“O Império dos Bárbaros” foi escrito por Lima Campos Jr.
“A alma da educação é a educação da alma.”
pe. Leonel Franca.
Certas frases têm um certo destino. Um dia destes, logo pela manhã, quando me dirigia ao trabalho, fui surpreendido com uma placa de publicidade que expressava sua mensagem nos seguintes termos: o funk é a verdadeira cultura da favela. Por um momento fiquei pensativo e, então, tornei-me a mim com a seguinte ponderação: os bárbaros modernos fizeram ressoar, com seu berrante macabro, a cacofonia destrutiva e infernal que tornou quase inaudível toda e qualquer ideia de civilidade no Brasil. Chamo de bárbaros modernos os entusiastas do ideal que apregoa a insubordinação da natureza ao espírito; fato este que, per si, simboliza a própria ruptura com o ideal ocidental de civilidade, sendo que civilizar é humanizar.
A elevação de qualquer coisa ao epíteto de cultura tem ligação direta com a destruição da verdadeira educação clássica ocidental que jamais fora concebida sem o ente indispensável à formação cultural dos homens — a religião.
É o homem um conjunto complexo constituído de corpo e alma. Esta, por ser racional, é dotada de inteligência que a capacita na apreensão da verdade; aquele, mediante aptidões sensoriais, tem o condão de apreender impressões que manifestam afinidades sobre as coisas com as quais interage. É neste sentido que a verdadeira instrução deve ser entendida como um ente ordenador tanto da alma quanto dos sentidos, uma vez que estes sempre devem ser refreados mediante o uso da inteligência, que, por sua excelência, faz resplandecer nas ações humanas o princípio fundamental que difere o homem dos animais irracionais: a civilidade. O resplandecer da inteligência faz ressoar a essência da liberdade cuja vitalidade desperta no homem a capacidade de escolher com discernimento mediante o auxílio da razão e das virtudes. Nessa esteira, destaca-se a lição de Plutarco, presente na obra Da Educação das Crianças. Eis o teor: “Fonte e raiz de toda conduta honesta é a educação legítima”. O eminente pensador grego deixa clara a relação intrínseca entre educação e honestidade, ou seja, a educação tem o condão de fazer orientar as condutas humanas conforme o reto, o justo e o moderado. Nesse contexto, entende-se a educação como um ente civilizacional que tem a vitalidade de iluminar as ações humanas com o farol das virtudes.
Tendo a educação o papel vital de elevar o homem à sua completude, é de fácil percepção que não existe homem completo sem desenvolvimento espiritual. A verdadeira catarse humana tem gênese na ordem das coisas eternas e traz como consequência a purgação dos vícios mais nefastos que arrastam as almas à torpeza e ao horrendo. “É na prática das virtudes que o homem encontra a verdadeira felicidade”, bem ensina o filósofo Sócrates; todavia, não se chega à felicidade sem se arrefecer o que há de animalesco na essência humana e fazer, ao mesmo tempo, ressoar o desejo insaciável da alma pela eternidade. Sobre os elementos da verdadeira pedagogia, vale repisar a lição do padre Leonel Franca em sua obra A Formação da Personalidade. Ensina o grande pároco: “Eis o papel capital da religião na pedagogia: organizar a nossa vida interior, ordenar as nossas ideias, hierarquizar os nossos interesses, colher o homem todo, na sua realidade completa, para transformá-lo no ideal que constitui a perfeição de sua natureza e a razão suprema de sua existência. Eliminai a religião e tereis a superficialidade, a desorientação, a desordem, a anarquia e o caos interior. Será uma pedagogia sem unidade, sem ordem, sem estilo, sem hierarquia. A alma da educação é a educação da alma… A religião constitui, portanto, o cerne, o âmago, a alma de toda educação. Religião e educação são de sua natureza indissociáveis. E uma pedagogia que pretende formar prescindindo da religião ou relegando-a a um plano acessório é uma pedagogia superficial, nula, insuficiente, inevitavelmente deformadora do homem”. Do que se entende que afastar do homem o ensino religioso resulta, inquestionavelmente, em reduzir sua inteligência cuja consequência é torná-lo cada vez mais escravo dos anseios carnais efêmeros. Reside aí o impulso de selvageria mais intenso que culminou no emburrecimento de gerações.
A traquinagem diabólica dos entusiastas da educação laicista, disfarçada de pedagogia moderna, consiste em apregoar a máxima de que a religião impede o desenvolvimento das liberdades individuais que são indispensáveis ao progresso civilizacional. Portanto, a educação que liberta deve estar livre da religião.
Orbita aí, de forma camuflada, o estado de loucura que faz com que o indivíduo, desde já, se acostume com a desordem interior sem perceber que já está na prisão das trevas em que Cérbero é o sentinela. A educação laicista trata-se, pois, de um réquiem fúnebre travestido de progresso e liberdade no qual está ausente o desenvolvimento intelectual e a educação das vontades. É nesse estado de loucura que o homem se torna incapaz de abandonar a vida de barbárie e é facilmente cooptado pelos vícios e modas que o tornam parte integrante da turba. “Na turba não há inteligência”, — ensina Northrop Frye em sua obra A Imaginação Educada —, pois caracteriza-se pelo falatório de gente sem classe, sem educação do intelecto e que se aglutina por semelhança, tal como as hienas se aglutinam em grupos. Fugir da turba significa não aderir à corrupção da inteligência nem adentrar na torpeza do falatório automatizado das massas vulgares que são incapazes de remar contra a correnteza da corrupção da alma. Portanto, render-se às modas é render-se à corrupção, como bem ensina um antigo ditado romano: corrumpere et corrupt secullum vocabitur.
É, pois, a laicidade um fator de degradação do homem em sua totalidade na medida que lhe prejudica a inteligência. E a má formação da inteligência resulta na disseminação do mau gosto cujo sinal claro de sua essência se manifesta no embrutecimento, no desprezo pelo belo e harmonioso. Eis o que ensina o filósofo Mário Ferreira dos Santos na obra A Invasão Vertical dos Bárbaros: “foi sempre a educação do gosto (do bom gosto) umas das grandes preocupações cultas da humanidade, já que o bom gosto implica, necessariamente, a capacidade de observar os valores, de apreciá-los debaixo de critérios justos e seguros de julgar. Ora, para alcançar tal capacidade é exigível cultura, conhecimento, distinção de aspectos, aptidão em separar o que é realmente valioso do que não é”. Diante do exposto, vê-se que sem a devida formação cultural é impossível escapar do emburrecimento moderno que teima em açoitar as massas com o flagrum da torpeza, das coisas sem valor. Importa ainda destacar que o objetivo ideológico por trás da pedagogia laicista nunca foi libertar as massas do “tacão intransigente” da religião para que a humanidade pudesse atingir o tão sonhado progresso. A estratégia consiste em afastar do homem a sua formação intelectual completa para torná-lo fiel devoto de uma nova religião em que se adora o horrendo e o grotesco ao mesmo tempo que se apregoa a felicidade por meio da satisfação ilimitada dos desejos com um único objetivo, ressalta-se mais uma vez, — tornar os indivíduos cada vez mais brutos, cada vez mais escravos dos instintos.
Se pela árvore conhecereis os frutos, poder-se-ia dizer que os frutos da educação irreligiosa embotou a inteligência de gerações ao torná-las subservientes à admiração de uma vida bárbara, uma vida desprovida da contemplação do belo e das virtudes eternas. Somente em uma sociedade doente intelectual e espiritualmente é que qualquer coisa serve como cultura. Ademais, se qualquer coisa serve como cultura torna-se desnecessário enveredar-se pelo desenvolvimento intelectual e espiritual bem como que as coisas de valor civilizacional equiparam-se às futilidades efêmeras. Ou ainda, cria-se o império dos bárbaros em que as coisas de valor eterno se equiparam às paixões temporais. É nesse estado de selvageria que cacofonias como o funk passam a integrar a cultura de um país. Mutatis mutandis, se não há hierarquia de valor entre as coisas que orbitam a esfera do que se compreende como cultura, é de se esperar que esvair-se-á, também, qualquer tipo de escala de valor que permeia as relações pessoais.
O que resta, pois, de uma civilização sem escala de valor bem definida entre as coisas? A resposta não poderia ser outra: o rebaixamento dos bens civilizacionais de valor duradouro. O funk não se tornaria cultura sem que se promovesse a degradação lenta e programada da inteligência na civilização ocidental. A cultura do funk é apenas o traço essencial da doença mental que corrompe a intelectualidade ocidental cujo resultado é a cultura da valorização do fútil que, por si só, representa a descida infernal ao reino da ignorância no qual a incoerência dos tolos avança com desprezo sobre as coisas de valor civilizacional que sobreviveram ao teste do tempo e são indispensáveis ao progresso ordeiro. Se é verdade que o ignorante desconhece que ignora, então quanto mais bruto o indivíduo se torna mais difícil é para ele compreender o estado de brutalidade em que se encontra e por isso perde cada vez mais o elo com os valores transcendentais. É nesse estado de barbárie que o culto ao grotesco se torna louvável e insurgir-se contra essa veneração de futilidades exige força espiritual e personalidade para não sucumbir à ameaça da matilha raivosa que uiva em favor da incivilidade.
Os bárbaros que invadiram Roma tinham admiração pela civilidade e queriam o poder e a força dos romanos, mas sem desprezar o que havia de belo e religioso na Cidade Eterna. Os bárbaros de hoje não só desprezam o que há de belo e civilizado senão que se vangloriam de suas selvagerias. Não basta apenas padecer nas trevas da incivilidade, eles descem ainda mais: louvam-na.
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