A Eficácia do Pensamento — George Santayana

“A Eficácia do Pensamento” foi originalmente publicado em The Journal of Philosophy, Psychology and Scientific Methods, 1906.


O Professor A. W. Moore, em sua cortês resenha de meu livro sobre “A Vida da Razão“, apontou o que ele considera uma discrepância em minha linguagem, e talvez uma dificuldade no próprio assunto, tocando em um ponto de grande importância. Esse ponto é o sentido em que os fatos mentais podem ser chamados de influentes, ou seja, ter uma função ou poder.

Há muitas leituras possíveis desse problema, algumas das quais podem ser distinguidas da seguinte maneira:

1. É uma função do pensamento dar um valor intrínseco ao momento em que ele ocorre. O pensamento tem uma qualidade estética ou êstasica. Essa função, por mais ineficiente que seja, seria suficiente para tornar o pensamento a coisa mais importante do mundo.

2. O pensamento tem o poder de afirmar verdades ideais; ele tem uma função contemplativa e dialética. Um serafim efêmero, sozinho no universo, poderia recitar a tabuada de multiplicação e morrer. Seu pensamento teria tido duas funções ideais, uma beatificante e a outra auto-explicativa ou discursiva.

3. O pensamento pode ter uma função transitiva, mas meramente cognitiva; ele pode representar, e pretender representar, algum fato independente, como quando digo a mim mesmo que César morreu nos Idos de Março. O eventual teste dessa verdade, sua consistência com outros julgamentos, sua prevalência, seu destino ou o fato de ser um pensamento que subsistiria permanentemente em um organismo utilmente adaptado a um ambiente especial — tudo isso não entra nas pretensões cognitivas do pensamento. Estas são ideais; mas como a verdade do pensamento depende da existência do fato externo ao qual ele se refere, sua verdade permanece sempre uma suposição a partir de seu próprio ponto de observação; embora uma terceira pessoa possa ter meios adicionais de decidir por si mesma se esse pensamento é verdadeiro ou falso.

4. O pensamento pode ter alcance profético: ele pode prever o que está prestes a acontecer. Essa harmonia, puramente especulativa em si mesma, aumentaria muito, se fosse frequente, a riqueza interior e a dignidade do pensamento mencionado em 1 e 3.

5. Misturado com a profecia pode estar o desejo; e se a profecia confiante e o desejo ansioso forem acompanhados de uma verificação final, o resultado é uma sensação de poder. Supõe-se, então, que o pensamento tenha provocado sua própria realização e seja responsável por ela. Essa eficácia sentida é sempre moral, ou melhor, mágica. Trata-se de um poder atribuído ao pensamento, em sua capacidade ideal e em virtude de sua intenção, para realizar o que ele pede, como um encantamento ou um exorcismo pode fazer, através de zonas vazias do tempo e do espaço.

6. O pensamento, considerado como uma existência psicológica, pode ter uma influência causal em um estado mental subsequente, independentemente da carga ideal em ambos. Assim, um argumento dialético pode provocar uma dor de cabeça ou (se a associação mental fosse diretamente eficaz) ouvir outras pessoas falando com um certo sotaque pode fazer com que eu me ouça mais tarde falando com o mesmo sotaque, sem que haja qualquer ligação física. 

7. O pensamento pode ser levado adiante por um tempo por meio da progressão dialética, o significado constituindo uma “força” evolutiva. O pensamento pode então ser transformado em outro estado mental irrelevante, como em 6; mas um momento depois esse estado mental pode se tornar um processo cerebral, que, por sua vez, pode ser propagado por um tempo de maneira mecânica, mas pode finalmente evaporar completamente do mundo físico, a “força” dele vai constituir um novo evento mental, irrelevante ou, por harmonia pré-estabelecida, cognitivo do fato físico que o causou; e assim por diante, como antes. 

8. O pensamento pode não ter eficácia, seja em sua capacidade moral ou existencial; no entanto, a função corporal, o instinto ou hábito que ele acompanha, pode envolver a manutenção desse pensamento ou seu desenvolvimento dialético no tempo. Neste caso, o pensamento estaria fundamentado de tal modo que garantiria seu reaparecimento ocasional, sempre que ocorresse a conjuntura na qual ele foi evocado originalmente. Assim, livros, costumes e obras de arte asseguram a perpetuidade da experiência espiritual, como, em um sentido mais amplo, o fazem a face inalterada da natureza e a estrutura hereditária dos animais. O pensamento ainda pode ser chamado de eficaz no sentido único, não mágico, em que sua eficácia seria de todo congruente com sua intenção, ou seja, por meio da eficácia natural da criatura cuja vida ele expressa.

Quanto à minha opinião pessoal sobre esse assunto, a qual lamento que o professor Moore considere ter sido exposta de forma ambígua em meu livro, provavelmente está suficientemente clara a partir da declaração acima sobre as várias possibilidades. 1, 2, 3 e 4 descrevem funções puramente ideais do pensamento, todas as quais, sem dúvida, são alcançadas em certos momentos. A 5, ao contrário, descreve uma superstição; no entanto, é essa superstição, à qual se apega a infantilidade não reconciliada do homem, a única que induz alguém a defender as extravagâncias e confusões da 6 e da 7. As pessoas desejam que o pensamento seja mecanicamente eficaz porque acham que ele seria um guia melhor do que o processo cerebral que o sustenta; no entanto, por que seria um guia melhor, a menos que operasse milagrosamente, por sua intenção, e não em virtude de alguma evolução irrelevante de sua substância? O item 8, consequentemente, representa a conclusão a que cheguei; e explica certas frases que não estudei a fim de esquivar-me, pensando que seu caráter metafórico seria óbvio para o leitor. Todos nós falamos das idéias de Malthus “governando” o movimento da população, mas dificilmente esperamos ser acusados de afirmar que o pensamento rígido do pobre Malthus causou a fecundidade de Israel ou o congestionamento em nossas grandes cidades. Diz-se que um pensamento governa as partes da existência cujo movimento ele serve para prever ou descrever. Pode-se dizer que “a razão é o impulso vital modificado pela reflexão”. É certo que, quando um homem ‘reflete’, sua ação muda em consequência, assim como ele se desvia quando ‘vê’ um obstáculo à sua frente; mas como sua visão foi uma impressão em seus órgãos, sem a qual sua fantasia não teria imaginado nada, e como sua virada foi um instinto ou hábito de seu organismo, sem o qual a imagem não teria significado nenhum perigo; assim, a pausa na reflexão foi um evento físico, acompanhado por uma oscilação de projetos na mente (pois a reflexão não pode decidir quando ela surgirá, nem quanto tempo durará, nem que rumo tomará). As consequências da reflexão se devem às suas causas, aos impulsos competitivos do corpo, e não à própria lucubração sisuda, pois isso é mera poesia. Os pensamentos das pessoas são mais inadequados e sufocados justamente quando sua ação é mais rápida e urgente. O fato de a consciência ser um grito lírico, mesmo em meio aos negócios, é algo que deve ser sentido, talvez, para ser compreendido; e aqueles que têm sentimento, que o sintam.

Posso acrescentar que a ambiguidade que outros, assim como o professor Moore, encontram em meu livro parece vir, pelo menos em parte, do fato de generosamente atribuírem a ele pretensões mais elevadas do que o próprio livro apresenta. Eles começam lendo em minhas palavras duas doutrinas que talvez eles considerem muito importantes, a saber, que a gênese do conhecimento é a gênese das coisas e que a verdade é uma ilusão útil; mas logo descobrem que minhas expressões contradizem essas doutrinas, as quais eu não apenas nunca defendi, mas nem mesmo posso conceber. Porque, ao atribuir qualquer origem à natureza, assumimos outra natureza operando por trás, ao passo que é difícil ver como uma ilusão poderia ser mais útil do que outra que está em um vácuo; no entanto, se um ambiente determinado existisse, a verdadeira idéia dele seria determinada pelo que esse ambiente era, não pelos usos que a idéia dele poderia ter. O que eu posso facilmente conceber, no entanto, é o quão perplexo e desapontado deve estar um leitor que começa a tomar por uma cosmogonia completa o que é meramente uma biografia da razão humana, e quão miseravelmente todo esse drama de pensamento deve parecer para ele ao fim, se o resultado é a descoberta daquilo que sempre foi verdade.

G. Santayana.

Universidade de Harvard.


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Sobre o Autor ou Tradutor

Bernardo Santos

Aluno do Olavão, bacharel em matemática, amante da Filosofia, tradutor e músico nas horas vagas, Bernardo Santos é administrador principal do Diário Intelectual.

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