Sobre o Método da Física Teórica – Albert Einstein

sobre o método da física teórica

“Sobre o Método da Física Teórica”, originalmente palestra Herbert Spencer, proferida em Oxford, em 10 de junho de 1933.


Publicada em Mein Weltbild, Amsterdã: Querido Verlag, 1934.

Se você quiser saber alguma coisa dos físicos teóricos – sobre os métodos que eles utilizam – aconselho-o a se ater a um princípio: não escute suas palavras, fixe a atenção em suas obras. Para aquele que é um descobridor neste campo, os produtos do seu imaginário parecem tão necessários e naturais que ele os considera, e gostaria que fossem considerados por outros, não como criações do pensamento, mas como realidades dadas.

Estas palavras soam como um convite para que você se retire desta palestra. Vocês mesmos dirão a si próprios que o confrade é ele mesmo um físico praticante e, portanto, deve deixar todas as questões relativas à estrutura da ciência teórica para os epistemólogos.

Contra tais críticas, posso me defender, do ponto de vista pessoal, assegurando-lhes que não é por minha própria iniciativa, mas pelo amável convite de outros, que montei esta tribuna, que serve para homenagear um homem que lutou arduamente toda sua vida pela unidade do conhecimento. Objetivamente, porém, meu empreendimento pode ser justificado com base no fato de que, afinal, pode ser interessante saber como alguém que passou uma vida inteira lutando com todas as suas forças para esclarecer e retificar seus fundamentos enxerga sua própria área da ciência. A forma como ele considera seu passado e presente pode depender muito do que ele espera do futuro e visa no presente; essa é a inevitável sorte de qualquer pessoa que tenha se ocupado intensamente com um mundo de idéias. O mesmo que acontece com ele acontece com o historiador, que, da mesma forma, ainda que talvez inconscientemente, agrupa eventos reais em torno de ideais que ele formou para si mesmo sobre o tema da sociedade humana.

Agora, vamos dar uma olhada no desenvolvimento do sistema teórico, prestando especial atenção às relações entre o conteúdo da teoria e a totalidade do fato empírico. Estamos preocupados com a eterna antítese, em nossa área, entre os dois componentes inseparáveis de nosso conhecimento: o empírico e o racional.

Reverenciamos a antiga Grécia como berço da ciência ocidental. Aqui, pela primeira vez, o mundo testemunhou o milagre de um sistema lógico que prosseguiu a partir de um passo-a-passo, com uma precisão tal que cada uma de suas proposições eram absolutamente irrefutáveis – me refiro à geometria de Euclides. Esse admirável triunfo da razão deu ao intelecto humano a confiança em si próprio, necessária para alcançar as suas realizações posteriores. Se Euclides não conseguiu despertar em você um entusiasmo juvenil, então você não nasceu para ser um pensador científico.

Mas antes que a humanidade pudesse estar madura para uma ciência que abrange toda a realidade, uma segunda verdade fundamental era necessária, que só se tornou propriedade comum entre os filósofos com o advento de Kepler e Galileu. O puro pensamento lógico não pode nos dar nenhum conhecimento do mundo empírico; todo conhecimento da realidade começa pela experiência e termina nela. As propostas a que se chega por meios puramente lógicos são completamente vazias no que diz respeito à realidade. Pelo fato de Galileu ter visto isso, e, particularmente, porque ele o trouxe ao mundo científico que ele é o pai da física moderna, da ciência moderna como um todo.

Se, então, a experiência é o alfa e o ômega de todo o nosso conhecimento da realidade, qual é a função da razão pura na ciência?

Um sistema completo de física teórica é composto de conceitos, leis fundamentais que supostamente são válidas para aqueles conceitos e conclusões a serem alcançadas por dedução lógica. São estas conclusões que devem corresponder às nossas experiências individuais; em qualquer tratado teórico, sua dedução lógica ocupa quase o livro inteiro.

Isto é exatamente o que acontece na geometria de Euclides, exceto que ali as leis fundamentais são chamadas axiomas e não há dúvida de que as conclusões têm de corresponder a qualquer tipo de experiência. Se, no entanto, considerarmos a geometria euclidiana como a ciência das possíveis relações mútuas de corpos praticamente rígidos no espaço, ou seja, tratá-la como uma ciência física, sem abstrair o seu conteúdo empírico original, a homogeneidade lógica da geometria e da física teórica torna-se completa.

Assim, atribuímos à razão pura e à experiência seus lugares em um sistema teórico da física. A estrutura do sistema é trabalho da razão; o conteúdo empírico e suas relações mútuas devem encontrar sua representação nas conclusões da teoria. Na possibilidade de tal representação está o único valor e a justificação de todo o sistema, e, especialmente, dos conceitos e princípios fundamentais que o fundamentam. Além disso, estes últimos são invenções livres do intelecto humano, que não pode ser justificado nem pela natureza desse intelecto nem de qualquer outra forma a priori.

Estes conceitos e postulados fundamentais, que não podem ser mais reduzidos logicamente, formam a parte essencial de uma teoria, que a razão não pode tocar. É o grande objetivo de toda teoria tornar estes elementos irredutíveis tão simples e em número tão reduzido quanto possível, sem ter que renunciar à representação adequada de qualquer conteúdo empírico, seja ele qual for.

A visão que acabo de delinear sobre o caráter puramente fictício dos fundamentos da teoria científica não era de forma alguma a dominante nos séculos XVIII e XIX. Mas está ganhando cada vez mais terreno com o fato de que a distância em pensamento entre os conceitos e as leis fundamentais de um lado e, do outro, as conclusões que devem ser trazidas em relação à nossa experiência cresce cada vez mais, quanto mais simples a estrutura lógica se torna – ou seja, quanto menor o número de elementos conceituais logicamente independentes que são considerados necessários para suportar a estrutura.

Newton, o primeiro criador de um sistema abrangente e funcional de física teórica, ainda acreditava que os conceitos e leis básicas de seu sistema poderiam ser derivados da experiência. Este é sem dúvida o significado de seu enunciado, hypotheses non fingo.

Na verdade, os conceitos de tempo e espaço apareceram naquela época sem apresentar dificuldades. Os conceitos de massa, inércia e força, e as leis que as ligam, parecem ter sido elaborados a partir da experiência direta. Uma vez aceita esta base, a expressão para a força da gravitação parece derivar da experiência, e era razoável esperar o mesmo em relação a outras forças.

Podemos de fato ver pela formulação de Newton que o conceito de espaço absoluto, que compreendia o de repouso absoluto, o fez sentir-se desconfortável; ele percebeu que não parecia haver nada na experiência correspondente a este último conceito. Ele também não estava muito à vontade com a introdução de forças que operam à distância. Mas o tremendo sucesso prático de suas doutrinas pode muito bem ter impedido que ele e os físicos dos séculos XVIII e XIX reconhecessem o caráter fictício dos fundamentos de seu sistema.

Os filósofos naturais daquela época, ao contrário, estavam, em sua maioria, possuídos pela idéia de que os conceitos e postulados fundamentais da física não eram, no sentido lógico, invenções livres da mente humana, mas podiam ser deduzidos da experiência por “abstração” – ou seja, por meios lógicos. Um reconhecimento claro da erroneidade desta noção realmente só veio com a teoria geral da relatividade, que mostrou que se podia levar em conta uma gama mais ampla de fatos empíricos, e isso, também, de forma mais satisfatória e completa, sobre uma base bem diferente da Newtoniana. Mas, independentemente da questão da superioridade de uma ou outra, o caráter fictício dos princípios fundamentais é perfeitamente evidente pelo fato de que podemos apontar dois princípios essencialmente diferentes, ambos correspondendo em grande parte à experiência; isto prova ao mesmo tempo que toda tentativa de dedução lógica dos conceitos básicos e postulados da mecânica a partir de experiências elementares está fadada ao fracasso.

Se, então, é verdade que a base axiomática da física teórica não pode ser extraída da experiência, mas deve ser livremente inventada, podemos alguma vez esperar encontrar o caminho certo? E mais do que isso, será que essa forma correta tem alguma existência fora de nossas ilusões? Podemos esperar ser guiados com segurança pela experiência quando existem teorias (como a mecânica clássica) que em grande medida fazem justiça à experiência, sem chegar à raiz da questão? Respondo sem hesitar que existe, em minha opinião, um caminho certo, e que somos capazes de encontrá-lo. Nossa experiência até agora nos justifica em acreditar que a natureza é a realização das mais simples idéias matemáticas concebíveis. Estou convencido de que podemos descobrir, por meio de construções puramente matemáticas, os conceitos e as leis que estão ligados uns aos outros, e que fornecem a chave para a compreensão dos fenômenos naturais. A experiência pode sugerir os conceitos matemáticos apropriados, mas eles muito certamente não podem ser deduzidos a partir dela. A experiência continua sendo, obviamente, o único critério da utilidade física de uma construção matemática. Mas o princípio criativo reside na matemática. Em certo sentido, portanto, considero verdade que o pensamento puro pode captar a realidade, como sonhavam os antigos.

Para justificar esta confiança, sou obrigado a fazer uso de um conceito matemático. O mundo físico é representado como um continuum tetra-dimensional. Se eu assumir uma métrica riemanniana e perguntar quais são as leis mais simples que tal métrica pode satisfazer, chego à teoria relativista da gravitação no espaço vazio. Se nesse espaço eu assumir um campo vetorial ou um campo tensor anti-simétrico que possa ser derivado dele, e perguntar quais são as leis mais simples que tal campo pode satisfazer, eu chego às equações de Maxwell para o espaço vazio.

Neste ponto ainda nos falta uma teoria para aquelas partes do espaço nas quais a densidade da carga elétrica não desaparece. De Broglie conjecturou a existência de um campo de ondas, que serviu para explicar certas propriedades quânticas da matéria. Dirac encontrou no campo dos spinors grandezas de um novo tipo, cujas equações mais simples permitem, em grande parte, deduzir as propriedades do elétron. Posteriormente, descobri, em conjunto com meu colega, Dr. Walter Mayer, que estes spinors formam um caso especial de um novo tipo de campo, matematicamente ligado ao sistema tetra-dimensional, que chamamos de “semi-vetores”. As equações mais simples que tais semi-vetores podem satisfazer fornecem uma chave para a compreensão da existência de dois tipos de partículas elementares, de massa ponderável diferente e carga elétrica igual, mas oposta. Estes semi-vetores são, após os vetores comuns, os campos matemáticos mais simples possíveis em um contínuo métrico de quatro dimensões, e parece que eles descreveram, de forma natural, certas propriedades essenciais das partículas elétricas.

O ponto importante a observar é que todas estas construções e as leis que as conectam podem ser alcançadas pelo princípio de busca dos conceitos mais simples matematicamente e do vínculo entre eles. No número limitado dos tipos de campo simples matematicamente existentes, e nas equações simples que são possíveis entre eles, reside a esperança do teórico de compreender o real em toda a sua profundidade.

Enquanto isso, o grande obstáculo para uma teoria do campo deste tipo está na concepção da estrutura atômica da matéria e da energia. Pois a teoria é fundamentalmente não-atômica na medida em que opera exclusivamente com funções contínuas de espaço, em contraste com a mecânica clássica, cujo elemento mais importante, o ponto material, em si mesmo faz justiça à estrutura atômica da matéria.

A moderna teoria quântica, na forma associada aos nomes de De Broglie, Schrodinger e Dirac, que opera com funções contínuas, superou essas dificuldades por meio de uma ousada interpretação, que recebeu pela primeira vez uma forma clara por parte de Max Born. De acordo com ela, as funções espaciais que aparecem nas equações não fazem nenhuma pretensão de ser um modelo matemático da estrutura atômica. Essas funções devem apenas determinar as probabilidades matemáticas de encontrar tais estruturas, se forem feitas medições, em um determinado ponto ou em um determinado estado de movimento. Esta noção é logicamente não objetável e tem importantes sucessos em seu crédito. Infelizmente, porém, ela obriga a usar um continuum cujo número de dimensões não é aquele atribuído ao espaço pela física até agora (quatro), mas aumenta indefinidamente com o número de partículas que constituem o sistema em consideração. Não posso deixar de confessar que atribuo apenas uma importância transitória a esta interpretação. Ainda acredito na possibilidade de um modelo realista – ou seja, de uma teoria que represente as coisas – e não apenas a probabilidade de sua ocorrência.

Por outro lado, parece-me certo que devemos abandonar a idéia de uma localização completa das partículas em um modelo teórico. Isto me parece ser o resultado permanente do princípio de incerteza de Heisenberg. Mas uma teoria atômica no verdadeiro sentido da palavra (não apenas na base de uma interpretação) sem localização de partículas em um modelo matemático é perfeitamente concebível. Por exemplo, para explicar o caráter atômico da eletricidade, as equações do campo precisam apenas levar às seguintes conclusões: uma região de espaço tridimensional em cujo limite a densidade elétrica desaparece por toda parte contém sempre uma carga elétrica total cujo tamanho é representado por um número inteiro. Em um continuum-teórico, as características atômicas seriam satisfatoriamente expressas por leis integrais sem a localização das entidades que constituem a estrutura atômica.

Só depois de a estrutura atômica ter sido representada com sucesso de tal forma é que eu consideraria o enigma quântico resolvido.

Sobre o Autor ou Tradutor

Bernardo Santos

Aluno do Olavão, bacharel em matemática, amante da Filosofia, tradutor e músico nas horas vagas, Bernardo Santos é administrador principal do Diário Intelectual.

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