“O Lugar dos Clássicos na Educação”, texto de Alfred North Whitehead.

O futuro dos clássicos neste país não será decidido somente pelo prazer que os clássicos proporcionam a um acadêmico formado, nem pela utilidade do treinamento acadêmico no exercício de atividades acadêmicas. O prazer e a disciplina do caráter que podem ser derivados de uma educação fundamentada principalmente na literatura clássica e na filosofia clássica foram demonstrados por séculos de experiência. O obstáculo ao aprendizado clássico não surge porque os acadêmicos clássicos agora amam menos os clássicos do que seus antecessores. Ele surge da seguinte maneira. No passado, os clássicos reinavam em toda a esfera do ensino superior. Não havia rivais e, portanto, todos os alunos se aprofundavam nos clássicos durante toda a vida escolar, e seu domínio nas universidades só era desafiado pela disciplina restrita da matemática. Havia muitas consequências para esse estado de coisas. Havia uma grande demanda por estudiosos dos clássicos para fins meramente didáticos; havia um tom clássico em todas as esferas da vida erudita, de modo que a aptidão para os clássicos era sinônimo de habilidade; e, por fim, todo garoto que se mostrava minimamente promissor nesse sentido cultivava seu interesse natural ou adquirido pelo aprendizado clássico. Tudo isso se foi, e se foi para sempre. Humpty Dumpty era um bom ovo enquanto estava no topo da parede, mas nunca mais poderá ser recolocado de volta. Agora existem outras disciplinas, cada uma envolvendo tópicos de amplo interesse, com relações complexas e exibindo em seu desenvolvimento os mais nobres feitos do gênio em sua imaginação e intuição filosófica. Quase todas as esferas da vida são hoje profissões eruditas e exigem uma ou mais dessas disciplinas como substrato para sua habilidade técnica. A vida é curta, e o período plástico em que o cérebro está apto a realizar aquisições é ainda mais curto. Assim, mesmo que todas as crianças estivessem preparadas para isso, é absolutamente impossível manter um sistema de educação no qual um treinamento completo como um acadêmico clássico seja a preliminar necessária para a aquisição de outras disciplinas intelectuais. Como membro do Comitê do Primeiro-Ministro sobre o Lugar dos Clássicos na Educação, tive a infelicidade de ouvir muitas lamentações ineficazes de pessoas espirituosas sobre as tendências mercenárias dos pais modernos. Não acredito que os pais modernos de qualquer classe sejam mais mercenários do que seus antecessores. Quando os clássicos eram o caminho para o progresso, os clássicos eram a matéria popular para estudo. A oportunidade agora mudou de lugar, e os clássicos estão em perigo. Não foi Aristóteles quem disse que uma boa renda era um complemento desejável para uma vida intelectual? Fico imaginando como Aristóteles, enquanto pai, teria encarado o diretor de uma de nossas grandes escolas públicas. Pelo meu leve conhecimento de Aristóteles, suspeito que teria havido uma discussão e que Aristóteles teria levado a melhor. Tenho me esforçado para avaliar, em seu valor total, o perigo que ronda os clássicos no currículo educacional. A conclusão a que cheguei é a de que o futuro dos clássicos será decidido durante os próximos anos nas escolas secundárias deste país. Dentro de uma geração, as grandes escolas públicas terão de seguir o exemplo, quer gostem ou não.
A situação é dominada pelo fato de que, no futuro, noventa por cento dos alunos que deixarem a escola aos dezoito anos nunca mais lerão um livro clássico na versão original. No caso de alunos que saem mais cedo, a estimativa de noventa por cento pode ser alterada para noventa e nove por cento. Já ouvi e li muitas belas exposições sobre o valor dos clássicos para o acadêmico que lê Platão e Virgílio em sua poltrona. Mas essas pessoas nunca lerão os clássicos em suas poltronas ou em qualquer outra situação. Temos de produzir uma defesa dos clássicos que se aplique a esses noventa por cento dos alunos. Se os clássicos forem eliminados do currículo dessa parcela, os dez por cento restantes logo desaparecerão. Nenhuma escola terá a equipe necessária para ensiná-los. O problema é urgente.
No entanto, seria um grande erro concluir que os clássicos estão enfrentando uma opinião hostil, seja nas profissões eruditas, seja por parte dos líderes da indústria que dedicaram atenção à relação entre educação e eficiência. A última discussão, pública ou privada, sobre esse assunto da qual participei foi uma breve e vigorosa em um dos principais comitês de uma grande universidade moderna. Os três representantes da Faculdade de Ciências insistiram energicamente na importância dos clássicos com base em seu valor como disciplina preliminar para os cientistas. Menciono esse incidente porque, em minha experiência, ele é típico.

Devemos nos lembrar de que todo o problema da educação intelectual é controlado pela falta de tempo. Se Matusalém não foi um homem bem educado, a culpa foi dele mesmo ou de seus professores. Porém, nossa tarefa é lidar com cinco anos de vida escolar secundária. Os clássicos só podem ser defendidos com base no fato de que, dentro desse período, e compartilhando-o com outras matérias, podem produzir um enriquecimento necessário do caráter intelectual mais rapidamente do que qualquer disciplina alternativa que vise ao mesmo objetivo.
Nos clássicos, procuramos, por meio de um estudo minucioso do idioma, desenvolver a mente nas áreas da lógica, filosofia, história e da apreensão estética da beleza literária. O aprendizado dos idiomas — latim ou grego — é um meio subsidiário para a promoção desse objetivo ulterior. Quando o objetivo é alcançado, os idiomas podem ser abandonados, a menos que a oportunidade e a escolha levem à sua continuação. Há certas mentes, e entre elas algumas das melhores, para as quais a análise da linguagem não é a via de acesso ao objetivo da cultura. Para elas, uma borboleta ou um motor a vapor tem uma gama mais ampla de significados do que uma frase em latim. Esse é especialmente o caso quando há um toque de gênio decorrente de apreensões vívidas que estimulam a originalidade do pensamento. Para essas pessoas, a sentença verbal atribuída quase sempre diz a coisa errada e as confunde por sua trivial irrelevância.
No entanto, em geral, o caminho normal é a análise da linguagem. Ela representa a maior medida comum para os alunos e, de longe, é o trabalho mais fácil de ser gerenciado pelos professores.
Nesse ponto, preciso me questionar. Meu outro eu me pergunta: Por que você não ensina lógica às crianças, se quer que elas aprendam essa matéria? Esse não seria o procedimento óbvio? Respondo com as palavras de um grande homem que, para nossa infinita infelicidade, morreu recentemente, Sanderson, o último diretor de Oundle. Sua frase era: “Eles aprendem pelo contato”. O significado a ser atribuído a esse ditado vai à raiz da verdadeira prática da educação. Ela deve partir do fato particular, concreto e definido para a apreensão individual, e deve evoluir gradualmente em direção à idéia geral. O demônio a ser evitado é a formação de afirmações gerais que não tenham referência às experiências pessoais individuais.
Agora aplique esse princípio à determinação do melhor método para ajudar uma criança a fazer uma análise filosófica do pensamento. Vou colocar a questão em um estilo mais familiar: Qual é a melhor maneira de fazer com que uma criança tenha clareza em seus pensamentos e em suas afirmações? As afirmações gerais de um livro de lógica não se referem a nada que a criança já tenha ouvido falar, pois pertencem ao estágio adulto da educação na — ou não muito longe da — universidade. É preciso começar com a análise de frases familiares em inglês. Mas esse procedimento gramatical, se prolongado para além de seus estágios elementares, é terrivelmente árido. Além disso, ele tem a desvantagem de analisar apenas até onde a língua inglesa permite a análise. Ele nada faz para esclarecer o significado complexo das frases, palavras e hábitos de procedimento mental do inglês. O próximo passo é ensinar à criança um idioma estrangeiro. Aqui você ganha uma enorme vantagem. Assim, você se livra do enjoativo exercício formal feito em prol do simples exercício. A análise agora é automática, enquanto a atenção do aluno é direcionada para expressar seus desejos nesse idioma, ou para entender alguém que esteja falando com ele, ou para decifrar o que um autor escreveu. Todo idioma incorpora um tipo definido de mentalidade, e dois idiomas necessariamente mostram ao aluno algum contraste entre seus dois tipos. O bom senso determina que se comece com o francês o mais cedo possível na vida da criança. Se você for rico, providenciará uma governanta francesa para o berçário. As crianças menos afortunadas começarão a aprender francês em uma escola secundária, por volta dos 12 anos de idade. Provavelmente será usado o método direto, pelo qual a criança fica imersa no francês durante toda a aula e aprende a pensar em francês sem a intervenção do inglês entre as palavras francesas e seus significados. Mesmo uma criança mediana se sairá bem e logo adquirirá a capacidade de lidar com frases simples em francês e compreendê-las. Como eu disse antes, o ganho é enorme e, além disso, adquire-se um instrumento útil para a vida futura. O senso de linguagem cresce, um senso que é a apreciação subconsciente da linguagem como um instrumento de estrutura definida.

É exatamente agora que a iniciação ao latim é o melhor estímulo para a expansão mental. Os elementos do latim apresentam um caso concreto e peculiarmente simples em relação à linguagem enquanto estrutura. Contanto que sua mente tenha crescido até o nível dessa idéia, o fato o encara de frente. Você pode não perceber isso no inglês e no francês. O bom inglês, de um tipo simples, será traduzido diretamente para o francês desleixado e, inversamente, o bom francês será traduzido para o inglês desleixado. A diferença entre o francês desleixado da tradução literal e o bom francês, que é o que deveria ter sido escrito, costuma ser bastante sutil para esse estágio de crescimento mental e nem sempre é fácil de explicar. Ambos os idiomas têm a mesma modernidade comum de expressão. No entanto, no caso do inglês e do latim, o contraste da estrutura é óbvio, mas não tão amplo a ponto de constituir uma dificuldade insuperável.
De acordo com o testemunho dos mestres escolares, o latim é uma matéria bastante popular; sei que eu mesmo, quando era estudante, gostava muito. Acredito que essa popularidade se deve à sensação de esclarecimento que acompanha seu estudo. Você sabe que está descobrindo algo. As palavras, de alguma maneira, se fixam nas frases de um modo diferente do que fazem em inglês ou francês, com estranhas diferenças de conotação. É claro que, de certo modo, o latim é uma língua mais bárbara do que o inglês. Ele está um passo mais próximo da frase enquanto unidade não-analisada.
Isso me leva ao meu próximo ponto. Em meu catálogo das dádivas do latim, posicionei a filosofia entre a lógica e a história. Nesse contexto, esse é seu verdadeiro lugar. O instinto filosófico que o latim evoca paira entre as duas e as enriquece. A análise do pensamento envolvida na tradução, do inglês para o latim ou do latim para o inglês, impõe esse tipo de experiência que é a introdução necessária à lógica filosófica. Se, na vida futura, sua função for pensar, agradeça à Providência que ordenou que, durante cinco anos de sua juventude, você escrevesse uma prosa em latim uma vez por semana e interpretasse diariamente algum autor latino. A introdução a qualquer assunto é o processo de aprendizado por contato. Para a maioria das pessoas para as quais o idioma é o estímulo mais imediato para a atividade do pensamento, o caminho para a iluminação da compreensão vai da simples gramática inglesa ao francês, do francês ao latim, e também passa pelos elementos da geometria e da álgebra. Não preciso lembrar aos meus leitores que posso reivindicar a autoridade de Platão para o princípio geral que estou defendendo.
Da filosofia do pensamento passamos agora para a filosofia da história. Volto novamente à grande frase de Sanderson: “Eles aprendem por contato”. Como é que uma criança pode aprender história por contato? Os documentos originais, as cartas, as leis e a correspondência diplomática são duplamente holandeses para ela. Um jogo de futebol talvez seja um leve reflexo da Batalha de Maratona. Mas isso é apenas para dizer que a vida humana em todas as épocas e circunstâncias tem qualidades comuns. Além disso, todo esse material diplomático e político com o qual enchemos as crianças representa uma visão muito limitada da história. O que é realmente necessário é que tenhamos uma compreensão instintiva do fluxo de perspectivas, de pensamentos e de impulsos estéticos e raciais que controlaram a conturbada história da humanidade. Ora, o Império Romano é o gargalo através do qual a safra do passado passou para a vida moderna. No que diz respeito à civilização européia, a chave da história é a compreensão da mentalidade de Roma e do trabalho de seu Império.
No idioma de Roma, que incorpora em forma literária a perspectiva de Roma, possuímos o material mais simples, por meio do qual podemos apreciar as marés de mudança nos assuntos humanos. As meras relações óbvias dos idiomas, francês e inglês, com o latim são, por si só, uma filosofia da história. Considere o contraste que o inglês apresenta em relação ao francês: a ruptura total do inglês com o passado civilizado da Grã-Bretanha e o lento rastejar de palavras e frases de origem mediterrânea com suas cargas de significado civilizado: em francês temos continuidade de desenvolvimento, em meio a traços óbvios de choque rude. Não estou propondo palestras abstratas e pretensiosas sobre esses pontos. A coisa se ilustra por si mesma. Um conhecimento elementar de francês e latim, com uma língua materna de inglês, confere a atmosfera de realidade necessária à história das andanças raciais que criaram nossa Europa. O idioma é a encarnação da mentalidade da raça que o criou. Cada frase e palavra incorpora alguma idéia habitual de homens e mulheres enquanto lavravam seus campos, cuidavam de suas casas e construíam suas cidades. Por essa razão, não existem sinônimos verdadeiros entre palavras e frases em diferentes idiomas. Tudo o que tenho dito é apenas um mero arremedo sobre esse único tema, e nosso esforço é enfatizar sua importância fundamental. Em inglês, francês e latim, temos um triângulo, de modo que um par de vértices, inglês e francês, exibe um par de expressões diversas dos dois principais tipos de mentalidade moderna, e as relações desses vértices com o terceiro exibem todos os processos alternativos de derivação da civilização mediterrânea do passado. Esse é o triângulo essencial da cultura literária, contendo em si o frescor do contraste, abrangendo tanto o presente quanto o passado. Ele se estende pelo espaço e pelo tempo. Esses são os fundamentos pelos quais justificamos a afirmação de que, na aquisição do francês e do latim, encontra-se o modo mais fácil de aprender por contato a filosofia da lógica e a filosofia da história. Tirando essa experiência íntima, suas análises de pensamento e suas histórias de ações são meras balelas. Não estou afirmando, e nem por um momento acredito, que esse caminho educacional seja mais do que o caminho mais simples e mais fácil para a maioria dos alunos. Tenho certeza de que há uma grande minoria para a qual a ênfase deve ser diferente. Mas acredito que esse é o caminho que pode proporcionar o maior sucesso para a grande maioria. Ele também tem a vantagem de ter sobrevivido ao teste da experiência. Acredito que grandes modificações precisam ser introduzidas na prática existente para adaptá-la às necessidades atuais. No entanto, de modo geral, essa base da educação literária envolve a tradição mais bem compreendida e o maior número de professores acadêmicos experientes que podem realizá-la na prática.

O leitor talvez tenha observado que até agora não falei nada sobre as glórias da literatura romana. É claro que o ensino do latim deve ser feito por meio da leitura da literatura latina com os alunos. Essa literatura possui autores vigorosos que conseguiram colocar sob os holofotes a mentalidade romana em uma variedade de tópicos, incluindo sua apreciação do pensamento grego. Um dos méritos da literatura romana é sua relativa falta de gênios notáveis. Há muito pouco distanciamento em seus autores, eles expressam sua raça e bem pouco que esteja para além de todas as diferenças de raça. Com exceção de Lucrécio, você sempre sente as limitações sob as quais eles estão trabalhando. Tácito expressou os pontos de vista dos “obstinados” do Senado Romano e, cego para as conquistas da administração provincial romana, só conseguia ver que os libertos gregos estavam substituindo os aristocratas romanos. O Império Romano e a mentalidade que o criou absorveram o gênio dos romanos. Muito pouco da literatura romana chegará ao reino dos céus, quando os eventos deste mundo tiverem perdido sua importância. Os idiomas do céu serão o chinês, o grego, o francês, o alemão, o italiano e o inglês, e os santos abençoados se deleitarão com essas expressões douradas da vida eterna. Eles ficarão cansados com o fervor moral da literatura hebráica em sua batalha contra um mal desaparecido e com os autores romanos que confundiram o Fórum com o escabelo do Deus vivo.
Não ensinamos latim na esperança de que os autores romanos, lidos no original, possam ser companheiros de vida para nossos alunos. A literatura inglesa é muito maior: é mais rica, mais profunda e mais sutil. Se seus gostos são filosóficos, você abandonaria Bacon e Hobbes, Locke, Berkeley, Hume e Mill por causa de Cícero? Não, a menos que seu gosto entre os modernos o leve a Martin Tupper. Talvez você deseje refletir sobre a infinita variedade da existência humana e a reação do caráter às circunstâncias. Você trocaria Shakespeare e os romancistas ingleses por Terêncio, Plauto e o banquete de Trimalchio? Há também nossos humoristas, Sheridan, Dickens e outros. Alguém já riu assim ao ler um autor latino? Cícero foi um grande orador, encenado em meio à pompa do Império. A Inglaterra também pode mostrar estadistas inspirados a expor políticas de forma imaginativa. Não vou cansá-lo com um extenso catálogo que engloba poesia e história. Desejo apenas justificar meu ceticismo quanto à alegação de que a literatura latina expressa com perfeição excepcional o elemento universal da vida humana. Ela não consegue rir e dificilmente consegue chorar.
Não se deve arrancá-la de seu contexto. Não se trata de uma literatura no sentido em que a Grécia e a Inglaterra produziram literaturas, expressões do sentimento humano universal. O latim tem um tema, que é Roma — Roma, a mãe da Europa, e a grande Babilônia, a meretriz cuja condenação é descrita pelo escritor do Apocalipse:
“Estando de longe, pelo temor do seu tormento, dizendo: Ai, ai, grande cidade, Babilônia, cidade forte, porque uma hora é chegada a tua condenação. E os mercadores da terra chorarão e prantearão sobre ela, porque ninguém mais comprará as suas mercadorias:
“A mercadoria de ouro, e de prata, e de pedras preciosas, e de pérolas, e de linho fino, e de púrpura, e de seda, e de carmesim, e de toda a madeira de thyine, e de todos os vasos de marfim, e de todos os vasos de madeira preciosíssima, e de bronze, e de ferro, e de mármore;
“E canela, e aromas, e unguentos, e incenso, e vinho, e azeite, e farinha fina, e trigo, e animais, e ovelhas, e cavalos, e carros, e escravos, e almas de homens.”
Essa é a aparência da civilização romana para um cristão primitivo. Mas o próprio cristianismo faz parte do que restou do mundo antigo que Roma passou para a Europa. Herdamos o aspecto dual das civilizações do leste do Mediterrâneo.
A função da literatura latina é sua expressão de Roma. Quando, na Inglaterra e na França, sua imaginação puder agregar Roma como pano de fundo, você terá estabelecido as bases da cultura. A compreensão de Roma leva de volta à civilização mediterrânea, da qual Roma foi a última fase, e exibe automaticamente a geografia da Europa e as funções dos mares, rios, montanhas e planícies. O mérito desse estudo na educação dos jovens é sua concretude, sua inspiração para a ação e a grandeza uniforme das pessoas, em seus personagens e em suas atuações. Seus objetivos eram grandes, suas virtudes eram grandes e seus vícios eram grandes. Eles tiveram o mérito salvador de pecar usando cordas de carroça. A educação moral é impossível sem que haja a visão habitual da grandeza. Se não formos grandes, não importa o que façamos ou qual seja a situação. Ora, o senso de grandeza é uma intuição imediata e não a conclusão de um argumento. É admissível que jovens nas agonias da conversão religiosa alimentem o sentimento de ser um verme e não um homem, desde que permaneça a convicção de grandeza suficiente para justificar a ira eterna de Deus. O senso de grandeza é a base da moral. Estamos no limiar de uma era democrática, e resta determinar se a igualdade do homem será realizada em um nível alto ou baixo. Nunca houve um momento em que fosse tão essencial manter diante dos jovens a visão de Roma: em si mesma um grande drama e com questões maiores do que ela. Agora já estamos imersos no tópico da apreciação estética da qualidade literária. É aqui que a tradição do ensino clássico requer uma reforma mais vigorosa para se adaptar às novas condições. Ela está obcecada com a formação de acadêmicos clássicos completos. A antiga tradição estava impiedosamente dedicando os estágios iniciais à aquisição dos idiomas e, em seguida, confiando na atmosfera literária atual para garantir o prazer pela literatura. Durante a última parte do século XIX, outros assuntos invadiram o tempo disponível. Com muita frequência, o resultado tem sido o desperdício de tempo e a incapacidade de aprender o idioma. Muitas vezes penso que o grupo de alunos das grandes escolas inglesas demonstra uma deplorável falta de entusiasmo intelectual, decorrente desse sentimento de fracasso. O curso escolar de clássicos deve ser planejado de modo que um resultado definido seja claramente alcançado. Houve um número muito grande de fracassos no caminho para um ideal ambicioso de erudição.

Ao abordar cada obra de arte, temos que nos comportar adequadamente em relação a dois fatores: escala e ritmo. Não é justo com o arquiteto se você examinar a Basílica de São Pedro em Roma com um microscópio, e a Odisséia se torna insípida se você a ler a uma velocidade de cinco linhas por dia. Ora, o problema que temos diante de nós é exatamente esse. Estamos lidando com alunos que nunca saberão latim o suficiente para lê-lo rapidamente, e a visão a ser iluminada é de grande escala, inserida na história de todos os tempos. Um estudo cuidadoso da escala e do ritmo, e das funções correlatas de várias partes de nosso trabalho, deve parecer essencial. Não consegui encontrar nenhuma literatura que trate dessa questão com referência à psicologia dos alunos. Trata-se de um segredo maçônico?
Tenho notado com frequência que, se em uma assembléia de grandes acadêmicos o tema das traduções for introduzido, eles agem em relação às suas emoções e sentimentos exatamente da mesma forma que as pessoas decentes agem na presença de um problema sexual desagradável. Um matemático não tem nenhuma respeitabilidade acadêmica a perder, portanto, enfrentarei a questão.
De toda a linha de pensamento que venho desenvolvendo, depreende-se que uma apreciação exata dos significados das palavras latinas, das maneiras pelas quais as idéias são conectadas em construções gramaticais e de toda a estrutura de uma sentença latina com sua distribuição de ênfase, forma a própria espinha dorsal dos méritos que atribuo ao estudo do latim. Assim sendo, qualquer vaga imprecisão no ensino, obscurecendo as sutilezas da linguagem, anula todo o ideal que apresentei. O uso de uma tradução para permitir que os alunos se afastem do latim o mais rápido possível, ou para evitar o esforço mental de lidar com a construção, é errôneo. Exatidão, definição e poder de análise independente estão entre os principais prêmios do seu estudo por completo.
Mas ainda nos deparamos com o inexorável problema do ritmo e com os curtos quatro ou cinco anos de todo o curso. Todo poema deve ser lido dentro de certos limites de tempo. Os contrastes, as imagens e a transição de estados de espírito devem corresponder à oscilação dos ritmos no espírito humano. Esses têm seus períodos, que se recusam a ser estendidos para além de certos limites. Você pode pegar a poesia mais nobre do mundo e, se passar por ela em ritmo de caracol, ela deixará de ser uma obra de arte e se transformará em uma pilha de lixo. Pense na mente da criança enquanto ela se debruça sobre seu trabalho: ela lê “como quando”, depois faz uma pausa e consulta o dicionário, depois continua — “uma águia”, depois outra consulta ao dicionário, seguida de um período de admiração pela construção, e assim por diante. Isso lhe ajudará a ter uma visão de Roma? Certamente, certamente, o bom senso dita que você obtenha a melhor tradução literária que puder, aquela que melhor preserva o charme e o vigor do original, e que você a leia em voz alta no ritmo certo e acrescente comentários que elucidem a compreensão. O ataque ao latim será então fortalecido pela sensação de que ele consagra uma obra de arte viva.
Alguém, porém, objeta que uma tradução é lamentavelmente inferior ao original. É claro que é, e é por isso que o garoto precisa dominar o original em latim. Quando o original tiver sido dominado, será possível dar a ele o ritmo adequado. Eu defendo um senso inicial da unidade do todo, a ser dado por uma tradução no ritmo certo, e uma apreciação final do valor total do todo a ser dado pelo original no ritmo certo. Wordsworth fala de homens de ciência que “assassinam para dissecar”. No passado, os estudiosos clássicos foram verdadeiros assassinos comparados a eles. O senso de beleza é ávido e veemente, e deve ser tratado com a reverência que lhe é devida. Mas vou além. O volume total de literatura latina necessário para transmitir a visão de Roma é muito maior do que os alunos podem realizar no original. Eles devem ler mais Virgílio do que podem ler em latim, mais Lucrécio do que podem ler em latim, mais história do que podem ler em latim, mais Cícero do que podem ler em latim. No estudo de um autor, as partes selecionadas em latim devem iluminar uma revelação mais completa de toda a sua mente, embora sem a força de suas próprias palavras em seu próprio idioma. No entanto, se nenhuma parte de um autor for lida em suas próprias palavras originais, isso constitui um grave mal.
A dificuldade de escala está amplamente relacionada à apresentação da história clássica. Tudo o que é apresentado aos jovens deve estar enraizado no particular e no individual, mas queremos ilustrar as características gerais de períodos inteiros. Devemos fazer com que os alunos aprendam por contato. Podemos mostrar os modos de vida por meio de representações visuais. Há fotografias de edifícios, moldes de estátuas e imagens de vasos ou afrescos que ilustram mitos religiosos ou cenas domésticas. Dessa maneira, podemos comparar Roma com a civilização anterior do Mediterrâneo oriental e com o período posterior da Idade Média. É essencial que as crianças percebam como os homens eram, em sua aparência, suas moradias, sua tecnologia, sua arte e suas crenças religiosas. Devemos imitar o procedimento dos zoólogos que têm em suas mãos toda a criação animal. Eles ensinam demonstrando exemplos típicos. Devemos fazer o mesmo, para mostrar a situação de Roma na história.
A vida do homem é baseada em tecnologia, ciência, arte e religião. Todos as quatro estão interconectadas e emanam de sua mentalidade total. Mas há intimidades específicas entre ciência e tecnologia e entre arte e religião. Nenhuma organização social pode ser compreendida sem referência a esses quatro fatores subjacentes. Um motor a vapor moderno faz o trabalho de milhares de escravos no mundo antigo. A invasão por escravos era a chave para grande parte do imperialismo antigo. A prensa moderna é um complemento essencial para uma democracia moderna. A chave para a mentalidade moderna é o avanço contínuo da ciência com a consequente mudança de idéias e o progresso da tecnologia. No mundo antigo, a Mesopotâmia e o Egito foram possíveis graças à irrigação. Mas o Império Romano existiu em virtude da maior aplicação de tecnologia que o mundo já havia visto: suas estradas, suas pontes, seus aquedutos, seus túneis, seus esgotos, seus vastos edifícios, suas marinhas mercantes organizadas, sua ciência militar, sua metalurgia e sua agricultura. Esse era o segredo da extensão e da unidade da civilização romana. Muitas vezes me perguntei por que os engenheiros romanos não inventaram o motor a vapor. Eles poderiam tê-lo feito em qualquer época, e então a história do mundo teria sido muito diferente. Atribuo isso ao fato de que eles viviam em um clima quente e não haviam introduzido o chá e o café. No século XVIII, milhares de homens sentavam-se ao lado de fogueiras e observavam suas chaleiras ferverem. Todos nós sabemos, é claro, que Hiero de Alexandria inventou uma pequena antecipação, mas tudo o que se queria era que os engenheiros romanos ficassem impressionados com a força motriz do vapor pelo humilde processo de assistir às suas chaleiras.

A história da humanidade ainda precisa ser definida em sua relação adequada com o impulso crescente do avanço tecnológico. Nos últimos cem anos, uma ciência desenvolvida se uniu a uma tecnologia desenvolvida e uma nova época se abriu.
Da mesma maneira, cerca de mil anos antes de Cristo, teve início a primeira grande época literária, quando a arte da escrita foi finalmente popularizada. Em suas origens obscuras anteriores, essa arte havia sido usada para fórmulas hieráticas tradicionais e para fins formais de registros e crônicas governamentais. É um grande erro pensar que, no passado, o pleno sucesso de uma nova invenção tenha sido previsto logo em sua primeira introdução. Não é assim nem mesmo nos dias de hoje, em que todos nós somos treinados para meditar sobre as possibilidades de novas idéias. No entanto, no passado, com sua direção de pensamento diferente, a novidade foi lentamente entrando no sistema social. Assim, a escrita, como um estímulo para a preservação da novidade individual de pensamento, foi lentamente compreendida nas fronteiras do leste do Mediterrâneo. Quando a realização de suas possibilidades foi completa, nas mãos dos gregos e hebreus, a civilização deu uma nova guinada, embora a influência geral da mentalidade hebráica tenha sido retardada por mil anos até o advento do cristianismo. Mas foi agora que seus profetas estavam registrando seus pensamentos íntimos, quando a civilização grega estava começando a tomar forma.
O que quero ilustrar é que, no tratamento em larga escala da história necessária para o pano de fundo e para o primeiro plano da visão de Roma, a crônica consecutiva de eventos políticos na escala tradicional de nossas histórias desaparece completamente. Até mesmo as explicações verbais ficam parcialmente em segundo plano. Devemos utilizar modelos, imagens, diagramas e gráficos para exibir exemplos típicos do crescimento da tecnologia e seu impacto sobre os modos de vida europeus. De igual modo, a arte, em sua curiosa fusão com a utilidade e a religião, expressa a vida interior atual da imaginação e a modifica por sua própria expressão. As crianças podem ver a arte de épocas anteriores em modelos e imagens e, às vezes, nos próprios objetos dos museus. O tratamento da história do passado não deve começar com afirmações generalizadas, mas com exemplos concretos que demonstrem a lenta sucessão de período a período, de modo de vida a modo de vida e de raça a raça.
A mesma concretude de tratamento deve ser aplicada quando falamos das civilizações literárias do leste do Mediterrâneo. Quando se pensa nisso, toda a reivindicação da importância dos clássicos se baseia no fato de que não há substituto para o conhecimento em primeira mão. Na medida em que Grécia e Roma são os fundadores da civilização européia, o conhecimento da história significa, acima de tudo, conhecimento em primeira mão dos pensamentos de gregos e romanos. Assim, para colocar a visão de Roma em seu devido contexto, peço que os alunos leiam em primeira mão alguns exemplos da literatura grega. É claro que isso deve ser feito em tradução. Mas prefiro uma tradução daquilo que um grego realmente disse a qualquer discurso sobre os gregos que tenha sido escrito por um inglês, por melhor que ele o tenha feito. Os livros sobre a Grécia devem vir depois de algum conhecimento direto da Grécia.
O tipo de leitura a que me refiro é uma tradução em verso da Odisséia, um pouco de Heródoto, alguns refrões de peças traduzidas por Gilbert Murray, algumas Vidas de Plutarco, especialmente a parte sobre Arquimedes na Vida de Marcellus, e as definições e axiomas e uma ou duas proposições dos Elementos de Euclides na tradução acadêmica e exata de Heath. Em tudo isso, apenas uma explicação suficiente é necessária para fornecer o ambiente mental dos autores. A posição maravilhosa de Roma em relação à Europa vem do fato de que ela nos transmitiu uma herança dupla. Ela recebeu o pensamento religioso hebráico e transmitiu à Europa sua fusão com a civilização grega, e a própria Roma representa a impressão de organização e unidade sobre diversos elementos em fermentação. O Direito Romano incorpora o segredo da grandeza romana em seu respeito estóico pelos direitos íntimos da natureza humana dentro de uma estrutura de ferro do império. A Europa está sempre se separando por causa do caráter explosivo e diverso de sua herança, e se unindo porque nunca consegue se livrar da impressão de unidade que recebeu de Roma. A história da Europa é a história de Roma controlando os hebreus e os gregos, com seus vários impulsos de religião, ciência, arte, busca de conforto material e desejo de dominação, que estão todos em pé de guerra entre si. A visão de Roma é a visão da unidade da civilização.
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