Gottfried Wilhelm von Leibniz

Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716) foi um dos grandes pensadores dos séculos XVII e XVIII, e é conhecido como o último “gênio universal”. Ele fez profundas e importantes contribuições nos campos da metafísica, epistemologia, lógica, filosofia da religião, assim como matemática, física, geologia, jurisprudência e história. Mesmo o ateu e materialista francês do século XVIII, Denis Diderot, cujas opiniões muitas vezes estavam em desacordo com as de Leibniz, não pôde deixar de ficar impressionado com sua realização, escrevendo em seu verbete sobre Leibniz, na Enciclopédia, que: “Talvez nunca um homem tenha lido tanto, estudado tanto, meditado mais e escrito mais do que Leibniz[…]. O que ele compôs sobre o mundo, Deus, a natureza e a alma é da mais sublime eloquência. Se suas idéias tivessem sido expressas com o talento de Platão, o filósofo de Leipzig não cederia em nada ao filósofo de Atenas” (Oeuvres complètes, vol. 7, p. 709). De fato, Diderot parecia quase desesperado com esta frase: “Quando se compara os talentos que se tem com os de um Leibniz, é-se tentado a jogar fora os livros e morrer tranquilamente no escuro de algum canto esquecido” (Oeuvres complètes, vol. 7, p. 678). Mais de um século depois, Gottlob Frege, que felizmente não jogou fora seus livros em desespero, expressou admiração semelhante, declarando que “em seus escritos, Leibniz lançou uma tal profusão de sementes de idéias que neste aspecto ele está virtualmente em uma classe própria” (“Boole’s logical Calculus and the Concept-scriptin Posthumous Writings, p. 9). O objetivo deste verbete é, primariamente,apresentar a vida de Leibniz, resumir e explicar sua visão sobre os domínios da metafísica, epistemologia e da teologia filosófica.

Note que, ao longo deste verbete, são utilizadas as seguintes abreviações padrão: PC (Princípio da Contradição), PRS (Princípio da Razão Suficiente), PII (Princípio da Identidade dos Indiscerníveis), PPN (Princípio do Predicado em Noção) e CIC (Conceito Individual Completo).

1. Vida

Leibniz nasceu em Leipzig em 1º de julho de 1646, dois anos antes do fim da Guerra dos Trinta Anos, que havia devastado a Europa Central. Sua família era luterana e pertencia à elite educada de ambos os lados: seu pai, Friedrich Leibniz, era jurista e professor de Filosofia Moral na Universidade de Leipzig, e sua mãe, Catharina Schmuck, a filha de um professor de Direito. O pai de Leibniz morreu em 1652, e sua educação subsequente foi dirigida por sua mãe, tio, e de acordo com seus próprios relatos, por ele mesmo. Ele teve acesso à extensa biblioteca de seu pai em tenra idade e passou a examinar seu conteúdo, particularmente os volumes da história antiga e dos Padres da Igreja.

Em 1661 Leibniz começou sua educação universitária formal na Universidade de Leipzig. Como a filosofia “moderna” de Descartes, Galileu, Gassendi, Hobbes e outros não havia causado grande impacto até então nas terras de língua alemã, a educação filosófica de Leibniz era principalmente Escolástica em sua natureza, embora ele também estivesse exposto a elementos do humanismo renascentista. Enquanto estava em Leipzig, Leibniz conheceu Jacob Thomasius, que teria uma influência importante sobre Leibniz e que supervisionou o primeiro tratado filosófico de Leibniz sobre o Princípio da Individuação (De principio individui). Foi Thomasius, talvez mais do que qualquer outra pessoa, quem incutiu em Leibniz um grande respeito pela filosofia antiga e medieval. Na verdade, um dos leitmotifs da carreira filosófica de Leibniz é seu desejo de conciliar a filosofia moderna com a filosofia de Aristóteles, Platão, os escolásticos e a tradição humanista renascentista. Depois de receber seu bacharelado em Leipzig, ele continuou seus estudos na Universidade de Altdorf. Enquanto lá, Leibniz publicou em 1666 a Dissertação sobre a Arte Combinatória (Dissertatio de arte combinatoria), uma obra que esboçava um plano para uma “característica universal” e um cálculo lógico, um assunto que o ocuparia por grande parte do resto de sua vida. Embora Leibniz tenha recebido uma oferta de emprego na faculdade de Direito ao concluir seu Doutorado em Direito em 1667, ele tinha um futuro diferente em mente.

Naquele ano, Leibniz conheceu o Barão Johann Christian von Boineburg, um protestante convertido ao catolicismo, que conseguiu assegurar um cargo para Leibniz com o Elector de Mainz. Enquanto no tribunal do Elector, Leibniz compôs uma série de obras sobre teologia filosófica, as Demonstrações Católicas, que são outra manifestação do irenismo ao longo da vida de Leibniz: neste caso, na tentativa de fornecer uma base e justificativa para a reconciliação do Protestantismo e do Catolicismo. Leibniz também voltou sua mente para a filosofia natural, tendo finalmente conseguido estudar algumas das obras dos modernos; o resultado foi um tratado de duas partes em 1671, a Nova Hipótese Física (Hypothesis physica nova). A primeira parte, a Teoria do Movimento Abstrato (Theoria motus abstracti), foi dedicada à Académie des Sciences de Paris, e a segunda parte, a Teoria do Movimento Concreto (Theoria motus concreti), foi dedicada à Royal Society em Londres. Essas obras, no entanto, não foram capazes de impressionar seu público, pois, dadas suas circunstâncias, Leibniz não podia deixar de produzir obras amadoras na área.

Isso mudou, entretanto, em 1672, quando Leibniz recebeu a oportunidade mais importante de sua vida: o Elector de Mainz o enviou numa missão diplomática a Paris, o centro de aprendizado e ciência da época. Leibniz pôde permanecer em Paris por quatro anos (com uma breve viagem a Londres em 1673), durante os quais conheceu muitas das principais figuras do mundo intelectual, entre elas Antoine Arnauld, Nicholas Malebranche e, mais importante, o matemático e físico holandês, Christiaan Huygens. Foi ele, “o grande Huygenius” (tal como John Locke o chamaria na Epístola Dedicatória ao seu Ensaio sobre a Compreensão Humana), que tomou Leibniz sob sua asa e o orientou nos desenvolvimentos da filosofia, da física e da matemática. Leibniz não só foi capaz de conversar com algumas das maiores mentes do século XVII enquanto esteve em Paris, como também teve acesso aos manuscritos inéditos de Descartes e Pascal. E, segundo Leibniz, foi enquanto lia os manuscritos matemáticos de Pascal que ele começou a conceber o que viria a se tornar seu cálculo diferencial e seu trabalho sobre séries infinitas. Nessa época, Leibniz também projetou uma máquina de cálculo capaz de realizar adição, subtração, multiplicação e divisão (veja a imagem abaixo). E sua viagem a Londres em 1673 foi em parte destinada a apresentar seus projetos à Royal Society.

Enquanto Leibniz vivia a vida intelectual em Paris, seu empregador morreu, e Leibniz foi assim forçado a procurar outro cargo. Ele eventualmente encontrou um como bibliotecário do Duque Johann Friedrich de Brunswick, que governou em Hannover. A caminho de Hannover, Leibniz parou em Amsterdã para se encontrar com Espinosa entre 18 e 21 de novembro de 1676, três meses antes da morte deste último; de acordo com as próprias notas de Leibniz, eles falaram da Ética de Espinosa que ainda estava por publicar, da física cartesiana e da versão melhorada do argumento ontológico de Leibniz (veja abaixo). Embora Leibniz viajasse para a Itália por um tempo no final dos anos 1680 a fim de conduzir pesquisas históricas para a Casa de Hannover e fazer muitas viagens mais curtas (inclusive para Viena), o resto de sua vida foi essencialmente passado em Hannover e arredores, trabalhando em diferentes funções para a corte, primeiro, para Johann Friedrich até sua morte em 1680, depois para o irmão de Johann Friedrich, Ernst August (de 1680 a 1698), e por fim para o filho deste último, Georg Ludwig, que em 1714 se tornaria George I da Inglaterra. As relações de Leibniz com Ernst August e Georg Ludwig não eram tão amigáveis quanto suas relações com seu empregador original, mas ele era próximo de Sophie, a esposa de Ernst August e irmã mais nova da princesa Elisabeth da Boêmia, com quem Descartes tinha uma importante correspondência filosófica. (Sophie era também filha de Elizabeth Stuart, e foi por essa razão que seu filho se tornou Rei da Inglaterra).

Embora Leibniz possa ter se sentido fisicamente isolado da cena intelectual da Europa, ele conseguiu se manter conectado através de uma vasta rede de correspondentes. (Leibniz trocou cartas com mais de 1100 pessoas diferentes no decorrer de sua vida). Apesar das grandes exigências impostas a Leibniz como bibliotecário, então historiador e conselheiro particular na corte de Hannover, ele foi capaz de completar um trabalho que, em sua amplitude, profundidade e pura quantidade, é espantoso.

Os últimos anos de Leibniz foram sombrios. Ele estava envolvido em um debate vituperativo com Newton e seus seguidores sobre a primazia da descoberta do cálculo, sendo mesmo acusado de roubar as idéias de Newton. (A maioria dos historiadores da matemática afirma agora que Newton e Leibniz desenvolveram suas idéias de forma independente: Newton desenvolvendo as idéias primeiro com Leibniz sendo o primeiro a publicá-las). E na corte ele foi ridicularizado por sua peruca e roupas antiquadas (pense em Paris dos anos 1670!). Quando Georg se tornou George, o azedume em torno de Leibniz na Inglaterra foi tão grande que Leibniz foi convidado a permanecer em Hannover em vez de seguir seu empregador para Londres. Leibniz morreu em 14 de novembro de 1716.

1.1 Cronologia dos Grandes Escritos

2. Visão Geral sobra a Filosofia Leibniz

Ao contrário da maioria dos grandes filósofos da época, Leibniz não escreveu um magnum opus; não há uma única obra que possa ser considerada como contendo o núcleo de seu pensamento. Embora ele tenha produzido dois livros, Teodicéia (1710) e os Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano (terminado em 1704, mas não publicado até 1765), o estudante do pensamento de Leibniz deve reunir a filosofia dele a partir de sua miríade de escritos: ensaios publicados em revistas acadêmicas e em revistas mais populares; obras inéditas deixadas abandonadas por seu autor; e suas muitas cartas. Além disso, muitos dos escritos de Leibniz ainda não foram publicados. A versão erudita e abalizada das obras de Leibniz, a edição Akademie, até agora só publicou seus escritos filosóficos de 1663 a 1690; em outras palavras, apenas metade de sua vida escrita foi coberta. E o mero ato de datar as obras muitas vezes depende de uma análise cuidadosa do papel em que Leibniz escreveu, das marcas d’água e assim por diante. (Daí, por exemplo, a importante obra curta, Verdades Primárias, que, por causa de seu conteúdo, foi frequentemente pensada como datada até 1686 [tal como em AG], recentemente foi reatualizada pelos editores da Akademie para 1689 por causa de uma marca d’água). A união da filosofia de Leibniz em um todo sistemático se torna mais difícil porque Leibniz parece ter mudado ou pelo menos refinado suas opiniões sobre uma série de questões ao longo de sua carreira e porque ele sempre esteve muito atento (alguns poderiam dizer que demasiado atento) ao público no tocante a qualquer de seus escritos.

Como dito acima, a formação intelectual de Leibniz estava diretamente ligada à tradição do escolasticismo e do humanismo renascentista; seu passado, então, era de aristotelismo, platonismo e cristianismo ortodoxo. No entanto, ao se familiarizar mais com a filosofia moderna do século XVII, ele veio a ver muitas de suas virtudes. Embora haja alguma razão para ser cético em relação aos detalhes, o espírito do auto-retrato pintado por Leibniz a Nicolas Remond em 1714 pode ser um guia útil para a abordagem de sua obra. Ele escreve:

[…] Eu tentei descobrir e unir a verdade enterrada e dispersa nas opiniões de todas as diferentes seitas filosóficas, e acredito que acrescentei algo próprio que dá alguns passos à frente. As circunstâncias sob as quais meus estudos prosseguiram desde a minha juventude inicial me deram alguma facilidade nisso. Descobri Aristóteles quando menino, e nem os escolásticos me repeliram; mesmo agora não me arrependo disso. Mas também Platão e Plotino me deram alguma satisfação, sem mencionar outros pensadores antigos que consultei mais tarde. Depois de terminar as escolas triviais, me deparei com os modernos e me lembro de caminhar em um bosque na periferia de Leipzig chamado Rosental, aos quinze anos de idade, e de deliberar se preservaria ou não formas substanciais. O mecanicismo por fim prevaleceu e me levou a aplicar-me à matemática…. Mas quando procurei as razões últimas para o mecanicismo, e mesmo para as leis do movimento, fiquei muito surpreso ao ver que elas não podiam ser encontradas na matemática, mas que eu deveria ter que voltar à metafísica. Isso me levou de volta às entelechies, e do material ao formal, e por fim me levou a entender, após muitas correções e passos adiante em meu pensamento, que as mônadas ou substâncias simples são as únicas substâncias verdadeiras e que as coisas materiais são apenas fenômenos, embora bem fundamentados e bem conectados. Disto, Platão, e até mesmo os últimos Acadêmicos e os céticos também, tinham tido alguns vislumbres… Eu me lisonjeio por ter penetrado na harmonia desses diferentes reinos e por ter visto que ambos os lados estão certos desde que não entrem em conflito um com o outro; que tudo na natureza acontece mecanicamente e ao mesmo tempo metafisicamente, mas que a fonte da mecânica é a metafísica. (G III 606/L 654-55)

Há alguma razão para duvidar se Leibniz tinha realmente quinze anos quando fez suas perambulações filosóficas e se e até que ponto ele tinha realmente lido algum dos modernos. No entanto, esse auto-retrato expressa algo que se vê nos escritos de Leibniz: a tecelagem em conjunto de várias vertentes da filosofia antiga e moderna de uma maneira notavelmente criativa e sofisticada.

A carta a Remond deixa claro que Leibniz tinha reservas sobre certos aspectos da filosofia moderna, dúvidas que surgiram e o levaram de volta a essa mistura eclética de Aristóteles e Platonismo Cristão. É provavelmente muito útil, então, ver a filosofia de Leibniz como uma reação a dois conjuntos de adversários modernos: por um lado, Descartes e seus seguidores; por outro lado, Hobbes e Espinosa.

A crítica de Leibniz a Descartes e seus seguidores foi centrada principalmente no relato cartesiano relativo ao corpo ou substância corpórea. Segundo Descartes, a essência do corpo é extensão; ou seja, uma substância corpórea é simplesmente um objeto geométrico que se faz concreto, um objeto que tem tamanho e forma e está em movimento. Essa visão, de fato, é a pedra angular da nova filosofia mecânica para a qual Leibniz foi originalmente atraído. No entanto, Leibniz veio a ver dois problemas distintos com tal visão. Primeiro, ao afirmar que a essência do corpo é extensão, Descartes está endossando a visão de que a matéria é infinitamente divisível. Porém, se a matéria é infinitamente divisível, então nunca se pode chegar às unidades simples que devem existir em algum nível ontológico. Em segundo lugar, se a matéria é simplesmente extensão, então não há em sua natureza nenhuma fonte de atividade. Se assim for, pensou Leibniz, então os objetos corporais do mundo não podem ser considerados como substâncias.

Hobbes e Espinosa, apesar de suas próprias diferenças, avançaram, ou foram lidos como avançando, uma série de teses censuráveis e profundamente perturbadoras que Leibniz (e a maioria de seus contemporâneos) viu como uma enorme ameaça: materialismo, ateísmo e necessitarismo. É a resposta de Leibniz ao necessitarismo Hobbesiano e Espinosista que talvez seja a de maior interesse, pois ele procurou desenvolver um relato da ação e da contingência que preservasse a liberdade divina e humana. Tal como será demonstrado, central à filosofia de Leibniz foi a visão de que Deus escolheu livremente o melhor mundo a partir de um número infinito de mundos possíveis e que se poderia dizer que uma pessoa agiria livremente quando o contrário dessa ação não implicasse uma contradição. (Este tema será tratado principalmente no artigo sobre a Metafísica Modal de Leibniz).

3. Alguns Princípios Fundamentais da Filosofia de Leibniz

Leibniz afirma na Monadologia §§31-32 que: “Nossos raciocínios se baseiam em dois grandes princípios, o da contradição… [e] o da razão suficiente” (G II 612/AG 217). A esses dois grandes princípios poderiam ser acrescentados mais quatro: o Princípio do Melhor, o Princípio do Predicado em Noções, o Princípio da Identidade dos Indiscerníveis e o Princípio da Continuidade. A relação entre esses princípios é mais complicada do que se poderia esperar. Leibniz às vezes sugere que o Princípio do Melhor e o Princípio do Predicado em Noções podem ser usados para fundamentar seus “dois grandes princípios”; em outros momentos, entretanto, todos os quatro princípios parecem funcionar juntos em um sistema de implicação circular. E embora o Princípio da Identidade dos Indiscritíveis seja frequentemente apresentado nas discussões contemporâneas em metafísica analítica como um axioma autônomo, Leibniz nos diz que ele decorre dos dois grandes princípios. Por fim, o Princípio ou Lei da Continuidade é na verdade um princípio que Leibniz tira de seu trabalho em matemática e se aplica à hierarquia infinita das mônadas no mundo e à qualidade de suas percepções; ele parece derivar apenas de um tênue apoio do Princípio da Razão Suficiente.

3.1 O Princípio do Melhor

Leibniz apresentou uma série de argumentos para a existência de Deus, que representam grandes contribuições para a teologia filosófica e que serão discutidos a seguir. Todavia, um dos princípios mais básicos de seu sistema é o de que Deus sempre age em prol do melhor. Embora isso geralmente seja tratado como um axioma, a abertura do Discurso sobre Metafísica apresenta algo como um argumento para ele: “Deus é um ser absolutamente perfeito”; “poder e conhecimento são perfeições e, na medida em que pertencem a Deus, não têm limites”; “donde se segue que Deus, possuidor de sabedoria suprema e infinita, age da maneira mais perfeita, não só metafisicamente, mas também moralmente falando…” (AG 35) Talvez isso não pareça uma afirmação surpreendente por parte de um teísta, mas não é óbvio que Deus sempre deva agir a favor do melhor ou mesmo criar o melhor mundo. (Ver Adams 1972) E Leibniz às vezes implicitamente, às vezes explicitamente, apela a esse princípio em sua metafísica, mais notadamente quando ele também está empregando o Princípio da Razão Suficiente. De fato, quando se trata da criação do mundo, a “razão suficiente” para a escolha deste mundo por Deus é que este mundo é o “melhor” de todos os mundos possíveis; em outras palavras, neste caso, o Princípio da Razão Suficiente é essencialmente o Princípio do Melhor.

3.2 Princípio do Predicado em Noção (PPN)

Leibniz tem uma noção muito distinta da verdade, uma noção que está subjacente a grande parte de sua metafísica. Porém essa noção de verdade remonta ao Órganon de Aristóteles (cf. Analíticos Posteriores I.4), como diz o próprio Leibniz, e também está presente na Lógica de Arnauld e Nicole, ou a Arte de Pensar (Livro IV, Capítulo 6). Tal como Leibniz afirma em uma carta a Arnauld, “em toda proposição afirmativa verdadeira, seja ela necessária ou contingente, universal ou particular, a noção do predicado está de algum modo incluída na do sujeito. Praedicatum inest subjecto; caso contrário, eu não sei o que é a verdade” (G II 56/L 337). Como ele nos diz em Verdades Primárias e no Discurso sobre Metafísica, muitas coisas decorrem do Princípio do Predicado em Noções (PIN), incluindo o que ele acredita ser a análise correta da necessidade e da contingência.

3.3 Princípio da Contradição (PC)

Leibniz também segue Aristóteles (cf. Metafísica IV.3), ao colocar grande ênfase no Princípio de Identidade ou no Princípio de Contradição (PC). O PC afirma simplesmente que “uma proposição não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo, e que portanto A é A e não pode ser não A” (G VI 355/AG 321). De acordo com Leibniz, as verdades primárias de seu sistema metafísico são identidades, mas, em um movimento impressionante, ele combina PC com PPN e afirma em Verdades Primárias que “todas as verdades restantes são reduzidas a verdades primárias com a ajuda de definições, ou seja, através da resolução de noções” (A VI iv 1644/AG 31). Além disso, a combinação de PC e PPN significará que, como em qualquer proposição verdadeira o predicado está contido explícita ou implicitamente dentro do sujeito, isto é, para todas as verdades afirmativas, sejam elas universais ou particulares, necessárias ou contingentes. Leibniz utilizará esse princípio aparentemente inócuo para tirar conclusões metafísicas profundamente fortes sobre a natureza da substância e da modalidade.

3.4 Princípio da Razão Suficiente (PRS)

O Princípio da Razão Suficiente (PSR) em sua forma clássica é simplesmente o de que nada existe sem uma razão (nihil est sine ratione) ou de que não há efeito sem uma causa. Tal como observa Leibniz, esse princípio “deve ser considerado um dos maiores e mais fecundos de todo o conhecimento humano, pois sobre ele se constrói grande parte da metafísica, da física e da ciência moral” (G VII 301/L 227). Em Princípios da Natureza e da Graça, Leibniz sugere que a afirmação de que nada acontece sem uma razão suficiente significa que nada ocorre de tal modo que seja impossível para alguém que possua informações suficientes dar uma razão do porquê de isso ser assim e não de outra forma. Na Monadologia e em outros lugares, no entanto, Leibniz admite francamente que “na maioria das vezes tais razões não podem ser conhecidas por nós” (G VI 612/AG 217). Embora a idéia de que todo evento deve ter uma causa e que existe uma razão pela qual tudo é assim e não de outra forma pode não parecer novidade, é a conexão que Leibniz vê entre esse princípio e seus outros princípios metafísicos que é digna de nota. De acordo com Leibniz, o PRS deve realmente seguir o PIN, pois se houvesse uma verdade que não tivesse razão, então haveria uma proposição cujo sujeito não conteria o predicado, o que é uma violação da concepção de verdade de Leibniz.

3.5 Princípio da Identidade dos Indiscerníveis (PII)

PC e PRS podem parecer suficientemente inocentes, mas o outro princípio bem conhecido de Leibniz, o Princípio da Identidade dos Indiscerníveis (PII), é mais controverso (Veja também o verbete sobre a identidade dos indiscerníveis.) Em uma das formulações típicas de Leibniz, PII afirma que “não é verdade que duas substâncias podem ser completamente idênticas entre si e diferir apenas em número [solo numero]” (A VI, iv, 1541/AG 42). Em outras palavras, se duas coisas compartilham todas as propriedades, elas são idênticas, ou (∀F)(Fx ↔ Fy) → x = y.1 O que é particularmente importante notar, no entanto, é que Leibniz é inflexível no fato de que certos tipos de propriedades são excluídos da lista de propriedades que poderiam contar como propriedades diferenciadoras, principalmente entre as propriedades espaço-temporais. Isso é o que Leibniz quer dizer (em parte) quando afirma que não pode haver determinações puramente extrínsecas (i.e., relacionais). Portanto, não é o caso de que possa haver dois pedaços de matéria que são qualitativamente idênticos, mas que existem em locais diferentes. Na opinião de Leibniz, qualquer diferença extrínseca desse tipo deve ser fundamentada em uma diferença intrínseca. Conforme ele coloca nos Novos Ensaios,

embora o tempo e o lugar (isto é, as relações com o que está fora) façam distinção para nós de coisas que não poderíamos distinguir facilmente por referência apenas a elas mesmas, as coisas são, no entanto, distinguíveis em si mesmas. Assim, embora a diversidade nas coisas seja acompanhada pela diversidade de tempo ou lugar, tempo e lugar não constituem o núcleo da identidade e diversidade, porque eles [ou seja, tempos e lugares diferentes] impressionam estados diferentes sobre a coisa. Ao qual se pode acrescentar que é por meio das coisas que devemos distinguir um tempo ou lugar de outro, em vez de vice-versa. (A VI vi 230/RB 230)

Há também o relacionado, embora incontroverso, Princípio da Indiscernibilidade dos Idênticos: se duas coisas são idênticas, então elas compartilham todas as propriedades, ou x = y → (∀F)(Fx ↔ Fy). A combinação desses dois princípios é às vezes chamada de “lei de Leibniz”: duas coisas são idênticas se e somente se compartilham todas as propriedades, ou x = y ↔ (∀F)(Fx ↔ Fy). (Às vezes, infelizmente, apenas o Princípio da Indiscernibilidade dos Idênticos é assim chamado).

Também é interessante notar que em Verdades Primárias e na Correspondência com Clarke, Leibniz apresenta o PII não como um axioma básico de seu sistema, mas como uma consequência do PC e do PRS. Resumidamente, uma maneira de esboçar o argumento é esta:

  • (1) Suponha que houvesse dois indivíduos indiscerníveis, a e b, em nosso mundo, W.
  • (2) Se este fosse o caso, então deveria haver também um mundo possível, W*, no qual a e b são “trocados”.
  • (3) Mas se este fosse o caso, então Deus não poderia ter tido nenhuma razão para escolher W em vez de W* [uma vez que a escolha é indiferente].
  • (4) Mas Deus precisa ter um motivo para agir da maneira como ele age. (PSR)
  • (5) Portanto, nossa suposição original deve ser falsa. Não há dois indivíduos indiscerníveis em nosso mundo. (PII)

Ora, foi dito acima que Leibniz exclui denominações puramente extrínsecas (ou propriedades relacionais) dos tipos de propriedades que são constitutivas de um indivíduo. Permitir denominações puramente extrínsecas seria aceitar a possibilidade de que duas coisas pudessem ser discerníveis em termos de suas propriedades relacionais ao mesmo tempo em que seriam idênticas em termos de suas propriedades intrínsecas, pois suas propriedades relacionais não seguiriam de suas propriedades intrínsecas. (Se as propriedades relacionais fossem consideradas na natureza de um indivíduo, então o PII seria relativamente fraco. É claro que duas coisas que existem em locais espaço-temporais diferentes são distintas, e isso é o que Leibniz admite na passagem dos Novos Ensaios acima). Porém, se seguirmos Leibniz ao excluir tais propriedades relacionais como propriedades de diferenciação e refletirmos sobre o argumento acima, então vemos que os mundos se distinguem em termos de propriedades intrínsecas dos indivíduos e que essa diferença tem relação com a grandeza relativa ou perfeição de um mundo. Ademais, considere que a e b são indiscerníveis, mas ocupam posições espelhadas em W e W*. Como poderíamos dizer que W seria mais digno da escolha de Deus do que W*? Não poderíamos. Deve haver uma razão pela qual a está aqui e b está lá, e essa razão tem a ver com as propriedades intrínsecas de a e b. Em outras palavras, mesmo as propriedades relacionais devem ser de alguma forma derivadas das propriedades intrínsecas das substâncias.

Como veremos, Leibniz emprega esse princípio em uma série de argumentos: contra a mente como uma tábula rasa, contra o atomismo, contra o espaço absoluto newtoniano, e assim por diante. (Para saber mais sobre esse tema, consulte o verbete sobre a identidade dos indiscerníveis).

3.6 Princípio da Continuidade

Segundo Leibniz, existem “dois famosos labirintos onde nossa razão muitas vezes se perde” (G VI 29/H 53). O primeiro diz respeito à liberdade humana, o segundo à composição do continuum. Leibniz, entretanto, pensou ter encontrado a saída de cada labirinto, e sua solução para o problema do continuum está relacionada, em última instância, a uma máxima ou lei que ele emprega não apenas em seus escritos matemáticos, mas também em sua metafísica. Como ele coloca no Prefácio dos Novos Ensaios, “Nada acontece subitamente, e é uma das minhas grandes e mais bem confirmadas máximas a de que a natureza nunca dá saltos” (A VI vi 56/RB 56). Mais exatamente, Leibniz acredita que essa lei ou princípio implica que qualquer mudança passa por alguma mudança intermediária e que há uma infinidade atual nas coisas. O Princípio da Continuidade será empregado para mostrar que nenhum movimento pode surgir de um estado de completo repouso e que “percepções notáveis surgem, por graus, a partir daquilo que é minúsculo demais para ser notado” (ibid.).

4. Metafísica: O Primado da Substância

Considero a noção de substância como uma das chaves para a verdadeira filosofia. (G III 245/AG 286)

Para Leibniz, as questões fundamentais da metafísica seriam redutíveis a questões de ontologia: O que existe? Quais são os componentes mais básicos da realidade? O que fundamenta o quê? Em certo sentido, sua resposta permaneceu constante ao longo de sua vida: tudo é composto de ou redutível a substâncias simples; tudo é fundamentado em substâncias simples. Enquanto Leibniz parece ter dado relatos ligeiramente diferentes sobre a natureza precisa dessas substâncias simples ao longo de sua carreira, há muitas características que permaneceram constantes em sua filosofia madura: Leibniz sempre acreditou que uma substância tinha um “conceito individual completo” e que era essencialmente uma unidade ativa dotada de percepção e apetição.

4.1 A Concepção Lógica da Substância

No §8 do Discurso sobre Metafísica, Leibniz dá um de seus relatos mais importantes sobre a natureza da substância individual. Lá ele afirma que a idéia aristotélica de que uma substância é aquela que é objeto de predicação e que não pode ser predicada de outra coisa é insuficiente para uma análise verdadeira da natureza da substância. Em seguida, ele apela para o PC e o PIN: em cada predicação verdadeira, o conceito do predicado está contido no conceito do sujeito. “Como assim é”, afirma Leibniz, “podemos dizer que a natureza de uma substância individual ou de um ser completo é a de ter uma noção de tal modo completa que seja suficiente para conter e nos permitir deduzir dela todos os predicados do sujeito ao qual essa noção é atribuída” (A VI iv 1540/AG 41). Em outras palavras, x é uma substância se, e somente se, x tiver um conceito individual completo (CIC), ou seja, um conceito que contém dentro dele todos os predicados de x passado, presente e futuro. O CIC, então, serve para individualizar substâncias; ele é capaz de escolher seu portador a partir de uma infinidade de outras substâncias finitas criadas. Leibniz dá como exemplo Alexandre o Grande. O conceito de Alexandre contém o ser um Rei, ser um aluno de Aristóteles, conquistar Dario e Porus, e assim por diante. Ora, “Deus, vendo a noção individual ou haecceidade de Alexandre, vê nela ao mesmo tempo a base e a razão de todos os predicados que podem ser ditos verdadeiramente dele” (A VI iv 1540-41/AG 41). A invocação de Leibniz da noção Scotista de uma haecceidade é intrigante. O que Leibniz está nos dizendo é que essa alexandridade é determinada pela soma de suas propriedades qualitativas. Além disso, podemos ver um aspecto metafísico dessa concepção lógica de substância: o conceito individual completo de uma substância é a noção ou essência da substância tal como ela é conhecida pela compreensão divina.

Leibniz conclui a seção com sua célebre doutrina de marcas e traços: “quando consideramos cuidadosamente a conexão das coisas, podemos dizer que, de todos os tempos na alma de Alexandre, existem vestígios de tudo o que lhe aconteceu e marcas de tudo o que lhe acontecerá e até mesmo traços de tudo o que acontece no universo, mesmo que apenas Deus possa a todos reconhecer” (A VI iv 1541/AG 41). A doutrina das marcas e traços, portanto, afirma que, porque o CIC contém todos os predicados verdadeiros de uma substância passada, presente e futura, toda a história do universo pode ser lida (pelo menos por Deus) na essência de qualquer substância individual.

As consequências que Leibniz tira da concepção lógica da substância e da doutrina das marcas e traços são notáveis. Na seção seguinte (§9) do Discurso sobre Metafísica, nos é dito que elas incluem o seguinte:

  • (1) Não há duas substâncias que sejam completamente semelhantes, e distintas uma da outra. (PII)
  • (2) Uma substância só pode se iniciar na criação e terminar com o aniquilamento.
  • (3) Uma substância não é divisível. 
  • (4) Uma substância não pode ser construída a partir de duas.
  • (5) O número de substâncias não aumenta nem diminui naturalmente.
  • (6) Cada substância é como um mundo completo e como um espelho de Deus ou de todo o universo, que ada um expressa à sua maneira.

Infelizmente, as razões da Leibniz para tirar tais consequências não são óbvias em todos os casos. Por que o PII deve seguir a partir do conceito individual completo do conceito de substância? Se considerarmos o CIC como aquele que nos permite escolher e individualizar qualquer substância individual a partir de uma infinidade de substâncias, então percebemos que, se os conceitos individuais de duas substâncias, a e b, não nos permitem (ou a Deus) distinguir uma da outra, então seus conceitos individuais não são completos. Ou seja, sempre deve haver uma razão, encontrada dentro do conceito individual completo de substâncias e emanada do livre decreto de Deus, pela qual a é discernível de b. E esse fato aponta para outro fato importante sobre a interpretação sugerida acima: não é apenas o caso de cada substância ter um conceito individual completo — a essência da substância tal como ela existe na mente divina — mas para cada essência ou conceito individual completo existe uma e apenas uma substância em um mundo. (O argumento aqui é essencialmente o que foi dado acima na seção que descreve a relação entre PRS e PII; isto é, que razão Deus poderia ter tido para instanciar duas substâncias com CICs idênticos?) Ademais, por que deveria ser o caso que as substâncias só possam surgir naturalmente na criação de Deus no mundo e terminar em sua aniquilação? Se a afirmação de Leibniz de que o CIC contém em seu interior tudo o que é previsível em relação ao passado, presente e futuro da substância, então pode-se dizer que tal afirmação deve incluir verdades que se estendem para trás, à criação e para frente, seja infinitamente ou até o fim dos tempos. Esse argumento pode ser um pouco fraco em si mesmo, mas certamente parece decorrer da noção lógica de substância de Leibniz e de uma das outras consequências, ou seja, a de que cada substância é um espelho de todo o universo. Se esse for o caso, então uma substância, na medida em que é um espelho de todo o universo, deve ter dentro de seu conceito individual completo previsões que se estendem de volta à criação e adiante no tempo. À primeira vista, também não é prontamente aparente apenas pelo CIC e pela doutrina das marcas e traços a razão pela qual uma substância não pode ser construída a partir de duas substâncias ou ser dividida em duas novas substâncias. Considere que a substância x tenha dentro de seu conceito individual completo os predicados g, h, i… que são verdades de seu passado, presente e futuro. Suponha que a substância x fosse dividida em e . Poder-se-ia imaginar que ambas as novas substâncias teriam todos os predicados da pré-divisão de x em comum e predicados únicos após isso. Mas a parte relevante da noção lógica de substância do Leibniz é que o CIC é suficientemente rico para nos permitir (ou a Deus) deduzir dela todos os predicados do passado, presente e futuro. A sugestão implícita de Leibniz é a de que os predicados pré-divisão não permitiriam a dedução lógica de substâncias ramificadas ou divididas. Se g, h, i,…. implicam lα, mα, nα,, eles não podem também implicar lβ, mβ, nβ. Um argumento semelhante funciona contra a possibilidade da fusão de duas substâncias. Além disso, se já concedemos PII, então deve ficar claro que a substância que tem dentro de seu CIC os predicados g, h, i, … lα, mα, nα e a substância que tem dentro de seu CIC os predicados g, h, i, … lβ, mβ, nβ são substâncias numericamente distintas e não simplesmente uma substância em sua fase de pré-divisão que se multiplicou. Como as substâncias só podem surgir naturalmente durante a criação de Deus no mundo e como as substâncias não podem sofrer fusão ou fissão, é óbvio que o número de substâncias deve permanecer constante. Por fim, se for da natureza de uma substância ter uma noção tão completa que se possa deduzir dela todos os seus predicados do passado, presente e futuro e se existirem substâncias a partir da criação do mundo, então pareceria (relativamente) natural concluir que cada substância contém dentro de si uma espécie de história de todo o universo a partir de sua própria perspectiva particular. Embora mais seja dito abaixo, o que Leibniz está sugerindo aqui é um conjunto de doutrinas que ele desenvolverá em maiores detalhes: a doutrina do mundo à parte, a tese de espelhamento (ou expressão), e a doutrina da harmonia universal.

Outra consequência notável da concepção lógica de substância é a negação da interação causal de substâncias finitas. Isso é mais claro em Verdades Primárias (C 521/L 269/AG 33), onde um argumento muito semelhante sobre a natureza da substância é dado. Não só é o caso, afirma Leibniz, o fato de que o verdadeiro influxo físico — a transferência de alguma propriedade dentro de uma substância para uma segunda substância — é inexplicável, mas mais importante, a concepção lógica de substância nos mostra que as razões de qualquer propriedade que uma substância possa ter já estão contidas em seu CIC. Em outras palavras, cada estado de uma substância é explicado, fundamentado, ou causado através de sua própria noção ou CIC. (Naturalmente, o fundamento ou razão para a existência ou atualidade de qualquer substância em particular é encontrado em Deus e na sua livre escolha de mundos. Um relato mais detalhado das opiniões de Leibniz sobre a causalidade está disponível no verbete de Leibniz sobre a Causalidade). Como veremos abaixo, a negação da interação causal das substâncias forma uma premissa essencial do argumento de Leibniz a favor da harmonia pré-estabelecida.

4.2 Unidade

Se uma substância finita deve ter um CIC, tal como Leibniz afirma no §8 do Discurso sobre Metafísica, qual é seu status ontológico? Ou seja, que tipo de coisa poderia ter tal CIC ou tal natureza? A resposta de Leibniz a essa questão traz à tona outro paradigma da substancialidade: a unidade. Embora seja da natureza de uma substância individual ter um CIC, somente uma unidade genuína pode ser qualificada como substância. Leibniz expressa sua opinião em uma carta a Arnauld de uma maneira muito clara e contundente: “Em poucas palavras, defendo esta proposição idêntica, diferenciada apenas pela ênfase, como um axioma, a saber, aquilo que não é verdadeiramente um ser, também não é verdadeiramente um ser“. (G II 97/AG 86) No período do Discurso sobre Metafísica e da Correspondência com Arnauld, Leibniz apela para certas noções escolásticas, entre elas, a noção de uma forma substancial. Em anos posteriores, a forma escolástica de falar se desvanece, mas a idéia fundamental permanece a mesma: deve haver algo que garanta ou torne possível a unidade de uma substância, e isto é a forma substancial ou a alma.O que Leibniz quer dizer é que apenas uma alma ou uma forma substancial é o tipo de coisa que se pode dizer que tem ou está subjacente a um conceito individual completo, pois apenas uma alma ou forma substancial é, por sua natureza, uma unidade imperecível. Leibniz deixa este ponto muito claro em outra carta a Arnauld: “Uma unidade substancial requer um ser completamente indivisível e naturalmente indestrutível, pois sua noção inclui tudo o que lhe acontecerá, algo que não pode ser encontrado nem no formato nem no movimento (ambos envolvem algo imaginário, tal como eu poderia demonstrar), mas que pode ser encontrado em uma alma ou forma substancial, segundo o modelo do que é chamado de eu” (G II 76/AG 79). Assim, a unidade é a marca registrada de uma substância genuína, mas igualmente importante é o caso paradigmático de Leibniz sobre uma substância: o eu. Esse pensamento está subjacente a grande parte das reflexões de Leibniz sobre a natureza da substância e tem importantes consequências. Pois, seguindo não somente Descartes, mas também toda a tradição agostiniana, o “eu” é essencialmente imaterial, uma mente ou uma alma. Da mesma maneira, ele escreve em Verdades Primárias, “Algo sem extensão é necessário para a substância dos corpos, caso contrário não haveria fonte [principium] para a realidade dos fenômenos ou para a verdadeira unidade… Mas como os átomos foram excluídos, o que resta é algo sem extensão, análogo à alma, que uma vez chamaram de forma ou espécie” (A VI iv 1648/AG 34). (Os átomos materiais, tal como defendido por Demócrito no período clássico e por Gassendi e outros no século XVII, ficam excluídos, pensa Leibniz, porque violam o PII; ou seja, dois átomos puramente materiais pareceriam ser qualitativamente idênticos e, no entanto, distintos, o que é impossível se aceitarmos PC, PRS e a derivação do PII). 

Leibniz não é tão claro quanto se gostaria que ele fosse, pois nesse momento de sua carreira é possível lê-lo como vendo que algo é uma substância desde que tenha uma alma ou uma forma substancial, enquanto que mais tarde em sua carreira parece ser mais claro que as únicas substâncias são almas ou entidades semelhantes a alma, as mônadas. Em outras palavras, Leibniz pode ser interpretado como advogando, pelo menos nesse período, uma espécie de hilomorfismo aristotélico, no qual as substâncias são compostas de matéria e forma. Esse tem sido o tema de debate no campo, mas esse verbete não pode julgar o assunto. (Para saber mais sobre essa disputa, veja Look 2010).

No entanto, ao declarar que uma substância é necessariamente indivisível, Leibniz torna impossível que um corpo, ou apenas uma matéria, seja uma substância. Assim, a substância corpórea cartesiana, cuja essência é simplesmente extensão, não pode existir como substância. Dito de outra forma, o argumento de Leibniz é que nada que é divisível é uma substância; um pedaço de matéria cartesiana é divisível; portanto, um pedaço de matéria cartesiana não é uma substância. Isso aponta para a primeira parte da crítica de Leibniz ao cartesianismo mencionado acima: isto é, que, segundo Leibniz, a matéria cartesiana não tem a unidade exigida de uma substância genuína. De fato, na Correspondência com Arnauld, Leibniz considera o caso de um corpo humano privado de uma alma e diz que o corpo, ou cadáver, não seria uma substância de todo, mas meramente um agregado de substâncias. Além disso, qualquer coisa sem uma forma substancial ou alma não é uma substância, ou seja, se uma coisa não é verdadeiramente “animada”, então é apenas um fenômeno verdadeiro. (G II 77/AG 80) Deve-se notar como é forte a afirmação de Leibniz: ele está argumentando que as substâncias corpóreas cartesianas ou qualquer pedaço de matéria não são seres reais – pelo menos não tão reais quanto as substâncias simples. Os agregados de substâncias simples, portanto, têm um status ontológico diferente das substâncias simples.

A distinção entre substâncias simples e agregados torna-se importante na filosofia de Leibniz. Para Arnauld, ele escreve o seguinte: “Sustento que a filosofia não pode ser melhor restabelecida e reduzida a algo preciso senão pelo reconhecimento apenas de substâncias ou seres completos e dotados de uma verdadeira unidade, juntamente com os diferentes estados que se sucedem; tudo o mais são apenas fenômenos, abstrações ou relações” (G II 101/AG 89). Se for esse o caso, então os agregados de substâncias simples são meros fenômenos e falham em ter a realidade do simples subjacente. Além disso, os corpos da filosofia natural, os corpos do mundo que observamos ao nosso redor, parecem ser, em certo sentido, meros fenômenos.

Embora alguns estudiosos do pensamento de Leibniz tenham sugerido isso, não se chega à história completa do sistema metafísico de Leibniz. A distinção que Leibniz faz é uma distinção entre uma unidade real e uma unidade fenomenal, ou como ele também diz, entre um unum per se e um unum per aggregationem. A comparação favorita de Leibniz no caso deste último é com um arco-íris: os corpos, por exemplo, não têm unidade intrínseca, mas nós os representamos como sendo objetos únicos e unificados, tanto quanto representamos um arco-íris como sendo uma coisa quando na verdade é meramente o resultado da refração da luz através de inúmeras gotículas de água. Porém, assim como o arco-íris resulta da presença de unidades genuínas, as gotículas de água (para continuar a metáfora, mesmo que isso não seja verdade quando se fala de Leibniz em rigor metafísico), também os corpos do mundo natural resultam das genuínas substâncias simples. Dito de outra maneira, as substâncias simples fundamentam o fenômeno dos corpos no mundo. Essa relação entre os fenômenos e as substâncias simples subjacentes é o que Leibniz quer dizer quando fala de “fenômenos bem fundamentados” [phenomena bene fundata]. Entretanto, na medida em que os corpos do mundo natural são fenômenos bem fundamentados — ou seja, na medida em que são fundamentados nas substâncias simples — eles não são simplesmente fenômenos como na filosofia de Berkeley. (Este ponto de vista também não é incontroverso. Para comparar Leibniz com Berkeley, ver o verbete sobre Berkeley).

4.3 Atividade

A segunda parte da crítica de Leibniz à doutrina cartesiana da substância corpórea está relacionada com a noção de atividade. De acordo com Leibniz, as substâncias não são apenas essencialmente unidades, mas também substâncias ativas. Tal como ele diz na linha de abertura dos Princípios da Natureza e da Graça: “Uma substância é um ser capaz de agir” (G VI 598/AG 207). Contudo, a substância corpórea cartesiana, na medida em que sua essência é extensão, não pode ser ela mesma uma fonte de atividade. (G IV 510/AG 161) Há pelo menos duas vertentes no argumento de Leibniz sobre tal questão. Primeiro, Leibniz sustenta que isso é assim porque ele adere à idéia clássica e escolástica de que as ações pertencem à suposita; isto é, somente algo que pode ser sujeito de predicação pode ser ativo, e somente as verdadeiras unidades podem ser genuinamente sujeitos de predicação (e não meros fenômenos). Dito de outra maneira, o material cartesiano estendido não pode, na medida em que é infinitamente divisível, constituir um supositum, ou sujeito de predicação. Entretanto, em segundo lugar, Leibniz acredita que alguma coisa está ativa se, e somente se, a fonte de sua atividade puder surgir dentro dela mesma, ou seja, se, e somente se, sua atividade surgir espontaneamente de dentro dela própria. Essa é outra razão, portanto, pela qual as substâncias individuais serão entendidas como semelhantes à mente, pois Leibniz acredita que somente mentes ou coisas semelhantes à mente podem originar e alterar suas modificações.

Ao dizer que as substâncias são essencialmente ativas, Leibniz quer dizer que elas são dotadas de forças. Mais precisamente, de acordo com Leibniz, “a própria substância das coisas consiste em uma força para agir e receber ação” (G IV 508/AG 159), ou seja, cada substância simples é dotada do que Leibniz chama de poderes primitivos ativos e passivos. A idéia aqui novamente soa aristotélica: uma substância tem um certo componente essencialmente ativo, a alma ou forma substancial ou primeira entelechia, e um componente passivo, matéria primária. No relato maduro de Leibniz, a força ativa primitiva é “uma lei inerente, impressionada pelo decreto divino”, ou seja, é a lei do desdobramento ou a lei da série da substância simples. Tal como ele coloca em uma carta a De Volder, “eu penso que é óbvio que as forças primitivas não podem ser nada mais que os esforços internos [tendentia] das substâncias simples, esforços pelos quais passam de percepção para percepção de acordo com uma certa lei de sua natureza, e ao mesmo tempo se harmonizam entre si, representando os mesmos fenômenos do universo de maneiras diferentes, algo que deve necessariamente surgir de uma causa comum” (G II 275/AG 181). Como as substâncias simples são mentes, suas modificações são representações ou percepções, e a atividade da substância simples estará relacionada à mudança ou sucessão de suas percepções. Uma maneira de pensar sobre isso é que cada substância tem uma série única de percepções programadas por Deus para desempenhar em harmonia com todas as outras substâncias, e a tendência interna de uma substância de passar de percepção para percepção é sua força ativa, ou o que Leibniz também chama de apetite ou apetição.

4.4 Harmonia Pré-estabelecida

Enquanto verbetes separados detalham o relato de Leibniz sobre a causalidade e seu relato sobre a mente, ainda será útil fornecer uma breve exegese da célebre solução de Leibniz para o problema mente-corpo que ele herdou de Descartes e seus seguidores. O problema, brevemente, é este: se a mente é essencialmente pensamento (e nada mais), e o corpo é essencialmente extensão, então como a mente e o corpo podem interagir ou formar uma unidade tal como sabemos por experiência que eles devem? Ou como a substância pensante e a substância estendida se unem na substância de um ser humano? Leibniz responde a essa pergunta, primeiro negando a possibilidade da interação causal de substâncias finitas. Assim, Leibniz mina o dualismo cartesiano já que este parte da premissa de que a interação mente-corpo deve ser explicada pela influência de um sobre o outro através da glândula pineal. (Ver a Sexta Meditação: AT VII 86-87/CSM II 59-60) Entretanto, Leibniz também viu a harmonia pré-estabelecida como um relato da relação mente-corpo que evitou as dificuldades inerentes às teorias ocasionaisistas da mente e da interação de substâncias. Em uma das metáforas mais conhecidas de Leibniz, ele pede a seus leitores que imaginem a mente e o corpo como dois pêndulos pendurados em uma viga. De onde vem a concordância deles? Alguém poderia imaginar que o movimento de uma é comunicado através da viga de madeira para a outra, fazendo com que ela acabe oscilando harmoniosamente (a teoria do influxo). Ou pode-se imaginar que Deus intervém e move o pêndulo, garantindo sua sincronicidade (a teoria do ocasionalismo). Ou, diz Leibniz, pode-se imaginar que Deus, o supremo artífice, criou o mundo (e o pêndulo) tão perfeitamente que, por sua própria natureza, eles balançariam em perfeita harmonia. Naturalmente, é essa última tese que Leibniz endossa e pede a seus leitores que endossem também. (Veja, por exemplo, o pós-escrito de uma Carta à Basnage de Beauval (G IV 498-500/AG 147-49)).

Mais precisamente, Leibniz argumenta que Deus criou o mundo tão perfeitamente que cada substância age de acordo com sua própria lei de desdobramento e ao mesmo tempo está em perfeita harmonia com todas as outras substâncias; além disso, que a mente tem um ponto de vista distinto do mundo em virtude de ser o centro de alguma massa (corpo), e que a lei de desdobramento da mente está de acordo com as leis da máquina corpórea. Ele coloca isso de forma mais sucinta em seu ensaio de 1695, Um Novo Sistema da Natureza, no qual ele efetivamente apresenta um argumento em cinco etapas para a harmonia pré-estabelecida:

  • (1) “Não há influência real de uma substância criada sobre outra”. (G IV 483/AG 143)
  • (2) “Deus originalmente criou a alma (e qualquer outra unidade real) de tal forma que tudo deve surgir dela a partir de suas próprias profundezas [fonds], através de uma espontaneidade perfeita em relação a si própria, e ainda com uma perfeita conformidade em relação às coisas externas”. (G IV 484/AG 143)
  • (3) ” Isso é o que faz com que cada substância represente todo o universo exatamente e a seu modo, a partir de um certo ponto de vista, e faz com que as percepções ou expressões das coisas externas ocorram na alma em um determinado momento, em virtude de suas próprias leis, como se em um mundo à parte, e como se existisse apenas Deus e a ela mesma”. (G IV 484/AG 143)
  • (4) “A massa organizada, na qual reside o ponto de vista da alma, sendo expressa mais de perto pela alma, está por sua vez pronta para agir por si mesma, seguindo as leis da máquina corpórea, no momento em que a alma quer agir, sem perturbar as leis da outra – os espíritos e o sangue então têm exatamente os movimentos que precisam para responder às paixões e percepções da alma”. (G IV 484/AG 144)
  • (5) “É essa relação mútua, regulada antecipadamente em cada substância do universo, que produz o que chamamos de sua comunicação, e que por si só produz a união da alma e do corpo”. (G IV 484-85/AG 144)

Ora, quando Leibniz fala em rigor metafísico, ele nega a premissa subjacente do dualismo cartesiano: o corpo não é uma substância; portanto, não pode haver dúvida de como ele interage ou está relacionado com a mente, ou com a substância pensante. No entanto, Leibniz foi capaz de expressar sua visão para o vulgar — ou seja, para aqueles que esperam uma metafísica cartesiana — afirmando que se pode dizer que a mente e o corpo formam uma união e interagem na medida em que a mente segue suas leis, o corpo segue suas leis, e elas estão em perfeita harmonia. O corpo e a alma não estão unidos um ao outro no sentido que Descartes havia sugerido, mas as percepções e apetições da alma surgirão espontaneamente de suas próprias dependências e corresponderão às ações do corpo, bem como aos acontecimentos do mundo. Em outras palavras, embora as percepções e apetições da mente ou da alma sejam independentes do corpo, elas corresponderão precisamente às ações do corpo particular ao qual ele está ligado e estarão em perfeita conformidade com todas as outras substâncias do mundo.

Na opinião de Leibniz, às substâncias individuais correspondem apenas percepções e apetições, e essas percepções e apetições podem ser entendidas como formando uma série dentro da substância individual. Em outras palavras, cada substância individual pode ser considerada como tendo um conjunto de percepções e apetições tais que se poderia dizer que, a qualquer momento, uma determinada substância experimenta uma tal-e-tal percepção e uma tal-e-tal apetição. De fato, a opinião de Leibniz é que uma determinada substância, x, tem, dentro de seu conceito individual, informações do seguinte tipo: x no momento t1 terá percepção1 e/ou apetição1; x no momento t2 terá percepção2 e/ou apetição2; e assim por diante. (Na verdade, a situação é mais complexa; pois, como será mostrado em uma seção posterior, a mente tem a qualquer momento uma infinidade de pequenas percepções dentro dela, percepções de tudo o que está ocorrendo no universo, mas a mente humana pelo menos estará verdadeiramente ciente de uma coisa de cada vez. Por exemplo, pode-se dizer que o leitor deste artigo tem uma série de percepções ordenadas temporalmente — com t1 correspondente à primeira frase, t2 à segunda frase, etc. — e também do “ruído de fundo” do qual o leitor não está diretamente ciente – por exemplo, o som da sirene de uma ambulância aproximando-se gradualmente e recuando de t1 para t3). Além disso, a série de percepções e apetições são geradas de dentro da própria substância individual. Isto é, Leibniz fala como se as percepções e apetições se seguissem naturalmente de percepções e apetições anteriores — e é a esse respeito, afinal de contas, que uma substância individual finita é causalmente independente de todas as outras substâncias criadas finitas.

A idéia crucial é a de que o corpo seguirá suas próprias leis, a mente suas próprias leis, e não haverá verdadeira influência entre os dois. Assim, a mente e o corpo parecem constituir, por assim dizer, mundos separados, tal como Leibniz afirma mais tarde quando explica o mundo em termos de mônadas, e esses mundos separados são, segundo Leibniz, unificados unicamente em virtude da correspondência de suas ações e percepções. Ademais, a esses reinos separados serão aplicados dois meios distintos de se explicar os acontecimentos do mundo: podemos explicar as coisas de acordo com as causas finais da mente ou de acordo com as causas eficientes do corpo ou dos corpos em geral. Assim, não apenas a mente e o corpo parecem seguir um conjunto diferente de leis, mas o mundo, de acordo com Leibniz, pode ser descrito em termos de um ou outro conjunto de leis.

4.5 Causas Eficientes e Finais e os Reinos da Natureza e da Graça

O relato de Leibniz sobre a harmonia pré-estabelecida da mente e do corpo faz parte de um posicionamento mais geral em sua metafísica: a existência de modos paralelos de explicação. Como vimos acima, Leibniz acredita que a mente agirá de acordo com suas leis e o corpo de acordo com suas leis e que os dois estarão em harmonia. Mas Leibniz também acredita que a mente ou a alma opera para fins particulares e que, portanto, suas ações são explicáveis em termos de causas finais, enquanto as ações do corpo, puramente instâncias de matéria em movimento de acordo com as reivindicações da filosofia mecânica, devem ser explicadas em termos de causas eficientes. Tal como ele afirma na Monadologia §§ 79 e 81,

As almas agem de acordo com as leis das causas finais através de apetições, fins e meios. Os corpos agem de acordo com as leis de causas ou moções eficientes. E os dois reinos, o das causas eficientes e o das causas finais, estão em harmonia um com o outro.

De acordo com este sistema, os corpos agem como se (para supor o impossível) não houvesse almas, e as almas agem como se não houvesse corpos, e ambos agem como se cada um influenciasse o outro. (G VI 620–21/AG 223)

No reino da filosofia natural, Leibniz dirá claramente que “todos os fenômenos corpóreos podem ser derivados de causas eficientes e mecânicas”, embora existam causas finais (ou “razões superiores”) que os fundamentam. (Ver Specimen Dynamicum: GM VI 242/AG 126) Mas Leibniz leva o paralelismo ainda mais longe:

Em geral, devemos considerar que tudo no mundo pode ser explicado de duas maneiras: através do reino do poder, ou seja, através de causas eficientes, e através do reino da sabedoria, ou seja, através de causas finais, através de Deus, que governa os corpos para sua glória, como um arquiteto, que os governa como máquinas que seguem as leis do tamanho ou da matemática, que os governa, de fato, para o uso das almas, e através de Deus que governa para sua glória almas capazes de sabedoria, que as governa como seus concidadãos, membros com ele de uma certa sociedade, que as governa como um príncipe, de fato como um pai, através de leis da bondade ou leis morais. (GM VI 243/AG 126)

Embora Leibniz fale aqui dos reinos de poder e sabedoria, a abordagem explicativa em dois níveis — os fenômenos do mundo natural explicados através de causas eficientes e as ações da mente explicadas através de causas finais — leva à distinção entre o que ele mais comumente chama de reino da natureza e reino da graça. (Ver Monadologia §87) Assim, na visão de Leibniz, podemos entender o mundo como se concebido por Deus, o perfeito engenheiro ou arquiteto, e também podemos entender o mundo como se ordenado e guiado por Deus, o supremo monarca, que se preocupa unicamente com a felicidade de seus súditos.

5. Metafísica: Idealismo Leibniziano

5.1 As Mônadas e o Mundo dos Fenômenos

Até agora, vimos que Leibniz rejeitou o relato cartesiano da matéria, segundo o qual a matéria, cuja essência é extensão, poderia ser considerada uma substância. Leibniz sustentava que somente seres dotados de verdadeira unidade e capazes de ação podem contar como substâncias. A expressão última da visão de Leibniz vem em sua célebre teoria das mônadas, na qual os únicos seres que contarão como substâncias genuínas e, portanto, serão considerados reais, são substâncias simples como a mente, dotadas de percepção e apetite. O que foi dito acima a respeito da unidade e atividade da substância simples deveria ser suficiente para explicar as razões de Leibniz para assumir tal posição. Agora, uma versão mais completa do idealismo de Leibniz deve ser apresentada.

De acordo com Leibniz, se os únicos seres genuinamente reais são as substâncias simples semelhantes à mente, então os corpos, o movimento e tudo mais devem resultar ou ser derivados dessas substâncias simples e de seus estados perceptuais. Em uma afirmação típica de seu idealismo, Leibniz diz: “Eu realmente não elimino o corpo, mas o reduzo [revoco] ao que ele é. Pois eu mostro que a massa corpórea [massa], a qual se pensa ter algo mais do que substâncias simples, não é uma substância, mas um fenômeno resultante das substâncias simples, as únicas que têm unidade e realidade absoluta” (G II 275/AG 181). No entanto, essa posição, que nega a realidade dos corpos e afirma que as mônadas são a base de todos os fenômenos corpóreos, assim como seus corolários metafísicos, chocou a muitos. Bertrand Russell, por exemplo, comentou no prefácio de seu livro sobre Leibniz que ele considerava que “a Monadologia era uma espécie de conto de fadas fantástico, coerente talvez, mas totalmente arbitrário”. E, talvez na pergunta retórica mais ardilosa e mordaz feita a Leibniz, Voltaire escarnece: “Você pode realmente acreditar que uma gota de urina é uma infinidade de mônadas, e que cada uma delas tem idéias, por mais obscuras que sejam, acerca do universo como um todo?” (Oeuvres complètes, Vol. 22, p. 434) Bem, se você é Leibniz, você consegue. Mas como pode?

5.2 Panorganismo e Idealismo

Quando Leibniz argumenta que corpos são o resultado das mônadas e que a própria matéria é um fenômeno, ele tem algo muito específico em mente. Primeiro, no sistema de Leibniz existe um tipo especial de ordem no mundo natural que corresponde a uma hierarquia de mônadas. Considere primeiro um comentário bem conhecido que Leibniz faz a De Volder, introduzindo um esquema ontológico quíntuplo: “Eu distingo: (1) a enteléquia primitiva ou alma; (2) a matéria, isto é, a matéria primária ou poder passivo primitivo; (3) a mônada formada por essas duas coisas; (4) a massa [massa] ou matéria secundária, ou a máquina orgânica na qual inúmeras mônadas subordinadas se juntam; e (5) o animal, isto é, a substância corpórea, que a mônada dominante transforma em uma máquina” (G II 252/AG 177). Um dos pontos que Leibniz está fazendo aqui é que em um animal existe uma mônada dominante que tem uma relação especial com todas as mônadas subordinadas a ela e que compõem a “máquina orgânica” daquele animal. Contudo, em última análise, o quadro é ainda mais complexo que isso, pois cada uma das mônadas subordinadas pode ser considerada como tendo uma máquina orgânica presa a ela, e essa relação continua até o infinitamente pequeno. Assim, por exemplo, Leibniz escreve na Monadologia §70: “Daí parece que cada corpo vivo tem uma enteléquia dominante, que em um animal é a alma; mas os membros de tal corpo vivo estão cheios de outros seres vivos, de plantas, de animais, cada um dos quais tem também sua enteléquia ou alma dominante.”(G VI 619/AG 222). Da mesma maneira, em uma carta a Bierling, ele escreve: “Qualquer massa contém inúmeras mônadas, pois embora qualquer corpo orgânico na natureza tenha sua correspondente mônada [dominante], ela contém em suas partes outras mônadas dotadas da mesma maneira de corpos orgânicos subservientes à primária; e o todo da natureza não é nada mais, pois é necessário que cada agregado resulte de substâncias simples como se provenientes de elementos” (G VII 502). Em outras palavras, cada mônada terá um corpo orgânico que é, por sua vez, composto de outras mônadas, cada uma das quais também tem um corpo orgânico. Da mesma maneira, qualquer pedaço aparentemente inanimado de matéria — uma pedra ou, é claro, uma gota de urina — será o resultado de uma infinidade de mônadas e seus corpos orgânicos, que não são mais do que mais mônadas e seus corpos orgânicos. Essa visão está associada a uma vertente pan-organista do pensamento de Leibniz. E é por isso que Leibniz afirmará que “toda a natureza é cheia de vida” (Princípios da Natureza e Graça §1: G VI 598/AG 207) e que “há infinitos graus de vida nas mônadas” (Princípios da Natureza e Graça §4: G VI 599/AG 208).

Em segundo lugar, há o que melhor pode ser descrito como uma vertente genuinamente idealista do pensamento de Leibniz. Isto é, se o idealismo é a tese de que as únicas coisas que realmente existem são mentes e suas idéias, então Leibniz claramente adota essa doutrina. Aqui a idéia operativa é que os corpos, e em particular os corpos associados a mentes particulares, são objetos intencionais – embora resultem de ou estejam fundamentados em mônadas. É a isso que Leibniz está chegando na seguinte passagem de outra carta a De Volder: “Considerando o assunto com cuidado, devemos dizer que não há nada nas coisas a não ser substâncias simples, e nelas, percepção e apetição. Ademais, matéria e movimento não são substâncias ou coisas tanto quanto são fenômenos de perceptores, cuja realidade se situa na harmonia dos perceptores com elas mesmas (em momentos diferentes) e com outros perceptores” (G II 270/AG 181). Assim, as únicas coisas reais são substâncias simples; os corpos que percebemos em movimento ao nosso redor são fenômenos e não substâncias propriamente ditas, apesar de estarem fundamentados, em última instância, em substâncias ou mônadas simples. Além disso, os corpos do mundo natural devem ser considerados objetos intencionais, na medida em que são objetos sobre os quais temos certas crenças. É isso o que Leibniz quer dizer ao afirmar que eles têm realidade na medida em que existe uma harmonia entre os perceptores ou entre as crenças ou percepções de um mesmo perceptor em momentos diferentes. Em outras palavras, o corpo ou mesmo uma pedra é real porque é um objeto de percepção que se encaixa em um relato do mundo que é coerente tanto do ponto de vista do percebedor singular quanto em harmonia com as percepções de outras mentes.

5.3 Perspectiva e Emanação Divina

A versão do idealismo de Leibniz ainda tende a produzir confusão precisamente por causa dessas duas vertentes: o compromisso com a “encarnação” das mônadas juntamente com a rejeição da realidade dos corpos; a visão de que as mônadas não são espaciais, mas têm um ponto de vista. O ponto de vista de Leibniz, no entanto, é o de que, embora as mônadas não se estendam, elas têm uma situação na medida em que têm uma relação ordenada com outros corpos através do corpo em que estão presentes ou através do corpo ao qual elas se representam como estando apegadas. (G II 253/AG 178) Em outras palavras, na monadologia Leibniziana, substâncias simples são entidades semelhantes à mente que não existem, a rigor, no espaço, mas que representam o universo a partir de uma perspectiva única.

A concepção de Leibniz de um tal universo perspectivado tem, no entanto, uma origem distintamente platonista. Também neste sentido, cada substância simples da mente se representa como tendo um corpo e uma posição em relação a outros corpos, mas ao fazê-lo, cada substância simples oferece uma perspectiva sobre o mundo para a mente divina. Essa idéia surge muito claramente no Discurso sobre Metafísica §14, onde Leibniz escreve o seguinte:

Ora, antes de tudo, é muito evidente que as substâncias criadas dependem de Deus, que as preserva e que até as produz continuamente por uma espécie de emanação, assim como nós produzimos nossos pensamentos. Pois Deus, por assim dizer, volta-se para todos os lados e de todas as maneiras sobre o sistema geral dos fenômenos que ele acha bom produzir para manifestar sua glória, e ele vê todas as faces do mundo de todas as maneiras possíveis, já que não há relação que escape de sua onisciência. O resultado de cada visão do universo, visto de uma certa posição, é uma substância que expressa o universo em conformidade com tal visão, caso Deus considere oportuno tornar seu pensamento atual e produzir essa substância. (A VI iv 1549-50/AG 46-47)

Trata-se de uma passagem marcante. Leibniz está nos dizendo que cada substância finita é o resultado de uma perspectiva diferente que Deus pode tomar do universo e que cada substância criada é uma emanação de Deus. O argumento aqui pode ser expresso de várias maneiras diferentes. Primeiro, como Deus poderia ocupar todo e qualquer ponto de vista do universo, deve haver uma substância simples para representar o mundo a partir dessa perspectiva. (E já que a substância simples deve ter representações de sua perspectiva única, ela deve ser uma substância semelhante à mente, uma mônada, capaz de ter percepções). Em segundo lugar, e mais forte, a onisciência de Deus implica o conhecimento do mundo a partir de cada perspectiva simultaneamente, e as infinitas perspectivas do mundo originárias da natureza de Deus são simplesmente mônadas.

5.4 Hierarquias Monádicas

Se as únicas coisas que realmente existem são entidades mentais, mônadas, então as diferenças entre elas devem ser explicáveis em termos de características mentais. Ora, foi dito acima que uma característica central do relato de Leibniz sobre substância era sua afirmação de que as substâncias são dotadas de forças ativas e passivas. Em sua metafísica madura, Leibniz expressa esse ponto de vista de maneira um pouco diferente, dizendo que uma substância é ativa na medida em que tem percepções distintas e passiva na medida em que tem percepções confusas. Assim, por exemplo, no §49 da Monadologia, Leibniz escreve que? “a atividade [ação] é atribuída a uma Mônada, na medida em que tem percepções distintas, e a passividade [paixão], na medida em que suas percepções são confusas.” Mas, tal como aprendemos mais tarde no mesmo trabalho, “De maneira confusa, todas elas se esforçam em busca [vont a] do infinito, do todo; mas elas são limitadas e diferenciadas através dos graus de suas percepções distintas.” (G VI 617/AG 221). A idéia fundamental aqui é dupla: primeiro, atividade e passividade são características da relativa clareza e distinção das representações da mônada, e, segundo, na medida em que os corpos orgânicos de uma determinada mônada são eles mesmos constituídos por mônadas, elas — as mônadas do corpo orgânico — terão percepções confusas. Essa cadeia vai até o infinitamente pequeno, com as mônadas tendo apenas percepções muito confusas e inexatas do mundo.

Como existe uma hierarquia entre as mônadas dentro de qualquer animal, desde a alma de uma pessoa até a mônada infinitamente pequena, a relação de dominação e subordinação entre as mônadas é uma característica crucial tanto do idealismo de Leibniz quanto de seu panorganismo. Mas a hierarquia das substâncias não é simplesmente de confinamento, na qual uma mônada tem um corpo orgânico que é o resultado de outras mônadas, cada uma delas com um corpo orgânico, e assim por diante. No caso dos animais (brutos e seres humanos), a hierarquia das mônadas também está relacionada ao controle da “máquina da natureza” (tal como Leibniz havia colocado em uma carta a De Volder considerada acima). O que é então que explica a relação das mônadas dominantes e subordinadas? Como Leibniz diz a Des Bosses, dominação e subordinação consistem em graus de perfeição. Como as mônadas devem ser diferenciadas em termos de suas percepções, uma leitura natural seria simplesmente a sugerida no parágrafo acima: a mônada x é dominante sobre a mônada y quando x tem percepções mais claras que y. Porém, se seguirmos a descrição da aparência da interação causal que encontramos na Monadologia (§§49-51), podemos obter uma imagem um pouco mais sofisticada. A mônada x é dominante sobre a mônada y quando x contém dentro dela razões para as ações de y. É por isso que a mente de um animal pode ser dita como dirigindo as ações de seu corpo, e por que, por exemplo, haverá uma hierarquia de funcionalidade dentro de qualquer animal. Assim, a mente de uma pessoa tem percepções mais claras do que aquelas contidas nas mônadas de seu corpo orgânico, mas contém as razões de tudo o que acontece em seu corpo; o fígado da pessoa contém as razões do que acontece em suas células; uma célula contém as razões do que acontece em suas mitocôndrias; e, de acordo com Leibniz, tal relação continua infinitamente para baixo.

6. Epistemologia

As reflexões de Leibniz sobre questões epistemológicas não rivalizam com suas reflexões sobre lógica, metafísica, justiça divina e filosofia natural em termos de quantidade. No entanto, ele pensou profundamente sobre a possibilidade e natureza do conhecimento humano, e suas principais doutrinas serão apresentadas aqui.

6.1 “Meditações sobre Conhecimento, a Verdade e as Idéias”

Em 1684, Leibniz publicou um pequeno tratado com o título acima. Foi sua primeira publicação madura e à qual ele se referiu com frequência no decorrer de sua carreira filosófica. Nela, Leibniz estabelece uma série de distinções para o conhecimento humano ou cognição (cognitio): o conhecimento ou é obscuro ou claro; o conhecimento claro ou é confuso ou distinto; o conhecimento distinto ou é inadequado ou adequado; e o conhecimento adequado ou é simbólico ou intuitivo. Ora, segundo Leibniz, conhecimento claro significa ser capaz de reconhecer algo que nos é representado, por exemplo, uma rosa; e o conhecimento é claro e distinto quando se pode enumerar marcas suficientes para distinguir uma rosa de outras coisas. Quando se pode fazer tal enumeração, possui-se uma noção ou conceito distinto e assim se pode dar uma definição nominal da coisa. Além disso, se todas as marcas que fazem parte de uma noção distinta são elas próprias conhecidas, então a cognição é adequada. E, por fim, se uma noção é complexa e somos capazes de considerar todas as suas noções componentes simultaneamente, então nosso conhecimento sobre ela é intuitivo. Por fim, Leibniz sustenta que os seres humanos têm conhecimento intuitivo apenas de noções e proposições primárias, enquanto Deus, naturalmente, tem conhecimento intuitivo de todas as coisas.

Leibniz acredita que suas distinções também servem para mostrar a diferença entre idéias verdadeiras e falsas. “Uma idéia é verdadeira”, escreve ele, “quando sua noção é possível e é falsa quando inclui uma contradição” (A VI iv 589/AG 26). Ora, a possibilidade pode ser estabelecida a priori e a posteriori. Por um lado, podemos saber a priori que algo é possível se pudermos resolvê-lo em suas noções componentes que são elas mesmas possíveis e se soubermos que não há incompatibilidade entre essas noções componentes. Por outro lado, sabemos a posteriori que algo é possível apenas pela experiência, pois a existência atual de uma coisa é prova de sua possibilidade.

6.2 Verdades da Razão e Verdades dos Fatos

Embora o Princípio da Contradição de Leibniz e o Princípio da Razão Suficiente tenham sido discutidos acima, não foi mencionado que esses dois princípios são empregados a serviço da distinção de Leibniz entre verdades do raciocínio e verdades de fato, ou seja, entre verdades necessárias e verdades contingentes. O relato da modalidade de Leibniz é tratado em outro lugar, mas um breve relato dessa distinção é necessário aqui. No caso de uma verdade do raciocínio, sua razão ou explicação pode ser descoberta pela análise das noções ou conceitos, ” resolvendo-o em idéias mais simples e verdades mais simples até chegarmos às primitivas” (G VI 612/AG 217). Em última análise, todas as verdades do raciocínio serão resolvidas em primitivas ou identidades, e o Princípio da Contradição é assim operativo. No caso de uma verdade de fato, por outro lado, sua razão não pode ser descoberta através de um processo finito de análise ou resolução de noções. Entretanto, deve haver uma razão para que algum fato em particular seja assim e não de outra forma (PSR) e, segundo Leibniz, tal razão é encontrada fora da série das coisas contingentes. (Veja abaixo).

6.3 Idéias inatas

Leibniz é frequentemente colocada no campo dos racionalistas e oposto aos empiristas (por exemplo, Locke, Berkeley, e Hume). Embora haja bons motivos para estar descontente com essa distinção padrão dos livros didáticos, Leibniz se encaixa no esquema em dois aspectos importantes: ele é um racionalista na medida em que mantém o Princípio da Razão Suficiente, e é um racionalista na medida em que aceita idéias inatas e nega que a mente é ao nascer uma tábula rasa ou um quadro em branco. Em termos de lealdades clássicas de Leibniz, é interessante ver que, no reino da metafísica, ele muitas vezes expôs sua filosofia em termos aristotélicos (e escolásticos), mas que, no reino da epistemologia, ele foi um Platonista bastante franco — pelo menos em termos da existência de idéias inatas. De fato, nas passagens de abertura de seus Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano, em seu comentário ao livro “Ensaio sobre o Entendimento Humano” de Locke, Leibniz se alinha explicitamente com Platão sobre a questão fundamental da origem das idéias. (A VI vi 48/RB 48)

Leibniz tem várias razões metafísicas para negar que a mente possa ser uma tábula rasa. Primeiro, e mais óbvio, já que não pode haver interação causal genuína entre substâncias, então não poderia haver nenhum modo de que todas as nossas idéias pudessem vir da experiência; de fato, nenhuma idéia poderia, estritamente falando, vir da experiência. (Leibniz, entretanto, adotará um entendimento mais liberal sobre a experiência dos sentidos, de modo que isto não seja proposto tout court). No entanto, em segundo lugar, e raramente comentado, Leibniz acredita que a visão de que nossas mentes estão em branco ao nascer viola o Princípio da Identidade dos Indiscerníveis. Em resumo, PII funciona contra os átomos físicos qualitativamente idênticos e contra as almas qualitativamente idênticas (porque em branco). Além disso, em uma passagem reveladora, ele nos mostra os fundamentos metafísicos da visão empírica, que ele considera ser bastante censurável. Ele escreve: “A experiência é necessária, admito, para que a alma possa ter tais e tais pensamentos, e para que ela tome em consideração as idéias que estão dentro de nós. Porém, como a experiência e os sentidos poderiam fornecer as idéias? Será que a alma tem janelas? Ela é semelhante a mesas de escrita, ou como a cera? Claramente, aqueles que têm essa opinião sobre a alma estão tratando-a como fundamentalmente corpórea” (A VI vi 110/RB 110). Locke entreteve a famosa possibilidade de “matéria pensante”, e Leibniz achou tal tese abominável. Ao longo de sua carreira, Leibniz não expressa nenhuma dúvida de que a mente ou alma humana é essencialmente imaterial, e o ceticismo de Locke sobre a natureza da substância está fundamentalmente em desacordo com os compromissos filosóficos mais profundamente assumidos por Leibniz. Contudo, é claro, a conseqüência disso é que Leibniz procura minar a posição da Locke com relação à origem e natureza das idéias. Que a mente, de acordo com Leibniz, deve ser essencialmente imaterial, foi demonstrado acima na seção sobre metafísica. Todavia, Leibniz tem um argumento particular a favor da imaterialidade da mente ou contra seu mecanismo que diz respeito à natureza do pensamento e das idéias. Essa é sua famosa metáfora de um moinho, que surge tanto nos Novos Ensaios quanto na Monadologia. De acordo com Leibniz, as percepções não podem ser explicadas em termos mecânicos ou materialistas. Mesmo que se criasse uma máquina à qual se atribui o pensamento e a presença das percepções, a inspeção do interior dessa máquina não mostraria a experiência dos pensamentos ou das percepções, apenas os movimentos das várias partes.

Mas mesmo quando Leibniz aceita o modo comum de falar — ou seja, como se os sentidos fossem causalmente responsáveis por algumas idéias — ele tem argumentos contra a afirmação empírica de que os sentidos são a origem de todas as idéias. De acordo com Leibniz, embora a posição empírica possa explicar a fonte das verdades contingentes, não pode explicar adequadamente a origem e o caráter das verdades necessárias. Pois os sentidos nunca poderiam chegar à universalidade de qualquer verdade necessária; eles podem, na melhor das hipóteses, nos fornecer os meios de fazer uma indução relativamente forte. Ao contrário, é o próprio entendimento, afirma Leibniz, que é a fonte de tais verdades e que garante sua própria necessidade. Embora não estejamos conscientes de todas as nossas idéias em nenhum momento — fato demonstrado pela função e papel da memória — certas idéias ou verdades estão em nossa mente como disposições ou tendências. Isso é o que se entende por uma idéia inata ou uma verdade inata. De fato, Leibniz acredita que a mente tem uma “afinidade especial” com as verdades necessárias. Sobre esse assunto, Leibniz usa uma metáfora distinta: um pedaço de mármore tem veias que indicam ou estão dispostas a indicar formas que um escultor habilidoso pode descobrir e explorar. Da mesma maneira, há uma “disposição, uma aptidão, uma preformação, que determina nossa alma e faz com que [verdades necessárias] sejam deriváveis dela” (A VI vi 80/RB 80).

6.4 Apercepção, Memória e Razão

A hierarquia das mônadas mencionadas acima tem um corolário na epistemologia de Leibniz. As mônadas são mais ou menos perfeitas dependendo da clareza de suas percepções, e uma mônada é dominante sobre outra quando uma contém razões para aquilo que acontece na outra. Porém algumas mônadas também podem subir ao nível das almas quando, por exemplo, experimentam sensações, ou seja, quando suas percepções são muito distintas e acompanhadas pela memória. Trata-se de uma posição ocupada por animais. Além disso, algumas almas às vezes também estão em posição de se engajar na apercepção, ou seja, de refletir sobre seus estados internos ou percepções. Como nos diz Leibniz nos Princípios da Natureza e da Graça, “é bom distinguir entre percepção, que é o estado interno da mônada que representa as coisas externas, e apercepção, que é a consciência, ou o conhecimento reflexivo desse estado interno, algo que não é dado a todas as almas, nem em todos os momentos a uma determinada alma” (G VI 600/AG 208). O ponto que Leibniz quer apresentar é claramente um anti-Cartesiano: não é verdade que os animais não tenham alma e sejam meras máquinas. Há aqui um continuum vindo de Deus, dos anjos e dos seres humanos através dos animais até as pedras e as mônadas monótonas que estão por trás da sujeira e da dor do mundo; e tal continuum não deve ser entendido apenas em termos da clareza comparativa das percepções da mente, mas também em termos dos tipos de atividade mental possíveis para um determinado ser. De fato, de acordo com Leibniz, os animais não funcionam como meros autômatos tal como o fazem na filosofia cartesiana, mas têm faculdades mentais bastante sofisticadas. Até mesmo um cão, por exemplo, é capaz, em virtude de sua memória, de ter uma percepção de uma percepção a priori: “é por isso que um cão foge do bastão com o qual foi espancado, porque sua memória representa para ele a dor que o bastão lhe causou” (G VI 600/AG 208). Embora isso se pareça com um raciocínio, não é o tipo de raciocínio do qual o ser humano é capaz; pois os processos mentais do cão são “apenas fundados na memória de fatos ou efeitos, e não no conhecimento das causas” (ibid.). Ao mesmo tempo, Leibniz é rápido em acrescentar que a atividade mental do cão é a mesma que a atividade mental dos seres humanos em três quartos de suas ações, pois a maioria de nós na maioria das vezes não estamos de fato raciocinando desde causas até efeitos. E ainda assim somos diferentes dos animais, acredita Leibniz. Algumas criaturas são capazes de conhecer as verdades necessárias e eternas da lógica e da matemática e verdades a priori (de causa a efeito), e elas “são propriamente chamadas de animais racionais, e suas almas são chamadas de mentes“. (G VI 601/AG 209). Como diz Leibniz, “Tais almas são capazes de realizar atos reflexivos e capazes de considerar o que é chamado de “eu”, substância, alma, mente – em resumo, coisas imateriais e verdades imateriais”. E isso é o que nos torna capazes das ciências do conhecimento demonstrativo” (ibidem.). Assim, o que torna os seres humanos (e as mentes superiores) especiais é a capacidade, através da apercepção, de formular uma concepção do eu. De fato, conforme vemos nesse trecho, Leibniz sugere que a própria racionalidade decorre da capacidade de reflexão: começamos com uma concepção do eu; passamos daí para o pensamento do ser, da substância, de Deus; e nos tornamos conscientes também das verdades eternas e necessárias. A racionalidade, no entanto, é realmente apenas a capacidade de formar “conexões indubitáveis de idéias” e de segui-las até suas “infalíveis consequências” (ibid.). Em outras palavras, os animais e a maioria dos seres humanos na maioria das vezes são puramente empíricos; uma pessoa racional, entretanto, é aquela que pode se engajar em raciocínios genuínos a priori, passando do conhecimento de uma causa verdadeira via dedução para os efeitos necessários.

6.5 Minúsculas Percepções

Uma das teses fundamentais da filosofia de Leibniz é que cada substância expressa o universo inteiro. A fim de incorporar essa tese em sua epistemologia geral e em sua filosofia da mente, Leibniz desenvolve seu relato de “percepções petites” ou “percepções minúsculas” mencionadas brevemente na seção sobre harmonia pré-estabelecida. Tal como ele coloca no Prefácio dos Novos Ensaios, “a cada momento há em nós uma infinidade de percepções, não acompanhadas de consciência ou reflexão; isto é, de alterações na própria alma, das quais não temos consciência porque tais impressões são ou muito minúsculas e numerosas, ou muito invariantes, de modo que não são suficientemente distintas por si mesmas” (A VI vi 53/RB 53). Em outras palavras, tudo o que acontece no universo é realmente expresso por cada mente finita, mas as infinitas percepções presentes na mente – desde o vôo da borboleta na selva amazônica até a movimentação do pinguim na Antártida – são geralmente muito minúsculas ou indistintas para superar, por exemplo, a aparência desta tela de computador ou a sensação de fome. De fato, essa infinidade de percepções é comparada por Leibniz ao rugido do mar. “Para ouvir esse barulho tal como nós o ouvimos”, diz Leibniz, “devemos ouvir as partes que compõem esse todo, que é o barulho de cada onda, embora cada um desses pequenos ruídos se torne conhecido apenas quando combinado confusamente com todos os outros, e não seria notado se a onda que o fez estivesse sozinha” (A VI vi 54/RB 54). A infinidade de percepções petites é, então, simplesmente um ruído branco epistemológico.

Para Leibniz, a simplicidade e a unidade da mente ainda permite a multiplicidade de percepções e apetites. A multiplicidade, entretanto, não deve ser interpretada apenas como diacrônica, mas também síncrona; isto é, a mente apesar de sua simplicidade e unidade tem dentro de si, a qualquer momento, uma infinidade de percepções diferentes das petites. Um ser humano, em estado de vigília, está consciente de percepções particulares, mas nunca de todas. E aqui vemos que a doutrina de Leibniz é importante, na medida em que oferece um contraste com a teoria cartesiana da mente. Segundo Leibniz, a mente está sempre ativa, pois há sempre percepções presentes a ela, mesmo que essas percepções sejam minúsculas e não subam a um nível tal que sejamos conhecedores delas. Assim, mesmo em um sono profundo e sem sonhos, a mente está ativa, e as percepções estão na mente. Além disso, se Descartes realmente defendeu a perfeita transparência da mente, então deve ficar claro que Leibniz permite uma imagem mais sutil do conteúdo mental: há muitas coisas na mente que são confusas e minúsculas e às quais nem sempre temos acesso completo.

6.6 A Extensão do Conhecimento Humano

Leibniz, no entanto, não apenas discorda de Locke sobre a natureza da mente e a possibilidade de idéias inatas. Leibniz também argumenta que os seres humanos são capazes de conhecimento de uma forma que Locke havia claramente negado. Tal como mostrado acima, Leibniz está convencido de que nosso conhecimento das verdades necessárias tem um fundamento completamente diferente daquele para o qual Locke argumenta. Da mesma maneira, Leibniz defende que podemos ter um conhecimento genuíno das essências reais das coisas, algo posto em questão pela Locke. Afinal, Locke havia argumentado que deveríamos admitir que “essência” é realmente apenas uma palavra que usamos para descrever a “essência nominal”, um conjunto de conceitos de ordenação baseados em qualidades sensíveis; não deveríamos agir como se “essência” significasse algo sobre a constituição real ou interior de uma coisa, pois continuaremos ignorando isso. Leibniz, entretanto, sustenta que podemos saber certas coisas não apenas sobre indivíduos, mas também sobre suas espécies e gêneros. No Livro IV dos Novos Ensaios, no qual Philalethes — o personagem Locke — faz sua crítica à possibilidade de nosso certo conhecimento sobre substâncias qua naturais, Teófilo (Leibniz) diz: “Deixe-me dizer-lhe que existem, por exemplo, centenas de verdades de que podemos ter certeza em relação ao ouro, ou seja, aquele corpo cuja essência interior se revela através do maior peso conhecido aqui na Terra, ou através da maior ductilidade ou por outras marcas. Pois podemos dizer que o corpo com a maior ductilidade conhecida é também o mais pesado de todos os corpos conhecidos” (A VI vi 400/RB 400). Anteriormente nos Novos Ensaios, Leibniz havia dito que “a essência nada mais é do que a possibilidade da coisa em consideração” (A VI vi 293/RB 293) e “as essências são eternas porque só dizem respeito às possibilidades” (A VI vi 296/RB 296). Parece, então, que Leibniz tem algo como o seguinte em mente: a experiência nos informa de um certo conjunto consistente de propriedades sensíveis como, por exemplo, no ouro; ou seja, um certo conjunto de propriedades é compossível. E, mais importante, devemos ser capazes de afirmar com certeza que se algum objeto tem a maior ductilidade, então ele também tem o maior peso.

7. Teologia Filosófica

Como a maioria de seus grandes contemporâneos (Descartes, Espinosa, Malebranche), Leibniz desenvolveu uma série de argumentos a favor da existência de Deus. Dois deles são apresentados em versões condensadas na Monadologia §§36-45, como argumentos a priori e a posteriori (ou argumentos ontológicos e cosmológicos, para emprestar a terminologia de Kant). Mas eles têm uma longa história no pensamento de Leibniz. No entanto, ao contrário de Descartes e Spinoza pelo menos, Leibniz também gastou grandes esforços para explicar e justificar a justiça e benevolência de Deus neste mundo. Em outras palavras, Leibniz estava interessado em responder ao problema do mal. Seu trabalho sobre o tema levou a sua tese, tão amplamente ridicularizada na Candide de Voltaire, de que vivemos no melhor de todos os mundos possíveis.

7.1 A Existência de Deus

7.1.1 O argumento ontológico

Leibniz fez uma importante contribuição para a história do argumento ontológico. Suas reflexões sobre essa forma de argumento remontam aos anos 1670, e sabemos que ele compartilhou suas reflexões sobre esse assunto com Espinosa quando o visitou a caminho de Hannover. De acordo com Leibniz, o argumento que Descartes dá implicitamente na Quinta Meditação e explicitamente no Primeiro Conjunto de Respostas é falho. Descartes havia argumentado que Deus é um ser com todas as perfeições, a existência é uma perfeição, portanto, Deus existe (AT VII 118-19/CSM II 84-85). Porém, pensa Leibniz, é preciso mostrar que é possível que tal ser exista, ou seja, que é possível que todas as perfeições coexistam em um só ser. Se assim for, então, e só então, se pode dizer que existe um ens perfectissimum. Em seu pequeno ensaio intitulado Que um Ser Perfeito Existe (Quod ens perfectissimum existit) de 1676, Leibniz argumenta exatamente isso. Ele define uma “perfeição” como uma “qualidade simples que é positiva e absoluta, ou, que expressa sem quaisquer limites o que quer que ela expresse” (A VI iii 578/SR 101). E com tal definição em mãos, Leibniz é então capaz de afirmar que não pode haver inconsistência entre as perfeições, já que uma perfeição, por ser simples e positiva, é inanalizável e incapaz de ser encerrada por limites. Ou seja, se A e B são perfeições, então a proposição “A e B são incompatíveis” não pode ser demonstrada porque A e B são simples, nem a proposição pode ser conhecida per se. Portanto, é possível que toda e qualquer perfeição seja, de fato, compatível. E, portanto, raciocina Leibniz, um sujeito de todas as perfeições, ou um ens perfectissimum, é de fato possível.

Porém, esse argumento por si só não é suficiente para determinar que Deus necessariamente existe. Leibniz também deve mostrar que a existência é em si mesma uma perfeição, para que se possa dizer que um ser que tem todas as perfeições, um ens perfectissimum, existe. Mais exatamente, Leibniz precisa mostrar que a existência necessária pertence à essência de Deus. E isso ele faz em outra breve peça desse período, escrevendo  “com efeito, um ser necessário é o mesmo que um ser de cuja essência se segue a existência. Pois um ser necessário é aquele que necessariamente existe, de tal forma que sua não existência implicaria uma contradição e, portanto, entraria em conflito com o conceito ou essência desse ser” (A VI iii 583/SR 107). Em outras palavras, se um ser necessário é a mesma coisa que um ser cuja existência decorre de sua essência, então a existência deve, de fato, ser uma de suas propriedades essenciais. Leibniz continua nesta breve reflexão: “E assim a existência pertence a seu conceito ou essência”. A partir daí temos um esplêndido teorema, que é o ápice da teoria modal e pelo qual se move de uma forma maravilhosa da potencialidade para o ato: Se um ser necessário é possível, segue-se que ele existe atualmente, ou, que tal ser é atualmente encontrado no universo” (A VI iii 583/SR 107). O “pináculo da Teoria Modal” que Leibniz menciona aqui não é outro senão um dos notórios axiomas da lógica modal S5: ◊□p → □p. Em resumo, o argumento de Leibniz é o seguinte:

  • (1) Deus é um ser que tem todas as perfeições. (Definição)
  • (2) Uma perfeição é uma propriedade simples e absoluta. (Definição) 
  • (3) A existência é uma perfeição.
  • (4) Se a existência é parte da essência de uma coisa, então ela é um ser necessário.
  • (5) Se é possível que um ser necessário exista, então um ser necessário existe. 
  • (6) É possível que um ser tenha todas as perfeições. 
  • (7) Portanto, um ser necessário (Deus) existe.

Deve-se notar que o argumento de Leibniz tem uma certa afinidade com o argumento ontológico que Gödel apresenta, na medida em que também procura demonstrar a possibilidade de um ser ter todas as propriedades simples e positivas. (Para o argumento de Gödel, ver o verbete sobre argumentos ontológicos).

7.1.2 O Argumento Cosmológico

Como já vimos, o Princípio da Razão Suficiente é um dos princípios básicos de toda a filosofia de Leibniz. Na Monadologia, Leibniz apela ao PRS, dizendo que mesmo no caso de verdades contingentes ou verdades de fato, deve haver uma razão suficiente para que elas sejam assim e não de outra forma. (Monadologia §36) Mas, como cada particular verdade de fato depende de alguma outra verdade de fato (anterior), a razão de toda a série de verdades deve ser localizada fora da série, e esta razão última é o que chamamos de Deus. (Monadologia §37)

Na Teodicéia, Leibniz preenche esse argumento com um relato fascinante sobre a natureza de Deus. Em primeiro lugar, na medida em que a primeira causa de toda a série deve ter sido capaz de examinar todos os outros mundos possíveis, ela tem compreensão. Segundo, na medida em que foi capaz de selecionar um mundo entre a infinidade de mundos possíveis, ele tem vontade. Em terceiro lugar, na medida em que foi capaz de realizar este mundo, ele tem poder. (Leibniz acrescenta aqui que “o poder se relaciona ao ser, a sabedoria ou a compreensão à verdade, e a vontade ao bem“). Quarto, na medida em que a primeira causa diz respeito a todas as possibilidades, sua compreensão, vontade e poder são infinitos. E, quinta, na medida em que tudo está ligado entre si, não há razão para se supor mais do que um Deus. Assim, Leibniz é capaz de demonstrar a singularidade de Deus, sua onisciência, onipotência e benevolência a partir das suposições duplas, a da contingência do mundo e a do Princípio da Razão Suficiente. (Teodicéia §7: G VI 106-07/H 127-28) Naturalmente, se se negasse a existência de mundos possíveis no sentido concebido por Leibniz ou se se negasse o PRS (admitindo, digamos, “fatos brutos”), dificilmente alguém se sentiria movido por um argumento desse tipo.

7.2 Otimismo

O relato de Leibniz sobre a natureza dos mundos possíveis é tratado em um verbete separado. Aqui será abordada a seguinte questão simples: Como este mundo pode ser o melhor de todos os mundos possíveis? Afinal de contas, tal como Voltaire trouxe tão claramente à tona em Candide, certamente parece que este mundo, no qual se encontra não pouca oferta de horrores naturais e morais, está longe de ser perfeito – de fato, parece bastante péssimo. Certamente só um tolo poderia acreditar que é o melhor mundo possível. Contudo, Leibniz fala em nome do tolo, com um argumento que tem essencialmente a seguinte estrutura:

  • (1) Deus é onipotente e onisciente e benevolente e o livre criador do mundo. (Definição)
  • (2) As coisas poderiam ter sido outras – ou seja, existem outros mundos possíveis. (Premissa)
  • (3) Suponha que este mundo não seja o melhor de todos os mundos possíveis. (Isto é, “O mundo poderia ser melhor”).
  • (4) Se este mundo não é o melhor de todos os mundos possíveis, então pelo menos um dos seguintes deve ser o caso:
    • Deus não era poderoso o suficiente para trazer um mundo melhor; ou
    • Deus não sabia como este mundo se desenvolveria após sua criação (ou seja, faltava a Deus o conhecimento prévio); ou
    • Deus não desejava que este mundo fosse o melhor; ou
    • Deus não criou o mundo; ou
    • não existiam outros mundos possíveis dos quais Deus pudesse escolher.
  • (5) Porém, qualquer uma ou mais das disjuntas de (4) contradiz (1) ou (2).
  • (6) Portanto, este mundo é o melhor de todos os mundos possíveis.

Em outras palavras, Leibniz parece argumentar que, se se quer manter a concepção teísta tradicional de Deus e acreditar que se pode afirmar significantemente que o mundo poderia ter sido diferente do que é, então é preciso sustentar que este mundo é o melhor possível. Naturalmente, esse argumento é simplesmente a retorta cristã ao argumento epicureano contra o teísmo.

Porém, quais são os critérios pelos quais se pode dizer que este mundo é o melhor? Deve ficar claro que Leibniz em nenhum lugar diz que esse argumento implica que tudo tem que ser maravilhoso. Na verdade, Leibniz está claramente na tradição de todos os apologistas cristãos que remontam a Agostinho, argumentando que não podemos ter conhecimento de todo o mundo e que mesmo que um pedaço do mosaico que nos é revelado seja feio, o todo pode realmente ter uma grande beleza. Ainda assim, Leibniz oferece pelo menos duas considerações relevantes para a determinação da felicidade e da perfeição do mundo. Ele nos diz no Discurso sobre Metafísica, primeiro, que “…a felicidade das mentes é o objetivo principal de Deus…” (A VI iv 1537/AG 38) e, segundo, que “Deus escolheu o mundo mais perfeito, isto é, aquele que é ao mesmo tempo o mais simples em hipóteses e o mais rico em fenômenos” (A VI iv 1538/AG 39). Então, este mundo de genocídio e desastre natural é melhor que um mundo que contém apenas uma rosa multifoliar? Sim, porque o primeiro é um mundo no qual uma infinidade de mentes percebe e reflete sobre a diversidade dos fenômenos causados por um número modesto de leis simples. À pergunta mais difícil sobre se existe um mundo melhor com talvez um pouco menos de genocídio e desastre natural, Leibniz só pode responder que, se assim fosse, Deus o teria trazido à realidade. E isto, é claro, quer dizer que não existe realmente um mundo melhor possível.


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Notas

[1] Nota do tradutor: esta expressão em “linguagem lógico-matemática” — introduzida posteriormente, até onde sei — não me parece apropriada para expressar o Princípio, uma vez que o símbolo matemático da igualdade apresenta uma ambiguidade (falarei disto em algum artigo futuro mas, em suma, A e B são símbolos, e um símbolo aponta para um simbolizado. Eles podem (1) ambos significar uma única entidade, ou (2) cada um simbolizar uma entidade, que por sua vez são ditas “iguais” via desprezo: esse fato configura dois “tipos de igualdade”, (I) a Igualdade Absoluta, no primeiro caso, ou (II) a Igualdade Relativa, no segundo. — no caso II, algo de A e B é sempre desprezado, e a igualdade é meramente relacional.). Daí que surgem todas as controvércias e opiniões equivocadas acerca do Princípio. A Idêntidade dos Indiscerníveis alega que há sempre uma indiscernibilidade entre dois seres semelhantes, que há sempre algo que os diferencia. Segundo Leibniz, é impossível encontrar duas folhas de árvore que sejam absolutamente iguais (e que não sejam meramente entidades relativamente semelhantes), e não é possível encontrar nem mesmo duas gotas de água que sejam absolutamente iguais. Sendo assim, se encontrássemos no mundo real (o mundo em ato) dois seres, A e B, que apresentassem ambos os mesmos atributos, de modo que eles fossem absolutamente indiscerníveis, poderíamos ter a certeza de que A é B; ou melhor, poderíamos ter a certeza de que a entidade que A representa é a mesma entidade que B representa. Ou seja, dois indiscerníveis não são dois, mas um e o mesmo ser (por igualdade absoluta). Perceba que se trata de uma igualdade de quale e quanta, quando a entidade é considerada completamente, ad infinitum.

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Other Internet Resources

  • Gallica (Contains searchable texts from Leibniz)
  • Gottfried-Wilhelm-Leibniz-Gesellschaft
  • Leibnitiana
  • Leibniz-Edition
  • Leibniz-Forschungsstelle
  • Leibniz – online texts, links to a variety of online texts by Leibniz, maintained by Clinton Tolley (Philosophy, UCSD).
  • MacTutor page on Leibniz, including a picture of a model of Leibniz’s calculating machine

Arnauld, Antoine | Continental Rationalism | identity: of indiscernibles | Kant, Immanuel: and Leibniz | Leibniz, Gottfried Wilhelm: ethics | Leibniz, Gottfried Wilhelm: influence on 19th century logic | Leibniz, Gottfried Wilhelm: modal metaphysics | Leibniz, Gottfried Wilhelm: on causation | Leibniz, Gottfried Wilhelm: on the problem of evil | Leibniz, Gottfried Wilhelm: philosophy of mind | Leibniz, Gottfried Wilhelm: philosophy of physics | Malebranche, Nicolas | Newton, Isaac: views on space, time, and motion

Acknowledgments

The editors would like to thank Sally Ferguson for noticing inaccuracies in a claim and in a quote attributed to Leibniz.

Este artigo foi publicado originalmente no site Plato Stanford: https://plato.stanford.edu/entries/leibniz/

Sobre o Autor ou Tradutor

Bernardo Santos

Aluno do Olavão, bacharel em matemática, amante da Filosofia, tradutor e músico nas horas vagas, Bernardo Santos é administrador principal do Diário Intelectual.

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