A Democracia que Escraviza – Campos Jr.

“A Democracia que Escraviza” foi escrito por Campos Jr.

A família é a única instituição anárquica.”

G.K. Chesterton

Dentre os termos que ressoam no mundo como sinônimo de paz e harmonia social, nenhum deles se tornou tão imperativo como a palavra democracia. Esta, na sociedade atual, adquiriu o status quo de elemento sacro e, com isso, tornou-se o último bastião a nortear a existência humana rumo ao tão sonhado paraíso terrestre. Na exata certeza de realizar seu sonho jovial, o mundo moderno, de certa forma, mergulhou nas águas turvas e profundas da ilusão de que bastaria um sistema político democrático, um sistema que privilegiasse a participação de todos os indivíduos na vida política para que a civilização pudesse encontrar o estado de felicidade inabalável entre os homens. Não é de hoje que a ideia de felicidade plena desperta no coração humano um sentimento de angústia que, em muitas ocasiões, tenta ser saciado através de ações políticas revolucionárias como anarquismo, marxismo, nazismo e tutti quanti. Como se não bastassem todos os exemplos de desastres provocados pelas ideologias mencionadas, os paladinos da democracia moderna, imbuídos de veneno mortal, cavalgam na mesma estultícia intelectual de outrora, a saber: o ideal de que  é possível remodelar uma civilização inteira mediante a aplicação de ações políticas ao mesmo tempo que se faz tábula rasa de suas tradições e cultura.

No decorrer da existência civilizacional, o teste da sabedoria legou ao homem a experiência como método eficaz na arte de conhecer as coisas na esfera da sua significância prática bem como definir o que serve ou não de esteio para a continuidade ordenada da civilização. Sendo assim, é de fácil percepção que civilização exige tradição, pois esta garante o elo entre as gerações e permite que a cultura produzida se postergue no decorrer do tempo. É por meio da tradição que a cultura não só é preservada senão que é também enriquecida com os incrementos das gerações futuras ocasionando o progresso civilizacional ajustado e ordeiro que se opõe à sanha revolucionária de proposição de um “futuro melhor” resultante de ações políticas que pregam total ruptura com o tesouro das gerações passadas. Naturalmente não é possível que subsista civilização alguma sem que sua tradição seja firme, pois sem ela não há continuidade, não há progresso e a cultura se perde. Perdendo-se a cultura, logo desfalece o ambiente necessário para o florescimento da ascensão do homem que necessita desse estado de coisas para que se distancie de sua essência bárbara que serve apenas aos seus instintos primitivos e se torne um ser inteligente. É, pois, a cultura que torna as pessoas mais inteligentes mediante a pavimentação dos meios que proporcionam o desenvolvimento intelecto-espiritual dos homens. É nessa esteira de pensamento que pe. Leonel Franca em seu livro A Crise do Mundo Moderno assenta que: 

“A cultura, já o vimos, tem uma missão providencial: a de oferecer ao homem um ambiente favorável de plena eflorescência de suas vitalidades. É meio para fins mais altos.”

Nesse contexto, tem a cultura a missão de estabelecer as bases necessárias para que o homem possa ascender na arte das virtudes e na construção de sua personalidade solidamente ordenada cuja consequência é expurgar o que há de bruto no seio do indivíduo e fazer ressoar, nas profundezas de sua existência, a voz inconfundível da sua alma inteligente e imortal que não pode extasiar-se com os objetivos puramente pertencentes à ordem temporal e por essa razão aspira ao que transcende o mundo material — o Eterno. Eis aí a gênese de todos os erros e angústias incessantes dos partidários da democracia moderna como instituição sacrossanta: acreditar que um sistema político participativo possa satisfazer todas as angústias da existência humana. 

O ardil propagandístico utilizado pelos artífices do ideal moderno de democracia consiste em alardear que contra as mazelas da sociedade o remédio é “mais democracia”. Esta  alçada à condição de deusa do Olimpo com poderes para conduzir a humanidade à sua satisfação plena terrestre, eleva-se acima da cultura, da ordem costumeira e das leis eternas de forma instantânea como num passe de mágica. Diante desse ardil semântico, é necessário desfazer a camuflagem por trás do jargão “mais democracia” para que Tifão, com suas cem cabeças de serpentes, possa ser visto.

Primeiramente, suplicar por “mais democracia” resulta, inevitavelmente, no aumento do aparato estatal que deve atuar no seio do tecido social para garantir, por meio de leis, decisões judiciais e tutti quanti, que seja ampliada a participação dos indivíduos nas decisões políticas de estado. Ora, a expansão das garras do estado sobre os indivíduos traz consigo, invariavelmente, mais controle estatal cuja consequência é torná-los mais submissos, posto que a relação entre estado e indivíduo é de coerção e obediência. Esta cabe ao indivíduo, aquela ao estado. É nesse contexto que Bertrand de Jouvenel, em seu livro O Poder, afirma que: 

“Todo crescimento da autoridade estatal parece ser uma diminuição imediata da liberdade de cada um, cada aumento dos recursos públicos, uma amputação imediata dos rendimentos de cada um. Essa ameaça visível deveria provocar uma conspiração.”

Destarte,  a máxima de que um sistema político “mais participativo” tornaria os homens mais livres é, na verdade, tentar fazer assentar, novamente, as bases de uma civilização sobre a coroa real do pensamento cientificista que impera de forma inquestionável na sociedade moderna tal como já fora visto na França jacobina, na Alemanha nazista e na Rússia stalinista. Esse fenômeno social ocorre na medida que a  concepção cientificista incute no tecido social a miragem de que basta a ciência como farol das condutas dos homens ao mesmo tempo em que torna antiquado o ideal de leis eternas e todo tesouro cultural e costumeiro construído pelas gerações passadas. É nesse estado de coisas que a democracia se converte em tirania estatal. Naturalmente, qualquer investigação séria e em consonância com a experiência das épocas facilmente chegaria à conclusão de que — tal como acontece na teoria socialista — a expansão do estado coercitivo jamais poderia resultar em outra coisa a não ser mais submissão do indivíduo e que o estado interventor, agora erigido à pecha de santidade inquestionável, adquire legitimidade para decidir sobre todas as esferas da sociedade, não restando nenhum refúgio de proteção aos submissos cidadãos que não passam agora de dóceis carneirinhos vigiados por uma alcateia faminta — a burocracia estatal coercitiva.

A democracia moderna, a exemplo do nazismo e do comunismo, jamais existiria sem a concepção cientificista que cria religiões políticas com o fito de transformá-las no novo farol da civilização ocidental em substituição do imaginário cristão. Nesse estado de coisas a sociedade não encontra a sua plena satisfação terrena, mas embota-se em um novo paganismo que traz como mantra sacrificar tudo em nome da “democracia”, tal como o paganismo antigo sacrificava homens em nome dos deuses.


Se esta publicação foi útil para você, apoie nosso projeto através de um Pix de qualquer valor para que possamos continuar trazendo mais conteúdos como esse. Agradecemos imensamente pelo seu apoio! Chave Pix: diariointelectualcontato@gmail.com

camadas da personalidade

Sobre o Autor ou Tradutor

Campos Jr.

Campos Jr. é graduado em física pela Universidade Federal do Maranhão e em Direito pela Faculdade Tecnológica de Teresina. Atualmente mora em São Luís, MA, onde ajudou a fundar o Instituto Cultural Carcarás. Mais informações sobre o autor no Instagram: @camposjunior.50

2 thoughts on “A Democracia que Escraviza – Campos Jr.

  1. Parabéns pela explanação transparente de um tema tão relevante para os tempos atuais. Precisamos urgentemente rever os nossos conceitos de democracia e de estado que queremos…..

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Você também pode gostar disto: