Newton, o Homem — John Maynard Keynes

“Newton, o Homem” é texto dá início a uma série de estudos acerca da biografia de Sir Isaac Newton.


“Gostaria de saber se algum homem poderia se rir se visse Sir Isaac Newton rolando na lama.”

Sidney Smith

“Se tivéssemos desenvolvido uma raça de Isaac Newtons, isso não seria um progresso. Pois o preço que Newton teve que pagar por ser um intelecto supremo era ser incapaz de ter amizade, amor, paternidade e muitas outras coisas desejáveis. Como homem, ele era um fracasso; como monstro, ele era fantástico.”

Aldous Huxley

É com alguma timidez que tento falar com você, dentro de sua própria casa, acerca de Newton, tal como ele próprio era. Há muito tempo sou estudante dos registros e pretendia colocar minhas impressões em um escrito a fim de que isso estivesse pronto para o dia de Natal de 1942, o tricentenário de seu nascimento. A guerra me privou tanto do lazer para tratar adequadamente um tema tão grande quanto da oportunidade de consultar minha biblioteca, meus documentos e de verificar minhas impressões. Por isso, se o breve estudo que farei ante a vossa presença hoje for muito mais superficial do que deveria ser, espero que me desculpe.

Uma outra questão preliminar: Acredito que Newton era diferente da imagem convencional que se tem dele. Mas eu não acredito que ele fosse menos grandioso. Ele era menos comum e mais extraordinário do que o século dezenove se preocupou em percebê-lo. Os gênios são muito peculiares. Que ninguém aqui suponha que meu objetivo hoje é diminuir, ao descrevê-lo, o maior filho de Cambridge. Estou tentando vê-lo mais como seus próprios amigos e contemporâneos o viram. E eles o consideravam, sem exceção, como um dos maiores homens. 

No século XVIII e desde então, Newton passou a ser considerado como o primeiro e maior da era moderna dos cientistas, um racionalista que nos ensinou a pensar na linha da razão fria e sem tintura.

Eu não o vejo sob essa perspectiva. Não acho que alguém que já tenha remexido o conteúdo daquele baú que ele arrumou quando finalmente deixou Cambridge em 1696 (e que, embora parcialmente disperso, chegou até nós) possa vê-lo dessa maneira. Newton não foi o primeiro da era da razão. Ele foi o último dos feiticeiros, o último dos babilônios e sumérios, a última grande mente que olhou para o mundo visível e intelectual com os mesmos olhos que aqueles que começaram a construir nossa herança intelectual há menos de 10.000 anos. Isaac Newton, um filho póstumo, nascido sem pai no dia de Natal de 1642, foi a última criança prodígio a quem os Magos poderiam fazer uma homenagem sincera e apropriada.

Se tivesse havido tempo, eu gostaria de ter lido para você o registro contemporâneo da criança Newton. Pois, embora seja bem conhecido de seus biógrafos, nunca foi publicado in extenso, sem comentários, tal como está. Aqui, de fato, estão os feitos de uma lenda do jovem feiticeiro, uma imagem muito alegre da mentalidade aberta do gênio, livre do mal-estar, da melancolia e da agitação nervosa do jovem e estudante. 

Com efeito, em termos modernos vulgares, Newton era profundamente neurótico, de um tipo nada desconhecido, mas — devo dizer com base nos registros — ele era um exemplo extremo disso. Seus instintos mais profundos eram ocultos, esotéricos, semânticos — com profundo retraimento em relação ao mundo, um medo paralisante de expor seus pensamentos, suas crenças, e mostrar suas descobertas em toda nudez à inspeção e à crítica mundial. “Do temperamento mais temeroso, cauteloso e suspeito que eu já conheci”, disse Whiston, seu sucessor na cadeira Lucasiana. Os conflitos muito conhecidos e as disputas ignóbeis com Hooke, Flamsteed e Leibnitz são apenas uma prova muito clara disso. Como todas as pessoas de seu tipo, ele era totalmente desinteressado em relação às mulheres. Ele deixava de lado e não publicava nada, exceto sob a pressão extrema dos amigos. Até a segunda fase de sua vida ele era um invólucro, um solitário consagrado que prosseguiu seus estudos por intensa introspecção com uma resistência mental talvez nunca igualada. 

Acredito que a pista para entender seu pensamento encontra-se em seus poderes incomuns de introspecção contínua e concentrada. Pode-se justificar isso, tal como também pode ser feito com Descartes, considerando-o como um experimentalista realizado. Nada pode ser mais encantador do que as histórias de seus artifícios mecânicos quando ele era um garoto. Aí estão seus telescópios e suas experiências ópticas. Essas foram conquistas essenciais, que fazem parte de sua técnica inigualável, mas não — estou certo disso — de seu dom peculiar, especialmente entre seus contemporâneos. Seu dom peculiar era o poder de manter continuamente em sua mente um problema puramente mental até que ele o tivesse compreendido completamente. Eu imagino que sua preeminência se deva ao fato de seus músculos da intuição serem os mais fortes e duradouros com os quais um homem já foi dotado. Qualquer pessoa que já tenha se esforçado por um pensamento científico ou filosófico puro sabe como se pode conservar um problema momentaneamente na mente e aplicar todos os seus poderes de concentração para penetrá-lo, e como ele se dissolverá e escapará enquanto você descobre que o que se está examinando ficou em branco. Acredito que Newton poderia manter um problema em sua mente por horas, dias e semanas até que o enigma lhe entregasse seu segredo. Assim, por ser um técnico matemático supremo, ele poderia prepará-lo, tal como você o faria, para fins de exposição, porém era sua intuição que era preeminentemente extraordinária — “ele era tão feliz em suas conjecturas”, disse De Morgan, “a ponto de parecer saber mais do que ele teria meios de provar”. As provas, pelo que valem, foram, como já disse, preparadas depois — elas não foram o instrumento da descoberta. 

Há a história de como ele informou Halley sobre uma de suas descobertas mais fundamentais sobre o movimento planetário. “Sim”, respondeu Halley, “mas como você sabe disso? Você já provou isso?” Newton foi pego de surpresa — “Porque eu sei disso há anos”, respondeu ele. “Se você me der alguns dias, certamente encontrarei uma prova para você” — como no devido tempo ele o fez. 

Outro caso: há algumas provas de que Newton, durante a preparação do Principia, ficou até o último momento retido por falta de provas de que se podia tratar uma esfera sólida como se toda a sua massa estivesse concentrada no centro, e o prova somente um ano antes da publicação. Mas essa era uma verdade que ele conhecia com certeza e que sempre presumiu por muitos anos. 

Certamente não pode haver dúvidas de que a peculiar forma geométrica em que a exposição do Principia está vestida não tem nenhuma semelhança com os processos mentais através dos quais Newton chegou de fato às suas conclusões. 

Suas experiências sempre foram, suspeito, um meio, não de descoberta, mas sempre de verificar o que ele já sabia. 

Por que eu o chamo de feiticeiro? Porque ele olhou para todo o universo e tudo o que há nele como se fosse um enigma. como um segredo que podia ser lido aplicando o pensamento puro a certas evidências, certas pistas místicas que Deus tinha colocado sobre o mundo para possibilitar uma espécie de caça ao tesouro filosófico pela irmandade esotérica. Ele acreditava que essas pistas podiam ser encontradas em parte nas evidências dos céus e na constituição dos elementos (e isso é o que dá a falsa idéia de que ele seja um filósofo natural experimental), mas também parcialmente em certos papéis e tradições transmitidas pelos irmãos em uma corrente ininterrupta que remonta à revelação críptica original na Babilônia. Ele considerava o universo como sendo um criptograma estabelecido pelo Todo-Poderoso — assim como ele próprio envolveu a descoberta do cálculo em um criptograma quando se comunicou com Leibnitz. Pelo puro pensamento, pela concentração da mente, o enigma, segundo ele, seria revelado ao iniciado. 

Ele leu o enigma dos céus. E ele acreditava que pelos mesmos poderes de sua imaginação introspectiva ele leria o enigma da divindade, o enigma dos eventos passados e futuros divinamente ordenados, o enigma dos elementos e sua constituição de uma primeira matéria original indiferenciada, o enigma da saúde e da imortalidade. Tudo isso

lhe seria revelado se ele pudesse perseverar até o fim, ininterruptamente, sozinho, sem ninguém entrar na sala, lendo, copiando, experimentando — tudo sozinho, sem interrupção (pelo amor de Deus!), sem revelação, sem quebras ou críticas discordantes, com medo e recolhimento enquanto ele atacava essas coisas meio proibidas, rastejando de volta ao seio da divindade como ao seio de sua mãe. “Viajando por estranhos mares de pensamento sozinho”, mas não como Charles Lamb, “um sujeito que não acreditava em nada, a menos que fosse tão claro quanto os três lados de um triângulo”. 

E assim continuou por cerca de vinte e cinco anos. Em 1687, quando ele tinha quarenta e cinco anos, foi publicado o Principia. 

Aqui, no Trinity, é justo que eu lhe dê um relato de como ele viveu entre os homens durante os anos de sua maior realização. O extremo leste da Capela se projeta mais para o leste do que o Grande Portão. Na segunda metade do século XVII, havia um jardim murado no espaço livre entre a Trinity Street e o edifício que une o Grande Portão à Capela. O muro sul se estendia da torre do Portão até uma distância que se sobrepunha à Capela pelo menos pela largura do atual pavimento. Assim, o jardim era de tamanho modesto, mas razoável. Esse era o jardim de Newton. Ele possuía o conjunto de quartos dos Fellow entre o Porter’s Lodge e a Capela — que, suponho, agora é ocupado pelo Professor Broad. O jardim tinha acesso por uma escada que estava presa a uma varanda erguida sobre pilares de madeira que se projetavam para o jardim a partir da gama de edifícios. No topo dessa escada estava seu telescópio — não confundir com o observatório instalado no topo do Grande Portão durante a vida de Newton (mas somente após ele ter saído de Cambridge) para o uso de Roger Cotes e do sucessor de Newton, Whiston. Essa construção de madeira foi, penso eu, demolida por Whewell em 1856 e substituída pela baía de pedra do quarto do professor Broad. No final da capela do jardim havia um pequeno prédio de dois andares, também de madeira, que era seu laboratório. Quando ele decidiu preparar o Principia para a publicação, contratou um jovem parente, Humphrey Newton, para atuar como seu amanuense (o manuscrito. do Principia, tal como foi para a imprensa, obviamente estava nas mãos de Humphrey). Humphrey permaneceu com ele por cinco anos — de 1684 a 1689. Quando Newton morreu, o genro de Humphrey, Conduitt, escreveu para ele por suas reminiscências, e entre os jornais que tenho está a resposta de Humphrey. 

Durante esses vinte e cinco anos de estudo intenso, a matemática e a astronomia foram apenas uma parte — e talvez não a mais absorvente — de suas ocupações. Nosso registro a respeito disso está quase totalmente confinado aos papéis que ele guardou e colocou em seu baú quando deixou o Trinity rumo a Londres. 

Deixe-me dar algumas breves indicações sobre seus temas. Eles são enormemente volumosos — devo dizer que mais de 1.000.000 de palavras escritas em sua caligrafia ainda sobrevivem. Eles não têm, sem dúvida, nenhum valor substancial, exceto por lançarem uma fascinante luz lateral sobre a mente de nosso maior gênio. 

Não exagerarei na reação contra o outro mito de Newton que tem sido tão sedutoramente criado nos últimos duzentos anos. Havia um método extremo em sua loucura. Todos os seus trabalhos inéditos sobre questões esotéricas e teológicas são marcados por um aprendizado cuidadoso, um método preciso e extrema sobriedade de afirmação. Eles seriam tão sãos quanto o Principia, se toda sua matéria e propósito não fossem mágicos. Foram compostos quase todos durante os mesmos vinte e cinco anos de seus estudos matemáticos. Eles se dividem em vários grupos. 

Muito cedo na vida, Newton abandonou a crença ortodoxa na Trindade. Nessa época, os socinianos eram uma importante seita ariana entre os círculos intelectuais. Pode ser que Newton tenha caído sob influências socinianas, mas acho que não. Ele era antes um monoteísta judaico da escola de Maimônides. Ele chegou a essa conclusão, não por motivos de racionalidade ou cepticismo, mas inteiramente pela interpretação da autoridade antiga. Ele estava convencido de que os documentos revelados não davam nenhum apoio às doutrinas trinitárias que dever-se-iam às falsificações tardias. O Deus revelado seria um só Deus.

Porém esse era um segredo terrível que Newton sofria dores desesperadas para esconder durante toda sua vida. Foi a razão pela qual ele recusou as Ordens Sagradas e, por isso, teve que obter uma permissão especial para manter seu Fellow e sua Cátedra Lucasiana, e não podia ser Mestre do Trinity. Mesmo a Lei de Tolerância de 1689 excluía os anti-Trinitarianos. Alguns rumores existiam, mas não nas épocas perigosas em que ele era um jovem Fellow do Trinity. No geral, o segredo morreu com ele. No entanto, isso foi revelado em muitos dos escritos guardados em seu grande baú. Após sua morte, o bispo Horsley foi solicitado a inspecionar o baú com a finalidade de sua publicação. Ele viu o conteúdo com horror e bateu com a tampa. Cem anos depois, Sir David Brewster olhou para dentro do baú. Ele escondeu os vestígios com extratos cuidadosamente selecionados e algumas mentiras simples. Seu último biógrafo, o Sr. More, foi mais franco. Os extensos panfletos anti-Trinitários de Newton são, a meu ver, os mais interessantes de seus trabalhos inéditos. Além de sua mais séria afirmação de crença, tenho um panfleto completo mostrando o que Newton pensava sobre a extrema desonestidade e falsificação de registros pelos quais Santo Atanásio fora responsável, em particular por ter divulgado a falsa calúnia de que Arius morreu privadamente. A vitória dos trinitários na Inglaterra na segunda metade do século XVII foi não só completa, mas também extraordinária, tal como o triunfo inicial de Santo Atanásio. Há boas razões para pensar que Locke era um Unitário. Já vi o argumento de que Milton o era. Constitui uma mancha no registro de Newton o fato de que ele não murmurou uma única palavra quando Whiston, seu sucessor na Cátedra Lucasiana, foi expulso de sua cátedra e da Universidade por declarar publicamente as opiniões que o próprio Newton tinha secretamente mantido por mais de cinquenta anos. 

O fato de ele ter abraçado tal heresia foi mais um agravante de seu silêncio e sigilo e de sua inépcia quanto à disposição. 

Outra grande seção se ocupa de todos os ramos dos escritos apocalípticos a partir dos quais ele procurou deduzir as verdades secretas do Universo — as medidas do Templo de Salomão, o Livro de David, o Livro das Revelações, um enorme volume de trabalho do qual alguma parte foi publicada em seus últimos dias. Junto com isso, há centenas de páginas de História da Igreja e afins, destinadas a descobrir a verdade da tradição. 

Uma grande seção, que a julgar pela caligrafia é das mais antigas, diz respeito à alquimia — transmutação, a pedra filosofal e o elixir da vida. O escopo e o caráter desses papéis foram abafados, ou pelo menos minimizados, por quase todos aqueles que os inspecionaram. Por volta de 1650 havia um grupo considerável em Londres, em torno da editora Cooper, que durante os vinte anos seguintes reavivou o interesse não só pelos alquimistas ingleses do século XV, mas também pelas traduções dos alquimistas medievais e pós-medievais. 

Há um número incomum de manuscritos dos primeiros alquimistas ingleses nas bibliotecas de Cambridge. Pode ser que houvesse alguma tradição esotérica contínua dentro da Universidade, que voltou a se desenvolver nos vinte anos de 1650 a 1670. Em todo caso, Newton era claramente um viciado incontrolável. Foi com isto que ele esteve ocupado “cerca de 6 semanas na primavera e 6 no outono, quando o fogo no laboratório mal se apagou”, nos mesmos anos em que ele estava compondo o Principia — e sobre isso ele não disse uma palavra a Humphrey Newton. Ademais, ele estava quase inteiramente preocupado, não com experimentos sérios, mas em tentar ler o enigma da tradição, em encontrar significado em versos crípticos, em imitar os supostos (mas em grande parte imaginários) experimentos dos iniciados dos séculos passados. Newton deixou atrás de si uma vasta massa de registros desses estudos. Acredito que a maior parte são traduções e cópias feitas por ele de livros e manuscritos existentes. Mas há também extensos registros de experimentos. Devo dizer que dei uma olhada em uma grande quantidade dessas pelo menos 100.000 palavras. É totalmente impossível negar que se trata de algo totalmente mágico e sem valor científico; e também é impossível não admitir que Newton dedicou anos de trabalho a isso. Algum tempo pode ser interessante, mas não útil, a alguns estudantes melhor equipados e mais ociosos do que eu, para entender a relação exata de Newton com a tradição e os manuscritos de seu tempo. 

Nesses estudos mistos e extraordinários, com um pé na Idade Média e um pé trilhando um caminho para a ciência moderna, Newton passou a primeira fase de sua vida, o período de vida no Trinity, quando fez todo o seu verdadeiro trabalho. Agora deixe-me passar para a segunda fase. 

Após a publicação do Principia há uma mudança completa em seu hábito e modo de vida. Acredito que seus amigos, sobretudo Halifax, chegaram à conclusão de que ele deveria abandonar a vida que levava no Trinity, o que logo o levaria à decadência da mente e da saúde. Em termos gerais, por sua própria moção ou sob persuasão, ele abandonou seus estudos. Ele se dedica aos negócios da Universidade, representa a Universidade no Parlamento; enquanto seus amigos estão ocupados tentando conseguir um trabalho digno e remunerador para ele — Preboste do King’s, Mestre da Charterhouse,  Controllership of the Mint.

Newton não podia ser Mestre do Trinity porque ele era um Unitariano e, portanto, não estava nas Ordens Sagradas. Ele foi rejeitado como Provost do King’s pela razão mais prosaica de não ser um Etoniano. Newton recebeu essa rejeição muito mal e redigiu um longo dossiê legalista, que eu possuo, apresentando as razões pelas quais não era ilícito que ele fosse aceito como reitor. Contudo, por azar, a nomeação de Newton para a Provostship veio no momento em que o King’s decidiu lutar contra o direito de nomeação da Coroa, uma luta na qual o Colégio obteve sucesso. 

Newton estava bem qualificado para qualquer um desses escritórios. Não se deve inferir de sua introspecção, de sua ausência de espírito, de seu sigilo e de sua solidão que lhe faltou aptidão para os negócios quando ele optou por exercê-la. Há muitos registros para provar sua grande capacidade. Leia, por exemplo, sua correspondência com o Dr. Covell, o Vice-Chanceler, quando, como representante da Universidade no Parlamento, ele teve que lidar com a delicada questão dos juramentos após a revolução de 1688. Com Pepys e Lowndes, ele se tornou um dos maiores e mais eficientes de nossos funcionários públicos. Ele foi um investidor de fundos muito bem sucedido, superando a crise da bolha do Mar do Sul, e morreu como um homem rico. Ele possuía em grau excepcional quase todo tipo de aptidão intelectual, de historiador e teólogo, não menos que de matemático, físico e astrônomo. 

E quando chegou no fim de sua vida e colocou seus livros de magia de volta no baú, foi fácil para ele deixar o século XVII para trás e evoluir para a figura do século XVIII, que é o tradicional Newton. 

Entretanto, o movimento por parte de seus amigos para conseguir uma mudança de vida chegou quase tarde demais. Em 1689, sua mãe, a quem ele estava profundamente ligado, morreu. Em algum momento de seu cinquentenário, no dia de Natal de 1692, ele sofreu o que agora deveríamos chamar de um grave colapso nervoso. Melancolia, insônia, medo de perseguição — ele escreveu a Pepys e Locke e, sem dúvida, escreveu a outros cartas que os levaram a pensar que sua mente enlouquecera. Ele perdeu, em suas próprias palavras, a “consistência anterior de sua mente”. Nunca mais se concentrou novamente à moda antiga ou realizou qualquer trabalho novo. O colapso provavelmente durou quase dois anos, e dele surgiu, ligeiramente “entusiástico” — mas mesmo assim, sem dúvida —, uma das mentes mais poderosas da Inglaterra. o Sir Isaac Newton da tradição. 

Em 1696 seus amigos finalmente conseguiram tirá-lo de Cambridge, e por mais de vinte anos ele reinou em Londres por ser o homem mais famoso de sua época na Europa, enquanto seus poderes diminuíam gradualmente à medida que sua afabilidade aumentava — e talvez ele fosse o mais famoso de todos os tempos, assim parecia aos seus contemporâneos. 

Newton montou uma casa com sua sobrinha, Catharine Barton, que era, sem dúvida, a amante de seu velho e leal amigo Charles Montague, Conde de Halifax e Chanceler do Tesouro, que havia sido um dos amigos íntimos de Newton quando ele era estudante do Trinity. Catharine tinha fama de ser uma das mulheres mais brilhantes e charmosas da Londres de Congreve, Swift e Pope. Ela é celebrada, não menos pela amplitude de suas histórias, no Swift’s Journal to Stella. Newton engorda um pouco demais para sua altura moderada. “Quando ele andava em sua diligência, um braço ficava para fora dela de um lado e o outro de outro”. Seu rosto rosa, sob uma massa de cabelos brancos como a neve, a qual “quando estava sem peruke era uma visão venerável”, é cada vez mais benevolente e majestoso. Uma noite no Trinity a seguir a Hall, ele é nomeado cavaleiro pela Rainha Ana. Por quase vinte e quatro anos, ele reina como Presidente da Royal Society. Ele se torna um dos principais pontos turísticos de Londres para todos os visitantes intelectuais estrangeiros, os quais ele entretém de maneira encantadora. Ele se esforça para conseguir jovens inteligentes para editar novas edições do Principia — e às vezes consegue apenas plausíveis, como no caso de Facio de Duillier. 

A magia foi completamente esquecida. Ele se tornou o Sábio e o Monarca da Era da Razão. O Sir Isaac Newton da tradição ortodoxa — o Sir Isaac do século XVIII, muito afastado do mago infantil nascido na primeira metade do século XVII — estava sendo construído. Voltaire retornando de sua viagem a Londres pôde relatar que Sir Isaac “foi sua felicidade peculiar, não só por ter nascido em um país de liberdade, mas em uma época em que todas as impertinências escolares foram banidas do mundo”. Só a razão era cultivada e a humanidade só podia ser sua Aluna, não sua Inimiga!  Newton, que tinha heresias secretas e superstições escolásticas, o estudo de uma vida inteira a esconder! 

Porém, ele nunca mais se concentrou, nunca recuperou “a consistência anterior de sua mente”, “ele falava muito pouco em companhia”. “Ele tinha algo bastante lânguido em seu aspecto e em sua maneira de ser”.

E ele raramente olhava, espero, para dentro do baú onde, ao sair de Cambridge, tinha empacotado todas as evidências do que o ocupara e assim absorvera seu espírito intenso e flamejante em seus quartos, seu jardim e seu laboratório entre o Grande Portão e a Capela. 

Contudo, ele não os destruiu. Eles permaneceram na caixa para chocar profundamente qualquer olhar curioso do século XVIII ou XIX. Eles se tornaram a posse de Catharine Barton e depois de sua filha, a Condessa de Portsmouth. Assim, o baú de Newton. com muitas centenas de milhares de palavras de seus escritos inéditos, passou a constar nos ‘Papéis de Portsmouth’. 

Em 1888, a parte matemática foi dada à Biblioteca da Universidade de Cambridge. Elas foram indexadas, mas nunca foram editadas. O restante, uma coleção muito grande, foi dispersada na sala de leilão em 1936 pelo descendente de Catharine Barton. o atual Lord Lymington. Perturbado por tal impiedade, consegui reunir gradualmente cerca da metade deles. incluindo quase toda a parte biográfica, ou seja, os ‘Conduitt Papers’, a fim de trazê-los para Cambridge, a qual espero que eles nunca deixem. A maior parte do resto foi arrancada do meu alcance por um sindicato que esperava vendê-los a um preço elevado, provavelmente na América, por ocasião do recente tricentenário. 

À medida que uma pessoa se aproxima dessas coleções estranhas, é mais fácil entender — com um entendimento que não é, espero, distorcido numa outra direção — esse espírito estranho, que foi tentado pelo diabo a acreditar, no momento em que dentro dessas paredes ele estava resolvendo de tudo, que podia alcançar todos os segredos de Deus e da Natureza pelo puro poder da mente — ele é Copérnico e Fausto em um só.

Sobre o Autor ou Tradutor

Bernardo Santos

Aluno do Olavão, bacharel em matemática, amante da Filosofia, tradutor e músico nas horas vagas, Bernardo Santos é administrador principal do Diário Intelectual.

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