“Os Elementos da Poesia” foi escrito por George Santayana.
Se a poesia, em seus níveis mais elevados, é mais filosófica do que a história, porque ela apresenta os tipos memoráveis de homens e de coisas independentemente das circunstâncias que não têm sentido, então, em sua substância e textura primárias, a poesia é mais filosófica do que a prosa, porque está mais próxima de nossa experiência imediata. A poesia quebra as concepções banais indicadas por palavras corriqueiras e as transforma nas qualidades sensoriais das quais essas concepções foram originalmente criadas. Nomeamos aquilo que concebemos e acreditamos, não o que vemos; coisas, não imagens; almas, não vozes e silhuetas. Essa nomeação, com toda a educação dos sentidos que ela acompanha, atende aos usos da vida; para abrir caminho através do labirinto de objetos que nos assaltam, precisamos fazer uma grande seleção em nossa experiência sensorial; metade do que vemos e ouvimos deve ser ignorada como insignificante, enquanto a outra metade é complementada com o acréscimo ideal necessário para transformá-la em uma concepção fixa e bem ordenada do mundo. Esse trabalho de percepção e compreensão, essa explicitação do significado material da experiência, está consagrado em nossa linguagem e em nossas idéias cotidianas; idéias que são literalmente poéticas no sentido de que são “produzidas” (pois toda concepção em uma mente adulta é uma ficção), mas que são ao mesmo tempo prosáicas porque são feitas economicamente, por meio de abstração e para o uso.
Quando a criança de gênio poético, que aprendeu essa linguagem intelectual e utilitária no berço, sai para o campo e reúne para si os aspectos da natureza, ela começa a sobrecarregar sua mente com as muitas impressões vivas que o intelecto rejeitou e que a linguagem do intelecto dificilmente pode transmitir; ela trabalha com seu fardo inominável da percepção e se desperdiça em impulsos sem objetivo da emoção e devaneio, até que finalmente o método de alguma arte oferece uma abertura para sua inspiração, ou para a parte dela que pode sobreviver ao teste do tempo e à disciplina da expressão.
O poeta retém, por natureza, a inocência do olhar, ou a recupera facilmente; ele desintegra as ficções da percepção comum e as transforma em seus elementos sensoriais, reunindo-os novamente em grupos casuais, conforme os acidentes de seu ambiente ou as afinidades de seu temperamento possam juntá-los; e essa riqueza de sensações e essa liberdade de fantasia, que produzem uma fermentação extraordinária em seu ignorante coração, logo se transformam em algum tipo de expressão.
A plenitude e a sensorialidade de tais efusões aproximam-nas de nossas percepções atuais mais do que o discurso comum poderia chegar; no entanto, elas podem facilmente parecer remotas, sobrecarregadas e obscuras para aqueles que estão acostumados a pensar inteiramente em símbolos, e a nunca serem interrompidos na rapidez algébrica de seu pensamento por um momento de pausa e exame do coração, nem a mergulhar por um momento naquela torrente de sensações e imagens sobre a qual a ponte de associações prosáicas habitualmente nos leva seguros e secos a algum ato convencional. O quanto essa ponte geralmente é pequena, o quanto é uma questão de cavaletes e arame, dificilmente podemos conceber até que tenhamos nos treinado para uma introspecção extremamente aguçada. Todavia, os psicólogos descobriram, o que os leigos em geral confessarão, que nos apressamos na procissão de nossas imagens mentais tal como fazemos no trânsito da rua, concentrados nos negócios, esquecendo-nos alegremente do barulho e do movimento da cena e procurando apenas a esquina que devemos virar ou a porta pela qual devemos entrar. No entanto, em nosso momento de maior atenção, as profundezas da alma ainda estão sonhando; o mundo real é desenhado em linhas gerais contra um fundo de caos e agitação. Nossos pensamentos lógicos dominam a experiência apenas como os paralelos e meridianos formam um tabuleiro de xadrez no mar. Eles guiam nossa viagem sem controlar as ondas, que se agitam para sempre, apesar de nossa capacidade de passar por cima delas para atingir os fins que escolhemos. A sanidade é uma loucura bem aproveitada; a vida desperta é um sonho controlado.
Das riquezas negligenciadas desse sonho é que o poeta retira a sua produção. Ele mergulha no caos que subjaz à concha racional do mundo e traz à tona alguma imagem supérflua, alguma emoção que se perdeu pelo caminho, e a reconecta ao objeto presente; ele restabelece coisas desnecessárias, enfatiza coisas ignoradas, pinta novamente na paisagem os matizes que o intelecto permitiu que se apagassem dela. Se às vezes ele parece obscurecer um fato, é apenas porque está restaurando uma experiência. O primeiro elemento que o intelecto rejeita ao formar suas idéias sobre as coisas é a emoção que acompanha a percepção; e essa emoção é a primeira coisa que o poeta restaura. Ele se detém na imagem, porque pára para apreciar. Ele vagueia pelos atalhos da associação porque os atalhos são deliciosos. O amor pela beleza que o fez dar medida e cadência às palavras, o amor pela harmonia que o fez rimá-las, reaparece em sua imaginação e o faz selecionar ali também o material que é belo ou capaz de assumir belas formas. O elo que une as idéias, às vezes tão distantes, que sua inteligência assimila, é, na maioria das vezes, o elo da emoção; elas têm em comum algum elemento de beleza ou de horror.
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