção de “razão vital” antes do início dos anos 30 permaneça precisa, não houve tal discussão da “razão histórica” na forma como se familiarizou com seu uso em seus escritos maduros dos anos 30. Após a publicação de suas palestras, O que é Filosofia? (1929) e seu ensaio sobre Dilthey, “vida”, “razão”, “razão vital” — ou “razão viva” — e “razão histórica” foram conceitos centrais na fusão de sua análise sistemática do homem, da sociedade e da história. Através da influência da idéia básica da Lebensphilosophie de Dilthey, Ortega foi capaz de ligar seu ponto de vista ontológico com seus pontos de vista existencialistas e historicistas. A correlação de tais conceitos, que colocou uma ênfase comum sobre as ações e as criações do indivíduo, a facticidade e a singularidade da existência humana individual, torna explícita a conexão de Ortega com a Lebensphilosophie: “ Vida”, Dilthey disse, “é a relação interna dos processos mentais dentro de uma pessoa. O conhecimento da vida é a crescente consciência e reflexão sobre a vida”. (Dilthey [1976: 125]). “O significado da vida”, argumentou ainda, “está em sua formação e seu desenvolvimento”. (Dilthey [1962: 88]. A filosofia existencial, de várias maneiras, tinha sido um resultado da Lebensphilosophie e da fenomenologia, e Ortega, com o complemento do ponto de vista historicista do “indivíduo único” e da “vida humana” como realidade última, parece ter seguido o caminho que tinha sido dirigido por Dilthey e Heidegger (Misch 1931: 5-197, 216-37).

Em suas obras da década de 1930, Ortega postulou a “vida humana” como realidade última e, segundo esse olhar, conectou o ponto de vista filosófico historicista com o da fenomenologia existencial. A perspectiva existencialista de Ortega se assemelha muito à Fundamentalontologia ou Analítica existencial no Sein und Zeit de Heidegger. (Heidegger 1927 [1962: 21-83; Spiegelberg 1960: 62-74; Spiegelberg 1965: vol. 1, 408-413). Através do ponto de vista epistemológico do “Eu sou eu e minhas circunstâncias”, o indivíduo, ao perceber as “possibilidades vitais” da essência de seu ser, engaja-se ativamente no mundo humano. O processo de realização das “possibilidades vitais” do homem — através das “circunstâncias” de seu ser — como um ser-em-construção e como um ser-que-segue-sendo-no-mundo Ortega caracterizou como sendo um “drama” que “acontece”. As noções de Ortega de “vida como um acontecimento”, a insegurança da vida humana diante da morte, a distinção ontológica entre vida humana e coisas e entre “ser” e “ser autêntico”, são impressionantemente semelhantes às idéias que haviam sido formuladas por Heidegger em 1927. Em O que é Filosofia? ele alinhou sua posição filosófica com a de Heidegger e a “nova filosofia” do ser, da existência e da vida humana:

Estas palavras comuns, encontrar a si mesmo, mundo, ocupar-se, são agora palavras técnicas nesta nova filosofia. Poderíamos falar por muito tempo sobre cada uma delas, mas me limitarei a observar que esta definição, “viver é encontrar-se a si mesmo em um mundo”, como todas as idéias principais destas palestras, já está em meu trabalho publicado. É importante para mim observar isto, especialmente no que diz respeito à idéia de existência, para a qual eu reivindico prioridade cronológica. Por isso mesmo, tenho o prazer de reconhecer que a pessoa que mais se aprofundou na análise da vida é o novo filósofo alemão, Martin Heidegger.

[…] Viver é encontrar-se a si mesmo no mundo. Heidegger, em uma obra genial muito recente, nos fez tomar consciência de todo o enorme significado dessas palavras. (Obras, VI: 40-41; VII: 415-16)

Ortega era bastante sensível às implicações que se desenham nas afinidades entre seu trabalho e o de Heidegger, o que, em parte, explica seus esforços para rastrear a originalidade de suas formulações em suas Meditações. Além de uma discussão geral em seu Idea of Principle in Leibniz and the Evolution of Deductive Theory (Obras, VIII: 270-300), e do ensaio “Martin Heidegger e a linguagem dos filósofos” (Universitas, 7(9) [1952]: 897-903, Obras, IX: 625-44), Ortega se referiu a Heidegger apenas de passagem em uma longa nota de rodapé em seu ensaio, “Goethe desde Dentro” (1932) Obras, 4: 403-04, 541. Seja qual for o contexto em que se iniciou essa controvérsia sobre o endividamento intelectual de Ortega para com Heidegger, foi durante esse período decisivo dos anos 30 que ele se voltou para a formulação sistemática da filosofia da Lebensphilosophie, e foi também nesse período que a postulação explícita de Ortega da noção do “Eu sou eu e minhas circunstâncias”, enquanto realidade radical, refletiu a influência de pontos de vista existenciais e fenomenológicos em sua filosofia da existência, do homem e da sociedade.

Embora a postura ontológica geral de Ortega tenha algumas semelhanças com a análise existencial de Heidegger, e embora sua idéia de vida humana mostre algumas afinidades com a Lebensphilosophie de Dilthey, existem também diferenças entre essas filosofias e a posição filosófica fundamental de Ortega. A importante diferença a apontar diz respeito à observação de que Ortega procedeu para além das posturas distintas do Daseinanalyse e do Lebensanalyse, incorporando os dois conceitos. Isto é, para Ortega, a análise do ser e a análise da vida humana constituíram de imediato a análise sistemática da existência do homem em suas “relações vividas” e em seu “estar no mundo”. Além disso, Ortega explicita a conexão entre o conceito de tempo histórico e o conceito de realidade cotidiana, na medida em que a temporalidade constitui a relação básica entre o ser humano e suas atividades no mundo.

7. Realidade Humana e Razão Histórica

A história narra as ações dos indivíduos na sociedade. No mundo dos objetos físicos, as coisas mudam, mas, no mundo social dos indivíduos, os eventos ocorrem. As referências à realidade histórica, ou ao tempo histórico, então, são definidas em termos de motivos humanos, ações e reações e, portanto, como eventos únicos. Quais são, então, os fatos históricos? Para Ortega, “todo conhecimento dos fatos” enquanto dados “isolados”, “é, para ser preciso, incompreensível e só pode ser justificado quando usado a serviço da teoria”. Nossa capacidade de compreender a conexão no mundo externo é melhor servida “na síntese dos fatos”, pois “a unidade dos fatos” não é “encontrada em si mesma”, mas é encontrada “na mente de um indivíduo” (Obras, I: 316-17). Para Ortega, o raciocínio histórico tem, portanto, uma forma específica de narração.

Em resumo, o raciocínio, a razão, que aqui lança luz, consiste em uma razão narrativa. Para compreender qualquer coisa humana, seja ela pessoal ou coletiva, é necessário contar sua história […]. A vida só retorna um pequeno grau de transparência na presença da razão histórica. (Obras, VI: 40)

Tais declarações foram baseadas no reconhecimento de que o tempo histórico difere do tempo na natureza. Claramente, qualquer fenômeno natural ocorre no tempo. No entanto, as referências à realidade histórica ou a um tempo histórico foram frequentemente definidas em termos de motivos humanos, ações e reações. Por essa razão, os eventos históricos têm sido geralmente caracterizados como eventos únicos, em contraste com as leis da natureza onde elementos similares se encontram em circunstâncias similares. A história do indivíduo, portanto, significa mais do que mera mudança no tempo. O tempo histórico torna-se significativo através das ações humanas. Ao conectar o raciocínio histórico às ações humanas, a filosofia crítica da história procurou revelar a atividade da mente como um processo tangível. Como com Dilthey, Croce, e mais tarde, Collingwood, Ortega em sua orientação filosófica estava afiliado à tradição que, em contraste com o clássico empirismo britânico, retratou a mente humana em termos ativos; em outras palavras, a tradição Neo-Kantiana tratou a atividade mental como criativa e autodeterminante, demonstrando um papel construtivo na experiência humana ao invés de responder passivamente de forma mecânica aos estímulos externos. Kant já havia estabelecido que todo o conhecimento é uma função da mente humana. A mente, por meio de suas próprias formas a priori, estrutura todo o domínio do conhecimento. Essa extensão formal do domínio da atividade mental atraiu a Ortega. A importância particular que Ortega atribuía à história, e seu argumento de que o caráter da mente havia sido radicalmente mal interpretado pelos filósofos empíricos, refletia o pressuposto subjacente a sua representação do indivíduo como um agente histórico autônomo. Ele considerava o objetivo empírico, ou positivista, de formular uma teoria da natureza humana de acordo com princípios extraídos das ciências físicas como apresentando conclusões errôneas. Ao se adotar essa postura, supõe-se que o comportamento humano torna-se sujeito a regularidades invariantes e universais, e que as explicações consistem necessariamente em subsumir o que ocorre sob “uma lei geral da natureza”. Contra tal ponto de vista, Ortega argumentou que a natureza humana envolve um processo contínuo de autotransformação reflexiva que revela que os indivíduos estão continuamente modificando e reformulando suas experiências. Nesse sentido, a noção de um caráter humano fixo, em conformidade com princípios imutáveis que são válidos para todos os indivíduos durante todos os períodos históricos, era inaceitável para ele.

Para explicar a realidade, Ortega continua, as ciências naturais, em sua preocupação com a existência de objetos em fenômenos naturais, têm como objetivo descobrir os conceitos gerais ou as leis naturais sob as quais esses objetos podem ser subsumidos. Para compreender a relação entre a vida humana e a realidade, portanto, o indivíduo deve fugir do que ele rotula como “o terrorismo do laboratório”. Através de suas várias leituras de Kant, Ortega aprendeu que a mente autônoma deve libertar o eu da escravidão de nossa existência empírica por natureza. Para evitar que as distinções ontológicas que ele pensava que deveriam ser feitas entre uma filosofia da natureza física e uma filosofia da natureza humana, Ortega sustentou que “o homem não tem natureza”. O indivíduo deve libertar-se dos grilhões dos cientistas naturais, pois estes últimos estão demasiado envolvidos com conceitos gerais e abstratos da natureza, e “o homem não tem natureza”. Assim, de acordo com Ortega, as interpretações generalizadas dos cientistas naturais excluem o elemento mais essencial da realidade humana: a vida do indivíduo. Na desnaturalização do “homem”, uma questão permanece para nós: se o indivíduo não tem natureza, o que ele tem? “O homem tem história” responde Ortega. O “homem vive”, ele continua, e, como “ser vivo”, o indivíduo se relaciona com outros “seres vivos” para que fatores vitais e operacionais sejam postos em movimento — a “experiência viva do homem”. A saída de Ortega da perspectiva universal da física e da matemática sobre a realidade nos mostra que sua máxima, “o homem, numa palavra, não tem natureza; o que ele tem é […] história” completa o afastamento do indivíduo da natureza e da natureza do indivíduo. Essa brusca separação entre indivíduo e natureza, além de sua rejeição de conceitos racionais enquanto produtores de qualquer conhecimento válido da realidade, reafirma a negação de Ortega dos princípios universais e fundamentais da realidade e assim o alinha no lado humanista das ciências naturais — a dicotomia das ciências humanas. O que é real e o que tem a história compreende o que foi revelado pelo ser humano. A história, portanto, “sensu stricto” constitui a “história humana”. Pois a história “é a realidade do homem”. Ele não tem outra. Através da história, ele se fez tal qual ele é”. A ênfase posterior de Ortega na base “autóctone original” da “razão histórica”, insistiu tanto na qualidade sistemática da história quanto no caráter “transcendente” da razão física (Obras, IX: 83-86, 88-89). Para Ortega, a vida humana não é “uma coisa” mas “um drama”; a vida humana “é um gerúndio, não um particípio: um faciendum, não um factum“. Por fim, tal como foi expresso de forma diferente por Collingwood: “o que a natureza é para as coisas, a história, como res gestae, é para o homem […]. O homem descobre que não tem outra natureza além daquilo que ele mesmo fez”. Para Collingwood, a história é o estudo da “res gestae: ações do ser humano feitas no passado”; e, por estudar a atividade humana, é o estudo da atividade proposital (Obras, VI: 32-33, 41; Collingwood 1948 [1956: 9]; 1921 [1966:19-20]).

8. Fenomenologia Existencial, o Mundo Social e o Tempo Histórico

O indivíduo vive assim de uma forma ativa e reveladora. A revelação diz respeito, antes de tudo, ao próprio indivíduo. O indivíduo compreende basicamente seu próprio ser, um entendimento que, segundo Ortega, não pertence à vida comum do homem em geral; ao contrário, pertence apenas a cada indivíduo único (Obras, VI: 25). É somente dentro de sua própria existência factual que o indivíduo pode compreender o “eu sou eu e minhas circunstâncias”. A individuação do ser do indivíduo é aquela que identifica o que ele pode se tornar. Se as “circunstâncias” do indivíduo conotam, para Ortega, qualquer situação para a qual um ato possa ser dirigido pelo “eu”, então as circunstâncias, em sua maioria, constituem mais uma condição, e não uma negação, da liberdade de ação do indivíduo. Ou seja, uma vez estabelecido que a liberdade implica uma escolha, uma escolha deve ser feita com respeito à variedade de possibilidades que surgem das “circunstâncias” do indivíduo. Para criar seu destino de modo que ele possa se tornar “o romancista de si mesmo”, o indivíduo “deve escolher entre tais possibilidades”. “Portanto”, argumentou Ortega, “eu sou livre. Mas entenda bem, eu sou livre por coerção, quer eu queira ou não ser”. As condições de liberdade evoluem dentro de determinadas alternativas e de liberdade de ação, e assim resultam na capacidade de escolher e agir sob quaisquer circunstâncias enfrentadas que possam surgir. Assim, para Ortega, o modo como um indivíduo se constitui a si mesmo torna-se muito determinado pela forma como se permite a posse de seu ser. O indivíduo não escolheu livremente suas “circunstâncias”; contudo, cada um pode assumir livremente a responsabilidade de seu ser e permitir que ele se revele como singularmente seu ser. “O destino do homem, então”, afirmou ele, “é principalmente a ação”. Não vivemos para pensar, pelo contrário: pensamos para que possamos sobreviver” (Obras, VI: 34; 5: 304). Pois uma vez dada sua vida, o ser ou a essência do homem se torna uma realidade em constante mudança. À medida que a essência do homem se caracteriza em conjunto com as condições de suas “circunstâncias”, o homem individual é colocado e entregue ao ser que é seu e que tem que ser. Assim, o fardo da ação e da tomada de decisões é colocado sobre o indivíduo, pois a própria essência do seu ser consiste em uma realidade em constante mudança no processo de elaboração. A capacidade de ser esse ou aquele ser depende de suas ações e, portanto, para Ortega, o indivíduo é fundamentalmente diferente dos animais e das pedras:

Esta vida que nos é dada é-nos dada vazia, e o homem tem que continuar a preenchê-la para si mesmo, ocupando-a. Tal é a nossa ocupação. Não é o caso da pedra, da planta e do animal. O ser deles já lhes é dado predeterminado e resoluto… Mas ao homem é dada a necessidade de estar sempre fazendo algo, sob pena de sucumbir, porém o que ele tem que fazer não está presente a ele desde o início e de uma vez por todas. Porque a coisa mais estranha e mais confusa sobre tal circunstância ou mundo em que temos que viver consiste no fato de que ele sempre nos apresenta, dentro de seu círculo ou horizonte inexorável, uma variedade de possibilidades para nossa ação, uma variedade em face da qual somos obrigados a escolher e, portanto, a exercer nossa liberdade. A circunstância — repito — em que aqui e agora estamos inexoravelmente inscritos e presos, não nos impõe a cada momento um único ato ou atividade, mas vários atos ou atividades possíveis e nos deixa cruelmente à nossa própria iniciativa e inspiração, portanto à nossa própria responsabilidade (Obras, VII: 102-03).

Os filósofos existencialistas são notados por sua ênfase na liberdade de ação e na necessidade do indivíduo escolher o que será; torna-se evidente, a partir da afirmação acima, que Ortega absorveu essa tradição intelectual em sua própria filosofia. Claramente, outros filósofos têm se preocupado com a natureza da liberdade humana que precede a atividade filosófica na Europa desde o final dos anos 1920 até os anos 1950. Entretanto, o interesse central que une Ortega e a filosofia existencial diz respeito não apenas à questão da liberdade humana, mas também à ênfase na experiência e na prática dela. Sendo assim, a essência do ser humano assume uma dupla característica na filosofia da vida humana de Ortega, a diferenciação entre o traço interno do indivíduo — o “eu” — e sua manifestação externa dentro do ambiente das entidades físicas. Ele vê o “eu” tanto como constituinte quanto como sendo constituído pela realidade tangível do mundo. A vida como o confronto do “eu” com seu ambiente — ambientes em que diversas possibilidades existem — coloca o homem fora de si mesmo. Como observamos, “possibilidade” conota, para Ortega, aquilo que possui atualidade potencial (do ponto de vista das “circunstâncias” do indivíduo). Sob esse ponto de vista das circunstâncias da vida, levar em conta o “eu” como principal realidade humana não é suficiente por si só, pois a realização desse fator de vida estimula o indivíduo a agir e, assim, o confronta com a realidade externa (Obras, V: 72-73). Assim, o confronto contínuo com suas “circunstâncias” demonstra o fator essencial que impede que o indivíduo fique isolado, preso em seu ego. O indivíduo deve agir na vida e, sob tais condições, a experiência de vida torna-se uma tarefa e o indivíduo se torna o que as possibilidades potenciais do seu ser finito o exibem como sendo.

A finitude essencial do indivíduo é experimentada no próprio coração da própria vida. “A vida é angústia”, observou ele, “entusiasmo, deleite, amargura e inúmeras coisas”. De acordo com Ortega, em certo momento de sua experiência, o indivíduo pode mergulhar no estado de ansiedade — como se estivesse “entre a espada e a parede” — quando a morte se torna iminente. A “morte”, continuou ele, “é certa, não há como fugir dela! Existe alguma outra opção?” (Obras, VIII: 297; VII: 104). Ortega percebeu a realidade e o fato da morte como essenciais para revelar a própria essência e contingência do ser do indivíduo, o que se assemelha a pontos de vista similares expressos por Heidegger. Pois, diante da “morte possível”, experimentar a vida como ser também implica uma consciência da possibilidade da vida como não ser. A aceitação da morte, portanto, como uma possibilidade aqui-e-agora revela a radical — básica — finitude da vida humana.

A perceptível ocorrência factual da morte também caracteriza a vida humana como uma ocorrência do tempo, bem como da realidade. À medida que o indivíduo se torna consciente da realidade da morte, através da experiência, sua finitude se revela essencialmente no tempo:

Nosso conhecimento vital dos outros homens e de nós mesmos é um conhecimento aberto que nunca é estável […].Nosso conhecimento vital é aberto, flutuante porque o tema desse conhecimento, a vida, o Homem, já é em si mesmo também um ser que está sempre aberto a novas possibilidades. 

Nosso passado, sem dúvida, pesa sobre nós; inclinou-nos a ser mais isso do que aquilo no futuro, mas não nos acorrenta nem nos arrasta […]. A vida é mudança; a cada novo instante se é algo diferente do que se era, portanto, sem nunca ser definitivamente si mesma. Somente a morte, ao impedir uma nova mudança, transforma o homem no eu definitivo e imutável, faz dele para sempre uma figura imóvel, ou seja, liberta-o da mudança e o torna eterno. […] a partir do momento em que começamos a ser, a morte pode intervir na própria substância de nossa vida, colaborar nela, comprimi-la e densificá-la, pode torná-la em iminência urgente e na necessidade de dar o melhor de nós a cada instante. (Obras, VII: 186-87)

Essa caracterização da vida humana, então, postula a noção de que o tempo está no homem, pois os eventos na vida do homem estão relacionados por sua posição no tempo. O “eu sou eu e minhas circunstâncias”, como ponto de partida da condição humana, também expressa o fato de que a experiência viva do indivíduo consiste em algo que ocorre tanto temporalmente quanto espacialmente. O que o “eu sou eu e minhas circunstâncias” implica, então, sob tal sentido? A ênfase de Ortega no homem como um ser que vive no mundo pode sugerir algo como um propósito, um fim; entretanto, um fim específico nunca foi seu objetivo. O aqui-e-agora do indivíduo torna-se sua principal preocupação. Na verdade, ele tendeu a definir as “circunstâncias” dos indivíduos em termos de “certos fenômenos elementares e básicos que envolvem a sociedade humana” e que, de fato,  se impõem desde fora no processo histórico que ele teoricamente seguiu desde dentro. Como a temporalidade do homem faz muito parte do aqui-e-agora, o ser-em-constrção do homem, para Ortega, constitui um “acontecimento” em direção ao futuro. O futuro ainda não está aqui e o passado já não está mais aqui e estas duas características tendem a permear o próprio centro do ser humano, pois suas posições estão relacionadas entre si no tempo. Como a morte se relaciona com a finitude interna do indivíduo, o passado e o presente se relacionam com sua finitude em sua manifestação externa, temporal. O presente — o aqu- e-agora — é entendido como aquele momento em que o passado e o futuro estão divididos. A vida do momento presente — quando “alguns homens nascem e quando alguns homens morrem” — em sua própria essência “é acondicionada”, disse Ortega, “entre outras vidas que vieram antes ou que virão depois […]” (Obras, V: 35-37). Uma vez que um indivíduo toma consciência de si mesmo como um ser baseado nos fatos de seu passado (tais como onde nasceu ou quem foram seus pais), e também como projetado para o futuro que ele escolhe, o indivíduo assume total responsabilidade por sua vida e suas escolhas. Ortega viu o futuro como o aspecto mais importante da temporalidade porque é a “área aberta” para a qual o homem se dirige e na qual o homem manifesta seu próprio ser. O indivíduo dirige-se para o futuro e, consequentemente, assume a herança do passado, tornando-se assim orientado para sua situação atual e presente. Em resumo, o presente tem origem no passado para engendrar o futuro.

A esquematização de Ortega do passado, presente e futuro é sustentada na unidade de uma temporalidade que assume características peculiares na experiência das dimensões vitais do indivíduo. Através das experiências vivas, “o homem continua sendo e des-sendo”. Portanto, a experiência temporal de viver não é estruturada em uma progressão unidimensional. Ao contrário, enquanto processo contínuo de ser e não-ser, ela tem que ser vista a partir da perspectiva tridimensional do passado, presente e futuro. O indivíduo reflete sobre o passado ao confrontar continuamente a situação de ter que tomar decisões conscientes com respeito ao presente e ao futuro. Como aprendemos, vida, morte, livre escolha e finitude habitam juntas nas experiências de vida dos indivíduos. A escolha e o “destino” do homem, então, são contemporâneos — incorporados no aqui-e-agora. Assim, a contemporaneidade do homem pressupõe a autêntica temporalidade do homem:

O passado é o momento de identidade no homem, o que ele tem em si mesmo, o que é inexorável e fatal. Mas, do mesmo modo, se o homem não tem outro ser Eleático além do que foi, significa que seu ser autêntico, aquilo que, na verdade, é — e não apenas “foi” — distinto do passado, consiste precisa e formalmente em “ser o que não foi”, em um ser não-Eleático. E como o termo “ser” é irresistivelmente ocupado por seu significado estático tradicional, seria apropriado livrar-se dele. O homem não é, mas “continua a ser” isto e aquilo.  (Obras, VI: 39) 

O ser autêntico, assim entendido, tem seu peso essencial não apenas no passado, nem no futuro, mas no aqui-e-agora do indivíduo em sua conexão reflexiva com o passado. Assim, como um ser autêntico, o homem é tão contemporâneo quanto histórico, e assim a historicidade do homem explicita as manifestações temporais de suas dimensões vitais.

Através do “eu” e suas “circunstâncias”, Ortega equilibrou o princípio da variedade individual com sua filosofia da vida humana. Entretanto, ao considerar o indivíduo como sendo um ser histórico ocasionado por sua temporalidade, Ortega começou a perseguir uma linha de pensamento que eventualmente o posicionaria para estabelecer um princípio de coerência para as realidades do indivíduo, da sociedade e da história; esse tema seria confirmado pelo impulso fenomenológico da filosofia da sociedade humana de Ortega e sua teoria das gerações. Pois a vida, enquanto o processo de acontecer e da temporalidade do indivíduo, torna implícita a suposição de que “o homem continua a ser” e, portanto, tem um princípio discernível de coerência.

Uma vez estabelecida a vida humana como o ponto de vista fundamental da realidade, para Ortega,

ipso facto dois termos ou fatores igualmente primários um para o outro e, além disso, inseparáveis: o homem que vive e a circunstância ou mundo em que o homem vive. 

Como um ser que vive, o indivíduo se relaciona com outros seres vivos. Para Ortega, “todas as realidades devem de algum modo se fazer presentes, ou pelo menos se anunciar dentro dos limites agitados de nossa vida humana” (Obras, VII: 101). Assim, a realidade básica da vida humana constitui a vida de um indivíduo com as vidas de outros indivíduos, bem como situações que dizem respeito ao confronto do indivíduo com as realidades existentes dos objetos físicos. De acordo com esse ponto de vista, o homem — enquanto ser-que-vive-no-mundo — não percebe o mundo a partir do isolamento de seu ego, pois a própria essência de seu ser consiste em viver de uma maneira ativa e reveladora. Para Ortega, ser-no-mundo tem uma característica dupla: enquanto se relaciona com “eu sou eu”, ser-no-mundo funciona como ser-por-si mesmo; mas enquanto se relaciona com “minhas circunstâncias”, ser-no-mundo funciona como ser por e com os outros. “Nosso mundo”, explicou ele,

o mundo de todos, não é um totum revolutum, mas está organizado em “campos pragmáticos”. Cada coisa pertence a um ou mais desses campos, onde articula seu ser com o dos outros, e assim por diante. (Obras, VII: 130)

Através de uma abordagem que faz lembrar Kant e Husserl, Ortega afirmou que “todos os homens vivem em um mesmo mundo”. Ele continuou,

Essa é a atitude que podemos chamar de atitude natural, normal e cotidiana na qual vivemos; e, por causa dela, por viver com os outros em um mundo presumido — o nosso mundo — nossa vida é co-viver, viver juntos. (Obras, VII: 152)

Qualquer interação significativa com o outro “consiste na minha relação de me tornar ativo, na minha atuação sobre ele e a dele sobre mim”. Na prática, o primeiro geralmente segue o segundo”. Assim, então, a descoberta do corpo do outro, como um objeto na realidade, torna-se uma revelação inversa do “eu” e de seu ser. O ser que posteriormente é revelado ao “eu” é revelado como sendo-por-e-com-outros. Este componente do ser-por-si-e-outros é parte integrante do ser-no-mundo e do ser-por-si e, assim, forneceu a Ortega a perspectiva fenomenológica através da qual ele desenvolveu sua idéia de indivíduos interagindo na sociedade humana. Ele explica:

Isso significa que o aparecimento do Outro é um fato que permanece sempre como que ao fundo de nossa vida, porque quando somos surpreendidos pela primeira vez vivendo, nos encontramos não apenas com os outros e no meio dos outros, mas acostumados a eles. O que nos leva a formular este primeiro teorema social: o homem é um nativitate aberto ao outro que não a si mesmo, ao ser estranho; em outras palavras: antes de cada um de nós tomar consciência de si mesmo, já tinha tido a experiência básica de que existem aqueles que não são “eu”, os Outros; Isso quer dizer que o Homem, sendo um nativitate aberto ao outro, ao alter que não é ele mesmo, é um nativitate, quer queira ser ou não […]. Estar aberto ao outro, aos outros, é um estado permanente e constitutivo do Homem, não uma ação determinada para com eles. […] Isto ainda não é propriamente uma “relação social”, porque ainda não está determinada em nenhum ato concreto. É a simples coexistência, a matriz de todas as “relações sociais” possíveis. É a simples presença no horizonte da minha vida — uma presença que é, acima de tudo, mera compreensão do Outro no singular ou no plural. (Obras, VII: 149–50). 

Para Ortega, enquadrar o mundo social como um horizonte conota, como no caso de Husserl, o contexto no qual ocorre a experiência da interação humana (entre “Eu”, e “Nós” e “Outros”). Os vários “Eus” constituem as unidades fundamentais da estrutura e do conteúdo do mundo social. “Husserl diz muito bem”, lembrou Ortega, “o significado do termo homem implica uma existência recíproca de um para o outro, portanto, uma comunidade de homens, uma sociedade” (Obras, VII: 148). Como vimos anteriormente, ao descrever a realidade, Ortega postulou a distinção entre as coisas (isto é, plantas, pedras e animais) e o homem através do fato de que as coisas existem e o homem vive. Por força das qualidades únicas da existência humana, o indivíduo possui uma essência que é peculiarmente própria, o que significa que o homem não está apenas separado das plantas, pedras, minerais e similares. Todos os atos humanos individuais, para Ortega, são dirigidos a algum objeto e, como tal, as ações do indivíduo são manifestadas de acordo com a natureza dos objetos aos quais são dirigidos e de acordo com seu contexto físico, espacial. Se o objeto é uma pedra, as ações do indivíduo seriam unilaterais; entretanto, se o objeto é um animal, o indivíduo descobre que suas ações se manifestariam diante de uma reação antecipada do animal para o qual são dirigidas:

Sabemos que uma pedra não está ciente de nossa ação sobre ela.[…] Mas assim que começamos a lidar com um animal, a relação muda.[…] Não há dúvida, então, que, na minha relação com o animal, o ato de meu comportamento em relação a ele não é, como foi no caso da pedra, unilateral; ao contrário, meu ato, antes de ser executado, quando estou planejando, já calcula o provável ato de reação da parte do animal, de tal forma que meu ato, mesmo em estado de puro projeto, se move em direção ao animal, mas retorna a mim em sentido inverso, antecipando a resposta do animal. (Obras, VII: 133-34)

Consideramos esse tipo de reflexão transcendental — por meio de ações, respostas e respostas recíprocas — como fundamental no tipo de descrição feita por Ortega sobre o mundo social. Com um animal como um objeto para o qual os indivíduos direcionam suas ações, descobrimos mais de uma resposta recíproca do que ocorre com pedras e outros objetos inanimados. Um indivíduo e um animal, de acordo com Ortega, existem-um-para-o-outro, mas não no mesmo grau que ocorre entre o homem e o homem; este último se relaciona um com o outro como sendo-com-e-para-o-outro. No entanto, a questão permanece: que tipo de comportamento pode ser constituído como sendo social e quais são as contingências implícitas em tal comportamento? A contingência, para Ortega, está relacionada ao fato de que o comportamento social envolve interação entre indivíduos, em contraste com atos entre indivíduos e animais — a vida humana permanece a realidade última — e essa interação humana tem que ser recíproca. É um tipo de reciprocidade de ação que só pode surgir e ocorrer entre os seres humanos:

A palavra “social” não aponta, naturalmente, para uma realidade na qual o homem se comporta para com outros seres, que por sua vez se comportam para com ele — daí as ações nas quais, de uma forma ou de outra, a reciprocidade está envolvida […]. Por fim, para dizer de outra forma, que os dois atores respondam um ao outro, ou seja, co-respondam um ao outro? (Obras, VII: 135-37)

Ao vivenciar os outros como outros indivíduos, Ortega considera que o “eu” compreende e se relaciona com eles como modalidades análogas ao “eu” e que estão inextricavelmente ligadas, enquanto unidades fundamentais da realidade humana, às suas “circunstâncias” também. Essa interação se manifesta de tal forma que o “Eu”, para Ortega, apreende o mundo-para-os-outros e o mundo-para-o-eu como um e o mesmo mundo — de um ponto de vista objetivo e empírico — que difere em cada caso individual apenas na medida em que afeta a consciência de modo diferente. Pois todos nós percebemos a realidade através de nossa percepção sensorial, embora nossas percepções individuais dessa mesma realidade sejam registradas de maneira diferente. Para Ortega, como vimos, eu sou o único que é um “eu”. Todos os outros “Eus” são semelhantes a objetos (no sentido de que são percebidos apenas como organismos físicos) e, uma vez vistos como sendo “uma outra pessoa” (ou seja, um ser percebido como possuindo tanto um corpo quanto uma interioridade, um outro “Eu”), são referidos como os “outros”. Meu próprio lugar neste mundo — no tempo e no espaço — está relacionado ao meu “eu” e ao meu corpo. Portanto, quando o “eu” (que é meu “eu”) encontra um “eu estranho”, é essencial que ele (o “eu”) transcenda a si mesmo e assim torne possíveis as tentativas significativas de compreender e perceber a existência de outros “egos”, ou “eus”. O Outro, enquanto “eu”, segundo Ortega, encarna um “eu” que possui uma qualidade semelhante de consciência, interioridade e solidão: um ego que será considerado possuidor também de qualidades modais primárias e secundárias e cuja essência e estrutura fundamental também será encontrada como existente dentro do “eu”. Assim, para Ortega, a fim de tentar entrar nesta esfera da “interioridade do outro”, torna-se essencial lutar para atingir a atitude transcendental. “Neste sentido de realidade radical”, explicou ele,

 “vida humana” significa estrita e exclusivamente a de cada indivíduo, ou seja, sempre e somente a minha própria […] Se, por acaso — acrescentei — aparecer neste meu mundo algo que também deva ser chamado de “vida humana” em outro sentido, já não será mais radical ou primário ou patenteado, mas secundário, derivado e mais ou menos latente e suposto. […] O que é decisivo a respeito dessa passagem e dessa aparência é que enquanto minha vida e tudo nela, sendo patente e minha, têm o caráter de ser imanente — daí o truísmo de que minha vida é imanente a si mesma, de que tudo está dentro de si mesma —, a apresentação ou compreensão indireta da vida humana dos outros me confronta com algo transcendente à minha vida […] (Obras, VII: 141)

Através da mediação de um mundo humano, então, o “eu” e o Outro comunicam-se como vidas humanas coletivas. A realidade radical do “eu”, como a interioridade da vida humana, é única para o “eu” individual e, na medida do possível, relaciona-se transcendentalmente com o “eu” do outro. A consciência do “Eu” torna-se separada da consciência do outro pela própria distinção que separa, em primeiro lugar, a consciência do “Eu” de seu próprio corpo, e em segundo lugar, a distinção que separa o corpo do “Eu” do corpo do outro, e finalmente, a distinção que separa o corpo do outro de sua consciência. Alternativamente, os corpos do “eu” e do outro, como estruturas físicas existentes no mundo comum das “vidas humanas”, são “centros de transmissão” necessários, como Ortega o chama, entre a consciência do “eu” e os outros. Nesse sentido, as relações entre os corpos do “Eu” e do Outro consistem em uma relação de exterioridade transcendental. “O que certamente é patente em minha vida”, explicou ele,

O que é evidente em minha vida são as notícias, o sinal de que existem outras vidas humanas, mas como uma vida humana é em sua radicalidade apenas a minha, e essas vidas serão as vidas de outros como eu, cada uma de cada um, portanto, apesar de serem outros, suas vidas estão todas fora ou além ou são trans-minhas.É por isso que são transcendentes. (Obras, VII: 142)

Expresso desse modo, o indivíduo, como um ser-que-vive-no-mundo e como um ser-para-e-com-outros, é um ser empiricamente finito que tem que transcender a finitude de sua “realidade radical”. Como vimos, sob a perspectiva muitas vezes associada à filosofia existencial, Ortega observou que, para o indivíduo transcender a determinação do seu ser e atingir a consciência individual, ele tem que fazer escolhas e decisões livres. De um ponto de vista ontológico, Ortega defende, como Husserl, a necessidade de entrar na atitude transcendental para que um indivíduo possa se aproximar de uma compreensão e consciência da experiência do “outro”. As filosofias fenomenológicas e existenciais estão assim ligadas entre si, pois o indivíduo permanece um ser empírico, finito, concreto e único em suas “circunstâncias” particulares, que foi colocado decisivamente dentro do contexto espaço-temporal no aqui-e-agora do próprio mundo, e através dessa perspectiva, transcende a “realidade radical” em cada detalhe (Obras, V: 545-47). Embora ele tenha posto em questão a “transposição analógica abstrata” da “redução transcendental” de Husserl, a abordagem fenomenológica de Ortega sobre a importância de transcender a experiência individual — como base fundamental para compreender a própria experiência da realidade — ainda permanece muito dentro da tradição de Husserl, e de seus alunos e seguidores ao longo de fases díspares do método fenomenológico: Heidegger, Jean-Paul Sartre e Maurice Merleau-Ponty. Quando Ortega apresentou as ramificações ontológicas da realidade, ele considerou claramente que o corpo humano estava ligado à totalidade do que ele chamou de vida humana ou realidade radical e, como tal, era o fundamento de sua estrutura vital. Mais especificamente: o corpo é um corpo de um indivíduo na medida em que ele existe na unidade indissolúvel de sua realidade radical. Mas, ele questionou: “o que queremos dizer quando dizemos que um Outro está diante de nós, isto é, um outro como eu, um outro Homem”? Sua resposta,

…eu, ego, significa para nós não mais que “vida humana”, e a vida humana […] é propriamente, originalmente, e radicalmente apenas a vida de cada um de nós, portanto, a minha vida. (Obras, VII: 158-59)

Para alguns, parece ser um fato óbvio que os indivíduos são capazes de entender os outros, em seu ser e essência, tanto como semelhantes quanto como outros que não eles mesmos. De um ponto de vista fenomenológico, porém, esse fato é um problema que não é óbvio nem fácil de explicar, e é um problema cuja solução foi vista de maneira diferente tanto por Ortega quanto por Husserl.  Para Husserl, a solução para este problema foi encontrada em sua noção de Einfühlung (“empatia”, ou literalmente, “sentir-se em outro”). O conceito de Husserl do Einfühlung em Lebenswelt se assemelha à idéia de David Hume de “simpatia”, e sua função filosófica (como uma propensão a “simpatizar com os outros”, e como uma “teoria transcendental de experimentar outra pessoa”) pretendia estabelecer, o mais profundamente possível, uma forma de apresentar o “outro” para nós. (ver Hume 1739 [1985: 367-69]). Ortega renunciou à suposição inerente a essa solução para o problema porque a noção de Einfühlung assume que o “outro” é “análogo” ao meu “eu”; o conceito assume que é um duplo do meu “eu” e ainda não cumpre a função de explicar a questão mais difícil — nomeadamente, como é possível que esse “duplo” de mim mesmo continue a me parecer como constituindo o outro? O principal argumento de Ortega é dirigido contra a formulação de Husserl, em Meditações Cartesianas, do alter ego como “análogo” do ego. A solução de “uma transposição ou projeção analógica”, portanto, mostrou-se inadequada para Ortega, e a noção de “aparência do Outro” tornou-se o problema ao qual ele estendeu sua visão existencial — fenomenológica do ser para si mesmo e do ser-para-e-com-os-outros. A fim de esclarecer um pouco o problema, Ortega substituiu a noção de Husserl de “em cada intencionalidade [minha]” por sua própria idéia de “minha vida como realidade radical” (ver especialmente Husserl 1933 [1964: 89-100, 104-11]; ZPI: vol. 14, 3-11, 429-33; vol. 15, 40-50; ver também, Scheler 1923 [1954: 6-50]; Obras, VII: 161-63). Como o indivíduo nunca é um “eu” inexpressivo — pois, como realidade radical, sua vida está sendo-no-mundo — também nunca se é um “eu” isolado (sem-Outro). Para Ortega, essa manifestação de “realidade radical” constitui a característica fundamental do ser-por-e-com-outros e, consequentemente, não pode ser explicada como um “eu” isolado que de alguma forma descobre uma forma de confrontar outro “eu” igualmente isolado. Um indivíduo não tem que encontrar seu caminho até outro indivíduo para, com a revelação do seu próprio ser como sendo-por-e-com-outros, o ser de outros “eus” torne-se revelado a alguém como possuidor dessa característica idêntica:

Para constar: ser o outro não é um acidente ou uma aventura que pode ou não suceder ao Homem, mas um atributo original. Eu, em minha solidão, não poderia me chamar por um nome genérico, como “homem”. A realidade que este nome representa só me aparece quando há outro ser que me responde ou me reciprociza. Husserl diz muito bem: “O significado do termo homem implica uma existência recíproca de um para o outro; portanto, uma comunidade de homens, uma sociedade”. E vice-versa: “É igualmente claro que os homens não podem ser apreendidos a não ser encontrando outros homens (reais ou potenciais) ao seu redor” Portanto, acrescento, falar do homem fora e de fora de uma sociedade é dizer algo contraditório e sem sentido em si mesmo. O homem não aparece na solidão — embora sua verdade última seja sua solidão —: o homem aparece na socialidade como o Outro, alternando-se com o Um, como o recíproco. (Obras, VII: 148).

O “eu” e o outro, então, são constituídos por seu aparecimento um diante do outro, no mundo comum da sociedade, e à medida que cada um se engaja na interação recíproca. A esse respeito, Ortega estava em acordo básico com Husserl enquanto o primeiro tentava conciliar os domínios do “eu” e do outro, da solidão e da sociedade, estabelecendo o fato de que a referência ao outro (por parte do “eu”) é uma condição indispensável para a constituição do ser-no-mundo.

Assim, no mundo social do ser-para-e-com-outros, um indivíduo se afasta das possibilidades que podem ser vistas como sendo exclusivamente suas e tenta ampliar a compreensão de si mesmo relacionando-se com as possibilidades do mundo comum dos outros. O mundo social em que o indivíduo vive — como aquele que permanece ligado a outros indivíduos por meio de múltiplas relações — é um reino que o indivíduo apreende e interpreta como significativo para as suas próprias possibilidades,  as “circunstâncias ” e o aqui-e-agora. Adotando esse ponto de vista, Ortega argumentou que, como indivíduos que estão enraizados em nossas realidades radicais, devemos “fazer uma tentativa de interpenetração, de des-solitudinização […]” (Obras, VII: 140). Sendo assim, à medida que a dimensão espaço-temporal da realidade radical de um indivíduo se torna parte e parcela do próprio aqui-e-agora, a realidade do mundo social (como o contexto e a mediocridade através dos quais os grupos de indivíduos interagem) também está enredada em seu aqui-e-agora. Através da própria finitude, a temporalidade do indivíduo se revela como a consciência da estrutura intrasubjetiva de sua vida. A realidade do mundo social, ao contrário, revela-se ao indivíduo como um mundo estruturado intersubjetivamente que o “eu” compartilhou através da interação com os outros. As manifestações espaço-temporais dessa intersubjetividade conectam o “eu” aos outros e, ao mesmo tempo, diferenciam fortemente o mundo do “eu” em relação ao mundo social dos outros. “Tínhamos deixado claro”, explica ele,

que a primeira coisa que encontro em meu próprio mundo radical são os outros Homens, o Outro, singular e plural, entre os quais eu nasci e entre os quais começo a viver. Eu me encontro, então, primeiramente em um mundo humano ou “sociedade”.(Obras, VII: 177)

No contexto da realidade social, o indivíduo mede, portanto, o seu “eu” por aquilo que constitui os Outros e por aquilo que eles alcançaram e não alcançaram no mundo social. A experiência do mundo social por um “eu” assim se justifica e se corrobora (como um estar no mundo) através da experiência dos outros com os quais o “eu” interage. As possibilidades dos indivíduos e sua subsequente compreensão de si mesmos podem ser ampliadas após seu encontro com os “outros” no mundo social comum a todos os “Eus”. Entretanto, Ortega também percebe o mundo social compartilhado, em vários aspectos, como limitando, ao invés de expandir, as possibilidades do indivíduo. Como um ser empiricamente finito cuja realidade radical enfrenta continuamente a possibilidade de morte, o indivíduo, para Ortega, pode fazer esforços para transcender a determinação do seu ser, fazendo, existencialmente, escolhas e decisões livres. Por outro lado, o indivíduo, como ser social, empiricamente finito que, interrelacionado com outros indivíduos, tem dificuldade de transcender e recuar do processo de reciprocidade da interação humana no contexto da realidade social e, portanto, torna-se condicionado (pela sociedade) a agir com vistas ao que outros fizeram e estão fazendo atualmente. Uma vez dado esse mundo social que pode ser interpretado para significar o possível reino de ação para todos nós (como “todos os homens se encontram entre os homens”), na visão de Ortega, o indivíduo deve discriminar entre o que constitui as possibilidades dos Outros — humanos em geral no mundo social — e o que constitui as possibilidades inerentes à singularidade de seu próprio ser finito. “Mas o seu”, afirma ele,

não é meu, suas idéias e convicções não são minhas, eu as vejo como estranhas e às vezes contrárias a mim […]. Todos os Tus o são porque são diferentes de mim, e por dizerem que sou apenas uma pequena parte desse mundo, essa pequena parte que agora começo a chamar com precisão de “eu”. (Obras, VII: 178, 189-90)

Nesse sentido, o indivíduo não deve viver nem como um “eu” isolado nem como um conformista ao mundo social comum dos outros. Ao invés disso, o indivíduo deve viver a existência de um “eu” único. Ou seja, o indivíduo único consiste em alguém que vive de forma ativa e reveladora e que tem a capacidade tanto de emergir como de afastar-se das possibilidades que são permitidas dentro do reino do “vocês” e do “nosso” que alguém enfrenta na realidade do mundo social. “É no mundo dos ‘vocês’, e em virtude deles”, ele explica,

que o que eu sou, meu eu, gradualmente toma forma para mim. Eu me descubro, então, como um dos incontáveis vocês, mas distinto de todos eles, com dons e defeitos peculiares, com um caráter e uma conduta exclusivos, que desenham o perfil autêntico e concreto de mim mesmo — portanto, como outro e preciso você, como alter tu. (Obras, VII: 196)

Neste ponto de nossa análise, torna-se evidente que o termo “mundo social”, ou sociedade, para Ortega, conota meramente a categoria que ele utilizou para descrever a interação fenomenológica entre os “Eus” individuais tanto como indivíduos únicos quanto como indivíduos sociais. Em outras palavras, o mundo social implica no domínio em que o processo interativo do “Eu” e suas “circunstâncias” se estende à inclusão de outros “Eus”. Partindo dessa perspectiva, Ortega se preocupou com os padrões fundamentais de interação humana que estão na base do contexto mais amplo da realidade social. A redução do conjunto do que constitui a realidade social em seus elementos componentes revela o fundamento fenomenológico da análise da sociedade humana feita por Ortega. Assim, a relação social dos indivíduos identifica a unidade distintiva que é definida pela interação recíproca de seus componentes individuais únicos. Conforme ele explica:

Temos dedicado várias lições para analisar em sua estrutura mais elementar, abstrata e básica o que é a relação social, na qual o homem gradualmente aparece e se define em relação ao outro homem, e, passando de ser o outro puro, o homem desconhecido, o indivíduo ainda não identificado, ele torna-se o indivíduo único — o você e o eu. Mas agora percebemos algo que é constitutivo daquilo que chamamos de “relação social”[..] ou seja, que todas aquelas nossas ações e todas aquelas reações dos outros em que consiste a chamada “relação social” têm origem em um indivíduo como tal, eu, por exemplo, e são dirigidas a outro indivíduo enquanto tal. Assim, a “relação social”, como nos pareceu até agora, é sempre uma realidade interindividual formal. (Obras, VII: 202-3)

9. Realidade Social, o “Homem Massa” e a “Sociedade de Massas”

O comportamento e a interação dos indivíduos no mundo social, para Ortega, compreende uma realidade que se torna tangível e aberta à análise objetiva. Essa análise reflete a perspectiva da realidade social como o reino em que podemos perceber e interpretar as funções concretas das interações humanas. A substância da análise objetiva das relações sociais de Ortega foi estruturada em torno de suas teorias de “minorias criativas e seletas”, “homem massa” e “sociedade de massas”. Para Ortega, “homem massa” e “sociedade de massas” são manifestações de fenômenos sociais e históricos que são perceptíveis, em parte, através do fator objetivo de seu vasto número e magnitude no mundo social. Porém, ele assinala imediatamente, o argumento da pura quantidade dificilmente explica com precisão ou adequadamente o fato de que “vemos a multidão, como tal, em posse dos lugares e dos instrumentos criados pela civilização”. Mais importante ainda, ele evocou, um forte enfoque nas características intrínsecas do homem massa e da sociedade de massas que nos aproximaria muito mais do discernimento da essência desse conceito do que suas manifestações externas de aglomeração e plenitude (Obras, VII: 144, 143). As dimensões filosóficas do homem massa, da sociedade de massas e das minorias seletas, como teoria das relações sociais e da interação humana e também como análise da realidade social, devem focalizar mais atenção em suas características qualitativas do que em suas características quantitativas. Isto é, enquanto as referências ao fator quantitativo dos conceitos de massas e minorias seletas como indicadores descritivos da coerência de um grupo de indivíduos em relação a outro grupo permanecem importantes e úteis, as referências às características qualitativas da identificação do que constitui massas e minorias seletas se tornam ainda mais essenciais para uma compreensão não apenas dos indivíduos únicos na sociedade, mas também de como essas pessoas únicas permanecem juntas como uma unidade dinâmica.

O conceito da multidão é quantitativo e visual. Traduzamo-lo, sem alterá-lo, em terminologia sociológica. Depois encontramos a idéia de massa social. A sociedade é sempre uma unidade dinâmica de dois fatores: minorias e massas. As minorias são indivíduos ou grupos de indivíduos especialmente qualificados. A massa é o grupo de pessoas que não são particularmente qualificadas. Por massas, portanto, não queremos dizer apenas ou principalmente “as massas de trabalho”. A massa é “o homem comum”. Assim, o que era apenas quantidade — a multidão — é convertido em uma determinação qualitativa: é a qualidade comum, é o exibicionismo social, é o homem na medida em que ele não difere dos outros homens, mas repete em si mesmo um tipo genérico. […] A fim de formar uma minoria, seja ela qual for, é necessário que cada um se separe primeiro da multidão por razões especiais e relativamente individuais. […] Esse fator de reunir os poucos precisamente para se separar dos muitos está sempre envolvido na formação de qualquer minoria. (Obras, IV: 145-46)

Para Ortega, o “especialmente qualificado”, o “homem seleto”, deve se separar dos valores comuns de todos, colocando maiores exigências sobre si mesmo e aproveitando a singularidade de sua realidade radical. Como vimos, para realizar as próprias possibilidades como indivíduo único, é preciso ocasionalmente se afastar da realidade social dos outros para a realidade radical de seu “eu”. Segundo Ortega, em tais circunstâncias, o indivíduo tem que ignorar momentaneamente os valores objetivos do mundo social e criar os valores cada vez mais subjetivos derivados da singularidade de seu ser. Essa retirada subjetiva na “solidão” da realidade radical de cada um proporciona a retirada necessária das minorias selecionadas sempre que confrontadas com as restrições das massas, um processo que se assemelha ao conceito do übermensch de Nietzsche. Para Nietzsche, o übermensch (super-homem) deve libertar-se do ressentimento da “moral escrava”, estabelecendo seus próprios padrões e criando seus próprios valores (Nietzsche 1887 [1969: 36-43]). Observamos anteriormente que, para tentar desenvolver a consciência individual e perceber as possibilidades vitais de seu ser, Ortega pensa que o indivíduo tem que ser absorvido dentro das circunstâncias do mundo social e interagir ativamente com outros indivíduos no mundo. Entretanto, o desenvolvimento da consciência individual e a realização das possibilidades vitais de cada um também implicam em uma retirada ocasional da realidade social para a solidão do próprio eu (sem permanecer “hermeticamente fechado” e fechado no ego), com o propósito de possuir tanto a individualidade única do “eu” (contra as restrições da sociedade) quanto o processo positivo de interação humana recíproca. Apesar de Ortega ter opinado que “não há criação sem retração em si mesmo”, ele também sustentou que o “eu” tem que enfrentar os outros ativamente e colidir na luta por ele chamada de “relações sociais”. A dinâmica de “des-solitudinização” através de ações e criações do indivíduo no mundo social, então, projeta o reino das possibilidades não apenas do “eu” para o outro e do outro para o eu, mas também de nosso mundo social (no aqui-e-agora) para o mundo social deles (no futuro) — em suma, de uma geração para a próxima. O indivíduo, para Ortega, deve se retirar do mundo social não somente para perceber as possibilidades vitais de seu próprio ser, mas também para tentar criar e atualizar as possibilidades vitais do mundo social através do qual as circunstâncias de seu próprio ser (e do ser dos outros) são definidas. Nesse contexto, o indivíduo, ao envolver-se ativamente na realidade social que envolve suas circunstâncias, contribui substancialmente para a elaboração da essência da sociedade e da história, bem como da essência de seu próprio ser (Obras, V: 79-80). A espaço-temporalidade do homem e suas circunstâncias — por meio de sua vida, sociedade, consciência do tempo e história — nos levará ao conceito de Ortega sobre a “geração” e seu papel em sua filosofia da história.

10. O Conceito de Geração, Temporalidade, Razão Histórica e a Filosofia Crítica da História

O mundo social e o processo consciente do indivíduo, entretanto, revelam mais do que as experiências de outros indivíduos que são diretamente dadas no presente comum e vívido do aqui-e-agora. Para Ortega, o mundo social também contém uma característica implícita da realidade social que permanece diretamente inexperienciado (no sentido mais amplo do confronto imediato) pelo indivíduo — no aqui-e-agora — mas que se torna contemporânea com a vida do indivíduo e, posteriormente, pode ser colocada à sua disposição como uma experiência no futuro. Assim, o aqui-e-agora do indivíduo, enquanto experiência direta imediata, estende-se (tanto como um processo de consciência quanto como uma ocorrência factual perceptível no espaço) ao contexto social mais amplo de viver e interagir como “contemporâneos” (Obras, V: 36-42). Nesse contexto, as características explícitas da realidade social dos “contemporâneos” revelam o processo consciente de uma geração de indivíduos como um processo temporal.

A temporalidade da vida dos indivíduos (enquanto “contemporâneos” e também enquanto o que Ortega chamava de “coetâneos”) é central para o conceito de geração. Assim, para Ortega, a realidade última enquanto realidade da vida humana também significa a manifestação explícita do tempo (pois o tempo está no homem como os eventos de sua vida estão ligados a suas colocações no tempo) e assim lhe fornece a estrutura básica de seu conceito de geração e a base das mudanças históricas. A vida do homem, como ser-em-construção, é a vida como um acontecimento, a vida como uma estrutura em mudança. A cada momento fugaz do aqui-e-agora, a corrente interna de consciência do homem sobre o fluxo do tempo está relacionada ao fato de que sua vida muda à medida que ele cresce e envelhece, com cada referência ao “já-não-existe” e ao “ainda-não-existe”. “O fato mais elementar da vida humana”, disse ele

é que alguns homens morrem e outros nascem — que as vidas se sucedem umas às outras. Toda vida humana, por sua própria essência, é intercalada entre vidas anteriores e posteriores — ela vem de uma vida e segue para uma vida posterior. Bem, sobre esse fato, o mais elementar, eu fundo a necessidade inescapável de mudanças na estrutura do mundo. Um mecanismo automático faz com que em determinada unidade de tempo a figura do drama vital mude, como naqueles teatros de peças curtas em que a cada hora é dado um drama ou comédia diferente. Não é necessário supor que os atores sejam diferentes: os mesmos atores têm que atuar em tramas diferentes. Não se diz, sem mais, que o jovem de hoje — ou seja, sua alma e seu corpo — é diferente do de ontem; mas é irremediável que sua vida seja de um quadro diferente do anterior.

Ora, isto nada mais é do que encontrar a razão e o período de mudanças históricas no fato de que a vida humana tem sempre uma idade, que está essencialmente ligada a ela. A vida é tempo — como Dilthey nos fez ver e Heidegger reitera hoje — e não porque seja um tempo cósmico imaginário infinito, mas sim limitado, tempo que termina, que é o tempo verdadeiro, o tempo irreparável. É por isso que o homem tem idade. A idade é o ser humano sempre em um certo pedaço de seu escasso tempo — é ser o início de um tempo vital, ser ascensão em direção ao meio, ser seu centro, ser em direção ao fim — ou, como se diz frequentemente, ser uma criança, um jovem, uma pessoa madura ou uma pessoa idosa. (Obras, V: 37)

Depois de ter estabelecido esse princípio da mudança, o conceito de geração de Ortega se torna o princípio através do qual o “já-não-existe”, o “aqui-e-agora” e o “ainda-não-aqui” convergem na realidade temporal do mundo social. Assim, quando Ortega se referiu ao “tempo de vida” de alguém como consistindo de juventude, maturidade e velhice, somos capazes de discernir que: em primeiro lugar, seu conceito de geração implica uma referência horizontal aos indivíduos vivos como sendo “contemporâneos”; e, em segundo lugar, refere-se à diferenciação vertical, em idade, entre juventude, maturidade e velhice — em suma, como sendo “coetâneos”. A visão de Ortega sobre três tempos de vida distintos, como manifestações do conceito de geração, reside em suas noções de “coetâneo” (que se refere à interação de indivíduos aproximadamente da mesma idade) e de “contemporâneos” (que se refere à interação entre todos os indivíduos de qualquer idade) e sua aptidão com relação ao tempo e ao espaço (Obras, V: 37-38). Como o envolvimento ativo no mundo social persiste em importância tanto para o desenvolvimento do indivíduo quanto da sociedade, a dinâmica interna da interação humana vital, para Ortega, também é importante na medida em que o conceito de geração tem algum significado para iluminar a condição humana. No entanto, nos perguntamos: como caracterizamos aqueles indivíduos que se envolvem ativamente nas “circunstâncias” de sua realidade, mas cujos mundos sociais diferem dos de outros grupos de indivíduos? Eles podem ter a mesma idade que esses outros grupos de indivíduos e suas atividades são contemporâneas, mas o “contato vital” de um grupo de indivíduos que pertencem a um determinado ambiente social não necessariamente interage com o de outro grupo social, pois seus mundos sociais são diferentes no espaço, embora não no tempo. Essa questão nos leva às implicações históricas mais amplas do conceito de geração de Ortega.

A natureza histórica da realidade humana e do pensamento social lança luz sobre a noção de Ortega de que “não há geração espontânea”, pois a “série das gerações” funciona através da continuidade do processo histórico. O pensamento social e as idéias dos indivíduos refletem “a mente dos homens” junto com as gerações particulares dentro das quais eles se desenvolvem e, se constituídos como “vindo de” e “indo para”, tornam-se parte e parcela do “acontecimento” do processo histórico (Obras, VI: 202-4). Como vimos, o ser-em-construção do homem, para Ortega, “está no homem simplesmente acontecendo, ocorrendo com ele” e, portanto, é um acontecimento em direção ao futuro: o presente evolui a partir do passado e, tal como a realidade exige do homem, vira-se para o futuro (Obras, VI: 37, 40-41). Esse sentido histórico de continuidade entre a mente dos homens e a sucessão de gerações nos lembra a afirmação de Ortega de que o indivíduo não pode viver somente dentro do isolamento de seu ego (seja ele um homem “massa” ou um homem “seleto”). O pensamento social em geral, e as idéias individuais em particular, não se desenvolvem e se expandem dentro do vácuo solipsista do “eu” por sua própria essência. Como um ser do mundo social, o indivíduo e suas idéias são influenciados pelo contexto histórico e pelo próprio mundo social dentro do qual emergiram e, de forma semelhante, formados pelo passado. A partir dessa perspectiva, o homem, o tempo, o pensamento e a sociedade são revelados na realidade como sendo essencialmente históricos. Para Ortega, o indivíduo não nasce em algum lugar e momento genérico; ao contrário, nasce em um momento particular no tempo e em um lugar particular no espaço. A vida humana tem um começo e um fim e, ao entrar no mundo, o homem entra num mundo social que lhe é dado em conjunto com o processo histórico de sua dimensão temporal. Como vimos, para Ortega, “o homem não tem natureza…o que ele tem é história”, pois, diz ele, “o homem é a entidade que se faz […] a causa sui“. (Obras, VI: 33). A história, portanto, fornece o processo através do qual a essência do homem se manifesta tanto como indivíduo quanto como ser social. Como ser individual, o homem sofre o fluxo de consciência de uma ocorrência interna enquanto processo histórico; como um ser-que-vive-no-mundo, o homem experimenta a sucessão de gerações como uma ocorrência externa dentro do processo histórico. Ortega posicionou o “tema da história” e o “pensamento histórico” como procedendo “em relação aos fenômenos humanos” através dos prismas dessas ocorrências internas e externas. A história, através da sucessão de gerações, não só nos fornece as características básicas do indivíduo em um determinado tempo e lugar, mas também nos fornece “um princípio regulador” de coerência para os fenômenos humanos. A unidade do passado e do presente na história, para Ortega, constitui uma realidade que se identifica com as experiências dos indivíduos. Como Croce, Ortega percebeu a história qua história como sendo “contemporânea” e “viva”, enquanto meros fatos são relegados para o reino da “crônica morta”. Através da relação da história com a vida, ele definiu a história, em contraste com a crônica, por sua vitalidade e mentalidade atual e não pela conectividade como tal, embora ele tenha reconhecido que aqueles que a definiram por esta última qualidade seguiram o caminho correto. A contemporaneidade da história, portanto, oferece um processo dinâmico que está sempre mudando e continuamente sendo absorvido pelo passado. As relações que os eventos passados carregam com outros eventos e com o presente são significativas na medida em que estão em contínua mudança e, segundo Ortega, a função do filósofo torna-se não apenas descrever e analisar o passado, mas também tentar compreender essas relações em conjunto com a vida humana. O conceito subjacente do indivíduo acaba por determinar o caráter crítico das interpretações históricas, que resulta tanto de uma leitura do passado como de uma auto-análise simultânea pelo observador. Nesse reavivamento crítico do passado, a geração contemporânea alcança uma consciência histórica mais elevada de seu próprio ser. A consciência interna das mudanças temporais dentro do indivíduo aliada a uma consciência das manifestações externas de mudança no mundo social da realidade humana nos dispõe a ver como o conceito de geração de Ortega constitui um conceito de metodologia histórica:

A idéia de gerações, transformada em um método de pesquisa histórica, consiste apenas em projetar essa estrutura sobre todo o passado. Qualquer outra coisa além disso é renunciar à descoberta da verdadeira realidade da vida humana em cada época — que é a missão da história. O método das gerações nos permite ver essa vida a partir de seu interior, em sua atualidade. A história é converter virtualmente no presente o que já aconteceu. Portanto — e não apenas metaforicamente — a história está revivendo o passado. E como viver não é nada além da atualidade e do presente, temos que transmigrar do nosso para o passado, olhando para eles não de fora, não como tendo sido, mas como sendo. (Obras, V: 40).

O estudo histórico, portanto, constitui um empreendimento humanístico. Atualmente, a história pode constituir nossa abordagem do conhecimento do indivíduo e da humanidade, e através da história adquirimos a riqueza e a sabedoria de culturas passadas. A consciência crítica das potencialidades do indivíduo nos permite agir em nosso próprio tempo histórico com percepções mais profundas e compromisso ativo. A história depende do que a consciência do historiador lhe traz e, portanto, os aspectos humanistas da consciência histórica provêm da compreensão de que nossas vidas constituem o tempo. Pois “o passado é passado”, observou Ortega, 

não porque aconteceu com os outros, mas porque faz parte do nosso presente, do que nós somos sob a forma de ter sido: em resumo, porque é o nosso passado. A vida como realidade é presença absoluta: não se pode dizer que algo se ele não está presente, neste momento. Se, então, um passado, ele deve ser como algo presente, algo ativo em nós agora. (Obras, V: 40, 55; 6: 33) 

Nesse sentido, Ortega estava de acordo com a noção de Croce segundo a qual “sabemos que a história está em todos nós e que suas fontes estão em nossos peitos”. De acordo com tal noção, os registros dos “dados mortos da crônica” do passado deixam de registrar a realidade da história e da vida humana, que é a “vital”, a ação viva do presente, e uma com o passado e o futuro. A história caracteriza o que nós somos, ao invés de algo que possuímos. Através da história, aprendemos quem somos, examinando o que fizemos. Em vista dessa condição de sermos o que fizemos, a história se molda em e através de nós mesmos (Obras, VII: 178-79).

Assim, o tempo histórico esculpe a essência das configurações individuais. Para Ortega, a “razão histórica” percebe e registra os fatos tangíveis da realidade histórica através do processo demonstrativo do modo como o presente originou-se do passado a fim de engendrar o futuro. Com o termo “razão histórica”, Ortega pretendeu fazer uma distinção mais clara entre as “ciências culturais” e as “ciências naturais”, ou seja, postulando a noção de que a história tem sua razão “autóctone”; a história permanece em um reino inteiramente próprio. A noção de Ortega de uma razão “autóctone” da história estabelece para a história sua autonomia tanto em relação aos conceitos abstratos da filosofia quanto em relação à lógica da “razão físico-matemática”. Sua invocação da história como uma ciência própria da humanidade, e sua ênfase explícita na base “original, autóctone” da “razão histórica”, apontam para sua insistência na qualidade sistemática da história e no caráter “transcendente” da razão física e matemática. A história torna-se autônoma somente naquela história que consiste na essência da realidade humana, e o conhecimento histórico nos fornece a compreensão essencial dessa realidade humana. Todo conceito que “pretenda representar a realidade humana”, explica ele, “todo conceito referente à vida humana, especificamente, é uma função do tempo histórico” (Obras, VI: 40-41). Em conjunto com a historicização do indivíduo, a razão histórica tornou-se o meio que circunscreveu e eventualmente suplantou a razão física e matemática enquanto princípio unitário da realidade última: a vida humana, e portanto a “razão histórica”, era agora vista como possuindo, de uma só vez, o princípio da diversidade e da unidade. Assim, a história foi racionalizada e a razão foi historializada, tal como acontece com o indivíduo:

O homem, alienado de si mesmo, se encontra a si mesmo como realidade, como história. E pela primeira vez, ele é obrigado a lidar com seu passado, não por curiosidade ou para encontrar exemplos normativos, mas porque ele não tem mais nada a fazer. Só foram feitas coisas sérias quando elas eram realmente necessárias. É por isso que é hora, neste momento, de que a história se estabeleça como razão histórica.

Até agora, a história era o oposto da razão. Na Grécia, os termos razão e história se opunham um ao outro. Até hoje, de fato, quase ninguém tem procurado encontrar na história sua substância racional. A maioria quis trazer para ela uma razão estranha, como Hegel, que injeta na história o formalismo de sua lógica, ou Buckle, a razão fisiológica e física. Meu objetivo é estritamente o contrário. É encontrar na própria história sua razão original e autóctone. É por isso que a expressão “razão histórica” deve ser entendida em todo o seu rigor. Não uma razão extra-histórica que parece se cumprir na história, mas literalmente, o que aconteceu com o homem, constituindo a razão substantiva, a revelação de uma realidade que transcende as teorias do homem e que está por si mesma abaixo de suas teorias.

Em um de seus ensaios sobre Hegel, Ortega comentou, sobre a mudança na sensibilidade intelectual européia, que

o espírito “moderno” tem experimentado nos últimos anos.[…] O [espírito] “moderno” não acredita mais ingenuamente na era final. (Obras, II: 565-66)

Essa postura moderna simbolizava o que Ortega havia compreendido como uma das características distintivas da modernidade: a consciência da crescente depreciação da vida humana, e a subsequente reafirmação da vida através da expressão da liberdade criativa. Ortega percebeu o início do século XX como um mundo esvaziado de sentido e procurou fugir do desespero provocado por sua falta de sentido. Para transformar esse sentimento de desespero, ele afirmou “nossa vida, a vida humana”, como sendo a “realidade radical”. A vida humana constitui assim uma constância e uma mudança ou, como Ortega proclamou, a “realidade histórica” (Obras, VII: 99-100; 2: 540-41). Através da discussão da realidade histórica e da razão histórica, torna-se aparente o terreno sobre o qual o conhecimento histórico foi baseado para Ortega. Filosofias especulativas da história, a “coruja de Minerva”, começaçaram seu vôo ao anoitecer; para Ortega, e, para certos filósofos da história do século XX, a “razão histórica” proclama o amanhecer da história humana.

As vidas individuais são históricas. Onde a vida humana tem um começo e um fim, em vista da leitura de Hegel por Ortega, a história não tem nem um primeiro começo nem um fim definitivo. Ela só pode ser concebida como a realização das potencialidades do indivíduo no tempo histórico. Ao retraçar a luta do indivíduo pelo controle da natureza e ao reviver os pensamentos e a vida consciente do passado, o estudo histórico oferece à geração contemporânea o desafio de tomar suas próprias decisões vitais com base no conhecimento crítico de todo o alcance das experiências e realizações humanas anteriores. A história é aqui entendida em seu duplo significado como um mundo factual de fenômenos e como disciplina preocupada apenas com sua relevância da vida no presente.

Partindo da premissa de que a consciência, no sentido de consciência cognitiva, deve ser sempre a consciência de algo, Ortega e os pensadores modernos têm ficado perplexos com perguntas sobre o que é a consciência em si mesma e como ela está relacionada à coisa, ou aos fatos, que são seus objetos. Ela não parece ser idêntica a seus objetos, nem tampouco à percepção. A consciência histórica constitui uma preocupação com o passado como sendo relevante para nossa compreensão e apreensão da condição humana. Seu atributo-chave consiste em nossa consciência de nós mesmos como ” ser-no-tempo “. Isso implica que a ordenação temporal dos eventos se refere à própria natureza da existência humana. A consciência histórica permite assim que o indivíduo, uma civilização e o filósofo da história possam expandir suas experiências para além de seu tempo histórico atual para absorver os resultados de eventos nos quais eles não participaram. O estudo da história abre assim o horizonte para a participação na completude da história humana.

Essa participação na história humana tem que ser entendida como sendo direta e ativa. Onde o cientista físico percebe fenômenos que têm uma realidade independente do observador, a história tem o caráter de ser real na consciência do historiador. A palavra “história” significa tanto história como atualidade — a res gestae de Ortega e Collingwood — como história escrita; história como aquilo que aconteceu no passado. Claramente, qualquer tentativa de distinguir entre a realidade histórica e os relatos históricos da realidade implica que o intérprete saiba o que constitui a realidade histórica. O passado é presente apenas na medida em que é revivido pelo historiador através da simpatia e do entendimento. Os problemas centrais da epistemologia e metodologia histórica giram em torno do entendimento de que um conhecimento objetivo do passado pode ser alcançado somente através das experiências subjetivas do investigador. Assim, compreender uma ação, ou ações passadas, implica compreendê-la como uma expressão ou processo de significado conceitualmente ligado a algum padrão subjacente de pensamento ou intenção, e não como uma relação completamente contingente. Além disso, tal padrão subjacente pressupõe uma estrutura básica de regras ou práticas estabelecidas do tipo que podem ser parte integrante da vida e experiência humanas à medida que as apreendemos. Pois afirmar, como faz Collingwood, que tal descrição do entendimento histórico requer a reencenação do pensamento passado apenas direciona a atenção para o método, reconhecidamente familiar entre os historiadores, de projetar-se imaginativamente na posição de outro com o propósito de chegar a uma hipótese explicativa. Ortega também declara que

O homem inventa um programa de vida, uma figura estática de ser que responde satisfatoriamente às dificuldades que as circunstâncias colocam. Ele ensaia esse personagem da vida, tenta perceber esse caráter imaginário que ele resolveu ser. Ele embarca nesse ensaio com grande entusiasmo e o experimenta ao máximo. Isso significa que ele passa a acreditar profundamente que esse personagem é seu verdadeiro eu. Mas à medida que ele experimenta, suas inadequações e os limites desse programa vital tornam-se aparentes. Isso não resolve todas as dificuldades e produz novas dificuldades. A figura da vida apareceu pela primeira vez de frente, através de seu rosto luminoso: por isso era ilusão, entusiasmo, o deleite da promessa. Depois vemos sua limitação, suas costas. Então o homem inventa outro programa vital. Mas este segundo programa é moldado, não apenas em vista das circunstâncias, mas também em vista do primeiro. Cuida-se para que o novo projeto evite os inconvenientes do primeiro.  (Obras, VI: 40)

A afirmação foi para demonstrar que as explicações fornecidas pelos historiadores são semelhantes em sua análise estrutural àquelas apresentadas em outras áreas de investigação nas ciências sociais; isso demonstra que uma explicação das ações históricas passadas, por referência a fatores motivacionais, é possível quando se pressupõe a validade de generalizações cognitivas pertinentes. Ortega, juntamente com Croce, Dilthey, Collingwood e outros que se associaram à tradição do historicismo, expressou simpatia por aqueles que afirmaram que a interpretação das ações humanas levantava dificuldades para os relatos empíricos padrão e explicações do mundo humano e social. Na sua maioria, eles estavam totalmente comprometidos com objetivos humanos universais e atribuíam um valor muito alto à singularidade do indivíduo. Eles estavam preocupados com as implicações filosóficas do conhecimento histórico e faziam tentativas de desenvolver sistematicamente o problema de relacionar os pressupostos com o problema do conhecimento histórico. Eles procuraram identificar sua especialidade, filosofia e a filosofia da história, com o conhecimento histórico. “A história”, afirmou Ortega,

é uma continuidade perfeita. Cada idéia minha vem de outra idéia minha ou de alguma outra idéia de outro homem.[…]Então, ela faz para os assuntos humanos — filosofia, direito, sociedade, artes e letras, linguagem, religião — a mesma coisa que a ciência começou a fazer para as coisas materiais com Kepler e Galileu: ela se apega a fatos simples, comporta-se empiricamente e é, por enquanto, “positivismo”. (Obras, VI: 167, 184)

A contribuição de Ortega para essa área de estudo tem sido enfatizar o que ele considerava ser as implicações epistemológicas do conhecimento histórico. Na companhia de fenomenólogos como Husserl, Heidegger e Scheler, Ortega foi desafiado a enfatizar continuamente a observação rigorosa e precisa dos vários elementos da experiência humana. Ortega foi persuadido pelo argumento de que fatos empíricos isolados, afora qualquer compreensão de seu significado interior, sua conexão interna com a vida humana e o significado do processo social e histórico, são limitados, se não fúteis. Ao adotar essas orientações, filósofos, historiadores e filósofos da história podem aprender com a antropologia filosófica e cultural que é possível fazer comparações construtivas entre o entendimento do que os indivíduos fazem e o entendimento do que eles dizem. Através dessa conexão, o filósofo da história pode reconstruir o tempo histórico como forma de entendimento humano e, se assim inclinado, como o processo através do qual a auto-análise pode ser tentada. Como vimos, para Ortega, a interpretação das ações humanas levanta dificuldades para as narrativas empíricas padrão de explicação do mundo humano e social. Os resultados dos estudos de Ortega em fenomenologia existencial, historicismo e filosofia da história o atraíram para a abordagem de escolha e conhecimento do indivíduo e da humanidade. Essa abordagem avança a noção de que, através da história, a ruptura epistemológica ocorre não com o passado, mas com relatos empíricos do passado. A abordagem e as atitudes do historiador filosófico em relação ao passado, quando aperfeiçoadas com sucesso, podem resultar em sua capacidade de compreender e se comunicar com o passado em seus próprios termos. A abordagem histórica serve assim como um elo comunicativo entre o passado e o presente, e o filósofo, ao tornar possível tal comunicação, serve como um mediador entre os mundos do passado e do presente. As linhas históricas que conectam o passado e o presente também conectam a realidade temporal e o observador. Para atingir tal objetivo, Ortega eventualmente fundamentou o conhecimento histórico em um conhecimento profundo do indivíduo. “A história”, ele explica,

é a ciência sistemática da realidade radical que é a minha vida. É, portanto, uma ciência dos presentes mais rigorosos e atuais. […] Não há actio in distans. O passado não está lá, em sua data, mas aqui, em mim. O passado sou eu — que se entenda, é minha vida. (Obras, VI: 40-41)

O ato histórico de reconstruir as criações humanas passadas e de projetar-se no pensamento dos outros faz com que a filosofia crítica saliente a função sintética da história de ligar a realidade temporal e a mente através do processo e da consciência do tempo. Através dessa forma de comunicação com o passado e o presente, o aspecto fenomenológico do pensamento de Ortega combina-se assim com suas perspectivas existenciais e historicistas. A função sintética de tais perspectivas se atualiza no comportamento individual, nas relações sociais e na história. É a fusão dessas abordagens que marca a contribuição de Ortega para a filosofia. “Muito profundo é o poço do passado”, escreveu Thomas Mann no início de seu romance, Joseph and His Brothers. Ao trazer a conexão humana e o significado para o tempo e a mente histórica, a filosofia crítica da história de Ortega forneceu uma síntese que serve para evitar que o poço profundo do passado torne-se sem fundo.


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Other Internet Resources

  • José Ortega y Gasset, by Pelayo García Sierra, Proyecto filosofía en español.
  • José Ortega y Gasset, by Pedro José Chamizo Domínguez, Proyecto Ensayo Hispánico.

Collingwood, Robin George | Collingwood, Robin George: aesthetics | Croce, Benedetto: aesthetics | Dilthey, Wilhelm | existentialism | Heidegger, Martin | history, philosophy of | Husserl, Edmund | Merleau-Ponty, Maurice | phenomenology | rationality: historicist theories of | Sartre, Jean-Paul | Scheler, Max | Schutz, Alfred

Este artigo foi publicado originalmente no site Plato Stanford: https://plato.stanford.edu/entries/gasset/

Sobre o Autor ou Tradutor

Bernardo Santos

Aluno do Olavão, bacharel em matemática, amante da Filosofia, tradutor e músico nas horas vagas, Bernardo Santos é administrador principal do Diário Intelectual.

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