Gnosticismo: Uma Breve Introdução — Eric Voegelin

“Gnosticismo: Uma Breve Introdução” foi escrito por Eric Voegelin.


O caráter falacioso de um eidos da história [a crença de que todo o curso da história pode ser conhecido] foi demonstrado a princípio — mas a análise pode e deve ser levada um passo adiante em certos detalhes. O simbolismo cristão do destino sobrenatural tem em si uma estrutura teorética, e essa estrutura continua dentro das variantes da imanentização. O progresso do peregrino, a santificação da vida, é um movimento em direção a um telos, uma meta; e essa meta, a Visão Beatífica, é um estado de perfeição.

Portanto, no simbolismo cristão, pode-se distinguir o movimento, enquanto seu componente teleológico, de um estado de valor mais elevado, enquanto componente axiológico1. Os dois componentes reaparecem nas variantes da imanentização e, portanto, podem ser classificados como variantes que acentuam o componente teleológico ou o axiológico ou combinam ambos em seu simbolismo.

No primeiro caso, quando a ênfase está fortemente no movimento, sem que haja clareza sobre a perfeição final, o resultado será a interpretação progressista da história. O objetivo não precisa ser esclarecido porque os pensadores progressistas, homens como Diderot ou D’Alembert, assumem uma seleção de fatores desejáveis como padrão e interpretam o progresso como um aumento qualitativo e quantitativo do bem presente — a expressão “maior e melhor” de nosso slogan simplificador. Essa é uma atitude conservadora e pode se tornar reacionária, a menos que o padrão original seja ajustado à situação histórica em transformação.

No segundo caso, quando a ênfase recai fortemente sobre o estado de perfeição, sem clareza sobre os meios necessários para sua realização, o resultado será o utopismo. Ele pode assumir a forma de um mundo de sonho axiológico, como na Utopia de More, quando o pensador ainda está ciente de que e por que o sonho é irrealizável; ou, com o aumento do analfabetismo teorético, pode assumir a forma de vários idealismos sociais, tais como a abolição da guerra, da distribuição desigual da propriedade, do medo e da carência.

E, por fim, a imanentização pode se estender ao símbolo cristão completo. O resultado será então o misticismo ativo de um estado de perfeição, a ser alcançado por meio de uma transfiguração revolucionária da natureza do homem, como, por exemplo, no marxismo.

Cego para uma Falácia Elementar

A tentativa de construir um eidos da história levará à imanentização falaciosa do eschaton cristão. A compreensão da tentativa como falaciosa, entretanto, levanta questões desconcertantes com relação ao tipo de homem que se entregará a ela. A falácia parece bastante elementar. Pode-se presumir que os pensadores que se entregaram a ela não eram inteligentes o suficiente para penetrá-la? Ou que eles a perceberam, mas a propagaram por algum motivo obscuro e maligno?

O simples fato de fazer essas perguntas implica sua negação. Obviamente, não se pode explicar sete séculos de história intelectual pela estupidez e desonestidade. Em vez disso, é preciso presumir que exista um impulso na alma desses homens que os cegou para a falácia. A natureza desse impulso não pode ser descoberta submetendo-se a estrutura da falácia a uma análise ainda mais detalhada. A atenção deve se concentrar no que os pensadores alcançaram com sua construção falaciosa.

Sobre esse ponto não há dúvidas. Eles alcançaram uma certeza sobre o significado da história e sobre seu próprio lugar nela, a qual de outra forma não teriam. As certezas, agora, estão em demanda com o propósito de superar as incertezas com seu acompanhamento de ansiedade; e a próxima pergunta seria:  Que incerteza específica foi tão perturbadora que teve de ser superada pelos meios duvidosos da imanentização falaciosa?

Não é preciso ir muito longe para encontrar uma resposta. A incerteza é a própria essência do cristianismo. O sentimento de segurança em um “mundo cheio de deuses” se desvanece junto com os próprios deuses; quando o mundo é desdivinizado, a comunicação com o Deus que transcende o mundo é reduzida ao tênue vínculo da fé, no sentido de Hb 11:1, enquanto substância das coisas que se esperam e prova das coisas que não se vêem.

As Consequências Sociais de um Colapso da Fé

Ontologicamente, a substância das coisas que se esperam não pode ser encontrada em lugar algum, a não ser na própria fé; e, epistemologicamente, não há prova para as coisas que não se vêem, a não ser nessa mesma fé2. O vínculo é tênue, de fato, e pode se romper facilmente. A vida da alma que se abre para Deus, a espera, os períodos de aridez e torpor, a culpa e o desânimo, a contrição e o arrependimento, a antecipação e a esperança contra a esperança, os movimentos silenciosos do amor e da graça, o tremor à beira da certeza de que se ganhar é perder — a própria leveza desse tecido pode se mostrar um fardo pesado demais para os homens que anseiam por uma experiência maciçamente possessiva.

O perigo de um colapso da fé em um grau socialmente relevante, agora, aumentará na medida em que o cristianismo for um sucesso no mundo, ou seja, crescerá quando o cristianismo penetrar completamente em uma área civilizacional, apoiado pela pressão institucional, e quando, ao mesmo tempo, passar por um processo interno de espiritualização, de uma realização mais completa de sua essência.

Quanto mais pessoas forem atraídas ou pressionadas a entrar na órbita cristã, maior será o número entre elas que não tem o vigor espiritual para a aventura heróica da alma que é o cristianismo; e a probabilidade de uma queda da fé aumentará quando o progresso civilizacional da educação, da alfabetização e do debate intelectual trouxer a seriedade total do cristianismo à compreensão de um número cada vez maior de indivíduos.

Gnosticismo: A História de sua Análise

O leitor pode se surpreender ao ver pensadores e movimentos políticos modernos tratados sob o título de “gnosticismo”. Como o estado da ciência nessa área ainda é amplamente desconhecido do público em geral, uma explicação introdutória não será desagradável.

A idéia de que uma das principais correntes do pensamento europeu, especialmente do alemão, é essencialmente gnóstica parece estranha hoje em dia, mas essa não é uma descoberta recente. Até cerca de cem anos atrás, os fatos sobre o assunto eram bem conhecidos. Em 1835, foi publicada a monumental obra de Ferdinand Christian Baur, Die christliche Gnosis, oder die Religionsphilosophie in ihrer geschichtlichen Entwicklung

Sob o título “Ancient Gnosticism and Modern Philosophy of Religion” (Gnosticismo Antigo e Filosofia Moderna da Religião), a última parte dessa obra discute: (1) a teosofia de Böhme, (2) a filosofia da natureza de Schelling, (3) a doutrina da fé de Schleiermacher e (4) a filosofia da religião de Hegel. A especulação do idealismo alemão é corretamente colocada em seu contexto no movimento gnóstico desde a antiguidade. Ademais, o trabalho de Baur não foi um evento isolado: ele concluiu cem anos de preocupação com a história da heresia — um ramo de estudos que, não sem razão, se desenvolveu durante o Iluminismo. 

Mencionarei apenas o enciclopédico Versuch einer unparteiischen und gründlichen Ketzergeschichte (Segunda Edição, 1748), de Johann Lorenz von Mosheim, e duas obras sobre o gnosticismo antigo da própria época de Baur, Genetische Entwicklung der vornehmsten gnostischen Systeme (1818), de Johann August Neander, e Histoire critique du Gnosticisme et de son influence sur les sectes religieuses et philosophiques des six premiers siècles de l’ère chrétienne (1828), de Jacques Matter. 

Era bem sabido que, com o Iluminismo e o idealismo alemão, o movimento gnóstico havia adquirido grande importância social. Nessa questão, como em muitas outras, o entendimento e o auto-conhecimento da civilização ocidental não haviam submergido até que surgisse a era liberal, na segunda metade do século XIX, durante o reinado do positivismo nas ciências do homem e da sociedade. A submersão foi tão profunda que, quando o movimento gnóstico atingiu sua fase revolucionária, sua natureza não pôde mais ser reconhecida. 

Sem Instrumentos para Compreender os Horrores

Os movimentos derivados de Marx e Bakunin, as primeiras atividades de Lênin, o mito da violência de Sorel3, o movimento intelectual do neopositivismo, as revoluções comunista, fascista e nacional-socialista — todos ocorreram em um período, que felizmente faz parte do passado, quando a ciência estava em baixa. 

A Europa não tinha ferramentas conceituais para compreender o horror que se abatia sobre ela. Havia um estudo acadêmico sobre as igrejas e seitas cristãs; havia uma ciência do governo, baseada nas categorias do Estado-nação soberano e suas instituições; havia o início de uma sociologia do poder e da autoridade política; mas não havia ciência dos movimentos intelectual e de massas que eram não-cristãos e não-nacionais, graças aos quais a Europa dos Estados-nação cristãos estava em processo de ruptura. 

Como esse novo fenômeno político não podia ser desconsiderado em sua dimensão maciça, várias noções provisórias foram criadas para lidar com ele. Falava-se de movimentos neo-pagãos, de novos mitos sociais e políticos ou dos mystiques politiques. Eu também tentei utilizar uma dessas explicações ad hoc em um pequeno livro sobre “religiões políticas”. A pesquisa sobre o gnosticismo antigo tem uma história complexa de mais de duzentos anos. Para entender esse desenvolvimento, deve-se consultar as pesquisas históricas em Die Hauptprobleme der Gnosis (1907), de Wilhelm Bousset, e Gnosis und spätantiker Geist (1934; 1954), de Hans Jonas. Para os problemas do gnosticismo em si, veja essas duas obras e Die Gnosis (1924; Quarta Edição, 1955) de Hans Leisegang. Gnosis als Weltreligion (1951), de Gilles Quispel, é uma introdução concisa feita por uma das maiores autoridades4.

Sob a influência de uma compreensão mais profunda do gnosticismo e de suas conexões com o judaísmo e o cristianismo, uma nova interpretação da história intelectual européia e da política moderna vem se desenvolvendo. Por exemplo, o Apokalypse der deutschen Seele (1937), de Hans Urs von Balthasar, cujo primeiro volume foi reeditado em 1947 com o título Prometheus, ajuda a esclarecer a história alemã desde o século XVIII. A obra paralela sobre a história francesa é L’Homme Révolté (O Homem Revoltado, 1951), de Albert Camus. 

E a interpretação da história intelectual que forma a base de meu presente ensaio foi, ademais, fortemente influenciada pelo Drame de l’Humanisme Athée (Segunda Edição, 1945) de Henri de Lubac [O Drama do Humanismo Ateu, trad. Edith M. Riley (1950)]. A obra Abendländische Eschatologie (1947), de Jakob Taubes, é importante para restabelecer a continuidade histórica do gnosticismo desde a antiguidade, passando pela Idade Média, até os movimentos políticos dos tempos modernos. 

Indispensável para qualquer tentativa de entender o sectarismo político do século XI ao século XVI é a extensa apresentação do material em The Pursuit of the Millennium (1957; Segunda Edição, 1961), de Norman Cohn. Por fim, meus próprios estudos sobre o gnosticismo político moderno podem ser encontrados em The New Science of Politics (A Nova Ciência da Política, 1952).

As Ansiedades que Levam ao Gnosticismo

O colapso dos antigos impérios do Oriente5, a perda da independência de Israel e das cidades-estado helênicas e fenícias, os deslocamentos populacionais, as deportações e escravizações e a interpenetração de culturas reduzem os homens que não exercem nenhum controle sobre os procedimentos da história a um estado extremo de abandono na turbulência do mundo, de desorientação intelectual, de insegurança material e espiritual. A perda de significado que resulta do colapso das instituições, civilizações e coesão étnica evoca tentativas de recuperar a compreensão do significado da existência humana nas condições dadas pelo mundo. 

Entre essas tentativas, que variam amplamente em profundidade de percepção e verdade substantiva, encontram-se: a reinterpretação estóica do homem (para quem a polis havia se tornado sem sentido) como sendo um polites (cidadão) do cosmos, a visão polibiana de uma ecumene pragmática destinada a ser criada por Roma, as religiões de mistério, os cultos de escravos heliopolitanos, a apocalíptica hebraica, o cristianismo e o maniqueísmo. E nessa sequência, como uma das mais grandiosas das novas formulações sobre o significado da existência, está o gnosticismo.

Da profusão de experiências gnósticas e expressões simbólicas, uma característica pode ser destacada como o elemento central nessa variada e extensa criação de significado: a experiência do mundo como um lugar estranho no qual o homem se desviou e a partir do qual ele deve encontrar o caminho de volta para casa, para o outro mundo que lhe deu origem. 

“Quem me lançou no sofrimento deste mundo?”, pergunta a “Grande Vida” dos textos gnósticos, que também é a “primeira Vida estrangeira proveniente dos mundos de luz”6. Ela é estrangeira neste mundo e este mundo é estrangeiro para ela. “Este mundo não foi feito de acordo com o desejo da Vida”. “Não foi pela vontade da Grande Vida que você chegou até aqui”. Por isso a pergunta: “Quem me levou para as trevas malignas?” e a súplica: “Livrai-nos das trevas deste mundo para o qual fomos lançados”. 

O mundo não é mais o bem-ordenado, o cosmos, no qual o homem helênico se sentia em casa; nem é o mundo judaico-cristão que Deus criou e considerou bom. O homem gnóstico não deseja mais perceber com admiração a ordem intrínseca do cosmos. 

Para ele, o mundo se tornou uma prisão da qual ele quer escapar: “A alma miserável se perdeu em um labirinto de tormento e vagueia sem saída. […] Ela procura escapar do amargo caos, mas não sabe como sair”. Por isso, a pergunta confusa e queixosa feita à Grande Vida: “Por que criaste este mundo, por que ordenaste que as tribos saíssem do teu território?” 

O Gnosticismo Antigo e suas Formas Contemporâneas 

Dessa atitude nasce a fórmula programática do gnosticismo, que Clemente de Alexandria registrou: Gnose é “o conhecimento de quem éramos e do que nos tornamos, de onde estávamos e para onde fomos lançados, para onde estamos indo e de onde somos redimidos, o que é o nascimento e o que é o renascimento”. Os grandes mito-poemas especulativos do gnosticismo giram em torno das questões da origem, da condição de ter sido lançado, da fuga do mundo e dos meios de libertação.

Nos textos citados, o leitor terá reconhecido o espírito alienado em Hegel e o lançamento (Geworfenheit) da existência humana segundo Heidegger7. Essa semelhança na expressão simbólica resulta de uma homogeneidade na experiência do mundo. E a homogeneidade vai para além da experiência do mundo, para a imagem do homem e da salvação, com a qual tanto os gnósticos modernos quanto os antigos respondem à condição de “lançamento” no mundo estrangeiro. Para que o homem seja libertado do mundo, a possibilidade de libertação deve primeiro ser estabelecida na ordem do ser.

Na ontologia do gnosticismo antigo, isso é realizado por meio da fé no Deus “estrangeiro”, “oculto”, que vem em auxílio do homem, envia-lhe seus mensageiros e mostra-lhe o caminho para sair da prisão do Deus maligno deste mundo (seja ele Zeus, Yahweh ou um dos outros deuses paternos antigos). No gnosticismo moderno, isso é realizado por meio da suposição de um espírito absoluto que, no desdobramento dialético da consciência, procede da alienação para a consciência de si mesmo; ou por meio da suposição de um processo dialético-material da natureza que, em seu curso, conduz da alienação resultante da propriedade privada e da crença em Deus para a liberdade de uma existência totalmente humana; ou por meio da suposição de uma vontade da natureza que transforma o homem em super-homem.

Dentro da possibilidade ôntica, no entanto, o homem gnóstico deve realizar o trabalho de salvação por si mesmo. Ora, por meio de sua psique (“alma”) ele pertence à ordem, ao nomos, do mundo; o que o impele à libertação é o pneuma (“espírito”). O trabalho de salvação, portanto, implica a dissolução da constituição mundana da psique e, ao mesmo tempo, a reunião e a liberação dos poderes do pneuma. Seja qual for a forma como as fases da salvação são representadas nas diferentes seitas e sistemas — e elas variam de práticas mágicas a êxtases místicos, da libertinagem, passando pelo indiferentismo em relação ao mundo, até o mais estrito ascetismo — o objetivo é sempre a destruição do velho mundo e a passagem para o novo. 

O Conhecimento como Instrumento de Salvação

O instrumento de salvação é a própria gnose — o conhecimento. Uma vez que, de acordo com a ontologia gnóstica, o emaranhamento com o mundo é causado pela agnoia, a ignorância, a alma será capaz de se desvencilhar por meio do conhecimento de sua verdadeira vida e de sua condição de alienação neste mundo. Como sendo o conhecimento da queda no cativeiro no mundo, a gnose é, ao mesmo tempo, o meio de escapar dele.

Assim, Irineu relata o significado que a gnose tinha para os valentinianos:

A salvação perfeita consiste no conhecimento, enquanto tal, da Grandeza Inefável. Pois como o pecado e a aflição resultaram da ignorância (agnoia), todo esse sistema originário da ignorância é dissolvido pelo conhecimento (gnose). Portanto, a gnose é a salvação do homem interior. […]  A gnose redime o homem interior, o homem pneumático; ele encontra sua satisfação no conhecimento do Todo. E essa é a verdadeira salvação.

Isso terá que ser suficiente como forma de esclarecimento, exceto por uma advertência. A auto-salvação por meio do conhecimento tem sua magia própria, e essa magia não é inofensiva. A estrutura da ordem do ser não mudará porque alguém a considera defeituosa e foge dela. 

A tentativa de destruição do mundo não destruirá o mundo, mas apenas aumentará a desordem na sociedade. É compreensível que o gnóstico fuja de um estado verdadeiramente terrível, confuso e opressivo do mundo. Todavia, a ordem do mundo antigo foi renovada por aquele movimento que se esforçou, por meio de ações amorosas, para reviver a prática do “jogo sério” (para usar a expressão de Platão) — ou seja, com o cristianismo.

Voegelin Reconsidera sua Análise do Gnosticismo

Maria Andary: Você agrupa os gnósticos com os ideólogos?

Eric Voegelin: Não; aí você entra nos “ismos” novamente. Talvez eu tenha dado uma atenção indevida ao gnosticismo no primeiro livro que publiquei em inglês, A Nova Ciência da Política.

Essa foi a época em que começou a explosão histórica de conhecimento que estamos vivendo hoje. Aconteceu de eu me deparar com o problema do gnosticismo em minha leitura de von Balthasar. Mas, nesse meio tempo, descobrimos que a tradição apocalíptica é de igual importância, assim como a tradição neoplatônica, o hermetismo, a magia e assim por diante.

Se você ler o livro de Frances Yates sobre Giordano Bruno8, verá que o misticismo gnóstico de Ficino é uma constante desde o final do século XV, indo até as ideologias do século XIX. Portanto, há cinco ou seis itens desse tipo — não apenas o gnosticismo — com os quais temos de lidar. Se todos os novos tipos tiverem de ser introduzidos, a doutrina simples não será mais muito útil.

E algo novo pode ser descoberto amanhã. Thorndike, um excelente historiador da Universidade de Columbia, publicou, entre as décadas de 1920 e 1950, oito grandes volumes sobre a história da magia9. Ainda não consegui digerir esses materiais e usá-los como deveriam ser usados para a compreensão da gênese do pensamento mágico moderno. A maior parte do que normalmente chamamos de “ideologias” são operações mágicas no mesmo sentido em que Malinowski usa a magia dos habitantes das Ilhas Trobriand.

Eric O’Connor: Em que sentido você está usando magia lá?

Eric Voegelin: Magia significa a tentativa de realizar um fim desejado que não pode ser alcançado se levarmos em conta a estrutura da realidade. Não é possível, por meio de operações mágicas, pular pela janela e alçar voo — mesmo que você queira. Se tentar fazer esse tipo de coisa — por exemplo, produzir uma mudança na natureza do homem por meio da ditadura do proletariado — você está envolvido em uma operação mágica.

Notas:

  1. Para a distinção dos dois componentes (que foi introduzida por Troeltsch) e o debate teológico que se seguiu, consulte Hans Urs von Balthasar, Prometheus (Heidelberg, 1947), 12 e seguintes ↩︎
  2. Nossas reflexões sobre a incerteza da fé devem ser entendidas como uma psicologia da experiência. Para a teologia da definição de fé em Hb 11:1, que é pressuposta em nossa análise, consulte Tomás de Aquino, Summa theologica ii-ii.Q.4, Art. I.) ↩︎
  3. Nota do tradutor: O mito da violência, conforme elaborado por Georges Sorel, é uma idéia central em sua obra “Reflexões sobre a Violência“. Georges Sorel, filósofo e teórico político francês do final do século XIX e início do século XX, desenvolveu essa teoria como uma resposta à crise social e política de sua época. Sorel argumenta que a sociedade precisa de mitos mobilizadores para se manter unida e alcançar objetivos políticos. Para ele, a violência não deve ser vista apenas como um ato negativo, mas como uma força positiva e necessária para a transformação social e política. O mito da violência representa uma visão romântica da violência revolucionária, onde a ação violenta é vista como um meio de alcançar mudanças sociais significativas. ↩︎
  4. Desde a apresentação original deste ensaio em alemão, surgiu uma valiosa introdução abrangente a todo o assunto feita por Hans Jonas, The Gnostic Religion (Boston, 1958), 2ª ed. (Boston, 1963). ↩︎
  5. [O Império Persa] é seguido pelas conquistas de Alexandre, os impérios Diadochianos, a expansão do Império Romano e a criação dos impérios Parta e Sassânida. ↩︎
  6.  Discussões sobre esses e os seguintes textos podem ser encontradas em Hans Jonas, The Gnostic Religion. ↩︎
  7. Nota do tradutor: A idéia de Geworfenheit (flungness, lançamento ou arremessamento) do filósofo alemão Martin Heidegger sugere que os seres humanos são “lançados” no mundo sem sua escolha ou controle prévio sobre as circunstâncias de seu nascimento, condição social, histórica e outras características que moldam suas vidas. Em outras palavras, nascemos em um mundo já existente, com uma herança cultural, histórica e social que não escolhemos. ↩︎
  8. Frances Yates. Giordano Bruno and the Hermetic Tradition, Chicago: University of Chicago Press, 1964,1991. ↩︎
  9. Lynn Thorndike. History of Magic and Experimental Science, 8 Vols, Nova York: Columbia University Press, várias datas e edições. ↩︎

Original disponível em: https://voegelinview.com/gnosticisma-brief-introduction-pt-1/


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Sobre o Autor ou Tradutor

Bernardo Santos

Aluno do Olavão, bacharel em matemática, amante da Filosofia, tradutor e músico nas horas vagas, Bernardo Santos é administrador principal do Diário Intelectual.

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