O Objetivo da Filosofia — Alfred North Whitehead

“O Objetivo da Filosofia” é um epílogo extraído da obra “Modes of Thought”, do grande  filósofo e matemático inglês, Alfred North Whitehead.


A tarefa de uma Universidade é a de criar o futuro, na medida em que o pensamento racional, e os modos civilizados de apreciação, podem afetar a questão. O futuro é imenso, com todas as possibilidades de realização e de tragédia.

Em meio a essa cena de ação criativa, qual é a função especial da filosofia?

Para responder a tal pergunta, devemos primeiro decidir o que constitui o caráter filosófico de qualquer doutrina em particular. O que torna uma doutrina filosófica? Nenhuma verdade, entendida em toda a infinidade de suas orientações, é mais ou menos filosófica do que qualquer outra verdade. A busca da filosofia é o único hobby que é negado à onisciência.

A filosofia é uma atitude do espírito em relação às doutrinas ignorantemente entretidas. Pela expressão “ignorantemente entretidas”, quero dizer que o significado completo da doutrina, em relação à infinidade de circunstâncias para as quais ela é relevante, não é compreendido. A atitude filosófica é uma tentativa resoluta de ampliar a compreensão do escopo de aplicação de toda noção que entra em nosso pensamento vigente. A tentativa filosófica considera cada palavra — e cada frase — da expressão verbal do pensamento, e pergunta: O que significa isso? Recusa-se a ficar satisfeita com o pressuposto convencional de que toda pessoa sensata sabe a resposta. Assim que você fica satisfeito com idéias primitivas, e com propostas primitivas, você deixa de ser um filósofo.

É claro que você tem que começar em algum lugar para fins de discurso. Contudo, o filósofo, conforme argumenta a partir de suas premissas, já assinalou cada palavra e frase nelas como tópicos para futuras pesquisas. Nenhum filósofo está satisfeito com a concordância das pessoas sensíveis, sejam elas seus colegas, ou mesmo seu próprio eu anterior. Ele está sempre atacando os limites da finitude.

O cientista também amplia o conhecimento. Ele começa com um grupo de noções primitivas e de relações primitivas entre essas noções, o que define o escopo de sua ciência. Por exemplo, a dinâmica newtoniana assume o espaço euclidiano, a matéria maciça, o movimento, as tensões e pressões, e a noção mais geral de força. Há também as leis do movimento, e alguns outros conceitos adicionados mais tarde. A ciência consistiu na dedução das conseqüências, pressupondo a aplicabilidade dessas idéias.

Em relação à Dinâmica Newtoniana, o cientista e o filósofo se encontram em direções opostas. O cientista questiona sobre as consequências, e procura observar a realização de tais consequências no universo. O filósofo pede o significado dessas idéias em termos da confusão de caracterizações que infestam o mundo.

É evidente que cientistas e filósofos podem ajudar uns aos outros. Pois o cientista às vezes deseja uma nova idéia, e o filósofo é esclarecido quanto aos significados pelo estudo das consequências científicas. Seu modo habitual de intercomunicação se dá através do compartilhamento dos hábitos vigentes do pensamento cultural.

Há um pressuposto insistente que esteriliza continuamente o pensamento filosófico. É a crença — a convicção muito natural — de que a humanidade tem conscientemente introduzido todas as idéias fundamentais que são aplicáveis à sua experiência. Além disso, considera-se que a linguagem humana, em palavras únicas ou em frases, expressa explicitamente essas idéias. Vou chamar esse pressuposto de “A Falácia do Dicionário Perfeito”.

É aqui que o filósofo, como tal, divide a empresa com o acadêmico. O acadêmico investiga o pensamento humano e a realização humana, armado com um dicionário. Ele é o principal sustentáculo do pensamento civilizado. Sendo assim, além de erudito você pode também ser moral, religioso e simpático. Mas você não é totalmente civilizado. Faltar-lhe-á o poder da delicada exatidão de expressão.

É óbvio que o filósofo precisa de erudição, assim como ele precisa de ciência. Mas tanto a ciência quanto a erudição são armas subsidiárias para a filosofia.

A Falácia do Dicionário Perfeito divide os filósofos em duas escolas, a ‘Escola Crítica’, que repudia a filosofia especulativa, e a ‘Escola Especulativa’, que a inclui. A escola crítica se limita à análise verbal dentro dos limites do dicionário. A escola especulativa apela para o discernimento direto, e tenta indicar seus significados através de um maior apelo às situações que promovem tais discernimentos específicos. Em seguida, ela amplia o dicionário. A divergência entre as escolas é a disputa entre segurança e aventura.

A força da escola crítica reside no fato de que a doutrina da evolução nunca ingressou, em nenhum sentido radical, na antiga erudição. Assim, surge o pressuposto de uma especificação fixa da mente humana; e a blue-print dessa especificação é o dicionário.

Apelo para dois grandes momentos da história da filosofia. Sócrates passou sua vida a analisar os pressupostos vigentes do mundo ateniense. Ele reconheceu explicitamente que sua filosofia era uma atitude diante da ignorância. Ele era crítico e ao mesmo tempo construtivo.

Harvard está legitimamente orgulhosa do grande período de seu departamento filosófico de cerca de trinta anos atrás. Josiah Royce, William James, Santayana, George Herbert Palmer e Münsterberg constituem um grupo do qual se pode orgulhar. Entre eles, as realizações de Palmer centram-se principalmente na literatura e em seu brilhantismo como conferencista. O grupo é um conjunto de homens individualmente grandes. Mas, como grupo, eles são ainda maiores. É um grupo de aventura, de especulação, de busca de novas idéias. Ser um filósofo é humildemente se aproximar da principal característica desse grupo de homens.

Utilizar a filosofia é manter uma inovação ativa de idéias fundamentais que iluminam o sistema social. Ela reverte a lenta descida do pensamento aceito em direção ao lugar-comum inativo. Se você preferir dizer assim, a filosofia é mística. Pois o misticismo é uma visão direta das profundezas ainda não ditas. Porém, o propósito da filosofia é racionalizar o misticismo: não explicando-o, mas através da introdução de novas caracterizações verbais, coordenadas racionalmente.

A filosofia é semelhante à poesia, e ambas buscam expressar aquele bom senso último a que chamamos de civilização. Em cada caso há uma referência a formar que vai além dos significados diretos das palavras. A poesia se alia ao metro, a filosofia ao padrão matemático.


Se esta tradução foi útil para você, apoie nosso projeto através de um Pix de qualquer valor para que possamos continuar trazendo mais conteúdos como esse. Agradecemos imensamente pelo seu apoio! Chave Pix: diariointelectualcontato@gmail.com

Você também pode adquirir algumas das obras do filósofo traduzidas por nós neste link.

Sobre o Autor ou Tradutor

Bernardo Santos

Aluno do Olavão, bacharel em matemática, amante da Filosofia, tradutor e músico nas horas vagas, Bernardo Santos é administrador principal do Diário Intelectual.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Você também pode gostar disto: