A Metafísica e Leibniz — José Ortega y Gasset

“A Metafísica e Leibniz” foi publicado originalmente em La Nación, Buenos Aires, 1926 (data exata desconhecida).

O único sistema filosófico que pode ser exposto em sua totalidade em poucas páginas é o de Leibniz. Isso indica, por um lado, que seu autor elaborou seus pensamentos com clareza incomparável. A Monadologia, a única exposição completa do sistema leibniziano, é, de fato, um pequeno livro de poucas páginas, um epítome de noventa teses, cada uma das quais, como um diamante, é transparente e, ao mesmo tempo, irradia uma luz etérea ao redor. Não conheço nenhuma obra da mente humana que mais se assemelhe a um mecanismo de relógio. Levantamos a capa desse pequeno volume e vemos dentro dele o universo em ação com seus mecanismos secretos.

Como um castigo crônico a certas idéias falsas e desgastadas, esse fato da clareza leibniziana irrompe: não é uma coincidência zombeteira que o pensamento mais claro do planeta tenha florescido no auge do barroco, que, segundo se diz, representa a simpatia pelo confuso e caótico? Evidentemente, houve um deslize do poder que comanda a história aqui. Supõe-se que Guilherme Pacídio (Gotfried Wilhelm) deveria ter nascido por volta de 400 a.C. em Atenas, que parece ser o lugar comum da clareza e da simplicidade. Por engano, no entanto, ele nasceu de uma casta eslava em Leipzig, por volta de 1646. Esse deslize da Providência nos convida a corrigir o nosso e a falar com menos certeza sobre a clareza helênica. Pois não há dúvida sobre isso: Fídias pode ser um escultor divinamente claro, mas Platão e Aristóteles não são, como pensadores, exemplos de clareza. Que sentido há em estender a virtude da escultura grega ao restante de suas atividades por puro crédito e sem intuição direta das coisas? Platão não é claro, vale a pena repetir. Platão é hoje um puro mistério. Aristóteles é mais transparente; porém, mesmo assim, está cheio de abismos obscuros, e boa parte de suas sentenças — refiro-me à parte de suas obras tituladas, escritas por ele ou transcritas por seus discípulos — ainda permanece hermética, depois de vinte séculos de comentários. Isso não significa que os dois mestres gregos me pareçam ser o superlativo da obscuridade; mas sim que, comparados com Leibniz, eles seriam enormemente barrocos, e isso é o clássico, supondo que o clássico seja o claro e simples, algo que me parece claro e simples demais para ser verdade.

A Monadologia é uma metafísica de bolso, como toda boa metafísica. No entanto, o que é metafísica? Mon Dieu! Metafísica… A metafísica é a mais inútil de todas as ciências e, portanto, a mais honrosa. Pelo menos é isso que Aristóteles diz literalmente. E Platão, quando quer qualificá-la de forma mais incisiva, diz que ela é a “ciência dos homens livres”; entende-se como livres do trabalho, ociosos, desportistas.

Por que a boa metafísica é de bolso? Porque ela deve ser composta, não de discursos verbais, mais ou menos incitantes, plausíveis, que precisam ser estendidos em um grande volume, mas de definições e argumentos sólidos, puro nervo dialético, um extrato mental triplo que é vagamente alojado em um breve repertório. A metafísica deve ser um vademécum

O grande estilo de pensamento há muito se perdeu na Europa e ficou confinado a alguns físicos ocasionais. Falamos, proseamos abundantemente, precisamos de páginas e páginas para ocultar nossa miséria dialética, nossa falta do músculo vigoroso, breve e elástico que dá o golpe seguro da prova. Pessoalmente, não conheci ninguém em minha época que possuísse esse rigor sóbrio da verdadeira eficiência racional. Só soube de um sem dever a ninguém a descoberta. (Entre parênteses, um fenômeno curioso que atrai a reflexão: como é possível viver na Alemanha os anos que eu vivi sem que alguém me diga que em Zurique vivia aposentado um sábio da fauna antiga para quem pensar não era escrever, mas forjar e construir os três, quatro, cinco argumentos que cada problema exige? Isso significa que, na Alemanha, a vida intelectual também foi deformada, contaminada por hábitos e interesses administrativos e políticos: o “professarismo”, as “escolas” e assim por diante. Felizmente, as coisas estão mudando. Os espíritos melhores estão decidindo se livrar de todas essas impurezas e adotar a atividade desportiva pura, a única que permite a absorção do máximo de verdade possível em cada época. Hoje em dia, muitas pessoas sabem… que viveu em Zurique um acadêmico do velho estilo, Franz Brentano, que foi expulso de sua cátedra em Viena. Desse homem nasceu toda a profunda reforma filosófica que agora está começando a tomar conta do mundo. Em 1917, quando tinha quase oitenta anos de idade, ele morreu ou, como dizem os chineses, “saudou o mundo”. No dia anterior, eu ainda estava trabalhando em alguns argumentos sobre a teoria da relatividade, publicada por Einstein em 1916. Em Toledo, tive a oportunidade de descobrir esse pensador exemplar para Einstein, que, pelos mesmos motivos que para mim, havia permanecido oculto para ele, embora morasse na mesma cidade. Ainda me lembro de que, em 1911, quando perguntei a Cohén sobre seu contemporâneo, só consegui extrair a seguinte frase: “Não há como negar que ele é um cabeça afiada”. Toda a minha devoção e gratidão a Marburg são inexoravelmente compensadas pelos esforços que tive de fazer para atravessá-la e sair de sua estreiteza para o alto mar.)

Agora que o leitor e eu saímos desse parêntese — todo parêntese tem algo como um poço ou um barranco no qual se cai — voltemos à questão do que é metafísica. Aparentemente, não se trata de algo sobre o qual possa haver qualquer dúvida. Vejamos o primeiro livro de metafísica já escrito. Seu autor é Aristóteles e ele estava trabalhando nisso no período anterior a Jesus Cristo. Lá lemos que a metafísica ou filosofia primeira é a ciência do real, enquanto real. Vamos agora abordar a mais recente. Seu autor é Driesch, um grande biólogo, que se retirou para a filosofia e a professa em Leipzig. Há algumas semanas, ele publicou um pequeno volume intitulado Metafísica. Nele lemos: “A metafísica se preocupa com o significado da palavra ‘real’. A coincidência é perfeita, especialmente se observarmos que Aristóteles, à definição acima mencionada, geralmente acrescenta esta outra frase: “o real é dito de várias maneiras”; isto é, tem vários significados.

A metafísica, portanto, é uma das ocupações menos sérias que se possa imaginar, um trabalho de grande suavidade, perfeitamente compatível com a tranquilidade da república. São Francisco se nutriu durante uma semana com o canto de uma cigarra. Não menos sóbrio, o metafísico se preocupa apenas com o significado de uma palavra. Não se pode dizer que o metafísico seja uma pessoa ansiosa. É por essa razão que todas as pessoas verdadeiramente sérias se afastam dele e de sua disciplina e, sem se distraírem, seguem em frente com seus negócios e deveres.

Todos os sintomas indicam que a metafísica é uma mania. Platão reconhece isso, mas, para adoçar as coisas – ele era um homem de grande doçura, que mantinha seu coração aberto a fim de que as abelhas pudessem se melificar nele -, ele diria que se trata de uma mania divina, a theía mania.

O caso do metafísico Leibniz é o mais curioso. Pois Leibniz foi tudo o que havia para ser em sua época: foi político, embaixador, trabalhou em grandes questões internacionais, como a união das igrejas cristãs; foi engenheiro, empresário, jurista, historiador, secretário de príncipes, bibliotecário e homem do mundo. Não existiu na raça humana uma alma mais capaz e multiforme. Entretanto, seus últimos e mais íntimos hobbies eram a matemática pura e a metafísica pura. Cercado de obrigações, ele só podia dedicar a essas ciências breves períodos de ócio. E como ele só se sentia à vontade nos dias de suas inúmeras viagens, foi na carruagem de peregrinos, olhando pela janela o lento correr dos campos, que ele inventou uma matemática e uma metafísica totalmente novas.


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Sobre o Autor ou Tradutor

Bernardo Santos

Aluno do Olavão, bacharel em matemática, amante da Filosofia, tradutor e músico nas horas vagas, Bernardo Santos é administrador principal do Diário Intelectual.

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