Aristóteles

Aristóteles (384-322 A.E.C.) figura entre os maiores filósofos de todos os tempos. Julgado unicamente em termos de sua influência filosófica, somente Platão se iguala a ele. As obras de Aristóteles moldaram séculos de filosofia, desde a Antiguidade Tardia até a Renascença, e ainda hoje continuam a ser estudadas com interesse aguçado e não-antiquário. Prodigioso pesquisador e escritor, Aristóteles deixou um grande corpus de trabalho, talvez com até duzentos tratados, dos quais sobrevivem aproximadamente trinta e um. Seus escritos atuais abrangem uma ampla gama de disciplinas, desde lógica, metafísica e filosofia da mente, passando pela ética, teoria política, estética e retórica, até campos primariamente não-filosóficos como a biologia empírica, onde ele se destacou na observação e descrição detalhada de plantas e animais. Em todas essas áreas, as teorias de Aristóteles forneceram iluminação, encontraram resistência, suscitaram debate e, em geral, estimularam o interesse contínuo de um público leitor fiel.

Por causa de seu amplo alcance e de seu afastamento no tempo, a filosofia de Aristóteles desafia a fácil delimitação. A longa história de interpretação e assimilação de textos e temas aristotélicos — que se estenderam por dois milênios e compreenderam filósofos que trabalharam dentro de uma variedade de tradições religiosas e seculares — tornou controversos até mesmo pontos básicos de interpretação. O conjunto de verbetes sobre Aristóteles neste site aborda tal situação, procedendo em três níveis. Em primeiro lugar, o verbete atual, geral, oferece um breve relato da vida de Aristóteles e caracteriza seus compromissos filosóficos centrais, destacando seus métodos mais distintos e realizações mais influentes. Em segundo lugar estão os Temas Gerais, que oferecem introduções detalhadas às principais áreas da atividade filosófica de Aristóteles. Finalmente, seguem-se os Tópicos Especiais, que investigam em maior detalhe questões mais restritas, especialmente aquelas de interesse central na recente pesquisa aristotélica.

1. A Vida de Aristóteles

Nascido em 384 A.E.C.na região macedônia do nordeste da Grécia, na pequena cidade de Estagira (de onde provém o apelido “Estagirita”, que ainda encontramos ocasionalmente entre os estudantes aristotélicos), Aristóteles foi enviado a Atenas por volta dos 17 anos de idade para estudar na Academia de Platão, na época um lugar prestigioso para o aprendizado no mundo grego. Uma vez em Atenas, Aristóteles permaneceu associado à Academia até a morte de Platão em 347, época em que partiu para Assos, na Ásia Menor, na costa noroeste da atual Turquia. Lá ele continuou a atividade filosófica que havia iniciado na Academia, mas muito provavelmente também começou a expandir suas pesquisas em biologia marinha.

Ele permaneceu em Assos por aproximadamente três anos, quando — naturalmente após a morte de seu anfitrião Hermeias, um amigo e ex-acadêmico que havia sido o governante de Assos — mudou-se para a vizinha ilha costeira de Lesbos. Lá ele continuou suas pesquisas filosóficas e empíricas por mais dois anos, trabalhando em conjunto com Theophrastus, um nativo de Lesbos que também foi relatado na antiguidade como tendo sido associado à Academia de Platão. Enquanto em Lesbos, Aristóteles casou-se com Pítias, sobrinha de Hermeias, com quem teve uma filha, também chamada Pítias.

Em 343, a pedido de Filipe, o rei da Macedônia, Aristóteles deixou Lesbos rumo a Pela, a capital macedônia, a fim de ensinar o filho de treze anos do rei, Alexandre — o menino que viria a tornar-se Alexandre, o Grande. Embora a especulação sobre a influência de Aristóteles sobre o desenvolvimento de Alexandre tenha se mostrado inevitável para os historiadores, na realidade, sabe-se pouco sobre sua interação. No geral, parece razoável concluir que alguma instrução ocorreu, mas que durou apenas dois ou três anos, quando Alexandre tinha entre treze e quinze anos de idade. Aos quinze anos, Alexandre já estava aparentemente servindo como comandante militar adjunto de seu pai, uma circunstância que prejudica, se bem que inconclusivamente, o julgamento daqueles historiadores que conjecturam um período mais longo de instrução. Seja como for, alguns supõem que sua associação tenha durado até oito anos.

É difícil descartar essa possibilidade de forma decisiva, pois pouco se sabe sobre o período da vida de Aristóteles entre os anos de 341 e 335. Ele evidentemente permaneceu mais cinco anos em Estagira ou na Macedônia antes de retornar a Atenas pela segunda e última vez, em 335. Em Atenas, Aristóteles fundou sua própria escola em uma área de exercícios públicos dedicada ao deus Apollo Lykeios, de onde se originou seu nome, o Lyceaum (Liceu). Os filiados à escola de Aristóteles vieram mais tarde a ser chamados de Peripatéticos, provavelmente por causa da existência de um ambiente de passeio (peripatos) na propriedade da escola, adjacente ao campo de exercícios. Membros do Liceu conduziram pesquisas sobre uma ampla gama de assuntos, todos de interesse para o próprio Aristóteles: botânica, biologia, lógica, música, matemática, astronomia, medicina, cosmologia, física, história da filosofia, metafísica, psicologia, ética, teologia, retórica, história política, governo e teoria política, e as artes. O Liceu recolheu manuscritos sobre todas essas áreas, reunindo assim, segundo alguns relatos antigos, a primeira grande biblioteca da antiguidade.

Durante esse período a esposa de Aristóteles, Pítias, morreu e ele desenvolveu um novo relacionamento com Herpíllis, talvez, como ele, natural de Estagira, embora suas origens sejam contestadas, assim como a questão de seu exato relacionamento com Aristóteles. Alguns supõem que ela era meramente sua escrava; outros inferem das disposições da vontade de Aristóteles que ela era uma mulher livre e provavelmente sua esposa no momento de sua morte. De qualquer modo, eles tiveram filhos juntos, incluindo um filho, Nicômaco, nomeado em homenagem ao pai de Aristóteles, e de quem presumivelmente se origina sua Ética a Nicômaco.

Após treze anos em Atenas, Aristóteles mais uma vez encontrou motivo para se retirar da cidade, em 323.  Sua partida provavelmente foi ocasionada por um ressurgimento do sentimento anti-Macedônio, sempre cintilante em Atenas, que estava livre para fervilhar após Alexandre ter sucumbido à uma doença na Babilônia durante aquele mesmo ano. Por causa de suas ligações com a Macedônia, Aristóteles temia razoavelmente por sua segurança e deixou Atenas, observando, como um conto antigo muito repetido o diria, que ele não via razão para permitir que Atenas pecasse duas vezes contra a filosofia. Ele se retirou diretamente para Chalcis, em Éubeia, uma ilha ao largo da costa do Ático, e morreu lá de causas naturais no ano seguinte, em 322.

2. O Corpus Aristotélico: Divisão de Caráter e Primária

Os escritos de Aristóteles tendem a apresentar dificuldades formidáveis a seus leitores iniciantes. Para começar, ele faz pesado uso de terminologia técnica inexplicada, e sua estrutura de sentenças pode, às vezes, revelar-se frustrante. Além disso, em alguns casos, um capítulo, ou mesmo um tratado completo que chega até nós sob seu nome, aparece organizado ao acaso, se é que está organizado; de fato, em vários casos, os estudiosos discutem se um tratado contínuo, atualmente organizado sob um único título, alguma vez foi planejado por Aristóteles para ser publicado em sua forma atual, ou se foi costurado por algum editor posterior, empregando quaisquer princípios de organização que considerou adequados. Isso ajuda a explicar por que os estudantes que recorrem a Aristóteles após terem sido apresentados pela primeira vez à prosa flexível e melífuga exposta nos diálogos de Platão muitas vezes acham a experiência frustrante. A prosa de Aristóteles requer alguma ambientação.

Ainda mais intrigante, então, é a observação de Cícero de que, se a prosa de Platão era prata, a de Aristóteles era um rio de ouro corrente (Ac. Pr. 38.119, cf. Top. 1.3, De ou. 1.2.49). Cícero era indiscutivelmente o maior estilista de prosa do latim e era também, sem dúvida, um crítico competente e justo dos estilos de prosa de outros escritos, tanto em latim quanto em grego. Devemos assumir, então, que Cícero tinha diante de si obras de Aristóteles diferentes daquelas que possuímos. Na verdade, sabemos que Aristóteles escreveu diálogos, presumivelmente ainda na Academia, e em seus poucos resquícios sobreviventes temos um vislumbre do estilo que Cícero descreve. Na maior parte do que possuímos, infelizmente, encontramos um trabalho de caráter muito menos polido. Ao contrário, as obras existentes de Aristóteles são lidas como o que muito provavelmente são: notas de palestras, rascunhos primeiro escritos e depois retrabalhados, registros contínuos de investigações contínuas e, de modo geral, compilações internas destinadas não a um público geral, mas a um círculo interno de auditores. Estes devem ser contrastados com os escritos “exotéricos” que Aristóteles às vezes menciona, suas composições mais graciosas destinadas a um público mais amplo (Pol. 1278b30; EE 1217b22, 1218b34). Infelizmente, então, ficamos em grande parte, embora certamente não inteiramente, com obras inacabadas ainda em andamento e não com produções acabadas e polidas. Ainda assim, muitos dos que persistem com Aristóteles passam a apreciar a clareza de seu estilo.

Mais importante ainda: a condição não envernizada dos tratados sobreviventes de Aristóteles não prejudica nossa capacidade de lidar com seu conteúdo filosófico. Seus trinta e um trabalhos sobreviventes (ou seja, aqueles contidos no “Corpus Aristotelicum” de nossos manuscritos medievais que são julgados autênticos) contêm todos reconhecidamente a doutrina aristotélica; e a maioria deles contém teses cujo propósito básico é claro, mesmo onde questões de detalhes e nuances estão sujeitas a controvérsia exegética.

Tais trabalhos podem ser categorizados em termos dos princípios organizacionais intuitivos preferidos por Aristóteles. Ele se refere aos ramos da aprendizagem como “ciências” (epistêmai), melhor considerados como corpos organizados de aprendizagem concluídos para apresentação do que como registros contínuos de pesquisas empíricas. Além disso, novamente em sua terminologia, as ciências naturais, como a física, são apenas um ramo da ciência teorética, que compreende tanto as buscas empíricas quanto as não-empíricas. Ele distingue a ciência teorética dos estudos mais orientados para a prática, alguns dos quais dizem respeito à conduta humana e outros enfocam os ofícios produtivos. Assim, as ciências aristotélicas se dividem em três: (i) teoréticas, (ii) práticas, e (iii) produtivas. Os princípios da divisão são simples: a ciência teorética busca o conhecimento por si mesmo; a ciência prática diz respeito à conduta e à bondade na ação, tanto individual quanto social; e a ciência produtiva visa a criação de objetos belos ou úteis (Top. 145a15-16; Phys. 192b8-12; DC 298a27-32, DA 403a27-b2; Met. 1025b25, 1026a18-19, 1064a16-19, b1-3; EN 1139a26-28, 1141b29-32).

(I) As ciências teoréticas incluem de forma proeminente o que Aristóteles chama de filosofia primeira (ou metafísica, tal como a chamamos agora), mas também a matemática, e a física (ou filosofia natural). A física estuda o universo natural como um todo, e tende, nas mãos de Aristóteles, a se concentrar em quebra-cabeças conceituais relativos à natureza e não em pesquisas empíricas; contudo, ela chega mais longe, de modo que inclui também uma teoria de explicação causal e, finalmente, até mesmo uma prova de que um motor imóvel é considerado a primeira e última causa de todo movimento. Muitos dos enigmas de maior preocupação para Aristóteles têm se mostrado perenemente atraentes para filósofos, matemáticos e cientistas naturais com inclinação teorética. Eles incluem, como uma pequena amostra, os paradoxos do movimento de Zeno, enigmas sobre o tempo, a natureza do espaço e as dificuldades encontradas no pensamento sobre o infinito.

A filosofia natural também incorpora as ciências especiais, incluindo a biologia, a botânica e a teoria astronômica. A maioria dos críticos contemporâneos pensa que Aristóteles trata a psicologia como um sub ramo da filosofia natural, porque ele considera a alma (psuchê) como o princípio básico da vida, incluindo toda a vida animal e vegetal. Na verdade, no entanto, as evidências para tal conclusão são, na melhor das hipóteses, inconclusivas. É instrutivo notar que períodos anteriores dos estudos aristotélicos pensavam tal controvérsia, de modo que, por exemplo, mesmo algo tão inócuo como a questão relativa à sede própria da psicologia na divisão das ciências de Aristóteles acendeu um debate de várias décadas na Renascença.

(II) As ciências práticas são menos polêmicas, pelo menos no que diz respeito ao seu alcance. Elas tratam de conduta e ação, tanto individual quanto social. A ciência prática contrasta assim com a ciência teorérica, a qual busca o conhecimento por seu próprio bem, e, menos obviamente, com as ciências produtivas, que lidam com a criação de produtos externos às próprias ciências. Tanto a política quanto a ética se enquadram nesse ramo.

(III) Finalmente, então, as ciências produtivas são basicamente artesanatos destinados à produção de artefatos, ou produções humanas interpretadas de maneira mais ampla. As ciências produtivas incluem, entre outras, a construção naval, a agricultura e a medicina, mas também as artes da música, do teatro e da dança. Outra forma de ciência produtiva é a retórica, que trata os princípios da produção de discursos apropriados a vários ambientes forenses e persuasivos, incluindo principalmente as assembléias políticas.

Significativamente, a divisão tripla das ciências feita por Aristóteles não faz nenhuma menção à lógica. Embora ele não tenha usado a palavra “lógica” em nosso sentido do termo, Aristóteles, de fato, desenvolveu o primeiro sistema formalizado de lógica e inferência válido. No quadro de Aristóteles — embora em nenhum lugar ele explicite sobre essa lógica — ela não pertence a nenhuma ciência, mas sim formula os princípios da argumentação correta adequados a todas as áreas de investigação em comum. Ela sistematiza os princípios que permitem uma inferência aceitável, e ajuda a destacar em um nível abstrato padrões de inferência incorreta a serem evitados por qualquer pessoa com um interesse primário na verdade. Assim, juntamente com seu trabalho mais técnico em lógica e teoria lógica, Aristóteles investiga estilos informais de argumentação e procura expor padrões comuns de raciocínio falacioso.

As investigações de Aristóteles sobre lógica e as formas de argumentação fazem parte do grupo de trabalhos que nos chegam da Idade Média sob o título de Òrganon (organon = ferramenta, em grego). Embora não tão caracterizado por Aristóteles sob esses termos, o nome é adequado, desde que se tenha em mente que a investigação intelectual requer uma ampla gama de ferramentas. Assim, além da lógica e da argumentação (tratada principalmente nos Analíticos Anteriores e em Tópicos), os trabalhos incluídos no Órganon tratam da teoria das categorias, da doutrina das proposições e termos, da estrutura da teoria científica e, em certa medida, dos princípios básicos da epistemologia.

Quando encaixamos as obras autênticas sobreviventes mais importantes de Aristóteles nesse esquema, ficamos com as seguintes divisões básicas de seus principais escritos:

Os títulos dessa lista são os de uso mais comum hoje em dia nas pesquisas acadêmicas em língua inglesa, seguidos por abreviações padrão entre parênteses. Por nenhuma razão discernível, os títulos latinos são normalmente empregados em alguns casos, em inglês, em outros. Onde os títulos latinos são de uso geral, os equivalentes em inglês são dados entre colchetes.

3. Phainomena e o Método Endóxico

A abordagem básica da filosofia de Aristóteles é inicialmente melhor apreendida por meio de contraste. Enquanto Descartes procura colocar a filosofia e a ciência em bases firmes, submetendo todas as reivindicações de conhecimento a uma profunda dúvida metodológica, Aristóteles começa com a convicção de que nossas faculdades perceptivas e cognitivas são basicamente confiáveis, que na maioria das vezes nos colocam em contato direto com as características e divisões de nosso mundo, e que não precisamos nos identificar com posturas céticas antes de nos engajarmos na filosofia substantiva. Assim, ele procede em todas as áreas de investigação à maneira de um cientista natural dos tempos modernos, que toma como certo que o progresso segue a aplicação assídua de uma mente bem treinada e assim, quando apresentado a um problema, ele simplesmente passa a trabalhar. No momento em que começa a trabalhar, Aristóteles inicia considerando como o mundo surge, refletindo sobre os enigmas que essas aparências apresentam e revendo o que tem sido dito sobre esses enigmas até o momento. Esses métodos compreendem seu apelo duplo aos phainomena e ao método endóxico.

Estes dois métodos refletem de maneiras diferentes as mais profundas motivações de Aristóteles para fazer filosofia, em primeiro lugar. “Os seres humanos começaram a filosofar”, diz ele, ” — assim como o fazem agora — por causa do maravilhar; a princípio porque se perguntavam acerca das coisas estranhas à sua frente, e depois, avançando a pouco e pouco, porque vieram a encontrar coisas ainda mais intrigantes” (Met. 982b12). Os seres humanos filosofam, segundo Aristóteles, porque encontram aspectos de sua experiência intrigantes. Os tipos de enigmas que encontramos ao pensar sobre o universo e nosso lugar dentro dele — aporiai, na terminologia de Aristóteles — sobrecarregam nossa compreensão e nos induzem a filosofar.

De acordo com Aristóteles, cabe a nós começarmos a filosofar, expondo os phainomena, as aparências, ou, mais completamente, as coisas que parecem ser o caso, e depois também coletar a endoxa, as opiniões credíveis transmitidas, a respeito de assuntos que nos parecem intrigantes. Como exemplo típico, em uma passagem de sua Ética a Nicômaco, Aristóteles enfrenta um enigma sobre a conduta humana, o fato de, aparentemente, às vezes sermos akráticos ou fracos de vontade. Ao introduzir esse enigma, Aristóteles faz uma pausa para refletir sobre um preceito que rege sua abordagem em muitas áreas de investigação:

Como em outros casos, devemos expor as aparências (phainomena) e analisar todos os enigmas relativos a elas. Dessa forma, devemos provar as opiniões confiáveis (endoxa) sobre esse tipo de experiências — idealmente, todas as opiniões confiáveis, mas, se não todas, então a maioria delas, aquelas que são as mais importantes. Pois se as objeções forem respondidas e as opiniões credíveis se mantiverem, teremos uma prova adequada. (EN 1145b2-7)

Os estudiosos discutem sobre o grau em que Aristóteles se considera em função das opiniões credíveis (endoxa) que ele reconta e das aparências básicas (phainomena) às quais ele apela. É claro que, uma vez que os endoxa às vezes entram em conflito entre si, muitas vezes precisamente porque os phainomena geram aporiai, ou enigmas, nem sempre é possível respeitá-los em sua totalidade. Portanto, como um grupo, eles devem ser reinterpretados e sistematizados e, onde isso não for suficiente, alguns devem ser rejeitados liminarmente. De qualquer modo, é muito claro que Aristóteles está disposto a abandonar alguns ou todos os endoxa e phainomena sempre que a ciência ou a filosofia assim o exigir (Met. 1073b36, 1074b6; PA 644b5; EN 1145b2-30).

Ainda assim, sua atitude em relação aos phainomena denuncia uma preferência pela conservação de tantas aparências quanto possível em um determinado domínio — não pelo fato das aparências serem inquestionavelmente precisas, mas porque, ele supõe, as aparências tendem a rastrear a verdade. Somos dotados de órgãos sensoriais e poderes mentais estruturados de modo tal a colocar-nos em contato com o mundo e fornecer-nos, assim, dados sobre seus constituintes básicos e divisões. Embora nossas faculdades não sejam infalíveis, também não são sistematicamente enganosas ou mal direcionadas. Uma vez que o objetivo da filosofia é a verdade e muito do que nos aparece, na análise, se mostra correto, os phainomena fornecem tanto um impulso para filosofar quanto um exame de alguns de seus impulsos mais extravagantes.

Naturalmente, nem sempre é claro o que constitui um phainomenon; menos ainda é claro qual phainomenon deve ser respeitado diante de um desacordo bona fide. É em parte por isso que Aristóteles endossa seu segundo e relacionado preceito metodológico, o de que devemos iniciar discussões filosóficas coletando as opiniões mais estáveis e arraigadas a respeito do tema de investigação a nós transmitidas por nossos predecessores. O termo de Aristóteles para esses pontos de vista privilegiados, endoxa, é variadamente dado como “opiniões confiáveis”, “opiniões credíveis”, “crenças arraigadas”, “crenças credíveis”, ou “crenças comuns”. Cada uma dessas traduções capta pelo menos parte do que Aristóteles pretende com essa palavra, mas é importante compreender tratar-se de um termo bastante técnico para ele. Um endoxon é o tipo de opinião que espontaneamente consideramos como respeitável ou digna de respeito, ainda que, após reflexão, possamos vir a questionar sua veracidade. (Aristóteles apropria-se desse termo proveniente do grego comum, no qual um endoxon é um homem notável ou honrado, um homem de alta reputação que nós respeitaríamos espontaneamente — embora possamos, é claro, após uma inspeção mais detalhada, encontrar motivos para criticá-lo). Como ele explica seu uso do termo, os endoxa são opiniões amplamente compartilhadas, muitas vezes emitidas por aqueles que mais estimamos: “Endoxa são aquelas opiniões aceitas por todos, ou pela maioria, ou pelos sábios — e entre os sábios, por todos ou pela maioria deles, ou por aqueles que são os mais notáveis e de maior reputação” (Top. 100b21-23). Os Endoxa desempenham um papel especial na filosofia aristotélica, em parte porque formam uma subclasse significativa de phainomena (EN 1154b3-8): por serem as opiniões privilegiadas que nós mesmos endossamos irrefletidamente e reafirmamos após alguma reflexão, elas mesmas passam a se qualificar como aparências a serem preservadas sempre que possível.

Por essa razão, o método de Aristóteles de começar com os endoxa é mais do que uma piedosa platitude para nos lembrar de nossos superiores. Ele pensa isso, até onde vai, mas também afirma, de forma mais instrutiva, que podemos ser desviados pelos termos em que os problemas filosóficos nos são legados. Muitas vezes, os enigmas com os quais nos confrontamos foram formulados de forma clara por pensadores anteriores e nós os achamos confusos justamente por essa razão. Contudo, com igual frequência, se refletimos sobre os termos dentro dos quais os enigmas são lançados, encontramos um caminho a seguir; quando a formulação de um enigma revela uma suposição insustentável de estruturação, naturalmente as soluções são por si só consideradas. É por isso que, em domínios mais abstratos de investigação, é provável que nos encontremos buscando orientação de nossos antecessores, mesmo quando questionamos suas formas de articular os problemas que estamos enfrentando.

Aristóteles aplica seu método de percorrer os phainomena e coletar abundantemente os endoxa em quase todas as áreas de sua filosofia. Para dar uma ilustração típica, encontramos o método claramente empregado em sua discussão sobre o tempo em Física IV 10-14. Começamos com um phainomenon: temos certeza de que o tempo existe ou pelo menos de que o tempo passa  Assim é, inevitavelmente, o modo como nosso mundo aparece: experimentamos o tempo como passageiro, como unidirecional, como irrecuperável quando perdido. No entanto, quando nos movemos para oferecer um relato do que o tempo pode ser, ficamos confusos. Para obtermos orientação, voltamo-nos para o que foi dito sobre o tempo por aqueles que refletiram sobre sua natureza. Descobre-se diretamente que tanto filósofos quanto cientistas naturais têm levantado problemas sobre o tempo.

Conforme Aristóteles os expõe, tais problemas tomam a forma de enigmas, ou aporiai, em relação a se e, em caso afirmativo, como o tempo existe (Phys. 218a8-30). Se dizemos que o tempo é a totalidade do passado, presente e futuro, encontramos imediatamente alguém objetando que o tempo existe, mas que o passado e o futuro não existem. De acordo com o oponente, apenas o presente existe. Se retorquirmos que o tempo é o que existiu, o que existe no presente e o que existirá, então notamos primeiro que nosso relato é insuficiente: afinal, há muitas coisas que existiram, existem ou existirão, mas estas são coisas que estão no tempo e, portanto, não são o mesmo que o próprio tempo. Vemos ainda que nosso relato já ameaça a circularidade, uma vez que dizer que algo existiu ou existirá parece apenas dizer que existiu em um tempo anterior ou que existirá em um tempo posterior. Então, novamente encontramos alguém que se opõe a nossa narrativa afirmando que até mesmo a noção do presente é preocupante. Afinal de contas, ou o presente está em constante mudança ou permanece para sempre o mesmo. Se permanece para sempre o mesmo, então o presente atual é o mesmo que o presente de 10.000 anos atrás; no entanto, isso é absurdo. Se está em constante mudança, então não há dois presentes iguais, caso em que um presente passado deve ter entrado e saído da existência antes do presente presente. Quando? Ou ele saiu da existência mesmo quando veio à existência, o que parece no mínimo estranho, ou saiu da existência em algum instante depois que veio à existência, caso em que, novamente, dois presentes devem ter existido no mesmo instante. Ora, Aristóteles não endossa as reivindicações apresentadas ao declarar esses tipos de aporiai; na verdade, muitas vezes ele não pode, porque alguns aporiai se qualificam como aporiai só porque compreendem argumentos individualmente plausíveis gerando conclusões incompatíveis. Assim, eles servem como trampolins para uma análise mais profunda e mais exigente.

Em geral, então, ao estabelecer tais aporiai, Aristóteles não quer significar que endossa nenhum endoxon dado por um lado ou por outro. Ao contrário, ele pensa que tais considerações apresentam enigmas credíveis, uma reflexão que pode nos orientar para uma compreensão defensável da natureza do tempo. Desse modo, os aporiai contribuem para o alívio das questões que requerem atenção para que se possa progredir. Assim, ao refletir sobre os aporiai a respeito do tempo, somos imediatamente levados a pensar sobre duração e divisibilidade, sobre quanta e continua, e sobre uma variedade de questões categóricas. Isto é, se o tempo existe, então que tipo de coisa ele é? É o tipo de coisa que existe absoluta e independentemente? Ou é antes o tipo de coisa que, como uma superfície, depende de outras coisas para sua existência? Quando começamos a abordar esse tipo de questão, também começamos a verificar os tipos de suposição em jogo nos endoxa que nos chegam em relação à natureza do tempo. Consequentemente, quando coletamos os endoxa e os pesquisamos criticamente, aprendemos a respeito de nossa exploração, neste exemplo, sobre a natureza do tempo e, crucialmente, também aprendemos algo sobre a constelação de conceitos que devem ser refinados se quisermos fazer progressos filosóficos genuínos em relação a esse assunto. O que vale no caso do tempo, implica Aristóteles, vale em geral. É por isso que ele caracteristicamente inicia uma investigação filosófica apresentando os phainomena, coletando os endoxa, e analisando os enigmas aos quais eles dão origem.

4. Lógica, Ciência e Dialética

A confiança de Aristóteles nos endoxa assume um significado ainda maior dado o papel que tais opiniões desempenham na dialética, que ele considera como uma importante forma de raciocínio não-científico. A dialética, assim como a ciência (epistêmê), opera através de inferências lógicas; mas a ciência requer premissas de uma espécie além do âmbito do raciocínio dialético comum. Enquanto a ciência baseia-se em premissas que são necessárias e conhecidas como tal, uma discussão dialética pode prosseguir confiando nos endoxa, e assim pode afirmar ser apenas tão segura quanto os endoxa nos quais se baseia. Isso não é um problema, sugere Aristóteles, uma vez que muitas vezes raciocinamos bem e frutuosamente nas circunstâncias em que não podemos afirmar que tenhamos alcançado o entendimento científico. No entanto, todos os raciocínios — sejam eles científicos ou dialéticos — devem respeitar os cânones da lógica e da inferência.

4.1 Lógica

Entre as grandes conquistas que Aristóteles pode reivindicar está o primeiro tratamento sistemático dos princípios do raciocínio correto, a primeira lógica. Embora hoje reconheçamos muitas formas de lógica além da de Aristóteles, continua sendo verdade que ele não apenas desenvolveu uma teoria da dedução, agora chamada silogística, mas acrescentou a ela uma silogística modal e seguiu um longo caminho para provar alguns meta-teoremas pertinentes a tais sistemas. É claro que os filósofos antes de Aristóteles raciocinavam bem ou mal, e os competentes entre eles tinham uma compreensão segura dos princípios de validade e solidez na argumentação. Ninguém antes de Aristóteles, entretanto, desenvolveu um tratamento sistemático dos princípios que regem a inferência correta; e ninguém antes dele tentou codificar os princípios formais e sintáticos em jogo em tal inferência. Aristóteles chama a atenção para tal fato de forma pouco característica ao final de uma discussão sobre a inferência lógica e a falácia:

Uma vez pesquisado nosso trabalho, se lhe parecer que nosso sistema se desenvolveu adequadamente em comparação com outros tratamentos decorrentes da tradição até agora — tendo em mente como as coisas eram no início de nossa pesquisa — cabe a vocês, nossos estudantes, serem indulgentes com relação a quaisquer omissões em nosso sistema e se sentirem muito gratos pelas descobertas que ele contém (Re. S. 184b2-8).

Mesmo que agora consideremos que sua lógica é apenas uma fração da lógica que conhecemos e usamos, a realização de Aristóteles foi tão abrangente que nada menos que Kant, escrevendo ao longo de dois milênios após o aparecimento dos tratados de lógica de Aristóteles, achou fácil oferecer um julgamento apropriadamente elogioso: “Que desde os primeiros tempos a lógica percorreu um caminho seguro se pode ver pelo fato de que desde a época de Aristóteles ela não precisou dar um único passo para trás. [..] O que é mais notável sobre a lógica é que até agora ela também foi incapaz de dar um único passo adiante, e por isso parece que tudo está acabado e completo” (Crítica da Razão Pura B vii).

Na lógica de Aristóteles, os ingredientes básicos do raciocínio são dados em termos de relações de inclusão e exclusão, do tipo graficamente retratado muitos anos mais tarde pelo dispositivo dos diagramas Venn. Ele começa com a noção de um tipo de argumentação patentemente correta, cuja aceitação evidente e inatacável induz Aristóteles a referir-se a ela como uma “dedução perfeita” (APr. 24b22-25). Geralmente, uma dedução (sullogismon), de acordo com Aristóteles, é um argumento válido ou aceitável. Mais exatamente, uma dedução é “um argumento no qual, quando certas coisas são estabelecidas, algo mais se segue em virtude de sua necessidade” (APr. 24b18-20). Sua concepção acerca das deduções é, portanto, semelhante a uma noção de validez, embora existam algumas pequenas diferenças. Por exemplo, Aristóteles sustenta que premissas irrelevantes arruinarão uma dedução, enquanto que a validez é indiferente à irrelevância ou mesmo à adição de premissas de qualquer tipo a um argumento já válido. Ademais, Aristóteles insiste que as deduções progridem, enquanto toda inferência de p para p é trivialmente válida. Ainda assim, a concepção geral de Aristóteles de dedução está suficientemente próxima da de validez para que possamos passar a falar em termos de estruturas válidas ao caracterizar sua silogística. Em geral, ele sustenta que uma dedução é o tipo de argumento cuja estrutura garante sua validade, independentemente da verdade ou falsidade de suas premissas. Isso se aplica intuitivamente para a seguinte estrutura:

  1. Todos As são Bs
  2. Todos Bs são Cs
  3. Então, todos As são Cs

Consequentemente, qualquer coisa que tome essa forma será uma dedução no sentido de Aristóteles. Considere que os As, Bs e Cs sejam qualquer coisa, e se de fato os As são Bs, e os Bs são Cs, então necessariamente os As serão Cs. Essa dedução em particular é perfeita porque sua validade não precisa de nenhuma prova, e talvez porque também não admita nenhuma prova: qualquer prova pareceria depender em última instância da validade intuitiva desse tipo de argumento.

Aristóteles procura explorar a validade intuitiva de deduções perfeitas de maneira surpreendentemente ousada, dada a infância de seu tema: ele pensa que pode estabelecer princípios de transformação em termos dos quais toda dedução (ou, mais precisamente, toda dedução não-modal) pode ser traduzida em uma dedução perfeita. Ele sustenta que, utilizando tais transformações, podemos colocar toda dedução em uma base firme.

Se nos concentrarmos apenas nos tipos mais simples de dedução, o procedimento de Aristóteles é rapidamente percebido. A dedução perfeita já apresentada é uma instância de afirmação universal: todos os As são Bs; todos os Bs são Cs; e assim, todos os As são Cs. Ora, segundo Aristóteles, é possível percorrer todas as combinações de premissas simples, exibir suas estruturas inferenciais básicas e depois relacioná-las de novo a essa e outras deduções igualmente perfeitas. Assim, se variarmos a quantidade dos objetos de uma proposição (o todo universal versus o alguns indeterminado) juntamente com a qualidade ou tipo de predicação (positiva versus negativa), chegaremos a todas as combinações possíveis do tipo mais básico dos argumentos.

Acontece que alguns desses argumentos são deduções, ou silogismos válidos, e alguns não o são. Os que não são admitem contra-exemplos, enquanto que os que são, é claro, não o admitem. Há contra-exemplos para aqueles, por exemplo, que sofrem do que veio a ser chamado de termos médios não distribuídos, por exemplo: todos os As são Bs; alguns Bs são Cs; assim, todos os As são Cs (todos os estudantes universitários são letrados; alguns letrados lêem poesia; assim, todos os estudantes universitários lêem poesia). Não há contra-exemplo para a dedução perfeita na forma de uma afirmação universal: se todos os As são Bs, e todos os Bs são Cs, então não há como fugir do fato de que todos os As são Cs. Portanto, se todos os tipos de deduções possíveis podem ser reduzidos aos tipos intuitivamente válidos, então a validade de todos pode ser comprovada.

Para efetuar esse tipo de redução, Aristóteles baseia-se em uma série de meta-teoremas, sendo que alguns ele prova e outros apenas relata (embora se verifique que todos eles de fato admitem provas). Seus princípios são meta-teoremas, no sentido de que nenhum argumento pode ser contra eles e ainda assim se qualificar como uma dedução genuína. Eles incluem teoremas como estes: (I) nenhuma dedução contém duas premissas negativas; (II) uma dedução com uma conclusão negativa deve ter uma premissa negativa; (III) uma dedução com uma conclusão universal requer duas premissas universais; e (IV) uma dedução com uma conclusão negativa requer exatamente uma premissa negativa. Ele oferece, de fato, provas para o mais significativo de seus meta-teoremas, para que possamos ter certeza de que todas as deduções em seu sistema são válidas, mesmo quando sua validade é difícil de apreender imediatamente.

Ao desenvolver e provar esses meta-teoremas da lógica, Aristóteles deixa território inexplorado diante dele que não foram aperfeiçoados por muitos séculos após sua morte.

Para um relato mais completo das realizações de Aristóteles em lógica, veja o verbete sobre a Lógica de Aristóteles.

4.2 Ciência

Aristóteles aborda o estudo da lógica não como um fim em si mesmo, mas tendo em vista seu papel na investigação e explicação humana. A lógica é uma ferramenta, segundo ele, que faz uma contribuição importante mas incompleta à ciência e à dialética. Sua contribuição é incompleta porque a ciência (epistêmê) emprega argumentos que são mais do que meras deduções. Uma dedução é um silogismo minimamente válido, e certamente a ciência deve empregar argumentos que ultrapassam esse limite. Contudo, a ciência exige mais: uma ciência procede pela organização dos dados em seu domínio em uma série de argumentos que, além de deduções, apresentam premissas que são necessárias e, como diz Aristóteles, “mais conhecíveis por natureza”, ou “mais inteligíveis por natureza” (gnôrimôteron phusei) (APo. 71b33-72a25; Top. 141b3-14; Phys. 184a16-23). Com isso, ele quer dizer que elas devem revelar a natureza genuína – independente da mente – das coisas.

Ele insiste ainda que a ciência (epistêmê) — um termo relativamente amplo em seu uso, uma vez que se estende a campos de investigação como a matemática e a metafísica não menos que as ciências empíricas — não apenas relata os fatos, mas também os explica mostrando suas relações prioritárias (APo. 78a22-28). Ou seja, a ciência explica o que é menos conhecido pelo que é mais conhecido e mais fundamental, e o que é explicatoriamente anêmico pelo que é explicatoriamente frutífero.

Podemos, por exemplo, desejar saber por que as árvores perdem suas folhas no outono. Podemos dizer, com razão, que tal se deve ao vento que sopra através delas. Ainda assim, essa não é uma explicação profunda ou geral, já que o vento sopra igualmente em outras épocas do ano sem o mesmo resultado. Uma explicação mais profunda — uma não disponível para Aristóteles, mas que ilustra bem sua visão — é mais geral, e também mais causal: as árvores derramam suas folhas porque a diminuição da luz solar no outono inibe a produção de clorofila, que é necessária para a fotossíntese, e sem a fotossíntese as árvores ficam adormecidas. É importante que a ciência não apenas registre tais fatos, mas que também os mostre em sua ordem explicativa correta. Isto é, embora uma árvore decídua que não consegue fotossintetizar seja também uma árvore sem produção de clorofila, sua incapacidade de produzir clorofila explica sua incapacidade de fotossintetizar e não o contrário. Esse tipo de assimetria deve ser capturado na explicação científica. O método de exposição científica de Aristóteles foi projetado precisamente para cumprir essa exigência.

A ciência procura capturar não apenas as prioridades causais na natureza, mas também seus padrões profundos e invariáveis. Consequentemente, além de ser explicatoriamente básica, a primeira premissa em uma dedução científica será necessária. Assim, diz Aristóteles:

Pensamos entender uma coisa sem qualificação, e não da forma sofística e acidental, sempre que pensamos conhecer a causa em virtude da qual algo é — que é a causa dessa mesma coisa — e também sabemos que tal não pode ser de outra forma. É claro que o conhecimento (epistêmê) é algo desse tipo. Afinal de contas, tanto aqueles com e aqueles sem conhecimento supõem que assim seja — embora apenas aqueles com conhecimento estejam de fato em tal condição. Portanto, o que se conhece sem qualificação não pode ser de outra forma. (APo 71b9-16; cf. APo 71b33-72a5; Top. 141b3-14, Phys. 184a10-23; Met. 1029b3–13)

Por essa razão, a ciência exige mais do que mera dedução. No conjunto, então, a moeda da ciência é a demonstração (apodeixis), onde uma demonstração é uma dedução com premissas que revelam as estruturas causais do mundo, estabelecidas de modo a capturar o que é necessário e revelar o que é mais conhecível e mais inteligível por natureza (APo 71b33-72a5, Phys. 184a16-23, EN 1095b2-4).

A abordagem de Aristóteles para a forma apropriada de explicação científica convida à reflexão sobre uma questão epistemológica preocupante: como começa a demonstração? Se quisermos apresentar demonstrações de tal maneira que o menos conhecível seja inferido por meio da dedução a partir do mais conhecível, então, a menos que cheguemos ao fundo do poço, evidentemente seremos forçados a continuar sempre para trás em direção ao cada vez mais conhecível, o que parece implausivelmente interminável, ou seremos forçados a cair em alguma forma de circularidade, o que parece indesejável. A alternativa parece ser a ignorância permanente. Aristóteles argumenta:

Algumas pessoas pensam que, uma vez que o conhecimento obtido via demonstração requer o conhecimento das coisas primárias, não há conhecimento. Outros pensam que há conhecimento e que todo conhecimento é demonstrável. Nenhum desses pontos de vista é verdadeiro ou necessário. O primeiro grupo, o daqueles que supõem que não há conhecimento algum, argumenta que somos confrontados com um retrocesso infinito. Eles argumentam que não podemos saber coisas posteriores por causa de coisas anteriores, se nenhuma das coisas anteriores for primária. Aqui o que eles argumentam é correto: é realmente impossível atravessar uma série infinita. No entanto, eles sustentam, se o retrocesso parar, e existirem os primeiros princípios, eles serão desconhecidos, uma vez que certamente não haverá demonstração dos primeiros princípios dados, tal como eles sustentam, que somente o que é demonstrado pode ser conhecido. No entanto, se não é possível saber as coisas primárias, então também não podemos conhecer sem qualificação ou de qualquer maneira adequada as coisas derivadas delas. Em vez disso, podemos conhecê-las apenas com base em uma hipótese, ou seja, se as coisas primárias se realizam, então as coisas derivadas delas também poderão ser conhecidas. O outro grupo concorda que o conhecimento resulta apenas da demonstração, mas acredita que nada impede a demonstração, uma vez que admitem a demonstração circular e recíproca, na medida do possível. (APo. 72b5-21)

A alternativa preferida por Aristóteles é clara:

Nós afirmamos que nem todo conhecimento é demonstrativo: o conhecimento das premissas imediatas é indemonstrável. De fato, a necessidade aqui é aparente; pois se é necessário conhecer as coisas anteriores, isto é, aquelas das quais se deriva a demonstração, e se eventualmente o retrocesso chega a um impasse, é necessário que tais premissas imediatas sejam indemonstrativas. (APo. 72b21-23)

Em suma, se todo conhecimento requer demonstração, e toda demonstração procede do que é mais inteligível por natureza para o que é menos inteligível, então ou o processo continua indefinidamente ou ele pára nos primeiros princípios não-demostráveis, que são conhecidos, e conhecidos com segurança. Aristóteles descarta a única possibilidade que resta, a de que a demonstração possa ser circular, com bastante ênfase, observa que tal atitude equivale a ‘simplesmente dizer que algo é o caso se for o caso’, por cujo dispositivo ‘é fácil de se provar qualquer coisa’ (APo. 72b32-73a6).

A alternativa preferida por Aristóteles, de que existem os primeiros princípios das ciências que podem ser compreendidos por aqueles dispostos a se engajar em estudos diligentes, tem causado consternação em muitos de seus leitores. Em Analíticos Posteriores II 19, ele descreve o processo pelo qual os conhecedores passam da percepção à memória, e da memória à experiência (empeiria) — o que é um termo bastante técnico neste contexto, refletindo o ponto em que um único universal vem a se enraizar na mente — e finalmente da experiência à compreensão dos primeiros princípios. Esse estado intelectual último Aristóteles descreve como uma espécie de apreensão intelectual não mediada (nous) dos primeiros princípios (APo. 100a10-b6).
Os estudiosos têm questionado compreensivelmente o que parece ser uma passagem casualmente afirmada do contingente, dada na experiência dos sentidos, para o necessário, como exigido para os primeiros princípios da ciência. Talvez, no entanto, Aristóteles simplesmente preveja uma espécie de necessidade a posteriori para as ciências, incluindo as ciências naturais. Em qualquer caso, ele pensa que podemos ter e que temos o conhecimento, de modo que, de alguma forma, começamos na percepção dos sentidos e construímos uma compreensão das características necessárias e invariantes do mundo. Esse é o conhecimento apresentado na ciência genuína (epistêmê). Ao refletir sobre o tipo de progressão que Aristóteles prevê, alguns comentaristas o acusaram de um otimismo epistemológico que beira o ingênuo; outros afirmam que é antes a acusação de ingenuidade que é em si mesma ingenuidade, traindo enquanto se faz um alinhamento desarticulado e insustentável do necessário e do a priori.

4.3 A Dialética

Nem todos os raciocínios rigorosos se qualificam como científicos. De fato, pouco da escrita de Aristóteles existente se conforma às exigências de apresentação científica estabelecidas nos Analíticos Posteriores. Como ele reconhece, muitas vezes nos encontramos raciocinando a partir de premissas que têm o status de endoxa, opiniões amplamente acreditadas ou endossadas pelos sábios, mesmo que não sejam conhecidas como necessárias. Porém, com menos frequência ainda, raciocinamos tendo primeiramente assegurado os primeiros princípios de nosso domínio de investigação. Portanto, precisamos de algum “método pelo qual poderemos raciocinar dedutivamente sobre qualquer assunto proposto a nós com base na endoxa, e prestar contas de nós mesmos [quando estamos sendo examinados por um interlocutor] sem cair em contradição” (Top. 100a18-20). Esse método ele classifica como dialético.

A sugestão de que usamos frequentemente a dialética quando estamos envolvidos em trocas filosóficas reflete a suposição de Aristóteles de que existem dois tipos de dialética: uma negativa, ou destrutiva, e a outra positiva, ou construtiva. De fato, em seu trabalho dedicado à dialética, os Tópicos, ele identifica três papéis para a dialética na investigação intelectual, o primeiro dos quais é principalmente preparatório:

A dialética é útil para três propósitos: para o treinamento, para o intercâmbio de conversas, e para as ciências de tipo filosófico. Que é útil para fins de treinamento é diretamente evidente com base nestas considerações: uma vez que tenhamos uma direção para nossa investigação, seremos mais facilmente capazes de engajar um assunto proposto a nós. É útil para o intercâmbio de conversas porque, uma vez que tenhamos enumerado as crenças de muitos, as engajaremos não com base nas convicções dos outros, mas com base em nelas mesmas; e as reorientaremos sempre que pareçam ter dito algo incorreto para nós. É útil para os tipos de ciências filosóficas porque, quando somos capazes de atravessar os enigmas de ambos os lados de uma questão, percebemos mais facilmente o que é verdadeiro e o que é falso. Além disso, é útil para desvendar o que é primordial entre os compromissos de uma ciência. Porque é impossível dizer algo a respeito dos primeiros princípios de uma ciência com base nos princípios próprios da ciência em discussão, pois entre todos os compromissos de uma ciência, os primeiros princípios são os primários. Isso vem mais, necessariamente, da discussão das crenças confiáveis (endoxa) pertencentes à ciência. Trata-se de um princípio peculiar da dialética, ou pelo menos o mais próprio dela. Uma vez que se trata do interrogatório cruzado, a dialética contém o caminho para os primeiros princípios de todas as investigações. (Top. 101a26-b4)

As duas primeiras das três formas de dialética identificadas por Aristóteles são bastante limitadas no seu escopo. Em contraste, a terceira é filosoficamente significativa.
Em sua terceira forma, a dialética tem um papel a desempenhar na “ciência conduzida de forma filosófica” (pros tas kata philosphian epistêmas; Top. 101a27-28, 101a34), sendo que esse tipo de ciência inclui aquilo que de fato encontramos em seus principais tratados filosóficos. Nesses contextos, a dialética ajuda a classificar os endoxa, relegando alguns a um status contestado enquanto eleva outros; submete os endoxa a um contra-interrogatório a fim de testar seu poder de permanência; e, mais notavelmente, segundo Aristóteles, a dialética nos coloca no caminho dos primeiros princípios (Top. 100a18-b4). Se assim for, então a dialética desempenha um papel significativo na ordem da descoberta filosófica: chegamos a estabelecer os primeiros princípios em parte, determinando quais entre nossos endoxa iniciais suportam um exame contínuo. Aqui, como em qualquer outra parte de sua filosofia, Aristóteles evoca uma confiança notável nos poderes da razão humana e da investigação.

5. Essencialismo e Homonímia

Contudo, chegamos a princípios seguros na filosofia e na ciência, seja por algum processo que leve a uma compreensão racional das verdades necessárias, seja por uma investigação dialética sustentada e operante através dos endoxa criteriosamente selecionados, conclui-se, de acordo com Aristóteles, que podemos descobrir e conhecer as características genuinamente necessárias da realidade. Tais características, ele sugere, são aquelas capturadas pelas definições de essência-especificação utilizadas na ciência (novamente no sentido amplo do epistêmê).

O compromisso de Aristóteles com o essencialismo é profundo. Ele conta com uma série de locuções pouco relacionadas quando discute as essências das coisas, e elas dão alguma pista para sua orientação geral. Entre as locuções que se encontram como essência nas traduções contemporâneas de Aristóteles para o inglês estão: (i) to ti esti (aquilo que é); (ii) to einai (ser); (iii) ousia (ser); (iv) hoper esti (precisamente aquilo que é) e, mais importante, (v) to ti ên einai (aquilo que deveria ser) (APo 83a7; Top. 141b35; Phys. 190a17, 201a18-21; Gen. et Corr. 319b4; DA 424a25, 429b10; Met. 1003b24, 1006a32, 1006b13; EN 1102a30, 1130a12-13). Entre elas, a última locução (v) requer explicação tanto por ser a mais peculiar quanto por ser o termo técnico preferido por Aristóteles para essência. É uma forma abreviada de dizer “aquilo que serviu para que uma instância do tipo K fosse uma instância do tipo K”, por exemplo, “aquilo que serviu (todo o tempo) para que um ser humano fosse um ser humano”. Ao falar desse modo, Aristóteles supõe que, se quisermos saber o que é um ser humano, não podemos identificar características transitórias ou que não sejam universais àquela espécie; nem mesmo podemos identificar características universais que não sejam explicitamente profundas. Ao contrário, como sua locução preferida indica, ele está interessado no que torna um ser humano humano — e assume, em primeiro lugar, que há alguma característica F que todos e somente os humanos têm em comum e, em segundo lugar, que F explica as outras características que encontramos em toda a gama de seres humanos.

É importante destacar que essa segunda característica do essencialismo aristotélico diferencia sua abordagem da agora mais comum abordagem modal, de acordo com a qual:

F é uma propriedade essencial de x =df; se x perde F, então x deixa de existir.

Aristóteles rejeita tal abordagem por várias razões, incluindo, principalmente, o fato de ele achar que certas características não-essenciais satisfazem essa definição. Assim, além das características categóricas e lógicas (todas são tais que são idênticas ou não idênticas ao número nove), Aristóteles reconhece uma categoria de propriedades que ele chama de idia (Cat. 3a21, 4a10; Top. 102a18-30, 134a5-135b6), agora geralmente conhecida por sua renderização latina medieval, propria. Propria são propriedades não-essenciais que fluem da essência de uma espécie, de tal modo que são necessárias a essa espécie mesmo sem serem essenciais. Por exemplo, se supomos que ser racional é essencial para o ser humano, então se seguirá que todo ser humano é capaz de gramática. Ser capaz de gramática não é a mesma propriedade que ser racional, apesar de ser o resultado disso. Aristóteles assume que seus leitores apreciarão o fato de que ser racional explica assimetricamente o ser capaz de gramática, mesmo que, necessariamente, algo seja racional se e somente se for também capaz de gramática. Assim, por ser explicatoriamente anterior, ser racional tem mais a pretensão de ser a essência do ser humano do que o ser capaz de gramática. Consequentemente, o essencialismo de Aristóteles é mais refinado do que o mero essencialismo modal. O essencialismo aristotélico sustenta que:

F é uma propriedade essencial de x =df, (i) se x perde F, então x deixa de existir; e (ii) F é, em um sentido objetivo, uma característica explicatoriamente básica de x.

Em suma, na abordagem de Aristóteles, o que é ser, por exemplo, um ser humano, é exatamente o que ele sempre foi e sempre será, ou seja, um ser racional. Por conseguinte, essa é a característica a ser capturada em uma análise da essência-especificação do ser humano (APo 75a42-b2; Met. 103b1-2, 1041a25-32).

Aristóteles acredita, para uma ampla gama de casos, que as espécies têm essências que podem ser descobertas através de pesquisas diligentes. De fato, ele não dedica muita energia para argumentar a favor desse argumento; menos ainda está inclinado a gastar energia combatendo os desafios anti-realistas ao essencialismo, talvez em parte porque está impressionado com as profundas regularidades que encontra, ou pensa que encontra, ao subscrever seus resultados na investigação biológica. Ainda assim, ele não pode ser acusado de extravagância em relação às perspectivas do essencialismo.

Ao contrário, ele nega o essencialismo em muitos casos em que outros estão dispostos a abraçá-lo. Encontra-se esse tipo de negação de forma proeminente, embora não exclusivamente, em suas críticas a Platão. Na verdade, torna-se uma crítica emblemática de Aristóteles a Platão e aos Platonistas o fato de que muitos de seus exemplos preferidos de semelhança e invariância no mundo são na verdade casos de multivocidade, ou homonímia em sua terminologia técnica. Na início das Categorias, Aristóteles distingue entre sinonímia e homonímia (mais tarde denominada univocidade e multivocidade). Sua frase preferida para multivocidade, que é extremamente comum em seus escritos, é “ser dito de muitas maneiras”, ou, mais simplesmente, “significar multiplamente” (pollachôs legomenon). Todas essas locuções têm um status quase técnico para ele. A menos complexa é a univocidade:

a e b são univocamente F, se (i) a é F, (ii) b é F, e se (iii) o relato da F-cidade em ‘a é F’ e em ‘b é F’ são os mesmos.

Assim, por exemplo, como os relatos de “humano” em “Sócrates é humano” e “Platão é humano” são o mesmo, “humano” é unívoco ou sinônimo nessas aplicações. (Note que a noção de Aristóteles da palavra ‘sinonímia’ não é a mesma do uso contemporâneo do portugês, onde se aplica a palavras diferentes com o mesmo significado). Em casos de univocidade, esperamos definições únicas e não-disjuntivas que captem e afirmem a essência da espécie em questão. Permitamos mais uma vez, para fins de ilustração, que a definição de essência especificadora de humano seja animal racional. Então, como humano significa animal racional em toda a gama de suas aplicações, há alguma essência única para todos os membros do tipo.

Em contraste, quando a sinonímia falha, temos a homonímia. De acordo com Aristóteles:

a e b são homonimamente F, se (i) a é F, (ii) b é F, (iii) os relatos da F-cidade em ‘a é F’ e ‘b é F’ não se sobrepõem completamente.

Para dar um exemplo fácil e sem significado filosófico, o banco é homônimo em “Sócrates e Alcibíades fizeram um piquenique em cima do banco” e “Sócrates e Alcibíades abriram uma conta conjunta no banco”. Esse caso é ilustrativo, se não for interessante, porque os relatos acerca do banco nesses acontecimentos não têm nada em comum. Parte do interesse filosófico no relato de Aristóteles sobre a homonímia reside em permitir uma sobreposição parcial. As questões se tornam mais interessantes se examinarmos se — para usar uma ilustração bem adequada aos propósitos de Aristóteles, mas deixada em grande parte inexplorada por ele — consciente é sinônimo em “Charlene estava consciente de alguma inépcia criada por suas observações” e “vertebrados superiores, ao contrário dos moluscos, estão conscientes”. Nesses casos, a situação com relação à sinonímia ou homonímia talvez não seja imediatamente clara, e assim requer reflexão e investigação filosóficas.

Muito regularmente, segundo Aristóteles, esse tipo de reflexão leva a uma interessante descoberta, a saber, que temos presumido um relato unívoco onde, de fato, nenhum se apresenta. É aqui, de acordo com Aristóteles, que os Platonistas erram: eles presumem uma univocidade onde o mundo entrega homonímia ou multivocidade. (Para uma ilustração viva da suposição de univocidade de Platão em ação, ver Mênon 71e1-72a5, onde Sócrates insiste que existe apenas um tipo de excelência (aretê) comum a todos os tipos de pessoas excelentes, não um tipo separado para homens, mulheres, escravos, crianças, e assim por diante). Em um exemplo especialmente importante, Aristóteles discorda de Platão sobre a univocidade da bondade:

Talvez seja melhor considerarmos a bondade universal e passarmos pelos enigmas relativos ao que se entende por ela — embora esse tipo de investigação não seja bem-vinda para nós, pois aqueles que introduziram as Formas são nossos amigos. No entanto, presumivelmente, esse seria o melhor caminho, mesmo que destrua até mesmo o que nos é próximo, se isso for algo necessário para preservar a verdade — e, mais ainda, dado que somos filósofos. Porque, embora os amemos a ambos, a piedade nos obriga a honrar a verdade antes de nossos amigos. (EN 1096a11-16)

Aristóteles afirmna que Platão está errado ao assumir que a bondade é “algo universal, comum a todas as coisas boas, e único” (EN 1096a28). Ao contrário, a bondade é diferente em casos diferentes. Se ele estiver certo a respeito disso, seguem-se consequências de longo alcance em relação à teoria e à prática da ética.

Para estabelecer a não-univocidade, Aristóteles apela para uma variedade de testes em Tópicos onde, mais uma vez, seu idioma é linguístico, mas sua jazida é metafísica. Considere as seguintes sentenças:

  • Sócrates é bom.
  • O comunismo é bom.
  • Depois de uma refeição leve, o crème brûlée é bom.
  • Redobrar o esforço após um fracasso é sempre bom.
  • O canto de Maria é bom, mas o de Renata é sublime.

Entre os testes de não-univocidade recomendados nos Tópicos está um teste simples de paráfrases: se as paráfrases produzem relatos distintos, não intercambiáveis, então o predicado é multivocal. Assim, por exemplo, paráfrases adequadas podem ser:

  • Sócrates é uma pessoa virtuosa.
  • O comunismo é um sistema social justo.
  • Depois de uma refeição leve, o crème brûlée é saboroso e gratificante.
  • Redobrar o esforço depois de um fracaço é sempre edificante.
  • O canto de Maria atinge um alto padrão artístico, mas Renata supera esse padrão por qualquer medida.

Uma vez que não podemos intercambiar essas paráfrases — não podemos dizer, por exemplo, que o crème brûlée é um sistema social justo — o bom deve ser não-unívoco em toda essa gama de aplicações. Se isso estiver correto, então os Platonistas estão errados ao assumir a univocidade nesse caso, já que a bondade exibe complexidade ignorada por sua suposição.

Até agora, então, os apelos de Aristóteles à homonímia ou multivocidade são principalmente destrutivos, no sentido de que eles tentam minar uma presunção platônica considerada por Aristóteles como insustentável. É importante notar que, assim como Aristóteles vê um papel positivo e um papel negativo para a dialética na filosofia, ele prevê, além de suas aplicações destrutivas, um papel filosoficamente construtivo para a homonímia. A fim de apreciar sua idéia básica, tal fato serve para refletir sobre um continuum de posições na análise filosófica que vão desde a univocidade platônica pura até a desagregada semelhança familiar wittgensteineana. Pode-se, em face de um desafio bem sucedido à univocidade platônica, assumir que, por exemplo, os vários casos de bondade não têm nada em comum em todos os casos, de modo que as coisas boas formam, na melhor das hipóteses, uma espécie heterogênea, do tipo defendido pelos wittgensteineanos apaixonados pela metáfora das semelhanças familiares: todas as coisas boas pertencem a uma espécie apenas, no sentido limitado de que revelam uma trama de propriedades parcialmente sobrepostas, pois cada membro de uma única família é incontestavelmente um membro dessa família, embora não haja um atributo físico compartilhado por todos esses membros da família.

Aristóteles enfatiza que existe uma tertium quid entre a semelhança familiar e a univocidade pura: ele identifica, e professa, uma espécie de homonímia núcleo-dependente (também referida na literatura, com diferentes graus de precisão, como significação focal e conexão focal). Os homônimos núcleo-dependentes exibem uma espécie de ordem em multiplicidade: embora vacilante em relação à univocidade, porque homônimos, tais conceitos também não se transformam em semelhanças familiares fragmentadas. Considere uma das ilustrações favoritas de Aristóteles:

  • Sócrates é saudável.
  • O regime de exercícios de Sócrates é saudável.
  • A compleição de Sócrates é saudável.

Aristóteles assume que seus leitores irão apreciar imediatamente duas características dessas três predicações relacionadas à saúde. Primeiro, elas são não-unívocas, uma vez que a segunda é parafraseável mais ou menos como promotora da saúde e a terceira como indicativa de saúde, enquanto a primeira significa, ao contrário, algo mais fundamental, algo como o modo de falar do corpo ou de seu bom funcionamento. Portanto, saudável é não-unívoco. Em segundo lugar, mesmo assim, as duas últimas predicações dependem da primeira para suas elucidações: cada uma apela à saúde em seu sentido central de maneira assimétrica. Ou seja, qualquer relato de cada uma das duas últimas predicações deve aludir à primeira, enquanto um relato da primeira não faz referência à segunda ou terceira em seu relato. Assim, sugere Aristóteles, a saúde não é apenas um homônimo, mas um homônimo núcleo-dependente: embora não seja unívoca, também não é um caso de multivocidade graduada.

A ilustração de Aristóteles consegue mostrar que existe um espaço conceitual entre a mera semelhança familiar e a pura univocidade. Portanto, ele está certo de que essas não são as opções definitivas. O interesse por esse tipo de resultado reside em sua capacidade de exportação para conceitos filosóficos mais ricos, ainda que mais abstratos. Aristóteles apela à homonímia frequentemente, através de uma gama completa de conceitos filosóficos incluindo justiça, causalidade, amor, vida, semelhança, bondade e corpo. Seu mais célebre apelo à homonímia núcleo-dependente vem no caso de um conceito tão altamente abstrato que é difícil avaliar seu sucesso sem uma extensa reflexão metafísica. Trata-se de seu apelo à homonímia do ser, que tem inspirado tanto controvérsia filosófica quanto acadêmica. Aristóteles nega que poderia haver uma ciência do ser, com o argumento de que não existe um gênero único, sob o qual todos e somente os seres se enquadram (RE 11 172a13-15-15; APr. 92b14; Met. B 3, 998b22; EE i 8, 1217b33-35). Uma motivação para seu raciocínio neste sentido pode ser que ele considere a noção de gênero como ineliminavelmente taxonômica e contrastiva, de modo que faz sentido falar de um gênero de ser somente se se pode falar igualmente bem de um gênero de não-ser — assim como entre os seres vivos se pode falar dos animais e dos não-animais, ou seja, do reino vegetal. Uma vez que não há não-seres, não pode haver um gênero de não-ser e, portanto, em última análise, também não pode haver um gênero de ser. Consequentemente, uma vez que cada ciência estuda uma espécie essencial sob um único gênero, também não pode haver ciência do ser.

Posteriormente, sem inverter expressamente seu julgamento sobre a existência de uma ciência do ser, Aristóteles anuncia que existe, no entanto, uma ciência do ser qua ser (Met. iv 4), a filosofia primeira, que toma como assunto seres na medida em que são seres e, portanto, considera todas e somente aquelas características pertencentes aos seres como tais — aos seres, ou seja, não na medida em que são seres matemáticos ou físicos ou humanos, mas na medida em que são seres, e ponto final. Embora o assunto seja contestado, seu reconhecimento desta ciência evidentemente se volta de forma crucial para seu compromisso com a homonímia núcleo-dependente do próprio ser. Embora o caso não seja tão claro e incontroverso quanto o apelo relativamente simples de Aristóteles à saúde (e é por isso que, afinal, ele o selecionou como ilustração), supõe-se que possamos, após a reflexão, detectar uma analogia núcleo-dependente nos seguintes casos de existência:

  • Sócrates existe.
  • A localização de Sócrates existe.
  • Sócrates pesando 73 quilos existe.
  • Sócrates existe hoje em dia.

É claro que os três últimos itens dessa lista são locuções bastante estranhas, mas isso se deve ao fato de que se esforçam para tornar explícito o fato de que podemos falar de seres dependentes tal enquanto existem  — mas apenas por causa de sua dependência da instância central do ser, ou seja, da substância. (Aqui é digno de nota que ‘substância primária’ é a interpretação convencional e não muito feliz da protê ousia de Aristóteles, que significa, mais literalmente, ‘ser primário’) De acordo com essa abordagem, não teríamos o Sócrates pesando nada ou sentindo nada hoje se não fosse o fato anterior de sua existência. Portanto, a existência em primeira instância serve como instância central do ser, em termos da qual as outras devem ser explicadas. Se isso estiver correto, então, implica Aristóteles, o ser é um homônimo núcleo-dependente; ademais, uma ciência do ser — ou melhor, uma ciência do ser qua ser — é possível, mesmo que não exista um gênero de ser, uma vez que finalmente é possível estudar todos os seres na medida em que estejam relacionados com a instância central do ser, e depois também estudar essa instância central, ou seja, a substância, na medida em que ela serve como a ocasião principal do ser.

6. A Teoria das Categorias

Ao falar de seres que dependem da substância para sua existência, Aristóteles apela implicitamente para um compromisso filosófico fundamental que aparece no início de seu pensamento e permanece estável durante toda sua carreira filosófica: sua teoria das categorias. Na obra que geralmente é considerada como uma das primeiras, As Categorias, Aristóteles anuncia de forma bastante abrupta:

De coisas ditas sem combinação, qualquer uma delas significa (i) uma substância (ousia); (ii) uma quantidade; (iii) uma qualidade; (iv) uma relação; (v) um lugar; (vi) um tempo; (vii) uma posição; (viii) um estado; (ix) um agir sobre; ou (x) um ser afetado. (Cat. 1b25-27)

Aristóteles faz pouco para dar forma à sua teoria das categorias, não oferecendo nenhuma derivação explícita dela, nem mesmo especificando abertamente o que sua teoria das categorias categoriza. Se os bibliotecários categorizam livros e os botânicos categorizam plantas, então o que categoriza a teoria filosófica das categorias?

Aristóteles não o diz explicitamente, mas seus exemplos deixam razoavelmente claro que ele pretende categorizar as espécies básicas de seres que possam existir. Se novamente considerarmos algumas pistas a partir de dados linguísticos, sem inferir que os objetos finais da categorização são eles mesmos linguísticos, podemos contrastar as coisas ditas “com combinação”:

  • O homem corre.

com as coisas ditas “sem combinação”:

  • Homem
  • Correr

O “homem corre” é uma verdade-avaliável, enquanto que nem “homem” nem “corre” o são. Aristóteles diz que coisas desse tipo significam entidades, evidentemente entidades extra-linguísticas, que são, portanto, correlativamente, no primeiro caso, suficientemente complexas para ser o que torna a frase “O homem corre” verdadeira, ou seja, um homem correndo, e no segundo caso, itens abaixo do nível da verdade-açãp, portanto, por exemplo, uma entidade homem, considerada por si mesma, e uma ação ‘correndo’, considerada por si mesma. Se isso estiver correto, as entidades categorizadas pelas categorias são os tipos de seres básicos que ficam abaixo do nível da verdade-açãp, ou dos fatos. Tais seres evidentemente contribuem, por assim dizer, para a facticidade dos fatos, assim como, em seus análogos linguísticos, substantivos e verbos, as coisas ditas “sem combinação” contribuem para a avaliação-verdade de afirmações simples. Os constituintes dos fatos contribuem para os fatos como as partes semanticamente relevantes de uma proposição contribuem para que ela tenha as condições de verdade que possui. Assim, os itens categorizados nas categorias de Aristóteles são os constituintes dos fatos. Se é um fato que Sócrates é pálido, então os seres básicos em vista são Sócrates e ser pálido. Nos termos de Aristóteles, o primeiro é uma substância e o segundo é uma qualidade.

É importante ressaltar que esses seres podem ser básicos sem serem absolutamente simples. Afinal, Sócrates é composto de todo tipo de partes — braços e pernas, órgãos e ossos, moléculas e átomos, e assim por diante. Como um análogo linguístico útil, podemos considerar os fonemas, que são básicos, relativos aos morfemas de uma teoria linguística, mas também complexos, pois são compostos de componentes sonoros mais simples, que são irrelevantes do ponto de vista do linguista, por estarem abaixo do nível de relevância semântica.

A teoria das categorias reconhece no total dez tipos de seres básicos extra-linguísticos:

CategoriaIlustração
Substânciahomem, cavalo
Qualidadebranco, gramático
Quantidadedois-pés de comprimento
Relaçãoo dobro, escravo
Lugarno mercado
Tempoontem, amanhã
Posiçãodeitado, sentado
Estadocom os sapatos calçados
Ação (agir em algo)cortando, queimando
Paixão (ser afetado por)cortado, queimado

Embora ele não o diga abertamente nas Categorias, Aristóteles evidentemente presume que essas dez categorias de seres são tanto exaustivas quanto irredutíveis, de modo que, embora não existam outros seres básicos, não é possível eliminar nenhuma dessas categorias em favor de outra.

Ambas as reivindicações foram alvo de críticas, e cada uma certamente requer defesa Aristóteles não oferece nenhuma convicção de defesa em suas Categorias. Também não oferece nenhum princípio de fundamentação só para essas categorias do ser, uma circunstância que o deixou aberto a mais críticas de filósofos posteriores, incluindo o famoso Kant que, depois de elogiar Aristóteles por ter chegado à idéia da teoria da categoria, continua a escoriá-lo por selecionar suas categorias particulares sem nenhuma base de princípio. Kant alega que Aristóteles escolheu suas categorias do ser justamente no momento em que ele tropeçou nelas em seus devaneios (Crítica de Razão Pura, A81/B107). De acordo com Kant, então, as categorias de Aristóteles são infundadas. Filósofos e estudiosos, tanto antes como depois de Kant, procuraram fornecer os fundamentos necessários, enquanto que o próprio Aristóteles tende principalmente a justificar a teoria das categorias pondo-a para trabalhar em suas várias investigações filosóficas.

Já nos deparamos implicitamente com dois dos apelos de Aristóteles à teoria das categorias: (i) em sua abordagem do tempo, que ele vem a tratar como um ser não-substancial; e (ii) em seu compromisso com a homonímia do ser, que introduz algumas considerações um pouco mais polêmicas. Elas podem ser revisitadas brevemente para ilustrar como Aristóteles pensa que sua doutrina das categorias fornece orientação filosófica onde ela é mais necessária.

Pensando primeiro no tempo e em seus vários enigmas, ou aporiai, vimos que Aristóteles coloca uma pergunta simples: o tempo existe? Ele responde afirmativamente a essa pergunta, mas apenas porque no final ele a trata como uma pergunta categoricamente circunscrita. Ele afirma que “o tempo é a medida do movimento em relação ao antes e ao depois” (Phys. 219b1-2). Ao oferecer essa definição, Aristóteles é capaz de fazer avançar o julgamento de que o tempo existe, porque é uma entidade na categoria da quantidade: tempo é para o movimento ou mudança tal como o comprimento é para uma linha. Assim, o tempo existe, mas como todos os itens em qualquer categoria de não substância, ele existe de uma forma dependente. Tal como se não houvesse linhas, não haveria comprimento, assim, se não houvesse mudança, não haveria tempo. Ora, essa característica da teoria do tempo de Aristóteles ocasionou reações críticas e favoráveis No contexto atual, entretanto, é importante apenas que ela sirva para demonstrar como Aristóteles lida com as questões da existência: elas são, na raiz, questões relativas à filiação à categoria. Uma questão sobre se, por exemplo, existem universos ou lugares ou relações, é, em última análise, para Aristóteles, também uma questão sobre sua categoria de ser, caso exista.

Como o tempo é uma entidade dependente na teoria de Aristóteles, assim também o são todas as entidades sob as categorias que estão fora da de substância. Isso ajuda a explicar por que Aristóteles acha apropriado implantar seu sistema de homonímia núcleo-dependente no caso do ser. Se perguntarmos se existem qualidades ou quantidades, Aristóteles responderá afirmativamente, mas depois indicará também que, como entidades dependentes, elas não existem de forma independente de substâncias. Assim, mesmo no caso relativamente raro do ser, a teoria das categorias fornece um motivo para descobrir a homonímia núcleo-dependente. Como todas as outras categorias de seres dependem da substância, deve ser o caso de que uma análise de qualquer uma delas acabará fazendo referência assimétrica à substância. Aristóteles argumenta em suas categorias, contando com uma distinção que rastreia a predicação essencial (dita de) e acidental (na), ou seja, que:

Todas as outras coisas ou são ditas de substâncias primárias, que são seus sujeitos, ou estão nelas como sujeitos. Portanto, se não houvesse substâncias primárias, seria impossível que algo mais existisse. (Cat. 2b5-6)

Se assim for, então, Aristóteles infere, todas as categorias de não-substância dependem da substância como o núcleo de seu ser. Assim, ele conclui, o ser qualificado como um caso de homonímia núcleo-dependente.

Ora, pode-se contestar aqui os argumentos de Aristóteles, primeiro perguntando se ele estabeleceu a não univocidade do ser antes de proceder para argumentar por sua núcleo-dependência. Seja como for, se permitirmos sua não univocidade, então, de acordo com Aristóteles, o aparato das categorias fornece amplas razões para concluir que o ser qualifica-se como uma instância filosoficamente significativa de homonímia núcleo-dependente.

Assim, a filosofia de ser e substância de Aristóteles, como muito mais em sua filosofia, baseia-se em um compromisso prévio com sua teoria das categorias. De fato, a teoria das categorias abrange toda sua carreira e serve como uma espécie de andaime para grande parte de sua teorização filosófica, variando da metafísica e filosofia da natureza à psicologia e teoria dos valores.

Por essa razão, as questões relativas à tenacidade última da doutrina das categorias de Aristóteles assumem uma urgência especial para avaliar grande parte de sua filosofia.

Para mais detalhes sobre a teoria das categorias e seus fundamentos, veja o verbete sobre as Categorias de Aristóteles.

7. As Quatro Razões Causais da Adequação Explicativa

Igualmente central para o pensamento de Aristóteles é seu esquema explicativo de quatro causas. Julgada em termos de sua influência, tal doutrina é certamente uma de suas contribuições filosóficas mais significativas. Como outros filósofos, Aristóteles espera que as explicações que ele busca na filosofia e na ciência satisfaçam certos critérios de adequação. Ao contrário de alguns outros filósofos, no entanto, ele tem o cuidado de declarar explicitamente seus critérios de adequação; então, tendo feito isso, ele encontra frequentemente falhas em seus antecessores por não terem cumprido seus termos. Ele declara seu esquema em uma passagem metodológica no segundo livro de sua Física:

Em certo sentido, então, (1) aquilo a partir do qual uma coisa vem a ser e na qual perdura é chamado de “causa”, por exemplo, o bronze da estátua, a prata da tigela, e os gêneros dos quais o bronze e a prata são espécies. [Esta é chamada de Causa Material.]

Em outro sentido, (2) a forma ou o arquétipo (logos), ou seja, a enunciação da essência, e seus gêneros, são chamados de “causas” (por exemplo, [a causa] da oitava [é] a relação de 2 : 1, e, em geral, o número), bem como os elementos da definição (logos) . [Tal é denominada Causa Formal.]

Também é [chamado de causa] (3) a fonte primária da mudança ou do repouso; por exemplo, o homem que deu conselhos é uma causa, o pai é a causa da criança, e, de modo geral, o que faz [é causa] do que é feito e o que causa a mudança [é causa] do que é mudado. [Temos aqui a chamada Causa Motora ou Causa Eficiente]

Ainda [dizemos que algo é causa] (4) no sentido de fim (telos) ou de “aquilo pelo qual” (hou heneka) uma coisa é feita, por exemplo, a saúde é a causa da caminhada. (“Por que ele está caminhando?”, dizemos nós, “Para ter saúde”, e, tendo dito isso, pensamos que atribuímos a causa). O mesmo se aplica a todos os estágios intermediários que são realizados através da ação de outra coisa como meios para o fim; por exemplo, a redução da carne, a purga, as drogas ou os instrumentos cirúrgicos são meios para a saúde. Todas essas coisas são “por causa do fim”, embora sejam diferentes umas das outras, pois algumas são atividades, outras instrumentos.[Por último, temos a Causa Final.] (Phys. 194b23–35)

Embora algumas das ilustrações de Aristóteles não sejam imediatamente explícitas, sua abordagem para a explicação é razoavelmente simples.

A atitude de Aristóteles em relação à explicação é melhor entendida primeiro considerando um exemplo simples que ele propõe na Física II 3. Uma estátua de bronze admite várias dimensões diferentes de explicação. Se nos confrontássemos com uma estátua sem antes saber o que ela era, nós espontaneamente faríamos, pensa Aristóteles, uma série de perguntas sobre ela. Gostaríamos de saber o que é, do que é feita, o que a originou, e para que serve. Nos termos de Aristóteles, ao fazer essas perguntas, estamos buscando conhecimento das quatro causas (aitia) da estátua: as causas formal, material, eficiente e final. De acordo com Aristóteles, quando identificamos essas quatro causas, atendemos a uma demanda razoável de adequação explicativa.

De maneira mais completa, o relato das quatro causas de adequação explicativa exige que um investigador cite as quatro causas:

Materialaquilo a partir do qual algo é gerado e do qual é feito, por exemplo, o bronze de uma estátua.
Formala estrutura que a matéria atualiza e em termos da qual passa a ser algo determinado, por exemplo, a forma de um presidente, em virtude da qual uma certa quantidade de bronze é dita como sendo a estátua de um presidente.
Eficienteo agente responsável pelo volume de matéria que está vindo a ser informada, por exemplo, o escultor que moldou a quantidade de bronze em sua forma atual, ou seja, que deu a forma do presidente ao bronze.
Finalo propósito ou objetivo do composto de forma e matéria, por exemplo: a estátua foi criada com o propósito de homenagear o presidente.
 As Quatro Causas

Em Física II 3, Aristóteles faz reivindicações duplas sobre esse esquema de quatro causas: (i) que a citação de todas as quatro causas é necessária para a adequação da explicação; e (ii) que essas quatro causas são suficientes para a adequação da explicação. Cada uma dessas reivindicações requer alguma elaboração e também alguma qualificação.

Quanto à afirmação da necessidade, Aristóteles não supõe que todos os fenômenos admitam todas as quatro causas. Assim, por exemplo, as coincidências carecem de causas finais, uma vez que elas não ocorrem em prol de algo; isto é, afinal, o que faz delas coincidências. Se um devedor estiver a caminho do mercado para comprar leite e encontrar seu credor, que está a caminho do mesmo mercado para comprar pão, então poderá concordar em pagar o dinheiro devido imediatamente. Embora tenha sido um resultado desejado, a reunião deles não foi para saldar a dívida; nem foi, de fato, em prol de nada. Foi uma simples co-incidência. Portanto, falta-lhe uma causa final. Do mesmo modo, se pensarmos que existem abstrações matemáticas ou geométricas, por exemplo, um triângulo existente como objeto de pensamento independente de qualquer realização material, então o triângulo trivialmente carecerá de uma causa material. Ainda assim, essas significativas exceções à parte, Aristóteles espera que a grande maioria das explicações esteja de acordo com seu esquema de quatro causas. Em casos não-excepcionais, a falha em especificar todas as quatro causas é, ele afirma, uma falha na adequação explicativa.

A alegação de suficiência não tem exceção, embora ainda possa induzir em erro se uma questão pertinente for deixada sem ser assinalada. Ao fornecer sua ilustração da causa material, Aristóteles primeiro cita o bronze de uma estátua e a prata de uma tigela, e depois menciona também “os gêneros dos quais o bronze e a prata são espécies” (Phys. 194b25-27). Com isto ele se refere aos tipos de metal aos quais pertencem a prata e o bronze, ou mais geralmente ainda, simplesmente ao metal. Ou seja, pode-se especificar a causa material de uma estátua mais ou menos proximamente, especificando a característica da matéria de maneira mais ou menos precisa. Assim, quando ele implica que citar as quatro causas é suficiente para uma explicação, Aristóteles não pretende sugerir que uma citação em qualquer nível de generalidade seja suficiente. Ele pretende antes insistir que não há um quinto tipo de causa, que seus quatro casos preferenciais englobam todos os tipos de causas. Ele não defende totalmente essa conclusão, embora desafie seus leitores a identificar um tipo de causa que se qualifica como um tipo distinto dos quatro mencionados (Phys. 195a4-5).

Até agora, então, os quatro esquemas causais de Aristóteles têm a plausibilidade intuitiva que suas ilustrações podem proporcionar. No entanto, ele não se contenta com isso. Em contrapartida, ele pensa que pode argumentar com força a favor das quatro causas como verdadeiros fatores explicativos, ou seja, como características que devem ser citadas não apenas porque dão explicações satisfatórias, mas porque são fatores causais genuinamente operativos, cuja omissão torna qualquer explicação putativa objetivamente incompleta e por isso inadequada.

Deve-se notar que os argumentos de Aristóteles para as quatro causas, considerados individualmente, todos procedem contra o pano de fundo da conexão geral que ele forja entre a explicação causal e o conhecimento. Porque ele pensa que as quatro aitia aparecem em resposta a perguntas que buscam o conhecimento (Phys. 194b18; A Po. 71 b 9-11, 94 a 20), alguns estudiosos passaram a entendê-las mais como razões do que como causas — isto é, como explicações e não como causas interpretadas de maneira restrita. A maioria desses julgamentos reflete um compromisso anterior com uma ou outra visão de causalidade e explicação — que a causalidade relaciona eventos ao invés de proposições; que as explicações são inquérito-relativas; que a causalidade é extensível e a explicação intencional; que as explicações devem aderir a algum tipo de modelo nômico-dedutivo, enquanto que as causas não precisam; ou que as causas devem ser anteriores a seus efeitos, enquanto que as explicações, especialmente as explicações intencionais, podem apelar para estados de coisas posteriores às ações que elas explicam.

Geralmente, Aristóteles não respeita esses tipos de compromissos. Assim, na medida em que são defensáveis, sua abordagem das aitia pode ser considerada como ofuscando os cânones de causalidade e da explicação. No entanto, certamente não deve ser cedido de antemão que Aristóteles é culpado de tal confusão, ou mesmo que os estudiosos que prestam seu relato sobre as quatro aitia em termos de causalidade não conseguiram lidar com os desenvolvimentos da teoria causal na esteira de Hume. Ao contrário, devido à falta de uniformidade nos relatos contemporâneos de causalidade e explicação, e a uma tendência persistente e justificável de considerar as explicações causais como fundamentais em relação a outros tipos de explicações, podemos legitimamente nos perguntar se a concepção de Aristóteles sobre as quatro aitia é de alguma forma descontínua com as abordagens de inspiração Humeana posteriores, e então ainda, na medida em que é, se a abordagem de Aristóteles sofre pela comparação. Seja como for, faremos bem em considerar a defesa de Aristóteles de sua quatro aitia a fim de ter em mente que a controvérsia envolve a melhor maneira de interpretar sua abordagem voltada para o conhecimento da causa e da explicação em relação a algumas abordagens posteriores. 

Para saber mais sobre as quatro causas em geral, veja o verbete de Aristóteles sobre a Causalidade.

8. O Hilomorfismo

As noções de matéria (hulê) e de forma (eidos ou morphê) são centrais para a descrição de Aristóteles sobre a adequação explicativa. Juntas, elas constituem um de seus compromissos filosóficos mais fundamentais, com o hilomorfismo:

  • Hilomorfismo =df objetos comuns são compostos de matéria e forma.

O apelo nesta definição para “objetos comuns” requer reflexão, mas, como primeira aproximação, serve para confiar nos tipos de exemplos que o próprio Aristóteles emprega quando motiva o hilomorfismo: estátuas e casas, cavalos e humanos. Em geral, podemos nos concentrar em artefatos e seres vivos familiares. O hilomorfismo sustenta que nenhum objeto desse tipo é metafisicamente simples, mas compreende dois elementos metafísicos distintos, um formal e um material.

O hilomorfismo de Aristóteles foi formulado originalmente para lidar com vários enigmas sobre mudanças. Entre os endoxa que Aristóteles enfrenta em sua Física estão alguns desafios impressionantes à coerência da própria noção de mudança, devido a Parmênides e Zeno. O impulso inicial de Aristóteles diante de tais desafios, como vimos, é o de preservar as aparências (phainomena), para explicar como a mudança é possível. A chave para a resposta de Aristóteles aos desafios que lhe foram legados é sua insistência de que toda mudança envolve pelo menos dois fatores: algo persistente e algo ganho ou perdido. Assim, quando Sócrates vai à praia e sai bronzeado, algo continua a existir, ou seja, Sócrates, mesmo enquanto algo se perde, sua palidez, e algo mais se ganha, seu bronzeado. Trata-se de uma mudança na categoria da qualidade, donde a locução comum “mudança qualitativa”. Se ele ganha peso, então novamente algo permanece, Sócrates, e algo se ganha, neste caso, uma quantidade de matéria. Portanto, neste caso, não temos uma mudança qualitativa, mas quantitativa.

Em geral, argumenta Aristóteles, em qualquer categoria em que ocorra uma mudança, algo se perde e algo se ganha dentro dessa categoria, enquanto algo mais, uma substância, continua a existir como o sujeito dessa mudança. Naturalmente, substâncias podem entrar ou sair da existência, em casos de geração ou destruição; e estas são mudanças na categoria da substância. Evidentemente, porém, mesmo nos casos de mudança nessa categoria, algo persiste. Para tomar um exemplo favorável a Aristóteles, no caso da geração de uma estátua, o bronze persiste, no entanto, ele chega a adquirir uma nova forma, uma forma substancial e não acidental. Em todos os casos, quer sejam substanciais ou acidentais, a análise de dois fatores resulta: algo permanece o mesmo e algo se ganha ou se perde.

Em sua formulação mais rudimentar, o hilomorfismo simplesmente rotula cada um dos dois fatores: o que persiste é matéria e o que se ganha é forma. O hilomorfismo de Aristóteles rapidamente se torna muito mais complexo, porém, à medida que as noções de matéria e forma são pressionadas a um serviço filosófico. É importante notar que a matéria e a forma passam a ser emparelhadas com outra distinção fundamental, a distinção entre potencialidade e atualidade. Novamente no caso da geração de uma estátua, podemos dizer que o bronze é potencialmente uma estátua, mas que é uma estátua atual quando e somente quando é informada com a forma de uma estátua. É claro, antes de ser transformado em estátua, o bronze também era em potencial um número razoável de outros artefatos — um canhão, um motor a vapor, ou um gol em um campo de futebol. No entanto, não estava em potencial como manteiga ou uma bola de praia. Isto mostra que a potencialidade não é o mesmo que a possibilidade: dizer que x é potencialmente F é dizer que x já tem características atuais em virtude das quais pode ser convertido em F pela imposição de uma forma F sobre ele. Assim, dadas essas várias conexões, torna-se possível definir forma e matéria genericamente como

  • forma =df aquilo que torna alguma matéria que é potencialmente F de fato F
  • matéria =df aquilo que persiste e que é, para uma certa variedade de Fs, potencialmente F

É claro que essas definições são circulares, mas isso em si não é um problema: atualidade e potencialidade são, para Aristóteles, conceitos fundamentais que admitem explicação e descrição, mas não admitem análises redutoras.

Encapsulando as discussões de Aristóteles sobre mudanças em Física i 7 e 8, e colocando o assunto de forma mais nítida do que ele mesmo, temos o seguinte argumento simples para a matéria e a forma: (1) uma condição necessária para que haja mudança é a existência da matéria e da forma; (2) há mudança; portanto (3) há matéria e forma. A segunda premissa é um phainomenon; portanto, se for aceita sem qualquer defesa adicional, apenas a primeira requer justificação. A primeira premissa é justificada pelo pensamento de que, como não há geração ex nihilo, em cada instância de mudança algo persiste enquanto algo mais é ganho ou perdido. Na geração ou na destruição substancial, uma forma substancial é ganha ou perdida; na mera mudança acidental, a própria forma ganha ou perdida é acidental. Como essas duas formas de mudança esgotam os tipos de mudança que existem, em cada instância de mudança há dois fatores presentes. Estes são a matéria e a forma.

Por essas razões, Aristóteles pretende que seu hilomorfismo seja muito mais do que um simples heurístico explicativo. Pelo contrário, ele sustenta, matéria e forma são características do mundo que não dependem da mente e devem, portanto, ser mencionadas em qualquer explicação completa de seu funcionamento.

9. A Teleologia Aristotélica

Podemos, fundamentalmente, considerar incontroversa a sugestão de que existem causas eficientes em favor da mais controversa e difícil das quatro causas de Aristóteles, a causa final. No entanto, antes de fazê-lo, devemos observar que o compromisso de Aristóteles com uma causa eficiente recebe uma defesa segundo a terminologia preferida por Aristóteles; assim, ele faz mais do que muitos outros filósofos que consideram que causas de um tipo eficiente são operativas. Em parte como crítica à teoria das formas de Platão, a qual ele considera inadequada devido à sua incapacidade de prestar contas quanto a mudanças e geração, Aristóteles observa que nenhum potencial pode se tornar realidade sem a atuação de uma causa eficiente realmente operativa. Como o potencial está sempre em potencialidade em relação a alguma gama de atualidades, e nada se torna factual por si mesmo — nenhuma pilha de tijolos, por exemplo, se organiza espontaneamente em uma casa ou em uma parede — um agente realmente operativo é necessário para cada instância de mudança. Esta é a causa eficiente. Esses tipos de considerações também inclinam Aristóteles a falar da prioridade da atualidade sobre a potencialidade: as potencialidades são tornadas atuais por atualidades, e na verdade são sempre potencialidades para uma ou outra atualidade. A operação de alguma atualidade sobre alguma potencialidade é uma instância de causalidade eficiente.

Dito isso, a maioria dos leitores de Aristóteles não se encontra na necessidade de uma defesa da existência de uma causa eficiente. Em contraste, a maioria pensa que Aristóteles precisa de uma defesa da causa final. Para nós, é natural e fácil reconhecer a atividade causal final nos produtos do artesanato humano: computadores e abridores de latas são dispositivos dedicados à execução de certas tarefas, e tanto suas características formais como materiais serão explicadas por apelo a suas funções. Também não é um mistério quando os artefatos obtêm suas funções: nós damos aos artefatos suas funções. Os fins dos artefatos são os resultados das atividades de design de agentes intencionais. Aristóteles reconhece esse tipo de causa final, mas também, e de maneira mais problemática, prevê um papel muito maior para a teleologia na explicação natural: a natureza exibe a teleologia sem design. Ele pensa, por exemplo, que os organismos vivos não têm apenas partes que requerem explicação teleológica — que, por exemplo, os rins são para purificar o sangue e os dentes são para rasgar e mastigar os alimentos — mas que organismos inteiros, seres humanos e outros animais, também têm causas finais.

Crucialmente, Aristóteles nega abertamente que as causas operativas na natureza dependem da intenção. Ele pensa que os organismos têm causas finais, mas que eles não chegaram a tê-las por causa das atividades de projeto de algum agente intencional ou de outro. Assim, ele nega que uma condição necessária para que x tenha uma causa final é que x esteja sendo projetado.

Embora ele tenha sido persistentemente criticado por seu compromisso com tais fins naturais, Aristóteles não é passível de um número razoável de objeções que lhe foram feitas de maneira consistente. De fato, é evidente que quaisquer que sejam os méritos das mais penetrantes de tais críticas, grande parte das críticas dirigidas a Aristóteles é espantosamente iletrada. Para tomar apenas um dos inúmeros exemplos impressionantes, o famoso psicólogo americano B. F. Skinner revela que “Aristóteles argumentou que um corpo em queda acelerou porque se tornou mais jubiloso à medida que se encontrava mais próximo de sua casa” (1971, 6). Para qualquer um que tenha lido Aristóteles, não é surpreendente que tal atribuição venha sem uma citação textual que o acompanhe. Para Aristóteles, tal como Skinner o retrataria, as rochas são seres conscientes que têm estados finais dos quais se deleitam tanto na obtenção que se aceleram em exaltação à medida que se aproximam cada vez mais de alcançá-los. Não há desculpa para esse tipo de desleixo intelectual, pois, já no final do século XIX, o estudioso alemão Zeller pôde dizer com perfeita exatidão que “A característica mais importante da teleologia aristotélica é o fato de que ela não é antropocêntrica nem se deve às ações de um criador existente fora do mundo ou mesmo de um mero arranjador do mundo, mas é sempre pensada como imanente à natureza” (1883, §48).

De fato, não é necessário caricaturar os compromissos teleológicos de Aristóteles a fim de colocá-los em foco crítico. Na verdade, Aristóteles oferece dois tipos de defesas da teleologia não intencional da natureza, a primeira das quais está repleta de dificuldades. Ele afirma na Física II 8:

Porque os dentes e todas as outras coisas naturais, ou invariavelmente ou normalmente, surgem de uma determinada maneira; mas não de um dos resultados do acaso ou da espontaneidade: é esta a verdade. […] Se, então, for acordado que as coisas ou são o resultado de coincidência ou decorrem para um fim, e que elas não podem ser o resultado de coincidência ou da espontaneidade, segue-se que elas devem ocorrer para um fim; e que tais coisas são todas devidas à natureza, e mesmo os defensores da teoria que está diante de nós concordariam com isso. Portanto, a ação para um fim está presente em coisas que vêm a ser e que são por natureza. (Phys. 198b32–199a8)

O argumento aqui, que foi formulado por vários estudiosos, parece duplamente problemático.

Nessa argumentação Aristóteles parece introduzir como um phainomenon o fato de que a natureza exibe regularidade, de modo que as partes da natureza surgem de maneira padronizada e regular. Assim, por exemplo, os humanos tendem a ter os dentes dispostos de uma forma previsível, com incisivos na frente e molares na parte de trás. Ele então parece afirmar, como uma disjunção exaustiva e exclusiva, que as coisas acontecem por acaso ou por causa de algo, apenas para sugerir, finalmente, que o que ocorre “invariavelmente ou normalmente” — o que acontece de forma padronizada e previsível — não é plausivelmente pensado como sendo devido ao acaso. Assim, ele conclui, o que quer que aconteça sempre ou na maior parte do tempo deve acontecer em prol de algo, e assim deve admitir uma causa teleológica. Portanto, os dentes aparecem sempre ou em grande parte com incisivos na frente e molares na parte de trás; já que esta é uma ocorrência regular e previsível, não pode ser devida ao acaso. Dado que o que não é devido ao acaso tem uma causa final, os dentes têm uma causa final.

Se tal coisa capta o argumento dominante de Aristóteles a favor da teleologia, então sua opinião é desmotivada. O argumento é problemático em primeira instância porque assume uma disjunção exaustiva e exclusiva entre o que é por acaso e o que é em prol de algo. Mas existem, obviamente, outras possibilidades. Os corações não batem para fazer barulho, mas o fazem sempre e não por acaso. Em segundo lugar, e isto é desconcertante se o representamos corretamente, Aristóteles está ciente de um tipo de contra-exemplo a este ponto de vista e está, de fato, ansioso para indicá-lo ele mesmo: embora, ele insiste, a bílis seja regular e previsivelmente amarela, seu ser amarelo não se deve simplesmente ao acaso e nem é em prol de nada. Na verdade, Aristóteles menciona muitos desses contra-exemplos (Part. An. 676b16-677b10, Gen. An. 778a29-b6). Parece, então, que ele não está corretamente representado conforme interpretamos neste argumento ou que simplesmente mudou de idéia sobre os fundamentos da teleologia. Tomando a primeira alternativa, uma possibilidade é que Aristóteles não está realmente tentando argumentar a favor da teleologia desde o início em Física ii 8, mas está tomando como já estabelecido que existem causas teleológicas, e se limitando a observar que muitos fenômenos naturais, ou seja, aqueles que ocorrem sempre ou na maioria das vezes, são bons candidatos para admitir a explicação teleológica.

Isso deixaria em aberto a possibilidade de um tipo mais amplo de motivação para a teleologia, talvez do tipo que Aristóteles oferece em outros lugares da Física, ao falar sobre o impulso de encontrar causas teleológicas não dependentes de intenção no trabalho na natureza:

Isto é mais óbvio nos animais que não o homem: eles não fazem as coisas por arte nem após investigação ou deliberação. Portanto, as pessoas discutem se é pela inteligência ou por alguma outra faculdade que estas criaturas trabalham: as aranhas, as formigas e afins. Com o avanço gradual nessa direção, vemos claramente que nas plantas também se produz o que é favorável a um fim — as folhas, por exemplo, que crescem para dar sombra aos frutos. Se então é tanto por natureza como para um fim que a andorinha faz seu ninho e a aranha sua teia, e as plantas crescem folhas por causa dos frutos e enviam suas raízes para baixo (não para cima) por causa da nutrição, é evidente que este tipo de causa é operativa em coisas que vêm a ser e são por natureza. E como “natureza” significa duas coisas, a matéria e a forma, da qual [tornar-se] a última é o fim, e como todo o resto acontece por causa do fim, [tornar-se] a forma deve ser a causa no sentido de “aquilo em prol do qual”.  (Phys. 199a20–32)

Como Aristóteles observa com toda razão nessa passagem, nos encontramos regular e facilmente falando em termos teleológicos ao caracterizar animais não-humanos e plantas. É coerente com nosso modo de falar, é claro, o fato de que toda a nossa linguagem simples nestes contextos é fácil demais: é de fato frouxa e descuidada, porque injustificadamente antropocêntrica. Podemos ainda exigir que toda essa linguagem seja assiduamente reduzida a alguma linguagem não teleológica quando estamos sendo cientificamente rigorosos e empiricamente sérios, embora precisássemos primeiro pesquisar os custos e benefícios explicativos de nossa tentativa de fazê-lo. Aristóteles considera e rejeita alguns pontos de vista hostis à teleologia em Física ii 8 e em Da Geração e Corrupção I.

10. A Substância

Uma vez que Aristóteles tem seu esquema explicativo das quatro causas totalmente em cena, baseia-se nele em praticamente toda a sua investigação filosófica mais avançada. Ao implementá-lo em várias estruturas, nós o encontramos aumentando e refinando o esquema mesmo quando o aplica, às vezes com resultados surpreendentes. Uma questão importante diz respeito a como seu hilomorfismo se cruza com a teoria avançada da substância, no contexto de sua teoria das categorias.

Como já vimos, Aristóteles insiste na primazia da substância primária em suas Categorias. De acordo com esse trabalho, no entanto, instâncias principais de substância primária são seres vivos familiares como Sócrates ou um cavalo individual (Cat. 2a11014). Contudo, com o advento do hilomorfismo, tais substâncias primárias são reveladas como complexos metafísicos: Sócrates é um composto de matéria e forma. Portanto, agora temos não um mas três potenciais candidatos para a substância primária: forma, matéria, e o composto de matéria e forma. Surge assim a pergunta: qual entre eles é a substância primária? É a matéria, a forma, ou o composto? O composto corresponde a um objeto básico de experiência e parece ser um sujeito básico de predicação: dizemos que Sócrates vive em Atenas, não que sua matéria vive em Atenas. Ainda assim, a matéria está subjacente ao composto e desse modo parece ser um sujeito mais básico do que o composto, pelo menos no sentido de que ela pode existir antes e depois dele. Por outro lado, a matéria não é definida de maneira alguma até que seja informada; assim, talvez a forma, como determinante do que é o composto, tenha a melhor reivindicação de substancialidade.

Nos livros intermediários de sua Metafísica, que contêm algumas de suas investigações mais complexas e envolventes sobre o ser básico, Aristóteles estabelece-se na forma (Met. VII 17). Surge assim a questão de como a forma satisfaz os critérios finais de substancialidade de Aristóteles. Ele espera que uma substância seja, segundo diz, alguma coisa em particular (tode ti), mas também que seja algo conhecido, uma essência ou outra. Estes critérios parecem puxar em diferentes direções, o primeiro é a favor de substâncias particulares, pois as substâncias primárias das Categorias eram particulares, e o segundo é a favor de universais como substâncias, pois só eles são conhecíveis. Na animada controvérsia em torno desses assuntos, muitos estudiosos concluíram que Aristóteles adota um terceiro caminho: a forma é tanto conhecível quanto particular. Esse assunto, no entanto, permanece muito disputado.

Muito brevemente, e não envolvendo essas controvérsias, torna-se claro que Aristóteles prefere a forma em virtude de seu papel na geração e persistência diacrônica. Quando uma estátua é gerada, ou quando um novo animal nasce, algo persiste, ou seja, a matéria, que vem a realizar a forma substancial em questão. Mesmo assim, insiste Aristóteles, a matéria por si só não fornece as condições de identidade para a nova substância. Em primeiro lugar, como vimos, a matéria é apenas potencialmente algum F até o momento em que é feita de fato F pela presença de uma forma F. Além disso, a matéria pode ser reaprovisionada, e é reaprovisionada no caso de todos os organismos, e assim parece ser dependente da forma para suas próprias condições de identidade diacrônica. Por tais razões, Aristóteles pensa na forma como anterior à matéria e, portanto, como mais fundamental do que a matéria. Tal tipo de matéria, a matéria dependente da forma, Aristóteles considera como matéria próxima (Met. 1038b6, 1042b10), estendendo assim a noção de matéria para além de seu papel original como substrato metafísico.

Ademais, em Metafísica VII 17 Aristóteles oferece um argumento que sugere que a matéria por si só não pode ser substância. Considere que os vários pedaços de matéria pertencentes a Sócrates sejam rotulados como a, b, c, …, n. Consistente com a inexistência de Sócrates é a existência de a, b, c, …, n, uma vez que esses elementos existiriam mesmo se fossem espalhados daqui até Alpha Centauro, mas se isso acontecesse, é claro, Sócrates não existiria mais. Indo na outra direção, Sócrates pode existir independentemente desses elementos, já que ele pode existir quando um dos elementos a, b, c, …, n é substituído ou deixa de existir. Assim, além de seus elementos materiais, insiste Aristóteles, Sócrates é também algo além, algo mais (heteron ti; Met. 1041b19-20). Esse algo mais é a forma, que “não é um elemento… mas a causa primária de uma coisa ser o que é” (Met. 1041b28-30). A causa de uma coisa ser o que ela é atualmente, como já vimos, é a forma. Assim, conclui Aristóteles, como fonte do ser e da unidade, a forma é substância.

Mesmo que tudo isso seja concedido — e, para repetir, muito do que acaba de ser dito é inevitavelmente controverso — muitas questões permanecem. Por exemplo, será que a forma é melhor entendida como universal ou como particular? Entretanto, essa questão deve ser resolvida, qual é a relação da forma com o composto e com a matéria? Se a forma é substância, então qual é o destino desses outros dois candidatos? Eles também são substâncias, embora em menor grau? Parece estranho concluir que eles não são nada, ou que o composto em particular não é nada de fato; no entanto, é difícil argumentar que eles podem pertencer a alguma outra categoria além da substância.

Para uma abordagem de algumas dessas questões, veja o verbete sobre a Metafísica de Aristóteles.

11. Os Seres vivos

Entretanto, essas e outras questões semelhantes devem ser resolvidas. Dada a primazia da forma como substância, não é de surpreender o fato de Aristóteles identificar a alma, que ele introduz como princípio ou fonte (archê) de toda a vida, enquanto forma de um composto vivo. Para Aristóteles, de fato, todos os seres vivos, e não apenas os seres humanos, têm almas: “aquilo que é almificado distingue-se daquilo que não é almificado pela vida” (DA 431a20-22; cf. DA 412a13, 423a20-6; De Part. An. 687a24-690a10; Met. 1075a16–25). É apropriado, então, tratar todos os corpos almificados em termos hilomórficos:

A alma é a causa e a fonte do corpo vivo. Mas causa e fonte são entendidas de muitas maneiras [ou são homônimas]. Similarmente, a alma é uma causa de acordo com as formas delineadas, que são três: (i) a causa como fonte de movimento [= a causa eficiente], (ii) aquela em prol da qual [= a causa final], e (iii) como a substância dos corpos almificados. Que se trata de uma causa enquanto substância é evidente, pois substância é a causa do ser de todas as coisas, e, para os seres vivos, ser é vida, e a alma é também a causa e fonte da vida. (DA 415b8-14; cf. PN 467b12-25, Phys. 255a56-10)

Portanto, a alma e o corpo são simplesmente casos especiais de forma e matéria:

alma : corpo :: forma :: matéria :: atualidade : potencialidade

Ademais, a alma, enquanto fim do organismo composto, é também a causa final do corpo. Minimamente, isso deve ser entendido como a visão de que qualquer corpo é o corpo que ele é porque está organizado em torno de uma função que serve para unificar todo o organismo. Nesse sentido, a unidade do corpo deriva do fato de que ele tem um único fim, ou uma única direcionalidade de vida, um estado de coisas que Aristóteles captura ao caracterizar o corpo como o tipo de matéria que é orgânica (organikon; DA 412a28). Com isso ele quer dizer que o corpo serve como uma ferramenta para implementar as atividades vitais características do tipo ao qual o organismo pertence (organon = ferramenta em grego). Tomando tudo isso em conjunto, Aristóteles oferece a visão de que a alma é a “primeira atualidade de um corpo orgânico natural” (DA 412b5-6), que é uma “substância como forma de um corpo natural que tem vida em potencial” (DA 412a20-1) e, novamente, que é “a primeira atualidade de um corpo natural que tem vida em potencial” (DA 412a27-8).

Aristóteles afirma que seu hilomorfismo proporciona um caminho intermediário interessante entre o que ele vê como sendo os excessos reflexivos de seus predecessores. Em uma direção, ele pretende rejeitar os tipos de materialismo pré-socrático; na outra, ele se opõe ao dualismo platônico. Ele dá aos Pré-socráticos crédito por identificar as causas materiais da vida, mas depois culpa-os por não compreenderem sua causa formal. Em contraste, Platão ganha elogios por compreender a causa formal da vida; infelizmente, conforme Aristóteles percebe as coisas, ele então passa a negligenciar a causa material, e passa a acreditar que a alma pode existir sem sua base material. O hilomorfismo, na opinião de Aristóteles, capta o que está certo em ambos os campos, enquanto escapa da monodimensionalidade injustificada de cada um. Para dar conta dos organismos vivos, afirma Aristóteles, o cientista natural deve tratar tanto da matéria quanto da forma.

Aristóteles realiza análises hilomórficas não só em relação a todo o organismo, mas também em relação às faculdades individuais da alma. A percepção envolve a recepção de formas sensíveis sem matéria, e o pensamento, por analogia, consiste no fato de a mente ser informada por formas inteligíveis. Com cada uma dessas extensões, Aristóteles expande e tributa seu hilomorfismo básico, às vezes pressionando sua estrutura básica quase para além do reconhecimento.

Para mais detalhes sobre o hilomorfismo de Aristóteles nas explicações psicológicas, veja o verbete sobre a Psicologia de Aristóteles.

12. Felicidade e Associação Política

A estrutura teleológica básica de Aristóteles se estende a suas teorias éticas e políticas, as quais ele considera como complementares. Ele considera como certo que a maioria das pessoas deseja levar uma boa vida; a questão então torna-se a de saber em que consiste a melhor vida para os seres humanos. Por acreditar que a melhor vida para um ser humano não é uma questão de preferência subjetiva, ele também acredita que as pessoas podem (e, infelizmente, muitas vezes o fazem) optar por levar vidas sub-ótimas. A fim de evitar tais eventualidades infelizes, Aristóteles recomenda uma reflexão sobre os critérios que qualquer aspirante a uma vida melhor deve satisfazer. Ele continua a propor um tipo de vida que atende a esses critérios de maneira única e, portanto, a promove como uma forma superior de vida humana. Trata-se de uma vida vivida de acordo com a razão.

Ao estabelecer os critérios gerais relativos ao bem último para o ser humano, Aristóteles convida seus leitores a analisá-los (EN 1094a22-27). Isso é aconselhável, uma vez que muito do trabalho de classificação por meio das vidas dos candidatos é de fato realizado durante a tarefa de ordem superior destinada a determinar os critérios apropriados a essa tarefa. Uma vez estabelecidos, torna-se relativamente simples para Aristóteles dispensar alguns concorrentes, incluindo por exemplo o hedonismo, a visão perenemente popular de que o prazer é o maior bem para os seres humanos.

De acordo com os critérios estabelecidos, o bem último para os seres humanos deve: (i) ser perseguido por si próprio (EN 1094a1); (ii) ser tal que desejemos outras coisas em prol dele (EN 1094a19); (iii) ser tal que não o desejemos por causa de outras coisas (EN 1094a21); (iv) ser completo (teleion), no sentido de ser sempre digno de escolha e sempre escolhido por si mesmo (EN 1097a26-33); e finalmente (v) ser auto-suficiente (autarkês), no sentido de que sua presença seja suficiente para construir uma vida que não falta em nada (EN 1097b6-16). Claramente, alguns candidatos à melhor vida caem diante desses critérios. Segundo Aristóteles, nem a vida de prazer nem a vida de honra os satisfazem a todos.

O que os satisfaz a todos é a eudaimonia da felicidade. De fato, os estudiosos contestam se a eudaimonia é mais bem interpretada como ‘felicidade’ ou ‘florescente’ ou ‘viver bem’ ou simplesmente transliterada para deixar um termo técnico não traduzido. Se já determinamos que a felicidade é algum tipo de estado subjetivo, talvez a simples realização de desejos, então a ‘felicidade’ será de fato uma tradução inadequada: a eudaimonia é alcançada, de acordo com Aristóteles, realizando plenamente nossas naturezas, atualizando ao máximo nossas capacidades humanas, e nem nossa natureza nem nosso dom de capacidades humanas são uma questão de escolha para nós. Ainda assim, como Aristóteles reconhece francamente, as pessoas consentirão sem hesitação com a sugestão de que a felicidade é nosso melhor bem — mesmo diferindo materialmente sobre como elas entendem o que é felicidade. Assim, embora pareçam concordar, as pessoas de fato discordam a respeito do bem humano. Consequentemente, é necessário refletir sobre a natureza da felicidade (eudaimonia):

Porém, talvez dizer que o bem maior é a felicidade (eudaimonia) pareça ser um lugar-comum e o que se quer é uma expressão muito mais clara do que isto é. Pode ser que isso ocorra se a função (ergon) de um ser humano for identificada. Pois assim como o bem, e fazer bem, para um flautista, um escultor, e todo tipo de artesão — e em geral, para o que tem uma função e uma ação característica — parece depender da função, assim o mesmo parece verdadeiro para um ser humano, se de fato um ser humano tem uma função. Ou será que o carpinteiro e o sapateiro têm suas funções, enquanto que o ser humano não tem nenhuma e está naturalmente sem uma função (argon)? Ou melhor, assim como parece haver alguma função particular para o olho e a mão e, em geral, para cada uma das partes de um ser humano, será que, além de todas essas funções, deveria haver uma função particular para o ser humano? Qual seria essa função? Uma vez que viver é comum até mesmo às plantas, temos que algo característico (idion) é o que deve ser buscado; Portanto, é preciso descartar a vida da nutrição e do crescimento. Depois disso, seria algum tipo de vida perceptiva, mas isso também é comum, para o cavalo e o touro e para todo animal. O que resta, portanto, é uma vida de ação pertencente ao tipo de alma que tem razão. (EN 1097b22-1098a4)

Ao determinar em que consiste a eudaimonia, Aristóteles faz um apelo crucial à função humana (ergon) e, portanto, à sua estrutura teleológica global.

Ele pensa que pode identificar a função humana em termos de razão, o que então fornece amplas bases para caracterizar a vida feliz como envolvendo centralmente o exercício da razão, seja ela prática ou teórica. A felicidade acaba sendo uma atividade da alma racional, conduzida de acordo com a virtude ou excelência, ou, no que se refere à mesma coisa, em atividade racional executada excelentemente (EN 1098a161-17). Cabe observar a esse respeito que a palavra de Aristóteles para virtude, aretê, é mais ampla que o sentido dominante da palavra portuguesa “virtude”, pois compreende todos os tipos de excelências, abrangendo assim, mas estendendo-se além das virtudes morais. Assim, quando ele diz que a felicidade consiste em uma atividade ‘de acordo com a virtude’ (kat’ aretên; EN 1098a18), Aristóteles significa que é uma espécie de atividade excelente, e não meramente moralmente virtuosa.

A sugestão de que somente uma atividade racional excelentemente executada — ou virtuosamente executada — constitui a felicidade humana fornece o impulso para a ética da virtude de Aristóteles. De forma impressionante, primeiro, ele enfatiza que a boa vida é uma vida de atividade; nenhum estado é suficiente, já que somos elogiados e louvados por vivermos boas vidas, e somos justamente elogiados ou louvados apenas pelas coisas que fazemos (EN 1105b20-1106a13). Ademais, tendo em vista que não devemos apenas agir, mas agir de forma excelente ou virtuosa, cabe ao teórico ético determinar em que consiste a virtude ou excelência com respeito às virtudes humanas individuais, incluindo, por exemplo, a coragem e a inteligência prática. É por isso que tanto da escrita ética de Aristóteles é entregue a uma investigação da virtude, tanto em geral como em particular, e se estende tanto às formas práticas como teóricas.

Para saber mais sobre a ética de Aristóteles baseada na virtude, veja o verbete sobre a Ética de Aristóteles.

Aristóteles conclui sua discussão sobre a felicidade humana em sua Ética a Nicômaco introduzindo a teoria política como uma continuação e conclusão da teoria ética. A teoria ética caracteriza a melhor forma de vida humana; a teoria política caracteriza as formas de organização social mais adequadas à sua realização (EN 1181b12-23).

A unidade política básica para Aristóteles é a polis, que é tanto um estado no sentido de ser um monopólio de autoridade como uma sociedade civil no sentido de ser uma série de comunidades organizadas com diferentes graus de interesse convergentes. A teoria política de Aristóteles é marcadamente diferente de algumas teorias liberais posteriores, na medida em que ele não pensa que a polis requer justificação como um órgão que ameaça infringir os direitos humanos previamente existentes. Ao contrário, ele avança uma forma de naturalismo político que trata os seres humanos como sendo animais políticos por natureza, não apenas no fraco sentido de serem gregariamente dispostos, nem mesmo no sentido de se beneficiarem meramente do intercâmbio comercial mútuo, mas no forte sentido de seu florescimento como seres humanos apenas dentro da estrutura de uma polis organizada. A pólis “nasce para o bem da vida, mas continua a existir em prol de uma boa vida” (Pol. 1252b29-30; cf. 1253a31-37).

A pólis deve, portanto, ser julgada em relação ao objetivo de promover a felicidade humana. Uma forma superior de organização política melhora a vida humana; uma forma inferior prejudica e dificulta a vida humana. Uma questão principal abordada na Política de Aristóteles é assim estruturada por esta pergunta: que tipo de arranjo político melhor atende ao objetivo de desenvolver e aumentar o florescimento humano? Aristóteles considera um número razoável de diferentes formas de organização política, e coloca a maioria de lado como prejudicial ao objetivo da felicidade humana. Por exemplo, dada sua estrutura global, ele não tem dificuldade em rejeitar o contratualismo com o argumento de que ele trata como meramente instrumental aquelas formas de atividade política que de fato são parcialmente constitutivas do florescimento humano (Pol. III 9).

Ao pensar nos possíveis tipos de organização política, Aristóteles baseia-se nas observações estruturais de que os governantes podem ser um, poucos, ou muitos, e que suas formas de governo podem ser legítimas ou ilegítimas, conforme medido em relação ao objetivo de promover o florescimento humano (Pol. 1279a26-31). Em conjunto, tais fatores produzem seis possíveis formas de governo, três corretas e três desviantes:

CorretoDesviante
Um governanteMonarquiaTirania
Alguns governantesAristocraciaOligarquia
Muitos governantesPoliteiaDemocracia

Os corretos são diferenciados dos desviantes por suas habilidades relativas para realizar a função básica da polis: viver bem. Dado que prezamos a felicidade humana, devemos, insiste Aristóteles, preferir formas de associação política mais adequadas a tal objetivo.

Necessária ao fim da valorização do florescimento humano, afirma Aristóteles, é a manutenção de um nível adequado de justiça distributiva. Assim, ele chega à sua classificação de melhores e piores governos, em parte por considerações de justiça distributiva. Ele afirma, de maneira diretamente análoga à sua atitude em relação à eudaimonia, que todos acharão fácil concordar com a proposta de que devemos preferir um Estado justo a um Estado injusto, e até mesmo com a proposta formal de que a distribuição da justiça exige que as reivindicações iguais sejam tratadas de maneira igual e as reivindicações desiguais sejam tratadas de maneira desigual. Ainda assim, também aqui as pessoas diferirão sobre o que constitui uma reivindicação igual ou desigual ou, de modo mais geral, uma pessoa igual ou desigual. Um democrata presumirá que todos os cidadãos são iguais, enquanto um aristocrata sustentará que os melhores cidadãos são, obviamente, superiores aos inferiores. Assim, o democrata esperará que a restrição formal da justiça ceda a distribuição igualitária a todos, enquanto que o aristocrata considerará como certo que os melhores cidadãos têm direito a mais do que os piores.

Ao classificar essas reivindicações, Aristóteles confia em sua própria descrição de justiça distributiva, tal como consta em Ética a Nicômaco V 3. Esse relato é profundamente meritocrático. Ele deprecia os oligarcas, que supõem que a justiça exige reivindicações preferenciais para os ricos, mas também os democratas, que argumentam que o Estado deve impulsionar a liberdade em todos os cidadãos, independentemente do mérito. A melhor polis não tem nenhuma função: seu objetivo é aumentar o florescimento humano, um fim para o qual a liberdade é, na melhor das hipóteses, instrumental, e não algo a ser perseguido por si mesmo.

No entanto, também devemos proceder com um olhar sóbrio sobre o que de fato é possível para os seres humanos, dadas nossas profundas e persistentes propensões aquisitivas. Dadas tais tendências, acontece que, embora desviante, a democracia ainda pode desempenhar um papel central no tipo de constituição mista que emerge como a melhor forma de organização política disponível para nós. Embora seja inferior à politeia (ou seja, o governo dos muitos que servem ao objetivo de florescimento humano), e especialmente à aristocracia (governo pelos melhores humanos, os aristoi, também dedicado ao objetivo de florescimento humano), a democracia, como a melhor entre as formas desviantes de governo, também pode ser o máximo que podemos realisticamente esperar alcançar.
Para uma discussão aprofundada da teoria política de Aristóteles, incluindo seu naturalismo político, veja o verbete sobre a Política de Aristóteles.

13. A Retórica e as Artes

Aristóteles considera a retórica e as artes como pertencentes às ciências produtivas. Como família, estas diferem das ciências práticas da ética e da política, que dizem respeito à conduta humana, e das ciências teóricas, que visam a verdade em prol de si mesma. Por se preocuparem com a criação de produtos humanos amplamente concebidos, as ciências produtivas incluem atividades com produtos óbvios, artefatos como navios e edifícios, mas também agricultura e medicina, e até mesmo, mais nebulosamente, a retórica, que visa a produção de discurso persuasivo (Rhet. 1355b26; cf. Top. 149b5), e a tragédia, que visa a produção de drama edificante (Poet. 1448b16-17). Se tivermos em mente que Aristóteles aborda todas essas atividades dentro do contexto mais amplo de sua estrutura explicativa teleológica, então pelo menos algumas das dificuldades interpretativas altamente polêmicas que cresceram em torno de suas obras nessa área, especialmente a Poética, podem ser nitidamente delimitadas.

Uma dessas controvérsias centra-se na questão de se a Retórica e a Poética de Aristóteles são principalmente obras descritivas ou prescritivas. Na medida em que são de fato prescritivas, pode-se perguntar se Aristóteles presumiu nesses tratados que ditaria a figuras da estatura de Sófocles e Eurípedes como melhor prosseguir com seus ofícios. Até certo ponto — mas apenas até certo ponto — pode parecer que ele o faz. Existem, de qualquer modo, elementos claramente prescritivos em ambos os textos. Ainda assim, ele não chega a essas recomendações a priori. Pelo contrário, é evidente que Aristóteles colecionou os melhores trabalhos de discurso forense e trágico à sua disposição, e os estudou para discernir suas características mais e menos bem sucedidas. Ao proceder de tal modo, ele pretende captar e codificar o que é melhor tanto na prática retórica quanto na tragédia, cada caso em relação a seu objetivo produtivo apropriado.

O objetivo geral da retórica é claro. A retórica, diz Aristóteles, “é o poder de ver, em cada caso, as formas possíveis de persuadir” (Rhet. 1355b26). Diferentes contextos, no entanto, exigem técnicas diferentes. Assim, sugere Aristóteles, os oradores geralmente se encontram em um dos três contextos onde a persuasão é predominante: deliberativo (Rhet. i 4-8), epidético (Rhet. i 9), e judicial (Rhet. i 10-14). Em cada um desses contextos, os oradores terão à sua disposição três vias principais de persuasão: o caráter do orador, a constituição emocional da audiência e o argumento geral (logos) do próprio discurso (Rhet. i 3). A retórica examina assim as técnicas de persuasão de acordo com cada uma dessas áreas.

Ao discutir essas técnicas, Aristóteles baseia-se fortemente em temas tratados em seus escritos lógicos, éticos e psicológicos. Assim, a Retórica ilumina os escritos de Aristóteles nessas áreas comparativamente teóricas, desenvolvendo de forma concreta temas tratados de maneira mais abstrata em outros lugares. Por exemplo, uma vez que um discurso persuasivo e bem sucedido procede atento ao estado emocional do público na ocasião de sua apresentação, a Retórica de Aristóteles contém alguns dos seus mais matizados e específicos tratamentos das emoções. Indo em outra direção, uma leitura atenta da Retórica revela que Aristóteles trata a arte da persuasão de forma muito semelhante à dialética (ver §4.3 acima). Tal como a dialética, a retórica se ocupa de técnicas que não são científicas no sentido estrito (ver §4.2 acima), e embora seu objetivo seja a persuasão, ela atinge seu fim melhor se reconhecer que as pessoas naturalmente encontram provas e argumentos sensatos que as persuadem (Rhet. 1354a1, 1356a25, 1356a30). Assim, a retórica, também como a dialética, começa pelas opiniões credíveis (endoxa), embora principalmente pela variedade popular ao invés daquelas endossadas mais prontamente pelos sábios (Top. 100a29-35; 104a8-20; Rhet. 1356b34). Finalmente, a retórica procede de tais opiniões para conclusões que o público entenderá seguir por padrões de inferência convincentes (Rhet. 1354a12-18, 1355a5-21). Por essa razão, também, o retórico entenderá bem os padrões do raciocínio humano.

Para saber mais sobre a retórica de Aristóteles, veja o verbete sobre a Retórica de Aristóteles.

Ao destacar e refinar técnicas para um discurso bem sucedido, a Retórica é claramente prescritiva — mas apenas relativa ao objetivo da persuasão. No entanto, ela não determina seu próprio objetivo ou de alguma forma dita o fim da fala persuasiva: ao contrário, o fim da retórica é dado pela própria natureza do ofício. Nesse sentido, a Retórica é como a Ética a Nicômaco e a Política ao ostentar o selo da teleologia ampla e abrangente de Aristóteles.

O mesmo vale para a Poética, mas neste caso o fim não é facilmente ou incontroversamente articulado. Muitas vezes se assume que o objetivo da tragédia é a catarse — a purificação ou purgação das emoções despertadas em um desempenho trágico. Apesar de sua prevalência, como uma interpretação do que Aristóteles realmente diz na Poética, esse entendimento é, na melhor das hipóteses, sub-determinado. Ao definir a tragédia de maneira geral, Aristóteles afirma:

A tragédia, portanto, é a imitação de uma ação que é séria e completa, e que tem alguma grandeza a seu respeito. Ela imita por palavras com acompanhamentos agradáveis, cada tipo pertencendo separadamente às diferentes partes do trabalho. Ela imita as pessoas que realizam ações e não depende de narração. Alcança, através da piedade e do medo, a catarse desses tipos de sentimentos. (Poet. 1449b21-29)

Embora ele tenha sido representado em inúmeras obras de erudição como defensor de que a tragédia é em prol da catarse, Aristóteles é, na verdade, muito mais circunspecto. Embora ele afirme que a tragédia vai afetar ou realizar a catarse, ele não usa uma linguagem que claramente implica que a catarse é, em si mesma, a função da tragédia. Embora um bom misturador alcance uma velocidade de lâmina de 36.000 rotações por minuto, essa não é sua função; ao contrário, ele atinge essa velocidade em serviço de sua função, ou seja, misturar. Da mesma maneira, então, em uma abordagem, a tragédia atinge a catarse, embora não por ser sua função fazê-lo. Ela permanece assim, mesmo que seja fundamental para a realização de sua função que a tragédia alcance a catarse — como é igualmente fundamental que ela consiga imitar (mimêsis), e o faz usando palavras junto com acompanhamentos agradáveis (ou seja, ritmo, harmonia e canto; Poet. 1447b27).

Infelizmente, Aristóteles não é completamente esclarecedor sobre a questão da função da tragédia. Uma pista de sua atitude vem de uma passagem na qual ele diferencia a tragédia da escrita histórica:

O poeta e o historiador não se diferenciam no que diz respeito ao fato de um escrever em metro e o outro não; pois se poderia colocar os escritos de Heródoto em verso e eles seriam, apesar disso, história, com ou sem metro. A diferença reside nisto: um fala do que aconteceu, e o outro do que poderia ser. Assim, a poesia é mais filosófica e mais marcante do que a história. O poeta fala mais do universal, enquanto o historiador fala de particulares. É universal o fato de que quando certas coisas acontecem de uma certa maneira alguém, com toda a probabilidade ou necessidade, agirá ou falará de uma certa maneira — que é o que o poeta, apesar de atribuir nomes particulares à situação, procura (Poet. 1451a38-1451b10).

Ao caracterizar a poesia como mais filosófica, universal e marcante do que a história, Aristóteles elogia os poetas por sua capacidade de avaliar características profundas do caráter humano, de dissecar as formas pelas quais a sorte humana se engaja e põe à prova o caráter, e de mostrar como as fraquezas humanas podem ser amplificadas em circunstâncias incomuns. No entanto, não refletimos sobre o caráter principalmente pelo valor do entretenimento. Pelo contrário, e em geral, Aristóteles pensa no objetivo da tragédia em termos amplamente intelectualistas: a função da tragédia é “aprender, ou seja, descobrir o que cada coisa é” (Poeta. 1448b16-17). Na opinião de Aristóteles, a tragédia nos ensina sobre nós mesmos.

Dito isso, a catarse é sem dúvida um conceito chave na Poética de Aristóteles, um conceito que, juntamente com a imitação (mimêsis), gerou enorme controvérsia. Tais controvérsias giram em torno de três pólos de interpretação: o sujeito da catarse, a matéria da catarse, e a natureza da catarse. Para ilustrar o que significa: numa compreensão ingênua da catarse — que pode estar correta apesar de sua ingenuidade — o público (o sujeito) é submetido à catarse ao ter as emoções (o matéria) de piedade e medo que experimenta purgadas (a natureza). Variando apenas estas três possibilidades, os estudiosos produziram uma variedade de interpretações — que são os atores ou mesmo a trama da tragédia que são os sujeitos da catarse, que a purificação é cognitiva ou estrutural em vez de emocional, e que a catarse é purificação em vez de purgação. Em relação a este último contraste, assim como poderíamos purificar o sangue filtrando-o, em vez de purgar o corpo do sangue deixando-o, assim poderíamos refinar nossas emoções, limpando-as de seus elementos mais insalubres, em vez de nos livrarmos das emoções, purgando-as completamente. A diferença é considerável, já que, por um lado, as emoções são consideradas como destrutivas em si mesmas e, portanto, devem ser purgadas, enquanto que, por outro lado, as emoções podem ser perfeitamente saudáveis, ainda que, como outros estados psicológicos, possam ser melhoradas pelo refinamento. O contexto imediato da Poética, por si só, não resolve essas disputas de forma conclusiva.

Aristóteles diz comparativamente mais sobre o segundo conceito principal da Poética, a imitação (mimêsis). Embora menos controverso que a catarse, a concepção de Aristóteles sobre mimêsis também tem sido debatida. Aristóteles pensa que a imitação é uma propensão humana profundamente arraigada. Como associação política, ele sustenta, a mimêsis é natural. Nós nos engajamos na imitação desde cedo, já na aprendizagem de línguas, através da aprendizagem com falantes competentes, e também mais tarde, na aquisição de caráter, tratando os outros como modelos a seguir. Em ambas as maneiras, imitamos porque aprendemos e crescemos por imitação, e para os humanos, aprender é ao mesmo tempo natural e um deleite (Poet. 1148b4-24). Essa mesma tendência, de maneiras mais sofisticadas e complexas, nos leva à prática do drama. À medida que nos engajamos em modalidades mais avançadas de mimêsis, a imitação dá lugar à representação e retratação, onde não precisamos ser considerados como alguém ou algo que tente copiar qualquer coisa em qualquer sentido restrito do termo. Porque a tragédia não se propõe apenas a copiar o que é o caso, mas sim — como vimos na diferenciação de Aristóteles da tragédia da história — a falar do que poderia ser, a envolver temas universais de forma filosófica, e a iluminar um público através de sua representação. Assim, embora a mimêsis esteja na raiz da imitação simples, à medida que vem a servir os objetivos da tragédia, ela se torna mais sofisticada e poderosa, especialmente nas mãos daqueles poetas capazes de aplicá-la com bons resultados.

14. O legado de Aristóteles

É difícil estimar a influência de Aristóteles. Após sua morte, sua escola, o Liceu, prosseguiu por algum tempo, embora não esteja claro quanto tempo exatamente. No século seguinte à sua morte, as obras de Aristóteles parecem ter caído fora de circulação; elas reaparecem no primeiro século A.E.C. após o qual começaram a ser divulgadas, a princípio pouco, mas depois de maneira muito mais ampla. Elas acabaram por formar a espinha dorsal de cerca de sete séculos de filosofia, na forma da tradição de comentário, tendo grande parte da sua tradição original sido levada adiante em um quadro amplamente aristotélico. Elas desempenharam também um papel muito significativo, ainda que subordinado, na filosofia neoplatônica de Plotino e Porfírio. Posteriormente, do sexto ao décimo segundo século, embora a maior parte dos escritos de Aristóteles tenha sido perdida para o Ocidente, eles receberam ampla consideração na Filosofia Bizantina, e na Filosofia Árabe, onde Aristóteles era tão proeminente que ficou conhecido simplesmente como O Primeiro Professor (veja o verbete sobre a influência da filosofia árabe e islâmica no Ocidente latino). Nessa tradição, os comentários notavelmente rigorosos e esclarecedores de Avicena e Averroes interpretaram e desenvolveram os pontos de vista de Aristóteles de maneira marcante. Tais comentários, por sua vez, se mostraram extremamente influentes na primeira recepção do corpus aristotélico no Ocidente latino, no século XII.

Dentre os maiores expoentes de Aristóteles durante o período inicial de sua reintrodução no Ocidente estão Albertus Magnus e, sobretudo, seu discípulo Tomás de Aquino, que procuraram conciliar a filosofia de Aristóteles com o pensamento cristão. Alguns aristotélicos desdenham de Aquino como sendo o bastardo de Aristóteles, enquanto que alguns cristãos desdenham de Aquino como sendo adepto da filosofia pagã. Muitos outros, em ambos os campos, têm uma visão muito mais positiva, vendo o Tomismo como uma síntese brilhante de duas tradições imponentes; É discutível o fato de que os incisivos comentários escritos por Aquino no final de sua vida não visam tanto à síntese, mas à exegese e exposição direta, e sob estes aspectos eles têm poucos equivalentes em qualquer período da filosofia. Em parte devido à atenção de Aquino, mas por muitas outras razões também, a filosofia aristotélica estabeleceu a estrutura da filosofia cristã do século XII ao século XVI, embora, é claro, esse rico período contenha uma ampla gama de atividades filosóficas, algumas mais e outras menos em simpatia com temas aristotélicos. Para ver a extensão da influência de Aristóteles, entretanto, basta lembrar que os dois conceitos que formam o chamado binarium famosissimum (“o par mais famoso”) daquele período, ou seja, o hilomorfismo universal e a doutrina da pluralidade das formas, encontraram suas primeiras formulações nos textos de Aristóteles.

O interesse em Aristóteles continuou ininterruptamente durante todo o Renascimento sob a forma do aristotelismo renascentista. As figuras dominantes desse período se sobrepõem às últimas florações do escolasticismo aristotélico medieval, que atingiu um fechamento rico e altamente influente na figura de Suárez, cuja vida por sua vez se sobrepõe à de Descartes. Desde o fim do escolasticismo tardio, o estudo de Aristóteles passou por vários períodos de relativo descuido e interesse intenso, mas foi levado adiante até os dias de hoje.

Hoje, filósofos de várias tendências continuam a olhar para Aristóteles em busca de orientação e inspiração em muitas áreas diferentes, desde a filosofia da mente até teorias do infinito, embora talvez a influência de Aristóteles seja vista de maneira mais explícita e declarada no ressurgimento da ética da virtude que começou na última metade do século XX. Parece seguro, nesta fase, prever que a estatura de Aristóteles provavelmente não diminuirá em nenhum momento no futuro previsível. Se isto for uma indicação da direção que o futuro tomará, é fato que uma olhada no resultado da busca rápida da presente Enciclopédia revela que há mais procura por verbetes como “Aristóteles” e “Aristotelismo” do que as buscas relativas a qualquer outro filósofo ou movimento filosófico. Somente Platão consegue se igualar.

Bibliography

This bibliography limits itself to translations general works on Aristotle, and works cited in this entry. Please see the subjective-specific bibliographies in the entries under General and Special Topics for references to works pertinent to more specific areas of Aristotle’s philosophy.

A. Translations

The Standard English Translation of Aristotle’s Complete Works into English is:

  • Barnes, J., ed. The Complete Works of Aristotle, Volumes I and II, Princeton: Princeton University Press, 1984.

An excellent translation of selections of Aristotle’s works is:

  • Irwin, T. and Fine., G., Aristotle: Selections, Translated with Introduction, Notes, and Glossary, Indianapolis: Hackett, 1995.

B. Translations with Commentaries

The best set of English translations with commentaries is the Clarendon Aristotle Series:

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  • Annas, J., Metaphysics Books M and N, translated with a commentary, Oxford: Oxford University Press, 1988.
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  • Barnes, J., Posterior Analytics, second edition, translated with a commentary, Oxford: Oxford University Press, 1994.
  • Bostock, D., Metaphysics Books Z and H, translated with a commentary, Oxford: Oxford University Press, 1994.
  • Charlton, W., Physics Books I and II, translated with introduction, commentary, Note on Recent Work, and revised Bibliography, Oxford: Oxford University Press, 1984.
  • Graham, D., Physics, Book VIII, translated with a commentary, Oxford: Oxford University Press, 1999.
  • Hamlyn, D., De Anima II and III, with Passages from Book I, translated with a commentary, and with a review of recent work by Christopher Shields, Oxford: Oxford University Press, 1999.
  • Hussey, E., Physics Books III and IV, translated with an introduction and notes, Oxford: Oxford University Press, 1983; new impression with supplementary material, 1993.
  • Judson, L., Metaphysics Book Λ, edited, translated with an introduction and commentary, Oxford: Oxford University Press, 2019.
  • Keyt, D., Politics, Books V and VI Animals, translated with a commentary, Oxford: Oxford University Press, 1999.
  • Kirwan, C., Metaphysics: Books gamma, delta, and epsilon, second edition, translated with notes, Oxford: Oxford University Press, 1993.
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  • Pakaluk, M., Nicomachean Ethics, Books VIII and IX, translated with a commentary, Oxford: Oxford University Press, 1999.
  • Robinson, R., Politics: Books III and IV, translated with a commentary by Richard Robinson; with a supplementary essay by David Keyt, Oxford: Oxford University Press, 1996.
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C. General Works

1. Comprehensive Introductions to Aristotle

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  • Ross, W. D., Aristotle, London: Methuen and Co., 1923.
  • Shields, C., Aristotle 2nd edition, London: Routledge, 2014.

2. General Guide Books to Aristotle

  • Barnes, J., The Cambridge Companion to Aristotle, Cambridge: Cambridge University Press, 1995.
  • Anagnostopoulos, G., The Blackwell Guide to Aristotle, Oxford: Blackwell, 2007.
  • Shields, C., The Oxford Handbook on Aristotle, Oxford: Oxford University Press, 2012.

3. Aristotle’s Life

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Other Internet Resources

  • Aristotle, maintained by Marc Cohen (Philosophy/University of Washington).
  • Aristotle, a podcast in the History of Philosophy without Gaps project, overseen by Peter Adamson.

Arabic and Islamic Philosophy, historical and methodological topics in: influence of Arabic and Islamic Philosophy on the Latin West | Aristotle, commentators on | Aristotle, General Topics: aesthetics | Aristotle, General Topics: biology | Aristotle, General Topics: categories | Aristotle, General Topics: ethics | Aristotle, General Topics: logic | Aristotle, General Topics: metaphysics | Aristotle, General Topics: political theory | Aristotle, General Topics: psychology | Aristotle, General Topics: rhetoric | Aristotle, Special Topics: causality | Aristotle, Special Topics: mathematics | Aristotle, Special Topics: natural philosophy | Aristotle, Special Topics: on non-contradiction | Aristotle, Special Topics: textual transmission of Aristotelian corpus | essential vs. accidental properties | form vs. matter | happiness | Hegel, Georg Wilhelm Friedrich: dialectics | substance

Acknowledgments

I thank Thomas Ainsworth, John Cooper, Fred Miller, Nathanael Stein, Edward Zalta, and an anonymous reader for SEP for their valuable assistance in the preparation of this entry. Additionally, I thank the twenty or so undergraduates in Cornell and Oxford Universities who provided instructive feedback on earlier drafts.

Este artigo foi publicado originalmente no site Plato Stanford: https://plato.stanford.edu/entries/aristotle/

Sobre o Autor ou Tradutor

Bernardo Santos

Aluno do Olavão, bacharel em matemática, amante da Filosofia, tradutor e músico nas horas vagas, Bernardo Santos é administrador principal do Diário Intelectual.

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