Moralidade Negativa e Positiva — Gilbert Keith Chesterton

Moralidade Negativa e Positiva” foi primeiramente publicado no Illustrated London News (ILN) em 3 de Janeiro de 1920.


Uma vasta quantidade de bobagens é falada contra coisas negativas e destrutivas. O tipo mais bobo de progressista reclama da moralidade negativa, e a compara desfavoravelmente com a moralidade positiva. O tipo mais bobo de conservador reclama da reforma destrutiva e a compara desfavoravelmente com uma reforma construtiva. Tanto o progressista quanto o conservador negligenciam totalmente a consideração do próprio significado das palavras “sim” e “não”. Dar a resposta “sim” a uma pergunta é implicar a resposta “não” a outra pergunta. Desejar a construção de algo é desejar a destruição de qualquer coisa que impeça sua construção. Isso é particularmente claro na confusão sobre a moralidade “negativa” dos Dez Mandamentos. A verdade é que a brevidade dos Mandamentos é uma evidência, não da escuridão e estreiteza de uma religião, mas de sua liberalidade e humanidade. É mais curto declarar as coisas proibidas do que as coisas permitidas, precisamente porque a maioria das coisas é permitida e apenas algumas coisas são proibidas. Um otimista que insistisse em uma moralidade puramente positiva teria que começar por dizer a um homem que ele pode colher dentes-de-leão em um lugar comum e assim continuar a falar por meses antes de chegar ao fato de que o homem pode jogar seixos no mar. Em comparação com essa moralidade positiva, os Dez Mandamentos resplandecem melhor nessa brevidade que é a alma da sagacidade.

Mas é claro que a falácia é ainda mais fundamental do que isso. Moralidade negativa é moralidade positiva, declarada da maneira mais simples e, portanto, a mais positiva. Se me dizem para não assassinar o Sr. Robinson, se me mandam parar no próprio ato de assassinar o Sr. Robinson, é óbvio que o Sr. Robinson não apenas é poupado, mas em certo sentido ele é renovado, e até mesmo criado. E aqueles que gostam de Mr. Robinson, e dentre eles meu romantismo reacionário talvez possa sugerir a inclusão da Sra. Robinson, estarão bem cientes de que recuperaram uma unidade viva e complexa. Do mesmo modo, aqueles que gostam da civilização européia, e do código comum do que costumava ser chamado de cristandade, perceberão que a salvação não é negativa, mas altamente positiva, e até mesmo altamente complexa. Eles se regozijarão com o fato de terem sido salvos, muito antes de terem tempo livre para examinar o assunto. No entanto, mesmo sem exame, eles saberão que há muito a ser analisado, e muito que vale a pena ser examinado. Nada é negativo, exceto o nada. Não é nosso resgate que foi negativo, mas apenas o nada e a aniquilação da qual fomos resgatados. 

Por outro lado, existe a mesma falácia sobre a reforma meramente destrutiva. Ela poderia ser aplicada com a mesma facilidade à guerra meramente destrutiva. Em ambos os casos, a destruição pode ser essencial para evitar a destruição, e também para a própria possibilidade de construção. Os homens simplesmente não destroem um navio para que ele naufrague; eles podem simplesmente destruir uma árvore para ter um navio. Queixar-se de que passamos quatro anos na Grande Guerra em mera destruição é queixar-se de que os passamos fugindo de ser destruídos. E é, com efeito, esquecer o fato de que o fracasso do assassino significa a vida de um Sr. Robinson positivo e não um Sr. Robinson negativo. Se considerarmos o imaginário Sr. Robinson como sendo um homem médio moderno na Europa Ocidental, e o estudarmos da cabeça aos pés, encontraremos defeitos assim como méritos. E em toda a civilização que salvamos encontraremos defeitos que equivalem a doenças. Seus pés, se não forem de barro, certamente estão no barro, presos na lama de uma miséria industrial materialista e de desespero. Dizer que ter salvo o Sr. Robinson do estrangulamento é um bem e uma glória positivos é não perceber todo o sentido da vida humana. É deixar de lado todo bem assim que o salvamos, ou seja, perdê-lo assim que o adquirimos. O progresso desse tipo é uma esperança que é inimiga da fé, e uma fé que é inimiga da caridade.

Quando nossas esperanças para o tempo vindouro nos parecerem inquietantes ou duvidosas, e a paz caótica, lembremos que é realmente nossa decepção que é uma ilusão. É a nossa salvação que é uma realidade. Nossos motivos para agradecer são realmente muito maiores do que a nossa capacidade de sermos gratos. É na atmosfera de um tipo nobre de humildade, e até mesmo de um tipo nobre de medo, que se fazem realmente coisas novas. Nós adornamos as coisas quando mais as amamos. E as amamos mais quando quase as perdemos.


Se esta tradução foi útil para você, apoie nosso projeto através de um Pix de qualquer valor para que possamos continuar trazendo mais conteúdos como esse. Agradecemos imensamente pelo seu apoio! Chave Pix: diariointelectualcontato@gmail.com

Leia mais artigos do G. K. Chesterton aqui.

Recomendação de leitura: Ortodoxia – G. K. Chesterton.

Sobre o Autor ou Tradutor

Bernardo Santos

Aluno do Olavão, bacharel em matemática, amante da Filosofia, tradutor e músico nas horas vagas, Bernardo Santos é administrador principal do Diário Intelectual.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Você também pode gostar disto: