Neste texto, São Tomás de Aquino faz uma explicação dos Dez Mandamentos da Lei de Deus.
- Prólogo
- Amor a Deus
- Amor ao próximo
- 1. O Primeiro Mandamento – “Não terás deuses estrangeiros diante de mim”
- 2. O Segundo Mandamento – “Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão”
- 3. O Terceiro Mandamento – “Lembre-se de preservar santo o Dia de Sábado”
- 4. O Quarto Mandamento – “Honrai vosso pai e vossa mãe, para que tenhais uma vida longa sobre a terra, a qual o Senhor vosso Deus vos dará”
- 5. O Quinto Mandamento – “Não Matarás”
- 6. O Sexto Mandamento – “Você não deve cometer adultério”
- 7. O Sétimo Mandamento – “Você não deve roubar”
- 8. O Oitavo Mandamento – “Você não deve prestar falso testemunho contra seu próximo”
- 9. O Nono (Décimo) Mandamento – “Você não cobiçará os bens de seu próximo”
- 10. O Décimo (Nono) Mandamento – “Você Não Cobiçará a Esposa de seu Próximo”
- Resumo dos Dez Mandamentos
PRÓLOGO
Três coisas são necessárias para que o homem seja salvo: (1) conhecer aquilo em que se deve acreditar, (2) conhecer o que se deve desejar, e (3) conhecer o que se deve fazer.
A primeira é ensinada no Credo, onde o conhecimento dos artigos da fé é dado; a segunda está no Oração do Senhor; a terceira está na Lei.
Uma Lei Quádrupla
Aqui preocupamo-nos com o conhecimento do que deve ser feito, e com relação a isto existe uma lei quádrupla:
(1) A primeira é a lei da natureza, que nada mais é do que a luz do intelecto plantado em nós por Deus, pela qual sabemos o que deve ser feito e o que deve ser evitado. Deus deu essa luz e essa lei na criação. No entanto, muitos acreditam que,se não observarem essa lei, são desculpados graças à ignorância. Contra eles o Profeta diz no Salmo 4:6: “Muitos dizem: quem há-de nos mostrar coisas boas?” — como se não soubessem o que devem fazer. Contudo, ele responde (v. 7): “A luz de teu rosto, Senhor, está estampada em nós” – isto é, a luz do intelecto, através da qual sabemos o que deve ser feito. Porque ninguém ignora que aquilo que alguém não gostaria que fosse feito a si próprio, não deveria fazer aos outros, e normas semelhantes. No entanto, embora Deus tenha dado ao homem essa lei da natureza na criação, o diabo semeou no homem outra lei por cima dela, a da concupiscência. Pois no primeiro homem, na medida em que a alma estava sujeita a Deus, mantendo os preceitos divinos, sua carne também estava sujeita em todas as coisas à alma ou à razão. Mas depois que o diabo, por sugestão própria, afastou o homem da observância das ordens divinas, sua carne também se tornou desobediente à razão. O resultado é que, embora o homem possa desejar o bem de acordo com a razão, no entanto, por concupiscência, ele tende ao contrário. É o que diz o Apóstolo (Rm 7,23): “Porém vejo outra lei em meus membros, combatendo a lei da minha mente”. Assim, frequentemente a lei da concupiscência corrompe a lei da natureza e a ordem da razão. E por isso o Apóstolo acrescenta (ibid.): “…cativando-me na lei do pecado, que está em meus membros”.
(2) Uma vez que a lei da natureza foi destruída pela lei da concupiscência, o homem precisava ser levado de volta às obras da virtude e afastado do vício, e para isso a lei da Escritura era necessária. Mas note que o homem é retirado do mal e levado ao bem por dois motivos. O primeiro é o medo, pois o primeiro e mais forte motivo para evitar o pecado é o pensamento das dores do inferno e do juízo final. Por isso é dito (Sir 1,16): “O princípio da sabedoria é o temor ao Senhor”, e (1,27): “O temor ao Senhor afasta o pecado”. Embora alguém que evita o pecado por causa do medo ainda não seja justo, no entanto, sua justificação começa aí. Desse modo, o homem é afastado do mal e levado ao bem através da lei de Moisés, enquanto que aqueles que a transgrediram foram punidos com a morte — (Heb 10:28): “Quem violar a lei de Moisés, sem qualquer misericórdia, com o testemunho de dois ou três, deve morrer”.
(3) Todavia, como esse método era insuficiente, e a lei dada por Moisés, que retirava as pessoas do mal pelo medo, era insuficiente, na medida em que restringia a mão, mas não restringia o desejo, então, veio outra maneira de restringir do mal e induzir as pessoas ao bem — este é o método do amor. Assim foi dada a lei de Cristo, ou seja, do Evangelho, que é a lei do amor.
Uma tripla diferença deve ser notada entre a lei do medo e a lei do amor: (a) Primeiro, a lei do medo torna escravos os seus observadores, enquanto que a lei do amor os torna livres. Porque quem age apenas por medo age como um escravo, enquanto que quem age por amor age como uma pessoa livre ou como um filho. Assim o Apóstolo (2 Cor 3,17) diz: “Onde há o espírito do Senhor, há liberdade”, porque tais pessoas agem por amor como filhos. (b) A segunda diferença é a de que os observadores da primeira lei foram recompensados com bens temporais (Is 1,19): “Se estiverem dispostos e me ouvirem, hão de alimentar-se dos bens da terra”. Entretanto, os observadores da segunda lei são recompensados com os bens celestiais (Mt 19,17): “Se quiserdes entrar na vida, observai os mandamentos”, e (Mt 3,2): “Arrependei-vos, porque o reino dos céus está próximo”. (c) A terceira diferença é que a primeira lei é pesada (At 15,10): “Por que você tenta impor um jugo em nossos pescoços que nem nossos pais poderiam suportar?” A segunda lei, entretanto, é leve (Mt 11:30): “Porque meu jugo é suave e meu fardo leve”; e (Rm 8:15): “Não recebestes novamente o espírito da servidão por medo, mas recebestes o espírito da adoção de filhos”.
Como já foi dito, existe uma lei quádrupla: a primeira, a lei da natureza que Deus implantou na criação; a segunda, a lei da concupiscência; a terceira, a lei da Escritura, e a quarta, a lei da caridade e da graça, que é a lei de Cristo. Contudo, é claro que nem todos são capazes de aspirar a ganhar conhecimento. Portanto, Cristo deu uma lei abreviada que todos podem conhecer, e ninguém pode ser dispensado de observá-la devido à ignorância. E essa é a lei do amor divino. O Apóstolo diz (Rm 9,28): “O Senhor fará uma breve declaração sobre a terra”. Mas é preciso compreender que essa lei deve ser a regra de todos os atos humanos. Vemos que os bens manufaturados são bons e corretos quando correspondem a um padrão. Assim também qualquer obra humana é correta e virtuosa quando se harmoniza com o padrão do amor divino, e quando está fora de sintonia com esse padrão, não é boa, correta ou perfeita. Para que os atos humanos sejam bons, eles devem harmonizar-se com o padrão do amor divino.
Quatro efeitos de caridade
Neste ponto, observe que essa lei do amor divino produz quatro efeitos muito desejáveis no homem: (1) Primeiro ela provoca nele a vida espiritual. Pois é claro que o que é amado está dentro do amante. Portanto, quem ama a Deus o tem em si (1 Jo 4,16): “Quem permanece no amor, permanece em Deus e Deus nele”. É também a natureza do amor que transforma o amante no que é amado (Os 9,10): “Eles se tornaram abomináveis, assim como as coisas que amaram”. Mas se amamos a Deus, tornamo-nos divinos, porque, como se diz (1 Cor 6,17): “Quem se apega ao Senhor, torna-se um só espírito com Ele”. Agostinho diz: “Assim como a alma é a vida do corpo, do mesmo modo Deus é a vida da alma”. E isso é claro, porque dizemos que o corpo vive através da alma quando desempenha funções vivas, como ação e movimento; mas quando a alma sai, o corpo não age nem se move. Da mesma maneira, a alma age virtuosa e perfeitamente quando age por caridade, através da qual Deus habita nela; mas sem caridade ela não pode agir (1 Jo 3,14): “Quem não ama, permanece na morte”. Deve-se notar, entretanto, que qualquer pessoa que tenha todos os dons do Espírito Santo à parte do amor não tem vida. Seja o dom de línguas ou o dom da fé ou qualquer outro, sem caridade eles não dão a vida. Pois se um corpo morto é vestido de ouro e pedras preciosas, ele permanece morto. Portanto, eis o primeiro efeito da caridade.
O segundo efeito da caridade é a observância dos mandamentos divinos. Gregório diz: “O amor de Deus nunca é preguiçoso. Faz grandes coisas se ali está; se se recusa a trabalhar, não é amor”. Portanto, um sinal claro de caridade é a prontidão em cumprir os preceitos divinos. Pois vemos os amantes fazendo coisas grandes e difíceis em favor de sua amada (Jo 14,23): “Se alguém me ama, ele cumprirá minha palavra”. Devemos observar que quem cumpre a lei do amor divino cumpre a lei inteira. No entanto, os mandamentos divinos têm duas partes: Alguns mandamentos são afirmativos, e a caridade os cumpre, porque o cumprimento da lei dos mandamentos é amor, pelo qual os mandamentos são observados. Outros mandamentos são proibitivos; a caridade também os cumpre, porque não age perversamente, tal como diz o Apóstolo (1 Cor 13).
O terceiro efeito da caridade é ser um baluarte contra a adversidade. Pois nenhuma adversidade prejudica alguém que tem caridade, mas tudo se converte em bom uso (Rm 8:28): “Para aqueles que amam a Deus, em conjunto tudo funciona para o bem”. Além disso, mesmo as coisas adversas e difíceis parecem fáceis para um amante, como se vê claramente pela observação.
O quarto efeito da caridade é que ela leva à felicidade. Com efeito, a felicidade eterna é prometida somente àqueles que têm caridade. Pois tudo sem caridade é insuficiente (2 Tim 4:8): “Depois disso me espera uma coroa de justiça, que o justo juiz me dará naquele dia, e não só a mim, mas a todos os que amam sua vinda”. Note que somente uma diferença na caridade, e não uma diferença em qualquer outra virtude, poderá fazer uma diferença no que diz respeito à felicidade. Porque muitas pessoas eram mais abstêmios do que os Apóstolos, mas estes superam todos os outros em felicidade por causa da excelência de sua caridade. Porque eles tiveram os primeiros frutos do Espírito, como diz o Apóstolo (Rm 8). Portanto, qualquer diferença na felicidade vem de uma diferença na caridade.
Logo, os quatro efeitos da caridade são evidentes.
Outros efeitos da caridade
Além desses, a caridade tem alguns outros efeitos que não devem ser ignorados. (1) O primeiro deles é a remissão do pecado. Vemos isso em nossa vida humana. Se alguém ofende outro e mais tarde o ama intimamente, o ofendido esquece a ofensa contra ele por causa do amor. Do mesmo modo, Deus perdoa os pecados daqueles que o amam (1 Pd 4,8): “A caridade encobre uma multidão de pecados”. Ele disse de forma pontual “encobre”, porque Deus não os vê como algo a ser punido. E, embora ele tenha dito “encobre uma multidão”, no entanto Salomão diz (Pv 10,12) que “a caridade encobre todas as ofensas”. O exemplo de Maria Madalena é o melhor exemplo disso (Lc 7,47): “muitos pecados são perdoados a ela”; e a razão é dada: “porque ela amava muito”. Todavia, alguém pode dizer: “já que a caridade é suficiente para limpar os pecados, a penitência não é necessária”. Porém, devemos observar que ninguém ama realmente se não estiver realmente arrependido. Pois é claro que quanto mais amamos alguém, mais nos arrependemos se o ofendemos. E esse é um efeito da caridade.
Outro efeito da caridade é que ela provoca a iluminação do coração. Como diz Jó (37:19): “Estamos todos envoltos em trevas”. Pois muitas vezes não sabemos o que fazer ou o que desejar. Mas a caridade ensina tudo o que é necessário para a salvação. Portanto, é dito (1 Jo 2,27): “Sua unção ensina-nos tudo”. E isso porque onde há caridade, há o Espírito Santo, que sabe tudo e nos conduz ao caminho certo, como diz o Salmo 142. Por isso, é dito (Sir 2:10 Vulgata): “Vós que temeis a Deus, amai-O e vossos corações serão iluminados”, ou seja, [iluminados] para saber o que é necessário para a salvação.
Outro efeito da caridade é produzir perfeita alegria no homem. Pois ninguém realmente tem alegria sem estar na caridade. Porque quem deseja algo não está feliz, alegre ou satisfeito até obtê-lo. Nas coisas temporais, algo não possuído pode ser desejado, mas quando possuído, pode ser desprezado e causar tédio. Porém, não é assim nas coisas espirituais, pois quem ama a Deus o tem e, portanto, o espírito de quem o ama e o deseja está satisfeito nele. Pois “quem permanece na caridade permanece em Deus e Deus nele”, como é dito em 1 João 4,16.
Outro efeito da caridade é a paz perfeita. Coisas temporais podem muitas vezes ser desejadas, mas quando são possuídas, o espírito daquele que as desejou não está satisfeito, porém, depois de obter uma coisa, deseja outra (Is 57:20): “O coração do homem mau é como um oceano áspero que não pode ficar quieto”. E (ibidem): “Não há paz para os ímpios, diz o Senhor”. Porém, isso não acontece com amor a Deus. Pois quem ama a Deus tem a paz perfeita (Sl 118,165): “Grande paz para aqueles que amam sua lei; nada pode fazê-los tropeçar”. E isso porque só Deus pode satisfazer nosso desejo. Pois Deus é maior que nosso coração, como diz o Apóstolo, e por isso Agostinho diz no Livro I de suas Confissões: “Tu nos fizeste para ti, Senhor, e nosso coração não está em repouso até que descanse em ti”. E (Sl 102,5): “Ele preenche teu desejo com coisas boas”.
Outro efeito da caridade é dar ao homem grande dignidade. Pois todas as criaturas servem à majestade divina — já que todas elas foram feitas por ele — como os bens manufaturados servem ao seu criador. Mas a caridade transforma um escravo em um homem livre e amigo. Então o Senhor disse aos Apóstolos (Jo 15,15): “Já não vos chamo escravos/servos… mas amigos”. Porém, não era Paulo um servo, como os outros Apóstolos que se descreveram dessa maneira? Em resposta, devemos distinguir dois tipos de servidão. A primeira é a do medo, e isso é doloroso e sem mérito. Pois quem se abstém de pecar somente por medo do castigo não tem mérito por isso, mas ainda é um escravo. O segundo tipo de servidão é a do amor. Se alguém age não por medo do julgamento, mas por amor divino, ele não está agindo como um escravo, mas como um homem livre, porque o faz voluntariamente. Por isso, ele diz: “Eu não vos chamo mais de servos”. E por quê? responde o Apóstolo (Rm 8,15): “Você não voltou a receber o espírito de servidão por medo, mas recebeu o espírito de adoção das crianças”. Pois não há medo na caridade, como se diz (1 Jo 14), pois o medo é punitivo, mas a caridade nos torna não somente pessoas livres, mas também filhos, para que possamos ser chamados e ser filhos de Deus, como se costuma dizer (1 Jo 3). Porque um estrangeiro se torna filho adotivo de alguém quando adquire um direito sobre sua propriedade. Assim também a caridade adquire para nós um direito à herança de Deus, que é a vida eterna, porque, tal como é dito (Rm 8,16-17): “O próprio Espírito dá testemunho aos nossos espíritos de que somos filhos de Deus”. E se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus, co-herdeiros com Cristo”. E (Sb 5,5): “Veja como eles são numerados entre os filhos de Deus”.
Como obter e aumentar a caridade
Isso basta acerca dos benefícios da caridade. Resta agora trabalhar arduamente para adquiri-la e agarrar-se a ela. No entanto, devemos perceber que ninguém pode possuir caridade por si mesmo, mas ela é um dom de Deus somente. Assim diz João (1Jo 4,10): “Não é por amarmos a Deus, mas foi Ele quem primeiro nos amou”. Isto é, Ele não nos ama porque nós o amamos primeiro, mas o fato de nós O amarmos é provocado em nós por seu amor. Devemos também perceber que, embora todos os dons sejam do Pai das luzes, esse dom da caridade supera todos os outros dons. Pois todos os outros podem ser recebidos sem a caridade e o Espírito Santo, mas com a caridade o Espírito Santo também deve necessariamente ser recebido. O Apóstolo diz (Rm 5:5): “A caridade de Deus é derramada em nossos corações por meio do Espírito Santo que nos foi dado”. Quer falemos do dom de línguas ou do conhecimento ou da profecia, qualquer um deles pode ser tido sem a graça e o Espírito Santo.
Apesar do fato de que a caridade é um dom divino, possuí-la requer uma disposição de nossa parte. Portanto, deve-se saber que existem dois requisitos para adquirir caridade e dois outros para aumentar a caridade que já se possui. Isso fica claro a partir da experiência humana. Pois, se ouvimos coisas boas sobre alguém, ficamos entusiasmados para amá-lo. Assim, quando ouvimos as palavras de Deus, ficamos entusiasmados para amá-lo (Sl 118:140): “Sua palavra é testada pelo fogo [e, por isso, é isenta de impurezas], e seu servo a ama”. Da mesma forma (Sl 104,19): “A palavra do Senhor o testou com fogo”. Por isso os dois discípulos, ardendo de amor divino, disseram (Lc 24,32): “Não ardia em nós o nosso coração quando ele falou no caminho e nos abriu a Escritura?” E em Atos 10 está escrito que, enquanto Pedro pregava, o Espírito Santo caiu sobre aqueles que ouviam a palavra divina. E muitas vezes acontece na pregação que aqueles que vêm com o coração duro acabam sendo despedidos com amor divino por causa da mensagem da pregação.
O segundo requisito é o pensamento contínuo sobre coisas boas (Sl 38,4): “Meu coração se aqueceu dentro de mim”. Portanto, se você quer adquirir o amor divino, medite sobre coisas boas. Alguém teria que ser muito duro se, depois de pensar nos favores divinos que recebeu, nos perigos que evitou e na felicidade prometida por Deus, não fosse despedido com o amor divino. Disse Agostinho: “Seria preciso que o homem tivesse um coração duro para recusar retribuir o amor, mesmo que ele não queira demonstrar amor”. E em um nível geral, assim como os maus pensamentos destroem a caridade, assim os bons pensamentos a adquirem, nutrem e conservam. Assim nos é ordenado (Is 1,16): “Retirai de minha vista o mal de vossas ações [Vulgata: os pensamentos]. E (Sb 1,3): “Os pensamentos perversos separam a pessoa de Deus”.
Há dois outros fatores que aumentam a caridade que já se tem. O primeiro é a separação do coração das coisas terrenas. Pois o coração não pode ser perfeitamente direcionado para coisas díspares. Portanto, ninguém pode amar a Deus e ao mundo. Por conseguinte, quanto mais nosso coração é afastado do amor às coisas terrenas, mais ele se estabelece no amor divino. Assim diz Agostinho no Livro das 83 Questões: “O que envenena a caridade é a esperança de conquistar ou reter coisas temporais. O que a alimenta é a diminuição da cupidez. O que a aperfeiçoa é a eliminação da cupidez, porque a raiz de todos os males é a cupidez”. Portanto, quem quer alimentar sua caridade deve concentrar-se na redução da cupidez. A cupidez é o amor pela aquisição ou recebimento de coisas temporais. O início da sua redução é temer ao Senhor. Ele por si mesmo não pode ser temido sem que haja algum amor. E essa é a razão pela qual as ordens religiosas foram instituídas, para que nelas e através delas o coração humano possa ser afastado das coisas terrenas e corruptíveis e elevado às coisas divinas. Isso está simbolizado na passagem (2 Mac 1,22): “O sol, a princípio recoberto por nuvens, pôs-se a brilhar”. O sol, ou seja, o intelecto humano, está coberto por uma nuvem quando está preso às coisas terrenas, mas brilha quando é removido e tirado do amor às coisas terrenas. Então brilha, e logo o amor divino cresce nele.
O segundo fator que ajuda o amor a crescer é a paciência firme diante da adversidade. Pois é claro que quando carregamos cargas pesadas em nome daquele que amamos, o amor em si não é destruído, mas cresce (Sg 8,7): “Muitas águas”, ou seja, muitas tribulações, “não poderiam extinguir a caridade”. E, portanto, os homens santos suportam as adversidades por amor a Deus e mais firmemente enraizados em seu amor, assim como um artesão ama mais o trabalho no qual se esforça mais. E é por isso que quanto mais sofrimentos os fiéis suportam por amor a Deus, mais são elevados em seu amor (Gn 7,17): “As águas”, isto é, as tribulações, “multiplicaram-se e a arca”, isto é, a Igreja ou a alma do homem justo, “foi elevada ao alto”.
Amor a Deus
Antes de sua paixão, os doutores da Lei perguntaram a Cristo qual era o maior e principal mandamento. Ele disse (Mt 22,37): “Amai ao Senhor vosso Deus com todo vosso coração, com toda vossa alma e toda vossa mente; este é o maior e o primeiro mandamento”. E esse é verdadeiramente o maior, o mais nobre e o mais benéfico de todos os mandamentos, como já foi adequadamente demonstrado. Pois nesse mandamento todos os outros mandamentos são cumpridos.
Todavia, para cumprir perfeitamente esse mandamento do amor, são necessárias quatro coisas. A primeira é a lembrança dos benefícios divinos, porque tudo o que temos, seja nossa alma ou corpo ou as coisas exteriores, recebemos tudo de Deus. Portanto, devemos servi-lo com tudo isso e amá-lo com um coração perfeito. Um homem seria extremamente ingrato se, depois de pensar em todos os benefícios que recebeu de alguém, ele não o amasse. Com isso em mente, disse Davi (1 Cr 29, 14): “Tudo pertence a Ti”. O que recebemos de Ti, nós te damos”. Portanto, em seu louvor foi dito (Sir 47,10): “Com todo o seu coração ele louvou ao Senhor, e amou o Deus que o fez”.
A segunda é a consideração da excelência divina. Porque Deus é maior que nossos corações (1Jo 3); por isso, se O servimos com todo o nosso coração e força, ainda ficamos aquém (Sir. 43:32-33): “Quando louvardes ao Senhor, exaltai-O o mais que puderdes, pois Ele superará até mesmo isso”. Quando o exaltardes, ponde todas as vossas forças e não vos canseis, pois não O podeis louvar o suficiente”.
A terceira é a renúncia às coisas mundanas e terrenas. Porque é uma grande ofensa contra Deus equipará-lo a algo mais (Is 40:18): “Com quem você pode comparar Deus?” Nós comparamos as coisas com Deus quando amamos as coisas temporais e corruptíveis ao lado de Deus. Porém, isso é totalmente impossível. Assim é dito (Is 28,20): “A cama é muito curta para se esticar nela, e o cobertor é muito curto para se embrulhar nele”. Ali o coração do homem é comparado a uma cama apertada e a um cobertor curto. Porque o coração do homem é limitado em relação a Deus, de modo que, quando você leva em seu coração outras coisas além d’Ele, você O empurra para fora. pois Ele não pode tolerar nenhum companheiro no leito da alma, tal como um marido com uma esposa. E assim diz Ele próprio (Ex 20:5): “Eu, Yahweh teu Deus, sou um Deus ciumento”. Pois ele não quer que amemos nada tanto quanto Ele ou além d’Ele.
A quarta é evitar completamente o pecado. Pois ninguém pode amar a Deus quando vive em pecado (Mt 6,24): “Não se pode servir a Deus e ao mâmon”. Portanto, se você está vivendo em pecado, você não ama a Deus. Porém, aquele homem que amou a Deus disse (Is 38,3): “Lembrai-vos de como andei fielmente diante de Vós com um coração perfeito”. Também Elias disse (1 Reis 18:21): “Por quanto tempo você continuará a mancar em duas opiniões?” Assim como uma pessoa coxa se inclina desse e daquele modo, assim um pecador vacila entre o pecado e a busca de Deus. Por isso o Senhor disse (Joel 2:12): “Voltai-vos para mim de todo o coração”.
Porém, contra esse comando, dois tipos de pessoas pecam: (1) aquelas que evitam um tipo de pecado, como a falta de castidade, enquanto caem em outro, como a usura. No entanto, ainda são condenados, porque “quem ofende em um ponto é culpado de violar toda a lei” (Jm 2,10). (2) Depois há aqueles que confessam alguns pecados, e outros não, ou dividem sua confissão entre dois ou mais confessores. Entretanto, estes não têm mérito, e sim pecam ao fazê-lo, porque pretendem enganar a Deus e estão causando uma ruptura no sacramento.
Contra o primeiro grupo alguém disse: “É profano esperar meio-pardão de Deus”. Quanto ao segundo grupo (Sl 61,9): “Derramai vossos corações diante dele”, porque em confissão tudo deve ser revelado.
Demonstrou-se então que o homem deve entregar-se a Deus. Agora temos que saber o que há no homem, que ele deve a Deus. O homem deve a Deus quatro coisas: seu coração, sua alma, sua mente e sua força. E assim é dito (Mt 22,37): “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua mente e toda a tua força”. O “coração” aqui representa a intenção. A intenção tem o poder de atrair todas as ações que estão sob seu domínio, de modo que qualquer boa obra feita com má intenção é transformada em má obra (Lc 11,34): “Se seu olho”, ou seja, sua intenção, “for mau, todo seu corpo será tenebroso;” ou seja, a totalidade de suas boas obras será tenebrosa. Portanto, no que quer que façamos, nossa intenção deve ser posta em Deus. O Apóstolo diz (1 Cor 10,31): “Quer comais ou bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus”
Todavia, uma boa intenção não é suficiente, mas também deve haver uma boa vontade, o que é indicado pelo termo “alma”. Porque muitas vezes acontece que alguém age com uma boa intenção, mas em vão, porque falta uma boa vontade. Por exemplo, alguém pode roubar para alimentar os pobres; sua intenção é correta, mas falta-lhe a necessária boa vontade. Portanto, nenhum mal pode ser desculpado porque é feito com uma boa intenção (Rm 3:8): “Aqueles que dizem ‘façamos o mal para que o bem aconteça’, são justamente condenados”. Uma boa vontade acompanha uma intenção quando a própria vontade se harmoniza com a vontade divina, e isto nós pedimos todos os dias: “Tua vontade seja feita na terra como no céu”. E (Sl 39,9): “Tenho o prazer de fazer a tua vontade, meu Deus”. É por isso que se diz “com toda a tua alma”. Pois a alma é freqüentemente usada nas Escrituras para expressar a vontade, como em (Heb 10,38): “Se ela se retrai, minha alma”, isto é, minha vontade, “não tem prazer nele”.
Porém, às vezes, uma boa intenção e boa vontade estão presentes, mas há algum pecado no intelecto. Portanto, todo o intelecto deve ser dado a Deus. O Apóstolo diz (2 Cor 10,5): “levamos todo intelecto [pensamento] cativo, para que obedeça a Cristo”. Pois muitos não pecam por obra, mas gostam de pensar muito nos pecados. Contra eles é dito (Is 1,16): “Removei o mal de vossos pensamentos [obras]”. Há também muitos que confiam em sua própria sabedoria e se recusam a aceitar a Fé; tais não estão dando suas mentes a Deus. Contra eles é dito (Prov 3,5): “Não confie em sua própria percepção”.
Porém, isso não é suficiente. É preciso dar a Deus todo o seu poder e força (Sl 58,10 Vulgata): “Eu guardarei minhas forças com você”. Pois há alguns que usam sua força para pecar, exibindo assim seu poder. Contra eles é dito (Is 5,22): “Ai de vós que sois heróis em beber vinho, homens corajosos em misturar bebida forte”. Outros mostram seu poder ou força para ferir seus vizinhos, ao passo que deveriam tê-lo demonstrado ajudando-os (Prov 24:2): ” Salve aqueles que estão sendo levados à morte; retenha aqueles que estão caindo no matadouro”.
Assim, para amar a Deus, é preciso dar a Deus o seguinte: intenção, vontade, mente e força.
Amor ao próximo
Quando Cristo foi perguntado qual era o maior mandamento, ele deu duas respostas para a única pergunta. A primeira foi “Amarás o Senhor teu Deus”, da qual já falamos. A segunda foi “e teu próximo como a ti mesmo”. Neste ponto, devemos ressaltar que quem observa isso cumpre toda a lei. O Apóstolo disse (Rm 13,10): “O cumprimento da lei é amor”.
Quatro motivos para amar nosso próximo
Há quatro motivos para amar o nosso próximo: O primeiro é o amor divino, pois é dito (1 Jo 4,20): “Se alguém diz que ama a Deus, enquanto odeia seu irmão, é mentiroso”. Quem diz que ama alguém, enquanto odeia seu filho ou seus membros, está mentindo. Mas todos nós, fiéis, somos filhos e membros de Cristo. O Apóstolo diz (1 Cor 12,27): “Vós sois o corpo de Cristo, e cada um de vós um membro dele”. Portanto, todo aquele que odeia seu próximo não ama a Deus.
O segundo motivo é o preceito divino. Pois quando Cristo estava indo embora, ele enfatizou esse mandamento a seus discípulos acima de todos os outros mandamentos, dizendo (Jo 15,12): “Este é meu mandamento, que vos ameis uns aos outros como eu vos amei”. Porque ninguém está observando os mandamentos divinos se odeia ao próximo. Portanto, o sinal de observância da lei divina é o amor ao próximo. Assim disse o Senhor (Jo 13,35): “Nisto todos saberão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros”. Ele não aponta para a ressurreição dos mortos ou qualquer outro sinal gritante, mas este é o sinal: “se vocês tiverem amor uns pelos outros”. O abençoado João ponderou isso bem quando disse (1Jo 3,14): “Sabemos que fomos trasladados da morte para a vida”. Por quê? “Porque amamos os irmãos. Quem não ama, permanece na morte”.
O terceiro motivo é nossa participação na mesma natureza, como é dito (Sir 13:19): “Todo animal ama seu semelhante”. Como todos os homens são semelhantes por natureza, eles devem se amar uns aos outros. Assim, odiar o próximo não é apenas contra a lei divina, mas também contra a lei da natureza.
O quarto motivo são as vantagens que traz. Pois tudo o que uma pessoa tem é útil à outra através da caridade. Pois é isso que une a Igreja e torna tudo comum (Sl 118,63): “Eu sou companheiro de todos os que vos temem e guardam vossos preceitos”.
Cinco requisitos para amar nosso próximo
Então “Ame seu próximo como a ti mesmo”. Esse é o segundo mandamento da Lei, e diz respeito ao amor ao próximo. Temos discutido o fato de que devemos amar o próximo. Agora devemos nos voltar para o modo como devemos amá-lo, e isso está indicado nas palavras “como a ti mesmo”. Em relação a isso, há cinco pontos que devemos observar ao amar o próximo:
O primeiro é que devemos amá-lo realmente como a nós mesmos. Fazemos isso se o amamos por seu próprio bem, não por nosso interesse próprio. Aqui lembramos que existem três tipos de amor. O primeiro é utilitário (Sir 6:10): “ele é um amigo à mesa, mas não estará por perto no dia da necessidade”. Isso certamente não é amor verdadeiro. Ele desaparece quando a vantagem desaparece. Em tal caso, não desejamos o bem ao próximo, mas sim a nossa própria vantagem. Há outro amor voltado para o que é agradável. Isso também não é amor verdadeiro, porque quando o prazer desaparece, ele desaparece. Nesse caso, não desejamos o bem principalmente para nosso próximo, mas sim o bem dele para o nosso próprio bem. O terceiro tipo de amor é em nome da virtude, e só este é o verdadeiro amor. Pois então não amamos nosso próximo em vista de nosso próprio bem, mas para o seu próprio bem.
O segundo ponto é que devemos amar ordenadamente, isto é, não devemos amá-lo acima de Deus ou tanto quanto a Deus, mas junto com Ele da maneira que você deve amar a si mesmo (Cânticos 2,4 Vulgata): “Ele ordenou o amor em mim”. O Senhor ensinou esta ordem (Mt 10,37): “Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim, não é digno de mim; e quem ama filho ou filha acima de mim, não é digno de mim”.
O terceiro ponto é que devemos amar nosso próximo na prática. Pois você não só ama a si mesmo, mas também tem o cuidado de prover para si mesmo e evitar o mal. Você deve fazer o mesmo por seu próximo (1Jo 3,18): “Não amemos com palavras ou com a língua, mas com ações e com a verdade”. Mas certamente as piores pessoas são aquelas que amam com a boca, mas praticam o mal em seus corações. O Apóstolo diz (Rm 12,9): “ame sem fingimento”.
O quarto ponto é que devemos perseverar em amar nosso próximo, assim como você persevera em amar a si mesmo (Prov 17,17): “Um amigo ama em todos os momentos, e um irmão nasce para a adversidade;” ou seja, ele ama nos maus momentos tanto quanto ama nos bons momentos. Além disso, um amigo é realmente provado em uma época de adversidade.
Mas note que duas coisas ajudam a preservar a amizade. A primeira é a paciência: “Um homem briguento acende a contenda”, tal como é dito (Prov 26,21). A segunda é a humildade, que causa a primeira, ou seja, a paciência (Pv 13,10 Vulgata): “Entre os orgulhosos, há sempre contendas”. Pois qualquer um que se julga grande e despreza ao outro não pode suportar os erros deste último.
O quinto ponto é que devemos amar com justiça e santidade, para que não amemos conduzi-lo ao pecado, porque você não deve amar a si mesmo dessa maneira, pois ao fazer isso você perde Deus. Assim é dito (Jo 15,9): “Permanecei no meu amor”. Este é o amor de que se fala (Sir 24:24 Vulgata): “Eu sou a mãe do belo amor”.
Amar o pecador e odiar o pecado
“Ame seu próximo como a ti mesmo”. Esse preceito foi mal compreendido pelos judeus e fariseus, que acreditavam que Deus lhes ordenou que amassem seus amigos e odiassem seus inimigos. Portanto, por “próximos” eles entendiam apenas amigos. Cristo quis repudiar tal entendimento quando disse (Mt 5,44): “Amai vossos inimigos; fazei bem aos que vos odeiam”. Note-se que quem odeia seu irmão não está no estado de salvação (1 Jo 2,9): “Aquele que odeia seu irmão está na escuridão”.
Devemos estar cientes, porém, de textos em contrário. Pois os santos odiavam algumas pessoas (Sl 138,22): “Eu os odiava com ódio perfeito”. E no Evangelho (Lc 14,26): “Se alguém não odeia seu pai, sua mãe, sua esposa, seus filhos, seus irmãos e irmãs, mesmo sua própria alma, não pode ser meu discípulo”. Devemos perceber que em tudo o que fazemos, o que Cristo fez deve ser nosso exemplo. Pois Deus ama e odeia. Em qualquer homem, duas coisas devem ser consideradas: sua natureza e o erro. O que é da natureza no homem deve ser amado, o que é errado deve ser odiado. Assim, se alguém desejasse que uma pessoa fosse para o inferno, estaria odiando sua natureza, mas se desejasse que ele fosse bom, estaria odiando o pecado, que sempre deveria ser odiado (Sl 5,7): “Vós odiais a todos os que fazem o mal”. E (Sb 11,25): “Senhor, tu amas tudo o que existe, e não odeias nada do que fizeste”. Veja, então, o que Deus ama e odeia: Ele ama o que é da natureza e odeia o que está errado.
Devemos perceber, entretanto, que às vezes uma pessoa pode fazer o mal sem pecar, isto é, quando ela faz o mal a fim de que possa ter desejo pelo bem, porque Deus também o faz. Por exemplo, quando um homem está doente e é convertido ao bem, ao passo que, enquanto estava bem, ele era mau. Da mesma maneira, alguém pode ser convertido ao bem quando encontra a adversidade, depois de ter sido mau enquanto vivia em prosperidade, de acordo com o texto (Is 28,19): “Só o terror transmitirá a mensagem”. Outro caso é desejar o mal de um tirano que destrói a Igreja, na medida em que se deseja o bem da Igreja através da destruição do tirano; assim (2 Mac 1,17): “Abençoado em todos os sentidos o Deus que castigou os ímpios”. E todos devem querer isso, não só desejando, mas também fazendo-o. Porque não é um pecado enforcar justamente o mal; pois são ministros de Deus aqueles que o fazem, segundo o Apóstolo (Rm 13), e essas pessoas estão agindo por amor, porque o castigo é às vezes concedido para castigar o mal, e às vezes em nome de um bem maior e divino. Porque o bem de uma cidade é um bem maior do que a vida de um homem. Mas note que não basta não desejar o mal, mas é preciso desejar também o bem, ou seja, a correção do pecador e a vida eterna.
Alguém pode desejar o bem de outro de duas maneiras. Uma maneira é geral, na medida em que a pessoa é uma criatura de Deus e é capaz de participar da vida eterna. O outro caminho é especial, na medida em que a pessoa é uma amiga ou companheira. Ninguém é excluído de um amor geral, pois todos devem rezar por todos, e ajudar qualquer pessoa que esteja em extrema necessidade. Mas você não é considerado familiar a todos, a menos que ele lhe peça perdão, porque então ele seria seu amigo; e se você o recusasse, você estaria odiando um amigo. Assim é dito (Mt 6,14-15): “Se perdoardes aos homens seus pecados, vosso Pai Celestial também vos perdoará os vossos; mas se não os perdoardes, vosso Pai tampouco vos perdoará vossos pecados”. E na oração do Senhor é dito (Mt 6,9): “Perdoai-nos nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”.
Razões para perdoar
“Ame seu próximo como a ti mesmo”. Tem se dito que você peca se não perdoa a alguém que lhe pede perdão. É uma perfeição lembrar-se de alguém assim, embora você não seja obrigado a fazer isso. Mas há muitas razões pelas quais você deve recordá-lo pessoalmente. A primeira é para conservar seu próprio status. Pois diferentes status têm diferentes sinais, e ninguém deve descartar o sinal de seu próprio status. O status mais elevado de todos é ser um filho de Deus. O sinal desse status é amar seu inimigo (Mt 5,44-45): “Amai vossos inimigos, para que sejais filhos de vosso Pai que está nos céus”. Porque, se você ama seu amigo, isso não é sinal de filiação divina, pois até os publicanos e os gentios fazem isso, como se diz (Mt 5).
O segundo status é a conquista da vitória, algo que todos naturalmente desejam. Portanto, ou você deve ser bom para aquele que o ofendeu a fim de ganhá-lo para que o ame, e então você terá vencido, ou a outra pessoa lhe levará a odiá-la, e então você terá perdido (Rm 12:21): “Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem”.
O terceiro status é ganhar uma vantagem. Dessa forma, você adquire muitos amigos (Rm 12:20): “Se seu inimigo tem fome, alimente-o; se ele tem sede, dê-lhe de beber. Ao fazer isso, você amontoa brasas de fogo em sua cabeça”. Agostinho diz: “Não há maior incentivo para amar do que amar primeiro. Pois ninguém é tão duro que, mesmo que não queira demonstrar amor, se recusaria a retribuí-lo”. Pois é dito (Sir 6:15): “Nada se pode comparar com um amigo fiel”. E (Prov 16,7): “Quando Yahweh está satisfeito com os caminhos de um homem, até mesmo seus inimigos estarão em paz com ele”.
O quarto status é que ao fazer isso, suas orações serão facilmente ouvidas. Assim, na passagem (Jr 15,1) “Se Moisés e Samuel estivessem diante de mim”, diz Gregory que se fez menção especial a eles porque rezaram por seus inimigos. Da mesma maneira, Cristo disse (Lc 23,34): “Pai, perdoa-lhes”. E abençoou Estêvão, através da oração por seus inimigos, trazendo uma grande vantagem para a Igreja, porque isso converteu Paulo.
O quinto status é o de evitar o pecado, o que devemos desejar muito. Pois às vezes pecamos e nem sequer buscamos a Deus. Então Deus nos atrai para si por doença ou algo semelhante (Os 2,6): “Por isso, eu lhe cercarei o caminho com espinhos”. Paulo também foi tratado assim (Sl 118,176): “Eu vagueei como uma ovelha perdida. Procurai o vosso servo, Senhor”. E (Cânticos1,3): “Atrai-me após vós”. Ganhamos isso se atraímos nosso inimigo após nós mesmos, primeiro perdoando-o, pois é dito (Lc 6,36): “Pela medida que medirdes, ser-vos-á medido de volta” e (Lc 6,37): “Perdoai, e sereis perdoados”. E (Mt 5,7): “Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles receberão misericórdia”. E não há maior misericórdia do que perdoar a quem vos ofendeu.
O PRIMEIRO MANDAMENTO
“Não terás deuses estrangeiros diante de mim”.
Toda a lei de Cristo depende da caridade. E a caridade depende de dois preceitos, um dos quais diz respeito a amar a Deus e o outro a amar ao próximo.
Ora, Deus, ao entregar a lei a Moisés, deu-lhe Dez Mandamentos escritos sobre duas tábuas de pedra. Três desses Mandamentos que foram escritos na primeira tábua se referiam ao amor de Deus; e os sete Mandamentos escritos na outra tábua se referiam ao amor ao próximo. Toda a lei, portanto, é fundada com base nesses dois preceitos.
Erros
O Primeiro Mandamento que diz respeito ao amor de Deus é: “Não terás deuses estrangeiros”. Para entender esse mandamento, é preciso saber como ele já foi violado. Alguns adoravam demônios. “Todos os deuses dos gentios são demônios” [Sl 95,5]. Esse é o maior e mais detestável de todos os pecados. Mesmo agora há muitos que transgridem esse Mandamento: todos os que praticam vidências e adivinhações da sorte. Tais coisas, de acordo com Santo Agostinho, não podem ser feitas sem algum tipo de pacto com o diabo. “Eu não gostaria que vocês fossem feitos participantes com os demônios” [1 Cor 10:20].
Alguns adoravam os corpos celestiais, acreditando que as estrelas eram deuses: “Eles imaginavam que o sol e a lua eram os deuses que governam o mundo” [Sb 13,2]. Por essa razão Moisés proibiu os judeus de levantar os olhos, ou de adorar o sol, a lua e as estrelas: “Guardai, pois, cuidadosamente vossas almas… para que, talvez levantando os olhos para o céu, não vejais o sol e a lua, e todas as estrelas do céu, e enganando-se pelo erro, os adorais e os servis, os quais o Senhor vosso Deus criou para o serviço de todas as nações” [Dt 4,15.19]. Os astrólogos pecam contra esse Mandamento, pois dizem que esses corpos são os governantes das almas, quando na verdade foram feitos para o uso do homem cujo único governante é Deus.
Outros adoravam os elementos inferiores: “Eles imaginavam que o fogo ou o vento eram deuses” [Sb 13,2]. Nesse erro também caem aqueles que erroneamente usam as coisas desta terra e as amam em demasia: “Ou cobiçosos (que são servidores de ídolos)” [Ef 5,5].
Alguns homens erraram na adoração de seus antepassados. Isso surgiu a partir de três causas.
(1) De sua natureza carnal — “Porque um pai afligido por uma amarga dor, fez para si a imagem de seu filho, o qual foi rapidamente levado; e aquele, que então morrera como homem, começou agora a ser adorado como um deus, e a ele se fez ritos e sacrifícios entre seus servos” [Sab 14:15].
(2) Das bajulações. — Sendo assim incapazes de adorar certos homens em sua presença, eles, curvando-se, os honraram em sua ausência fazendo estátuas deles e as adorando em nome do outro: “A quem tinham a intenção de honrar… fizeram uma imagem… para honrar como presente o que estava ausente” [Sb 14,17]. Destes também são aqueles homens que amam e honram outros homens mais do que Deus: “Aquele que ama seu pai e sua mãe mais do que a mim, não é digno de mim” [10]. “Não confieis nos príncipes; nos filhos dos homens, nos quais não há salvação” [Sl 145,3].
(3) Da Presunção — Alguns por causa de sua presunção se fizeram chamar de deuses; tal, por exemplo, foi Nabuchodonosor (Judith, iii. 13). “Seu coração se exaltou e você disse: Eu sou Deus” [Ez 28,2]. Tais são também aqueles que acreditam mais em seus próprios prazeres do que nos preceitos de Deus. Eles se adoram a si mesmos como deuses, pois, ao buscar os prazeres da carne, eles adoram seus próprios corpos em vez de a Deus: “Seu deus é sua barriga” [Fil 3,19]. Devemos, portanto, evitar todas essas coisas.
Por que adorar a um só Deus?
“Não terás deuses estrangeiros diante de Mim”. Como já dissemos, o Primeiro Mandamento nos proíbe de adorar outro que não seja o único Deus. Agora vamos considerar cinco razões para isso.
A Dignidade de Deus. — A primeira razão é a dignidade de Deus a qual, se fosse menosprezada de alguma forma, seria um dano a Deus. Vemos algo semelhante a isso nos costumes dos homens. O reverenciar é devido a todo grau de dignidade. Assim, um traidor ao rei é aquele que o priva do que ele deveria defender. Tal, também, é a conduta de alguns para com Deus: “Eles transformaram a glória do Deus incorruptível na semelhança da imagem de um homem corruptível” [Rm 1,23]. Isso é muito desagradável para Deus: “Não darei Minha glória a outro, nem Meu louvor às coisas esculpidas” [Is 42:8]. Pois é preciso saber que a dignidade de Deus consiste em Sua onisciência, uma vez que o nome de Deus, Deus, provém de “ver”, e este é um dos sinais da divindade: “Mostrai as coisas que virão depois, e saberemos que sois deuses” [Is 41,23]. “Todas as coisas estão nuas e abertas aos seus olhos” [Hb 4,13]. Porém, essa dignidade de Deus é-lhe negada pelos praticantes da adivinhação, e deles é dito: “Não deveria o povo buscar de seu Deus, pelos vivos e pelos mortos?” [Is 8:19].
A Generosidade de Deus. — Nós recebemos todo bem de Deus; e isso também é da dignidade de Deus, pelo fato de Ele ser o criador e doador de todas as coisas boas: “Quando abrires a tua mão, todos eles se encherão de bem” [Sl 103,28]. E isso está implícito no nome de Deus, isto é, Deus, que é dito distribuidor, isto é, “dator” de todas as coisas, porque Ele enche todas as coisas com Sua bondade. Você é, de fato, ingrato se não aprecia o que recebeu dEle e, além disso, faz para si outro deus; assim como os filhos de Israel fizeram um ídolo depois de terem sido trazidos para fora do Egito: “Irei após os meus amantes” [Oséias 2:5]. Também se faz isso quando se põe demasiada confiança em alguém que não seja Deus, e isso ocorre quando se procura ajuda de outro: “Abençoado é o homem cuja esperança está no nome do Senhor” [1 Kg 18:21]. Assim, o Apóstolo diz: “Agora que você conheceu a Deus… como voltar-se novamente para os elementos fracos e necessitados?… Observais dias, meses, tempos e anos” [Gl 4,9,10].
A Força de Nossa Promessa. — A terceira razão é retirada de nossa promessa solene. Pois renunciamos ao diabo, e prometemos fidelidade somente a Deus. Trata-se de uma promessa que não podemos quebrar: “Um homem que violou a lei de Moisés morre sem piedade diante da palavra de duas ou três testemunhas. Quão pior castigo você acha que será merecido por aquele que pisa o Filho de Deus e considera o sangue do testamento como impuro, pelo qual ele foi santificado, e ultraja o Espírito de graça”! [Hb 10:28-29]. “Enquanto seu marido viver, ela será chamada adúltera, se estiver com outro homem” [Rm 7,3]. Ai, pois, do pecador que entra por dois caminhos na terra, e que “pára entre dois lados” [1 Kg 18,21].
Contra o Serviço do Diabo. — A quarta razão é devida ao grande fardo imposto pelo serviço ao diabo: “Servirás deuses estrangeiros dia e noite, que não te darão descanso” [Jr 16,13]. O diabo não se contenta em levar a um pecado, mas tenta levar a outros: “Todo aquele que pecar será escravo do pecado” [Jo 8:34]. Não é, portanto, fácil fugir do hábito do pecado. Assim, São Gregório diz: “O pecado que não é remido pela penitência logo atrai o homem para outro pecado” [ Super Ezech. 11]. O oposto de tudo isso é verdadeiro no serviço a Deus; pois seus mandamentos não são um fardo pesado: “Meu jugo é doce e meu fardo é leve” [Mt 11:30]. Considera-se que uma pessoa já fez o suficiente se ela fizer por Deus tanto quanto o que fez por causa do pecado: “Pois assim como cedestes vossos membros a servir à imundícia e a uma iniquidade cada vez maior, assim cedei agora vossos membros a servir à justiça para a santificação” [Rm 6,19]. Porém, ao contrário, está escrito sobre aqueles que servem ao diabo: “Cansámo-nos no caminho da iniquidade e da destruição, e percorremos caminhos difíceis” [Sb 5,7]. E também: “Trabalharam para cometer a iniquidade” [Sb 9,5].
A grandeza da recompensa. — A quinta razão é tirada da grandeza da recompensa ou do prêmio. Em nenhuma lei são prometidas tais recompensas como na lei de Cristo. Rios que manam leite e mel são prometidos aos muçulmanos, aos judeus a terra da promessa, mas aos cristãos se promete a glória dos Anjos: “Eles serão como os Anjos de Deus no céu” [Mt 22,30]. Foi com isso em mente que São Pedro perguntou: “Senhor, a quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna” [Jo 6,69].
O SEGUNDO MANDAMENTO
“Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão”.
Eis o segundo mandamento da lei. Assim como só há um Deus a quem devemos adorar, também só há um Deus a quem devemos reverenciar de uma maneira especial. Em primeiro lugar, isto tem referência ao nome de Deus. “Não tomarás o nome do Senhor, teu Deus, em vão”.
O significado de “em vão”
“Em vão” tem um significado tríplice. Às vezes se diz do que é falso: “Disseram coisas vãs cada um ao seu próximo” [Sl 11,3]. Portanto, toma-se o nome de Deus em vão quando se usa para confirmar o que não é verdade: “Não amem um falso juramento” [Zc 8,17]. “Não viverás porque disseste uma mentira em nome do Senhor” [Zc 13,3]. Qualquer um que o faça, prejudica a Deus, a si mesmo e a todos os homens.
É um insulto a Deus porque, quando você jura por Deus, isso não é outra coisa senão chamá-lo para testemunhar; e quando você jura falsamente, ou você acredita que Deus é ignorante da verdade e assim coloca a ignorância em Deus, enquanto “todas as coisas estão nuas e abertas aos seus olhos” [Hb 4:13]. ou você pensa que Deus ama uma mentira, enquanto Ele odeia isso: “Vós destruireis todos os que falam mentiras” [Sl 5,7]. Ou, ainda, você detesta Seu poder, como se Ele não fosse capaz de punir uma mentira.
Da mesma maneira, alguém assim faz um dano a si mesmo, pois liga-se ao julgamento de Deus. É a mesma coisa dizer: “Por Deus isso é assim”, a ponto de dizer: “Que Deus me castigue se não for assim”.
Ele, por fim, prejudica outros homens. Pois não pode haver sociedade duradoura, a menos que os homens acreditem uns nos outros. As questões que são duvidosas podem ser confirmadas por juramentos: “Um juramento em confirmação põe fim a toda controvérsia” [Hb 6:16]. Portanto, aquele que viola este preceito faz mal a Deus, é cruel para consigo mesmo e prejudicial para os outros homens.
Às vezes “em vão” significa inútil: “O Senhor conhece os pensamentos dos homens, que eles são vãos” [Sl 93,11]. O nome de Deus, portanto, é tomado em vão quando é usado para confirmar coisas vãs.
Na antiga lei, era proibido jurar falsamente: “Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão” [Dt 5:11]. E Cristo proibiu a prestação de juramentos, exceto em caso de necessidade: “Ouvistes que lhes foi dito anteriormente: Não jurareis falsamente… Mas eu vos digo que não jureis de modo algum” [Mt 5,33-34]. E a razão disso é que em nenhuma parte de nosso corpo somos tão fracos como na língua, pois “a língua ninguém pode domar” [Jm 3,8]. E assim, mesmo em assuntos leves, pode-se perjurar a si mesmo. “Que seja seu discurso: Sim, sim; Não, não. Mas eu vos digo que não jureis nada” [Mt 5,34,37].
Note bem que um juramento é como um remédio, o qual nunca é tomado continuamente, mas somente em momentos de necessidade. Portanto, o Senhor acrescenta: “E o que está além e acima disso é o mal” [Mt 5,37]. “Que a boca não esteja acostumada a jurar, pois nela há muitas quedas. E que o nome de Deus não seja habitual em sua boca, e que não se imiscuam com os nomes dos santos. Porque não vos livrareis deles” [Sir 23,9].
Às vezes “em vão” significa pecado ou injustiça: “Ó filhos dos homens, por quanto tempo vocês ficarão entediados de coração? Por que vocês amam a vaidade?” [Sl 4,3]. Portanto, aquele que jura cometer um pecado, toma o nome de seu Deus em vão. A justiça consiste em fazer o bem e evitar o mal. Portanto, se você faz um juramento de roubar ou comete algum crime dessa natureza, você peca contra a justiça. E embora você não tenha que cumprir tal juramento, você ainda é culpado de perjúrio. Herodes fez isso contra João [Mc 6:17]. É igualmente contrário à justiça quando se jura não fazer algum bom ato, como não entrar numa igreja ou numa comunidade religiosa. E, embora esse juramento também não seja definitivo, apesar disso, a própria pessoa é perjurada.
Condições para um juramento legal
Não se pode, portanto, jurar uma falsidade, ou sem uma boa razão, ou de qualquer forma contra a justiça: “E você jurará: Como vive o Senhor, na verdade, no julgamento e na justiça” [Jr 4,2].
Às vezes ” em vão” também significa tolice: “Todos os homens são vãos, em quem não há conhecimento de Deus” [Sb 13,1]. Portanto, aquele que toma o nome de Deus insensatamente, por blasfêmia, toma o nome de Deus em vão: “E aquele que blasfema contra o nome do Senhor, certamente morrerá” [Lv 24,16].
Tomando o nome de Deus com justiça
“Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão”. Entretanto, o nome de Deus pode ser tomado para seis propósitos. Primeiro, para confirmar algo que é dito, como em um juramento. Nisto mostramos que só Deus é a Verdade primeira, e também mostramos a devida reverência a Deus. Por isso, foi ordenado na Lei Antiga que não se deve jurar senão por Deus [Dt 6:13]. Aqueles que juraram de outra maneira violaram esta ordem: “Pelo nome de deuses estrangeiros não jurareis” [Ex 23,13]. Embora às vezes se jure por criaturas, no entanto, é preciso saber que isso é o mesmo que jurar por Deus. Quando você jura por sua alma ou por sua cabeça, é como se você se obrigasse a ser castigado por Deus. Assim, é como se você se obrigasse a ser castigado por Deus: ” Eu, porém, chamo Deus para testemunhar sobre minha alma” [2 Cor 1,23]. E quando você jura pelo Evangelho, você jura por Deus que deu o Evangelho. No entanto, pecam aqueles que juram ou por Deus ou pelo Evangelho por qualquer razão trivial.
O segundo propósito é o da santificação. Assim, o Batismo santifica, pois como diz São Paulo: ” Vós sois lavados, vós sois santificados, vós sois justificados em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, e do Espírito de Deus” [1 Cor 6,11]. O batismo, no entanto, não tem poder a não ser através da invocação da Trindade: “Mas Vós, Senhor, estais entre nós, e vosso nome é invocado por nós” [Jr 14,9].
O terceiro objetivo é a expulsão de nosso adversário; portanto, antes do Batismo renunciamos ao diabo: “Somente teu nome seja invocado sobre nós; tira-nos nossa reprovação” [Is 4,1]. Portanto, se alguém retornar a seus pecados, o nome de Deus foi tomado em vão.
Em quarto lugar, o nome de Deus é tomado para confessá-lo: “Como, então, eles O invocarão, em quem não acreditaram”? [Rm 10,14]. E novamente: “Quem invocar o nome do Senhor, será salvo” [Rm 10,13]. Antes de mais nada, confessamos por palavras, para que possamos mostrar a glória de Deus: “E todo aquele que invocar Meu nome, Eu o criei para Minha glória” [Is 43,7]. Assim, se alguém diz algo contra a glória de Deus, ele toma o nome de Deus em vão. Em segundo lugar, confessamos o nome de Deus por nossas obras, quando nossas próprias ações mostram a glória de Deus: “Para que vejam vossas boas obras, e glorifiquem vosso Pai que está nos céus” [Mt 5,16]. “Por meio de vós o nome de Deus é blasfemado entre os gentios” [Rm 2,24].
Em quinto lugar é tomado em nossa defesa: “O nome do Senhor é uma torre forte; os justos correm para ela e serão exaltados” [Prov 18,10]. “Em Meu nome expulsarão os demônios” [Mc 16,17]. “Não há outro nome sob o céu dado aos homens, pelo qual devemos ser salvos” [At 4,12].
Por fim, ele é tomado a fim de tornar nossas obras completas. Assim diz o Apóstolo: “Tudo o que fizerdes em palavra ou obra, fazei tudo em nome do Senhor Jesus Cristo” [Col 3,17]. A razão é porque “nossa ajuda está no nome do Senhor” [Sl 123,8]. Às vezes acontece que se começa uma obra imprudentemente iniciando com um voto, por exemplo, e depois não completando nem a obra nem o voto. E isso novamente é tomar o nome de Deus em vão. “Se você fez algum voto a Deus, não adie o seu pagamento” [Ecles 5:3]. “Fazei votos e pagai ao Senhor vosso Deus; todos os que rodeais em torno dEle tragam presentes” [Sl 75,12]. “Porque uma promessa infiel e tola O desagrada” [Ecles 5,3].
O TERCEIRO MANDAMENTO
“Lembre-se de preservar santo o Dia de Sábado”.
Esse é o Terceiro Mandamento da lei, e muito apropriadamente é assim. Pois primeiro nos é ordenado adorar a Deus em nossos corações, e o Mandamento é adorar a um só Deus: “Não tereis deuses estrangeiros diante de Mim”. No Segundo Mandamento nos é dito para reverenciar a Deus por palavras: “Não tomarás o nome do Senhor, teu Deus, em vão”. O Terceiro nos ordena a reverenciar a Deus por meio de atos. E é: “Lembrai-vos de preservar santo o dia de sábado”. Deus desejou que um certo dia fosse reservado para que os homens direcionassem suas mentes para o serviço do Senhor.
Razões para esse mandamento
Há cinco razões para esse Mandamento. A primeira razão foi pôr de lado o erro, pois o Espírito Santo viu que, no futuro, alguns homens diriam que o mundo sempre existiu. “Nos últimos dias virão escarnecedores enganadores, caminhando em busca de suas próprias luxúrias, dizendo: Onde está Sua promessa ou Sua vinda? Pois desde o momento em que os pais adormeceram, todas as coisas continuam como eram desde o início da criação. Eles ignoram deliberadamente que os céus eram antes, e a terra saiu da água, e que, da água, foi criada pela palavra de Deus” [2Pd 3,3-5]. Deus, portanto, desejou que um dia fosse reservado em memória do fato de que Ele criou todas as coisas em seis dias, e que no sétimo dia Ele descansou da criação de novas criaturas. Foi por isso que o Senhor colocou esse Mandamento na lei, dizendo: “Lembrai-vos de santificar o dia de sábado”. Os judeus guardaram santo o Sábado em memória da primeira criação; mas Cristo, em Sua vinda, trouxe uma nova criação. Pois pela primeira criação foi criado um homem terreno, e pela segunda um homem celestial: “Porque, em Cristo Jesus, nem a circuncisão nem a incircuncisão valem coisa alguma, mas sim a nova criatura” [Gl 6,15]. Essa nova criação é através da graça, que veio pela Ressurreição: “Que assim como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim também nós poderemos caminhar com uma nova vida”. Pois se formos plantados juntos à semelhança de Sua morte, assim estaremos também à semelhança de Sua ressurreição” [Rm 6,4-5]. E assim, porque a Ressurreição aconteceu no domingo, celebramos esse dia, como os judeus observavam o sábado por causa da primeira criação.
A segunda razão para esse Mandamento é para nos instruir em nossa fé no Redentor. Pois a carne de Cristo não foi corrompida no sepulcro, e assim se diz: “Ademais, Minha carne também descansará na esperança” [Sl 15,9]. “Nem deixareis que vosso santo veja corrupção” [Sl 15,10]. Portanto, Deus desejou que o sábado fosse observado, e que assim como os sacrifícios da Lei Antiga significavam a morte de Cristo, também o sossego do sábado deveria significar o descanso de Seu corpo no sepulcro. Mas agora não observamos tais sacrifícios, porque com o advento da realidade e da verdade, as figurações dela devem cessar, assim como a escuridão é dissipada com o nascer do sol. No entanto, guardamos os sábados em veneração à Santíssima Virgem, na qual permaneceu uma fé firme naquele sábado enquanto Cristo estava morto.
A terceira razão é que esse Mandamento foi dado para fortalecer e prenunciar o cumprimento da promessa de descanso. Pois o descanso, de fato, foi-nos prometido: “E naquele dia Deus vos dará descanso de vosso trabalho, de vosso vexame e da dura servidão a que fostes subjugados” [Is 14,3]. “Meu povo habitará numa terra pacífica, em acomodações seguras e em lugares tranqüilos de descanso” [Is 32:18].
Esperamos descansar de três coisas: do trabalho da vida atual, das lutas das tentações, e da servidão do diabo” [Is 32:18]. Cristo prometeu esse descanso a todos aqueles que vão até Ele: “Vinde a Mim, todos vós que trabalhais e estais sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o Meu jugo, e aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para vossas almas. Porque Meu jugo é doce e Meu fardo é leve” [Mt 11,28-30].
Entretanto, o Senhor, como sabemos, trabalhou durante seis dias e no sétimo descansou, pois é necessário fazer um trabalho perfeito: “Eis com seus olhos como trabalhei um pouco e encontrei muito descanso para Mim mesmo” [Sir 51:35]. Pois o período da eternidade excede o tempo presente incomparavelmente mais que mil anos excede um dia.
Em quarto lugar, esse Mandamento foi dado para o aumento do nosso amor: “Porque o corpo corruptível é uma carga sobre a alma” [Sab. 9:15]. E o homem sempre tende para baixo em direção às coisas terrenas, a menos que ele tome meios para elevar-se acima delas. É realmente necessário dispor de um certo tempo para isso; de fato, alguns o fazem continuamente: “Eu bendirei ao Senhor a todo tempo, Seu louvor estará sempre em minha boca” [Sl 33,2]. E novamente: “Orai sem cessar” [1 Tess 5,17]. Estes gozarão o sábado eterno. Há outros que fazem isso ( ou seja, exaltam o amor a Deus) durante uma certa parte do dia: “Sete vezes ao dia eu vos tenho louvado” [Sl 118,164]. E alguns, a fim de evitar ficar totalmente separados de Deus, acham necessário ter um dia fixo, para não ficarem muito tépidos em seu amor por Deus: “Se chamais o sábado de deleitoso… então vos deleitareis no Senhor” [Is 58,13-14]. Novamente: “Então abundareis nas delícias do Todo-Poderoso, e levantareis vosso rosto para Deus” [Jó 22,26]. E, portanto, esse dia não é reservado apenas para o exercício dos jogos, mas para louvar e orar ao Senhor Deus. Portanto, Santo Agostinho diz que é um mal menor arar do que brincar nesse dia.
Por fim, nos é dado esse Mandamento para exercer obras de bondade para com aqueles que estão sujeitos a nós. Porque alguns são de tal maneira cruéis para consigo mesmos e para os outros que labutam incessantemente por causa do dinheiro. Isso é verdade especialmente para os judeus, que são os mais avarentos. “Observai o dia do sábado para santificá-lo… para que vosso servo e vossa serva descansem, como vós mesmos” [19]. Esse Mandamento, portanto, foi dado por todas essas razões.
Do que devemos nos abster no sábado
“Lembrem-se de guardar santo (santificar) o dia de sábado”. Já dissemos que, como os judeus celebravam o sábado, também nós cristãos observamos o domingo e todas as principais festas. Vejamos agora de que forma devemos guardar tais dias. Devemos saber que Deus não disse para “guardar” o Sábado, mas para lembrar de guardá-lo santo. A palavra “santo” pode ser entendida de duas maneiras. Às vezes “santo” (santificado) é o mesmo que puro: “Mas tu és lavado, mas tu és santificado” [1 Cor 6,11]. Então, às vezes “santo” é dito de uma coisa consagrada ao culto a Deus, como, por exemplo, um lugar, uma estação, vestes e os vasos sagrados. Por isso, de duas maneiras, devemos celebrar as festas, ou seja, tanto puramente como entregando-nos ao serviço divino.
Vamos considerar duas coisas a respeito desse Mandamento. Primeiro, o que deve ser evitado em um dia de festa, e segundo, o que devemos fazer. Devemos evitar três coisas. A primeira é o trabalho servil.
Evitar o Trabalho Servil – “Não faça nenhum trabalho; santifique o sábado” [Jr 17,22]. E assim também é dito na Lei: “Não fareis trabalho servil nele” [Lv 23,25]. Ora, trabalho servil é trabalho corporal; enquanto “trabalho livre” (isto é, trabalho não-servil) é feito pela mente, por exemplo, o exercício do intelecto e coisas do gênero. E ninguém pode ser servilmente obrigado a fazer tal tipo de trabalho.
Quando o trabalho servil é lícito, devemos saber, entretanto, que o trabalho servil pode ser feito no sábado por quatro razões. A primeira razão é a necessidade. Portanto, o Senhor desculpou os discípulos colhendo as espigas de milho no Sábado, como lemos em São Mateus (xii. 3-5). A segunda razão é quando o trabalho é feito para o serviço da Igreja; como vemos no mesmo Evangelho a maneira como os sacerdotes faziam todas as coisas necessárias no Templo no dia de sábado. A terceira razão é para o bem do próximo; pois no sábado o Salvador curou aquele que tinha a mão ressequida, e Ele refutou os judeus que O repreendiam, citando o exemplo das ovelhas num poço (“ibid.”). E a quarta razão é a autoridade de nossos superiores. Assim, Deus ordenou aos judeus que circuncidassem no sábado [João 7,22-23].
Evitar o pecado e a negligência no Sábado – Outra coisa a ser evitada no Sábado é o pecado: “Prestai atenção às vossas almas, e não carregueis fardos no sábado” [Jr 18,21]. Esse peso e esse fardo sobre a alma é o pecado: “Minhas iniqüidades tais como um pesado fardo se tornaram pesadas sobre mim” [Sl 37:5]. Ora, o pecado é uma obra servil porque “quem comete pecado é servo do pecado” [Jo 8,34]. Portanto, quando se diz: “Não fareis nele obra servil” [Lv 3,25]. pode ser entendido como pecado. Assim, se viola tal mandamento tantas vezes quanto se comete pecado no sábado; e assim, tanto pelo trabalho como pelo pecado, Deus se ofende. “Os [seus] Sábados e outros festivais eu não vou tolerar”. E por quê? “Porque suas assembléias são perversas”. Minha alma odeia vossa lua nova e vossas solenidades; elas se tornaram incômodas para mim” [Is 1,13].
Outra coisa a ser evitada no sábado é a ociosidade: “Porque a ociosidade tem ensinado muitas coisas más” [Sir 33:29]. São Jerônimo diz: “Faça sempre algum bom trabalho, e o diabo sempre te encontrará ocupado” [Ep. ad Rusticum]. Portanto, não é bom que alguém guarde apenas as principais festas, se nas outras se mantém ocioso. “A honra do Rei ama o juízo” [Sl 98:4 Vulgata], ou seja, a discrição. Assim, lemos que alguns dos judeus estavam escondidos, e seus inimigos caíram sobre eles; porém eles, acreditando que não podiam se defender no sábado, foram vencidos e mortos [1 Mac 2,31-38]. A mesma coisa acontece com muitos que estão ociosos nos dias de festa: “Os inimigos o viram, e zombaram de seus sábados” [Lam 1:7]. Mas todos deveriam fazer como aqueles judeus, dos quais se diz: “Quem quer que venha contra nós para lutar no sábado, nós lutaremos contra ele” [1 Mac 2,41].
Que fazer no sábado?
“Lembre-se de guardar santo o Sábado”. Já dissemos que o homem deve santificar os dias de festa; e que “santo” é considerado de duas maneiras: “puro” e “consagrado a Deus”. Além disso, indicamos de que coisas devemos nos abster nesses dias. Agora deve ser mostrado com o que devemos nos ocupar, e são três em número.
A Oferta de Sacrifício – A primeira é a oferta de sacrifícios. No Livro de Números (18) está escrito como Deus ordenou que em cada dia fosse oferecido um cordeiro pela manhã e outro à noite, mas no dia de sábado o número deveria ser duplicado. E isso mostrou que no Sábado devemos oferecer sacrifício a Deus de tudo o que possuímos: “Todas as coisas são Tuas; e nós Te oferecemos o que recebemos de tua mão” [1 Cr 29,14]. Devemos oferecer, antes de tudo, nossa alma a Deus, arrependidos de nossos pecados: “Um sacrifício a Deus é um espírito aflito” [Sl 50,19]; e também rezar por Suas bênçãos: “Que minha oração seja dirigida como incenso aos vossos olhos” [Sl 140,2]. Foram instituídos dias de festa para aquela alegria espiritual que é o efeito da oração. Portanto, em tais dias, nossas orações devem ser multiplicadas.
Em segundo lugar, devemos oferecer nosso corpo, mortificando-o com o jejum: “Rogo-vos, pois, irmãos, pela misericórdia de Deus, que apresenteis vosso corpo em sacrifício vivo”[Rm 12,1], e também louvando a Deus: “O sacrifício de louvor me honrará” [Sl 49,23]. E assim, nesses dias, nossos hinos devem ser mais numerosos. Em terceiro lugar, devemos sacrificar nossos bens, dando esmolas: “E não se esqueçam de fazer o bem, e de transmitir; pois com tal sacrifício se obtém o favor de Deus” [Hb 13,16]. E essa esmola deve ser mais do que em outros dias porque o sábado é um dia de alegrias em comum: “Enviai porções para aqueles que não se prepararam, porque é o dia santo do Senhor” [Ne 8,10].
Ouvir a Palavra de Deus – Nosso segundo dever no Sábado é estar ansiosos para ouvir a palavra de Deus. Isso os Judeus faziam diariamente: “As vozes dos profetas que são lidas a cada sábado” [At 13,27]. Portanto, os cristãos, cuja justiça deve ser mais perfeita, devem reunir-se no Sábado para ouvir sermões e participar dos serviços da Igreja! “Quem é de Deus, ouve as palavras de Deus” [Jo 8,47]. Do mesmo modo, devemos falar com proveito aos outros: “Que nenhum discurso maligno saia de vossa boca; mas o que é bom para a santificação” [Ef 4,29]. Essas duas práticas são boas para a alma do pecador, porque mudam seu coração para melhor: “Não são minhas palavras como um fogo, diz o Senhor, e como um martelo que quebra a rocha em pedaços”? [Jeremias 23:29]. O efeito contrário se produz sobre aqueles, mesmo os perfeitos, que não falam nem ouvem coisas lucrativas: “As más comunicações corrompem as boas maneiras. Despertai, apenas, e não cometeis pecado” [1 Cor 15:33]. “Tuas palavras eu escondi em meu coração” [Sl 118,11]. A palavra de Deus ilumina os ignorantes: “Tua palavra é uma lâmpada para os meus pés” [Sl 118,105]. Ela inflama o morno: “A palavra do Senhor o inflamou” [Sl 114,19].
A contemplação das coisas divinas pode ser exercida no sábado. No entanto, isso é para os mais perfeitos. “Ó prova, e vê que o Senhor é doce” [Sl 33,9], e isso se deve ao sossego da alma. Pois assim como o corpo cansado deseja descansar, o mesmo acontece com a alma. Mas o descanso próprio da alma está em Deus: “Seja para mim um Deus, um protetor e um refúgio” [Sl 30,3]. “Resta, portanto, um dia de descanso para o povo de Deus”. Pois aquele que entrou em seu descanso também descansou de suas obras, como Deus o fez de suas” [Hb 4,9-10]. Quando eu entrar em minha casa, descansarei com ela” (isto é, Sabedoria) [Sb 8,16].
No entanto, antes que a alma chegue a esse descanso, três outros descansos devem preceder. O primeiro é o descanso do tumulto do pecado: “Mas os ímpios são como o mar revolto que não pode descansar” [Is 57:20]. O segundo descanso é o das paixões da carne, porque “a carne cobiça contra o espírito, e o espírito contra a carne” [Gl 5,17]. O terceiro é o descanso das ocupações do mundo: ” Marta, Martha, tu és cuidadosa e perturbada por muitas coisas” [Lc 10,41].
E depois de todas essas coisas, a alma descansa pacificamente em Deus: “Se chamais o sábado de deleitoso… então vos deleitareis no Senhor” [Is 58,13-14]. Os santos desistiram de tudo para possuir esse descanso, “pois trata-se de uma pérola de grande preço que um homem, tendo-a encontrado, escondeu, e por alegria saiu e vendeu tudo o que tinha e comprou aquele campo” [Mt 13,44-46]. Esse descanso na verdade é a vida eterna e a alegria celestial: “Este é o meu descanso para todo o sempre; aqui habitarei, porque o escolhi” [Sl 131,14]. E a esse descanso que o Senhor nos leve a todos!
O QUARTO MANDAMENTO
“Honrai vosso pai e vossa mãe, para que tenhais uma vida longa sobre a terra, a qual o Senhor vosso Deus vos dará”.
A perfeição para o homem consiste no amor de Deus e do próximo. Ora, os três Mandamentos que foram escritos na primeira tábua dizem respeito ao amor a Deus; para o amor ao próximo, havia os sete Mandamentos na segunda tábua. Mas devemos “amar, não em palavras nem na língua, mas na ação e na verdade” [1Jo 3]. Para que um homem ame assim, ele deve fazer duas coisas: evitar o mal e fazer o bem. Alguns dos Mandamentos prescrevem atos bons, enquanto outros proíbem atos maus. E também devemos saber que evitar o mal está em nosso poder; mas somos incapazes de fazer o bem a todos. Assim, Santo Agostinho diz que devemos amar a todos, mas não somos obrigados a fazer o bem a todos. Porém, entre aqueles aos quais estamos obrigados a fazer o bem, estão aqueles que de alguma forma estão unidos a nós. Assim, “se alguém não cuida dos seus, especialmente dos de sua casa, negou a fé” [1Tm 5,8]. Ora, entre todos os nossos parentes não há ninguém mais próximo do que nosso pai e nossa mãe. “Devemos amar a Deus primeiro”, diz Santo Ambrósio, “depois nosso pai e nossa mãe”. Portanto, Deus nos deu o Mandamento: “Honrai vosso pai e vossa mãe”.
O Filósofo também dá outra razão para essa honra aos pais, na medida em que não podemos fazer um retorno igual a nossos pais pelos grandes benefícios que nos concederam; e, portanto, um pai ofendido tem o direito de mandar seu filho embora, mas o filho não tem esse direito [ Ética V]. Os pais, de fato, dão a seus filhos três coisas. A primeira é que eles os trouxeram à existência: “Honre seu pai, e não esqueça os gemidos de sua mãe; lembre-se que através deles você nasceu” [Sir 7:29-30]. Em segundo lugar, eles forneceram o alimento e o suporte necessário para a vida. Pois uma criança vem nua ao mundo, tal como Jó relata (1:24), mas ela é sustentada por seus pais. A terceira é a instrução: “Tivemos pais de nossa carne como instrutores” [Hb 12:9]. “Você tem filhos? Instrua-os” [Hb 7:25].
Os pais, portanto, devem dar instruções imediatamente a seus filhos, porque “um jovem à sua maneira, mesmo quando for velho, não se afastará dela” [Prov 22,6]. E de novo: “É bom para um homem quando ele tem suportado o jugo de sua juventude” [Pv 3,27]. Ora, a instrução que Tobias deu a seu filho (Tob 4) foi a seguinte: temer ao Senhor e abster-se do pecado. Isso é de fato contrário àqueles pais que aprovam os erros de seus filhos. Os filhos, portanto, recebem de seus pais o nascimento, a alimentação e a instrução.
O que os filhos devem aos pais
Ora, dado que devemos nosso nascimento a nossos pais, devemos honrá-los mais do que a qualquer outro superior, pois de tais recebemos apenas coisas temporais: “Aquele que teme o Senhor honra seus pais, e os servirá como seus mestres que o trouxeram ao mundo. Honrai vosso pai no trabalho, na palavra e em toda paciência, para que dele venha sobre vós uma bênção” [Sir 3:10]. E ao fazer isso, também vos honrareis a vós mesmos, porque “a glória de um homem vem da honra de seu pai, e um pai sem honra é a desgraça de seu filho” [Sir 3:13].
O que os filhos devem aos pais
Ora, dado que devemos nosso nascimento a nossos pais, devemos honrá-los mais do que a qualquer outro superior, pois de tais recebemos apenas coisas temporais: “Aquele que teme o Senhor honra seus pais, e os servirá como seus mestres que o trouxeram ao mundo. Honrai vosso pai no trabalho, na palavra e em toda paciência, para que dele venha sobre vós uma bênção” [Sir 3:10]. E ao fazer isso, também vos honrareis a vós mesmos, porque “a glória de um homem vem da honra de seu pai, e um pai sem honra é a desgraça de seu filho” [Sir 3:13].
Sabendo que recebemos alimento de nossos pais em nossa infância, devemos apoiá-los na velhice: “Filho, sustenta a velhice de teu pai, e não o entristeça em sua vida”. E se sua compreensão falhar, tenha paciência com ele; e não o despreze enquanto você estiver com suas forças… Que fama maligna tem aquele que abandona seu pai! E é amaldiçoado por Deus aquele que enfurece sua mãe” [Sir 3:14,15]. Para a humilhação daqueles que agem contrariamente a isto, Cassiodorus relata como as cegonhas jovens, depois de os pais terem perdido suas penas ao se aproximarem da velhice e não conseguirem encontrar alimento adequado, tornam os pais cegonhas confortáveis com suas próprias penas, e levam comida para seus corpos desgastados. Assim, por meio dessa troca afetuosa, os jovens retribuem aos pais pelo que receberam quando eram jovens” [ Epist. II].
Devemos obedecer a nossos pais, pois eles nos instruíram. “Filhos, obedeçam a seus pais em todas as coisas” [Col 3,20]. Isso, é claro, exceto naquelas coisas que são contrárias a Deus. São Jerônimo diz que a única lealdade em tais casos é ser cruel [ Ad Heliod ]: “Se alguém não odeia seu pai e sua mãe… não pode ser meu discípulo” [Lc 14,26]. Isto quer dizer que Deus é, no sentido mais verdadeiro, nosso Pai: “Não é Ele teu Pai que te adquiriu, te fez e te criou?” [Dt 32,6].
Recompensas por cumprir esse mandamento
“Honre seu pai e sua mãe”. Entre todos os Mandamentos, somente este tem as palavras adicionais: “para que você possa ter uma vida longa sobre a terra”. A razão para isso é para que não se pense que não há recompensa para aqueles que honram seus pais, visto que se trata de uma obrigação natural. Portanto, é preciso saber que cinco recompensas muito desejáveis são prometidas àqueles que honram seus pais.
Graça e Glória – A primeira recompensa é a graça pela vida presente, e a glória na vida futura, que certamente são muito desejáveis: “Honrai vosso pai… para que uma bênção de Deus venha sobre vós, e Sua bênção permaneça no fim” [Sir 3:9-10]. O oposto vem sobre aqueles que desonram seus pais; de fato, eles são amaldiçoados pela lei por Deus [Dt 27,16]. Também está escrito: “Quem é injusto no que é pequeno, é injusto também no que é grande” [Lc 16,10]. Mas esta nossa vida natural não é nada em comparação com a vida da graça. E assim, portanto, se você não reconhece a bênção da vida natural que deve a seus pais, então você é indigno da vida da graça, que é maior, e mais ainda em relação à vida da glória, que é a maior de todas as bênçãos.
Uma Longa Vida – A segunda recompensa é uma longa vida: “para que você possa ter uma longa vida sobre a terra”. Pois “aquele que honra seu pai gozará de uma longa vida” [Sirr 3:7]. Ora, trata-se de uma longa vida que é uma vida plena, e não é observada no tempo, mas na atividade, como observa o Filósofo. A vida, porém, é plena na medida em que é uma vida de virtude; assim, um homem que é virtuoso e santo goza de uma longa vida mesmo que em corpo morra jovem: “Sendo perfeito em um curto espaço, ele preencheu um longo tempo; pois sua alma agradou a Deus” [Sb 4,13]. Assim, por exemplo, ele é como um bom comerciante que faz tanto negócio em um dia quanto outro faria em um ano. E note bem que às vezes acontece que uma vida longa pode levar a uma morte tanto espiritual quanto corporal, como foi o caso de Judas. Portanto, a recompensa por manter esse Mandamento é uma longa vida para o corpo. Mas o contrário, ou seja, a morte é o destino daqueles que desonram seus pais. Nós recebemos nossa vida deles; e assim como os soldados devem fidelidade ao rei, e perdem seus direitos em caso de qualquer traição, assim também aqueles que desonram seus pais merecem perder suas vidas: “O olho que zomba de seu pai e despreza o trabalho de sua mãe ao carregá-lo, que os corvos o apanhem e as jovens águias o comam” [Prov 30:17]. Aqui “os corvos” significam funcionários de reis e príncipes, que por sua vez são as “jovens águias”. Porém, se acontece que tais não são punidos fisicamente, eles não podem escapar da morte da alma. Não é bom, portanto, que um pai dê muito poder a seus filhos: “Não dê a um filho ou mulher, irmão ou amigo, poder sobre você enquanto você vive; e não dê sua herança a outro, para que você não se arrependa” [Sir 33:20].
A terceira recompensa é ter, por sua vez, filhos agradecidos e agradáveis. Pois um pai naturalmente valoriza seus filhos, mas o contrário nem sempre é o caso: “Quem honra seu pai terá alegria em seus próprios filhos” [Sir 3:6]. Novamente: “Com a medida que medirdes, ser-vos-á medido novamente” [Mt 7,2]. A quarta recompensa é uma reputação louvável: “Porque a glória de um homem é a honra de seu pai” [Sir 3,13]. E de novo: “Que fama maligna tem aquele que abandona seu pai?” [Sir 3:18]. Uma quinta recompensa é a riqueza: “A bênção do pai estabelece as casas de seus filhos, mas a maldição da mãe enraíza a fundação” [Sir 3:11].
Significados de “pai”
“Honre seu pai e sua mãe”. Um homem é chamado pai não só por causa da geração, mas também por outras razões, e a cada uma delas é devida uma certa reverência. Assim, os Apóstolos e os Santos são chamados pais por causa de sua doutrina e de sua exemplificação de fé: “Pois se você tem dez mil instrutores em Cristo, contudo não muitos pais. Porque em Cristo Jesus, pelo evangelho, eu vos gerei” [1 Cor 4,15]. E novamente: “Louvemos agora os homens de renome e nossos pais em sua geração” [1 Cor 44,1]. Entretanto, louvemo-los não somente em palavras, mas imitando-os; e o fazemos se nada for encontrado em nós que seja contrário ao que louvamos neles.
Nossos superiores na Igreja também são chamados de pais; e eles também devem ser respeitados como ministros de Deus: “Lembrem-se de seus prelados, … sigam sua fé, considerando o objetivo de sua conversa” [Hb 13,7]. E novamente: “Quem vos ouve, a mim me ouve; e quem vos despreza, a mim me despreza” [Lc 10,16]. Nós os honramos, mostrando-lhes obediência: “Obedecei a vossos prelados, e sujeitai-vos a eles” [Hb 13:17]. E também pagando-lhes o dízimo: “Honrai ao Senhor com vossa riqueza, e dai-lhe o primeiro de vossos frutos” [Prov 3,9].
Governantes e reis são chamados de pais: “Pai, se o profeta te tivesse mandado fazer algo grandioso, certamente o terias feito” [2 Reis 5:13]. Nós os chamamos de pais porque todo o cuidado deles é o bem de seu povo. E nós os honramos por estarem sujeitos a eles: “Que toda alma esteja sujeita a poderes superiores” [Rm 13:1]. Devemos estar sujeitos a eles não apenas por medo, mas por amor; e não apenas porque é razoável, mas por causa dos ditames de nossa consciência. Porque “não há poder senão de Deus” [Rom 13:7]. E assim, a todos eles devemos render o que lhes devemos: “Homenagem, a quem se deve tributo; costume, a quem se deve costume; temor, a quem se deve temor; honra, a quem se deve honra” [Rm 13,41]. E novamente: “Meu filho, temei ao Senhor e ao rei” [Prov 24,21].
Nossos benfeitores também são chamados de pais: “Sede misericordiosos para com os órfãos de pai tal como um pai” [Prov 4,10]. Ele também é como um pai [que dá seu vínculo]. de quem se diz: “Um bom homem será fiador de seu próximo, mas um homem que perdeu o senso de vergonha lhe falhará” [Sir 29:14]. Por outro lado, os ingratos receberão uma punição como a que está escrita: “A esperança dos ingratos se derreterá como o gelo do inverno” [Sab 16:29]. Os homens velhos também são chamados de pais: “Perguntai a vosso pai, e ele vos declarará; aos vossos anciãos e eles vos dirão” [Dt 32, 7]. E novamente: “Levantai-vos diante da cabeça cinzenta, e honrai a pessoa do ancião” [Dt 19,32]. “Na companhia de grandes homens, não tomeis a palavra; e quando os anciãos estiverem presentes, não falareis muito” [Dt 32,13]. “Ouvi em silêncio e, por vossa reverência, a boa graça virá a vós” [Sir 32:9]. Ora, todos esses pais devem ser honrados, porque todos eles se parecem em certa medida com nosso Pai que está no céu; e de todos eles se diz: “Quem vos despreza, despreza a Mim” [Lc 10,16].
O QUINTO MANDAMENTO
“Não Matarás”.
O pecado de matar
Na lei divina que nos diz que devemos amar a Deus e ao próximo, é ordenado que não apenas façamos o bem, mas também evitemos o mal. O maior mal que se pode fazer ao próximo é tirar-lhe a vida. Isso é proibido no Mandamento: “Não matarás”.
Em relação a esse Mandamento, há três erros. Alguns têm dito que não é permitido matar nem mesmo animais selvagens. Porém, isso é falso, porque não é pecado usar aquilo que está subordinado ao poder do homem. É da ordem natural que as plantas sejam o alimento dos animais, que certos animais alimentem outros, e tudo isso seja para a alimentação do homem: “Até as ervas verdes eu as entreguei todas a vós” [Gn 9,3]. O Filósofo diz que a caça é como uma guerra justa [ Política I]. E São Paulo diz: “O que quer que se venda no mercado de carne, coma; não se faça perguntas à consciência” [1 Cor 10:25]. Portanto, o sentido do Mandamento é: “Não matarás homens”.
A Execução dos Criminosos – Alguns sustentam que a matança do homem é totalmente proibida. Eles acreditam que os juízes nos tribunais civis são assassinos, que condenam os homens à morte de acordo com as leis. Contra estes Santo Agostinho diz que Deus, por meio desse Mandamento, não retira o direito de matar de Si mesmo. Assim, nós lemos: “Matarei e darei a vida” [Dt 32, 39]. É, portanto, legal que um juiz mate de acordo com um mandado de Deus, já que em Deus opera, e toda lei é um mandamento de Deus: “Por Mim reinam os reis, e os legisladores decretam coisas justas” [Prov 8,15]. E novamente: “Porque, se fazeis o que é mau, temei; porque ele não leva a espada em vão; porque é ministro de Deus” [Rm 13,14]. A Moisés também foi dito: ” Os feiticeiros, não os deixareis viver” [Ex 22,18]. E assim o que é lícito a Deus é lícito para Seus ministros quando agem por Seu mandato. É evidente que Deus, que é o Autor das leis, tem todo o direito de infligir a morte por causa do pecado. Pois “o salário do pecado é a morte” [Rm 6,23]. Nem Seu ministro peca ao infligir essa punição. O sentido, portanto, de “não matarás” é que não se deve matar por autoridade própria.
O suicídio é proibido. – Há aqueles que sustentavam que, embora esse mandamento proíba um matar outro, ainda assim é lícito matar-se a si mesmo. Assim, há os exemplos de Sansão (Juízes, XVI) e de Catão e de certas virgens que se lançaram nas chamas, como diz Santo Agostinho em A Cidade de Deus [I, 27]. Mas ele também explica pelas palavras: “Quem se mata, certamente mata um homem” [ ibid. 13]. Se não é lícito matar a não ser pela autoridade de Deus, então não é lícito matar-se, a não ser pela autoridade de Deus ou instruído pelo Espírito Santo, como foi o caso de Sansão. Portanto, “você não matará”.
Outros significados de “Matar” – Deve-se saber que matar um homem pode acontecer de várias maneiras. Em primeiro lugar, pela própria mão: “Suas mãos estão cheias de sangue” [Is 1:15]. Isso não é apenas contra a caridade, que nos diz para amarmos o próximo como a nós mesmos: “Nenhum assassino tem a vida eterna em si mesmo” [Jo 3,15]. Mas também é contra a natureza, pois “toda besta ama seu semelhante” [Sir 13:19]. E assim se diz: “Aquele que golpear um homem com vontade de matá-lo, será morto” [Ex 21,12]. Aquele que faz isso é mais cruel do que o lobo; a respeito disso, Aristóteles diz que um lobo não come da carne de outro lobo [ De animal. IV].
Em segundo lugar, um mata o outro por meio de palavras. Isso é feito por meio de aconselhamento a qualquer pessoa contra outra mediante provocação, acusação ou detração: “Os filhos dos homens cujos dentes são armas e flechas, e sua língua uma espada afiada” [Sl 56,5]. Em terceiro lugar, emprestando ajuda, como está escrito: “Meu filho, não vá com eles… pois seus pés correm para o mal, e eles se apressam para derramar sangue” [Prov 1,15-16]. Em quarto lugar, por consentimento: “São dignos de morte, não só aqueles que fazem tais coisas, mas também aqueles que consentem com aqueles que as fazem” [Rm 1,32]. Finalmente, um mata o outro dando um consentimento parcial quando o ato poderia ser completamente evitado: “Libertem aqueles que são levados à morte” [Prov 24,11]; ou, se alguém pode impedi-lo, ainda assim não o faz por negligência ou avareza. Assim, Santo Ambrósio diz: “Dai de comer ao que está morrendo de fome; se não o fizerdes, sereis seu assassino”.
Já consideramos a morte do corpo, mas alguns matam a alma também afastando-a da vida da graça, ou seja, induzindo-a a cometer o pecado mortal: “Ele foi um assassino desde o princípio” [Jo 8,44], isto é, na medida em que atraiu homens para o pecado. Outros, porém, matam tanto o corpo quanto a alma. Isso é possível de duas maneiras: primeiro, pelo assassinato de uma criança, pelo qual a criança é morta tanto no corpo quanto na alma; e, segundo, pelo suicídio.
O pecado da raiva
No Evangelho de São Mateus (cap. 5) Cristo ensinou que nossa justiça deve ser maior do que a justiça da Lei Antiga. Isso significa que os cristãos devem observar os mandamentos da lei mais perfeitamente do que os judeus os observaram. A razão é que um esforço maior merece uma recompensa melhor: “Aquele que semeia com moderação, também ceifará com moderação” [2 Cor 9,6]. A Antiga Lei prometia uma recompensa temporária e terrena: “Se estiverdes dispostos e Me ouvirdes, comereis as coisas boas da terra” [Is 1,19]. Mas na Nova Lei as coisas celestiais e eternas são prometidas. Portanto, a justiça, que é a observância dos Mandamentos, deveria ser mais generosa porque se espera uma recompensa maior.
O Senhor mencionou esse Mandamento em particular entre os outros, quando Ele disse: “Ouvistes que lhes foi dito anteriormente: Não matareis…. Mas eu vos digo que quem se enfurecer com seu irmão, estará em perigo de julgamento” [Mt 5,21-22]. Com isso, entende-se a pena que a lei prescreve: “Se alguém matar seu próximo com um propósito determinado, espreitando-o, você o tirará de Meu altar, para que morra” [Ex 21,14].
Formas de evitar a raiva
Ora, há cinco maneiras de evitar a raiva. A primeira é não ser rapidamente provocado à raiva: “Que cada homem seja rápido para ouvir, mas lento para falar e lento para irar-se” [Tiago 1:19]. A razão é que a raiva é um pecado, e é punida por Deus. Mas será que toda raiva é contrária à virtude? Há duas opiniões sobre isso. Os estóicos disseram que o homem sábio está livre de todas as paixões; mais ainda, eles sustentavam que a verdadeira virtude consistia em perfeito silêncio da alma. Os peripatéticos, por outro lado, sustentavam que o homem sábio está sujeito à raiva, mas em um grau moderado. Esta é a opinião mais precisa. É provado em primeiro lugar pela autoridade, pois o Evangelho nos mostra que tais paixões foram atribuídas a Cristo, em quem estava a fonte completa da sabedoria. Depois, em segundo lugar, é provado pela razão. Se todas as paixões fossem opostas à virtude, então haveria alguns poderes da alma que não teriam um bom propósito; de fato, seriam positivamente prejudiciais ao homem, uma vez que não teriam atos compatíveis com eles. Sendo assim, os poderes irascíveis e concupiscíveis teriam sido dados ao homem sem nenhum propósito. Deve-se concluir, portanto, que às vezes a raiva é virtuosa, e às vezes não é.
Três considerações sobre a raiva
Vemos isso se considerarmos a raiva de três maneiras diferentes. Primeiro, na medida em que ela existe apenas no julgamento da razão, sem qualquer perturbação da alma; e isso não é propriamente raiva, mas julgamento. Assim, diz-se que o Senhor castiga os ímpios com raiva: “Eu suportarei a ira do Senhor porque pequei contra Ele” [Miquéias 7:9].
Em segundo lugar, a raiva é considerada como uma paixão. Isso está no apetite sensível, e tem duas vertentes. Às vezes ela é ordenada pela razão ou é contida dentro dos limites adequados pela razão, como quando se está com raiva porque é justo estar com raiva e dentro dos limites adequados. Isto é um ato de virtude e é chamado de raiva justa. Assim, o Filósofo diz que a mansidão não se opõe de forma alguma à raiva. Tal tipo de raiva então não é um pecado.
Há um terceiro tipo de raiva que derruba o julgamento da razão e é sempre pecaminosa, às vezes mortalmente e às vezes venialmente. E se é uma ou outra dependerá daquele objeto ao qual a raiva incita, que às vezes é mortal, às vezes venial. Pode ser mortal de duas maneiras: seja em seu gênero ou por causa das circunstâncias. Por exemplo, o assassinato parece ser um pecado mortal em seu gênero, porque é diretamente oposto a um Mandamento divino. Assim, o consentimento ao assassinato é um pecado mortal em seu gênero, porque se o ato for um pecado mortal, então o consentimento ao ato será também um pecado mortal. Algumas vezes, porém, o ato em si é mortal em seu gênero, mas, no entanto, o impulso não é mortal, porque é sem consentimento. Trata-se do mesmo que acontece quando se é movido pelo impulso da concupiscência à fornicação, e ainda assim não se consente; não se comete um pecado. O mesmo vale para a ira. Pois a ira é realmente o impulso para vingar uma lesão que se sofreu. Ora, se esse impulso da paixão é tão grande que a razão se enfraquece, então é um pecado mortal; se, entretanto, a razão não é tão pervertida pela paixão a ponto de dar seu pleno consentimento, então será um pecado venial. Por outro lado, se até o momento do consentimento, a razão não é pervertida pela paixão, e o consentimento é dado sem essa perversão da razão, então não há pecado mortal. “Quem se enfurecer com seu irmão, estará em perigo de julgamento”, deve-se entender esse impulso da paixão que tende a causar dano na medida em que a razão é pervertida — e esse impulso, na medida em que é consentido, é um pecado mortal.
Por que não devemos nos zangar facilmente
A segunda razão pela qual não devemos ser facilmente provocados à raiva é porque todo homem ama a liberdade e odeia a contenção. Mas aquele que está cheio de raiva não é dono de si mesmo: “Quem pode suportar a violência de um provocado?” [Prov 27,4]. E novamente: “Uma pedra é pesada e a areia pesa, mas a raiva de um tolo é mais pesada que ambas” [Pv 27,3].
Também é preciso ter cuidado para não ficar com raiva por muito tempo: “Zangai-vos, e não pequeis” [Sl 4,5]. E: “Não se ponha o sol sobre a vossa ira” [Ef 4,26]. A razão para tal é dada no Evangelho por Nosso Senhor: “Estai de acordo com vosso adversário, enquanto estais no caminho com ele; para que talvez o adversário não vos entregue ao juiz, e o juiz vos entregue ao oficial, e sejais lançados na prisão. Em verdade vos digo que não saireis de lá até que pagueis o último centavo” [Mt 5,25-26].
Devemos ter cuidado para que nossa raiva não aumente em intensidade, tendo seu início no coração, e finalmente leve ao ódio. Pois existe esta diferença entre raiva e ódio, sendo que a raiva é repentina, mas o ódio é de longa duração e, portanto, é um pecado mortal: “Quem odeia seu irmão é um assassino” [1Jo 3,15]. E a razão é porque ele mata tanto a si mesmo (destruindo a caridade) quanto a outro. Assim, Santo Agostinho em sua “Regra” diz: “Que não haja brigas entre vós; ou se elas surgirem, que terminem rapidamente, para que a raiva não se transforme em ódio, o mote se transforme em trave, e a alma se transforme em assassina”. Novamente: “Um homem apaixonado agita a contenda” [Prov 15:18]. “Maldita seja sua fúria, porque foi teimosa, e sua ira, porque foi cruel” [Gn 49,7].
Devemos tomar cuidado para que nossa ira não expluda em palavras iradas: “Um tolo mostra imediatamente sua ira” [Prov 12,16]. Ora, as palavras iradas têm efeito duplo; ou ferem outro, ou expressam o próprio orgulho de si mesmo. Nosso Senhor fez referência à primeira quando Ele disse: “E aquele que disser a seu irmão: ‘seu tolo,’ estará em perigo de fogo infernal” [Mt 5,22]. E Ele se referiu a este último com as palavras: “E aquele que disser: ‘Raca,’ estará em risco para o Conselho” [ ibid. ]. E mais: “Uma resposta suave quebra a ira, mas uma palavra dura desperta a fúria” [Prov 15,1].
Por fim, devemos ter cuidado para que a raiva não nos provoque a atos. Em todas as nossas relações devemos observar duas coisas, a justiça e a misericórdia; mas a raiva nos atrapalha em ambas: “Porque a ira do homem não faz a justiça de Deus” [Tiago 1:20]. Com efeito, um homem pode até estar disposto a isso, mas sua raiva o impede. Um certo filósofo disse certa vez a um homem que o havia ofendido: “Eu o castigaria, se não estivesse com raiva”. “A ira não tem misericórdia, nem a fúria quando ela irrompe” [Prov 27,4]. E: “Em sua fúria mataram um homem” [Gn 49,6].
Foi por tudo isso que Cristo nos ensinou não só a ter cuidado com o assassinato, mas também com a raiva. O bom médico remove os sintomas exteriores de uma doença; e, além disso, remove até mesmo a própria raiz da doença, de modo que não haverá recidiva. Assim também o Senhor deseja que evitemos o início dos pecados; e assim a raiva deve ser evitada porque é o início do assassinato.
O SEXTO MANDAMENTO
“Você não deve cometer adultério”.
Após a proibição do assassinato, o adultério é proibido. Isso é apropriado, já que marido e mulher são como um só corpo. “Eles serão”, diz o Senhor, “dois numa só carne” [Gn 2,24]. Portanto, após uma lesão infligida a um homem em sua própria pessoa, nenhuma é tão grave como a infligida a uma pessoa com a qual alguém está unido.
O adultério é proibido tanto para a esposa quanto para o marido. Primeiro consideraremos o adultério da esposa, pois nisto parece residir o maior pecado, pois uma esposa que comete adultério é culpada de três pecados graves, que estão implícitos nas seguintes palavras: “Portanto, toda mulher que deixa seu marido, … primeiro, é infiel à lei do Altíssimo; segundo, ofendeu seu marido; terceiro, fornicou em adultério, e obteve seus filhos de outro homem” [Sir 23:32-33].
Primeiro, portanto, ela pecou por falta de fé, já que é infiel à lei na qual Deus proibiu o adultério. Além disso, ela desdenhou a ordem de Deus: “O que, portanto, Deus uniu, que nenhum homem separe” [Mt 19,6]. E também ela pecou contra a instituição ou Sacramento. Porque o casamento é contraído diante dos olhos da Igreja, e sobre ele Deus é chamado, por assim dizer, a testemunhar um vínculo de fidelidade que deve ser mantido: “O Senhor foi testemunha entre vós e a esposa de vossa juventude, que desprezastes” [Mal 2,14]. Portanto, ela pecou contra a lei de Deus, contra um preceito da Igreja e contra um Sacramento de Deus.
Em segundo lugar, ela peca por infidelidade, porque traiu seu marido: “A esposa não tem poder sobre seu próprio corpo: mas sim o marido” [1 Cor 7,4]. Na verdade, sem o consentimento do marido, ela não pode observar a castidade. Se for cometido adultério, então, um ato de traição é perpetrado em que a esposa se entrega a outro, como se um servo se entregasse a outro amo: “Ela abandonou o guia de sua juventude e esqueceu o pacto de seu Deus” [Prov 2,17-18].
Em terceiro lugar, a adúltera comete o pecado do roubo na medida em que gera filhos de um homem e não de seu marido; e trata-se de um roubo gravíssimo na medida em que ela gasta sua hereditariedade com filhos que não são de seu marido. Note-se que tal pessoa deve encorajar seus filhos a entrar na religião, ou em um caminho de vida tal que eles não obtenham sucesso no patrimônio de seu marido. Portanto, uma adúltera é culpada de sacrilégio, traição e roubo.
Os maridos, no entanto, não pecam menos do que as esposas, embora às vezes possam saldar-se do contrário. Isso é claro por três razões. Primeiro, por causa da igualdade que existe entre marido e mulher, pois “o marido também não tem poder sobre seu próprio corpo, mas sim a esposa” [1 Cor 7:4]. Portanto, no que diz respeito aos direitos matrimoniais, um não pode agir sem o consentimento do outro. Como indicação disso, Deus não formou a mulher do pé ou da cabeça, mas da costela do homem. Ora, o casamento não era em momento algum um estado perfeito até a chegada da lei de Cristo, pois o judeu podia ter muitas esposas, mas uma esposa não podia ter muitos maridos; portanto, a igualdade não existia.
A segunda razão é que a força é uma qualidade especial do homem, enquanto a paixão própria da mulher é a concupiscência: “Vós, maridos, também habitando com elas de acordo com o entendimento, dando honra à mulher como ao vaso mais frágil” [1 Pt 3:7]. Portanto, se você pede a sua esposa o que você não guarda por si mesmo, então você é infiel. A terceira razão é a autoridade do marido. Pois o marido é o chefe da esposa, e como se diz: “As mulheres não podem falar na igreja,… se elas quiserem aprender alguma coisa, deixe-as perguntar a seus maridos em casa” [10]. O marido é o professor de sua esposa, e Deus, portanto, deu o Mandamento ao marido. Ora, quanto ao cumprimento de seus deveres, um padre que falha é mais culpado do que um leigo, e um bispo mais do que um padre, porque cabe especialmente a eles ensinar aos outros. Da mesma maneira, o marido que comete adultério quebra a fé ao não obedecer ao que lhe é exigido.
Por que o adultério e a fornicação devem ser evitados
Assim, Deus proíbe o adultério tanto para homens como para mulheres. Ora, deve-se saber que, embora alguns acreditem que o adultério é um pecado, eles não acreditam que a simples fornicação seja um pecado mortal. Contra eles permanecem as palavras de S. Paulo: “Fornicários e adúlteros Deus julgará” [Hb 13,4]. E: “Não errem: nem os fornicários… nem os adúlteros, nem os efeminados, nem as pessoas que mentem aos homens possuirão o reino de Deus” [1 Cor 6,9]. Porém, não se é excluído do reino de Deus a não ser pelo pecado mortal; portanto, a fornicação é um pecado mortal.
Todavia, pode-se dizer que não há razão para que a fornicação seja um pecado mortal, uma vez que não se entrega o corpo da esposa, tal como no adultério. Eu digo, entretanto, se o corpo da esposa não é entregue, não obstante, é entregue o corpo de Cristo que foi dado ao marido quando ele foi santificado no Batismo. Se, então, não se deve trair sua esposa, com muito mais razão, não se deve ser infiel a Cristo: “Não sabeis vós que vossos corpos são os membros de Cristo? Devo então tomar os membros de Cristo e torná-los membros de uma meretriz? Deus me livre”[ 1 Cor. 6, 15]. É herético dizer que a fornicação não é um pecado mortal.
Ademais, deve-se saber que o Mandamento, “Você não cometerá adultério”, não só proíbe o adultério, mas também toda forma de imodéstia e impureza. Há quem diga que o ato sexual entre pessoas casadas não é desprovido de pecado. Mas essa afirmação é herética, pois o Apóstolo diz: “Que o casamento seja honroso em todos e a cama imaculada” [Hb 13,4]. Não só é desprovido de pecado, mas para aqueles em estado de graça, é meritório para a vida eterna. Algumas vezes, porém, ele pode ser um pecado venial, outras vezes um pecado mortal. Quando é tido com a intenção de gerar descendência, é um ato de virtude. Quando é tido com a intenção de dar conforto mútuo, é um ato de justiça. Quando é uma causa de luxúria excitante, embora dentro dos limites do casamento, é um pecado venial; e quando vai para além desses limites, de maneira a pretender ter relações sexuais com outro, se possível, torna-se um pecado mortal.
O adultério e a fornicação são proibidos por uma série de razões. Antes de mais nada, porque destroem a alma: “Aquele que é adúltero não tem juízo, pois a loucura de seu coração destruirá sua própria alma” [Prov 6,32]. Aqui diz: “pois a loucura de seu coração”, que ocorre sempre que a carne domina o espírito. Em segundo lugar, eles privam o sujeito da vida; pois um culpado deve morrer de acordo com a Lei, como lemos em Levítico (20,10) e Deuteronômio (22,22). Às vezes, o culpado não é punido agora corporalmente, o que é desvantajoso para ele, pois a punição do corpo pode ser suportada com paciência e é propícia à remissão dos pecados; mas, mesmo assim, será punido na vida futura. Em terceiro lugar, tais pecados consomem sua substância, assim como aconteceu com o filho pródigo, na medida em que “desperdiçou sua substância vivendo desordenadamente” [Lc 15,13]. “Não dês tua alma às meretrizes, para que não destruas tua herança” [Lc 9,6]. Em quarto lugar, eles contaminam a descendência: “Os filhos dos adúlteros não chegarão à perfeição, e a semente do leito ilegal deverá ser arrancada” [Lc 15,13]. E se viverem muito tempo, não serão nada respeitados, e sua derradeira velhice será sem honra” [Sb 3,16-17]. E novamente: “de outra sorte seus filhos serão impuros; mas agora eles são santos” [1 Cor 7:14]. Assim, eles nunca são honrados na Igreja, mas se se tornarem clérigos, sua desonra pode passar sem vergonha. Em quinto lugar, esses pecados tiram a honra de alguém, e isso se aplica especialmente às mulheres: “Toda mulher que for prostituta será pisada como esterco no caminho” [Sir 9:10]. E do marido é dito: “Ele reúne para si a vergonha e a desonra, e sua reprovação não será apagada” [Prov 6,33].
São Gregório diz que os pecados da carne são mais vergonhosos e menos culpáveis do que os do espírito, e a razão é porque são comuns aos animais: “O homem, enquanto era honrado, não entendia; e tornou-se como os animais sem senso e que perecem” [Sl 48,21].
O SÉTIMO MANDAMENTO
“Você não deve roubar”.
O Senhor proíbe especificamente os danos a nosso próximo nos Mandamentos. Assim, “Não matarás” nos proíbe de ferir nosso próximo em sua própria pessoa; “Não cometerás adultério” proíbe ferir a pessoa a quem é ligado em casamento; e agora o Mandamento “Não roubarás” nos proíbe de ferir nosso próximo em seus bens. Esse Mandamento proíbe que qualquer mercadoria do mundo seja extraída indevidamente.
O roubo é cometido de várias maneiras. Em primeiro lugar, roubando furtivamente: “Se o bom homem da casa soubesse a que hora o ladrão viria” [Mt 24,43]. Trata-se de um ato totalmente censurável, pois é uma forma de traição. “A confusão… está sobre o ladrão” [Sir 5,17].
Em segundo lugar, ao se tomar com violência, e isso é um dano ainda maior: “Eles roubaram violentamente os sem pai” [Jó 24:9]. Entre os que fazem tais coisas estão reis e governantes perversos: “Seus príncipes estão no meio dela como leões rugindo; seus juízes são lobos da tarde, não deixaram nada para a manhã” [Sof 3:3]. Eles agem contrariamente à vontade de Deus que deseja uma regra segundo a justiça: “Por Mim reinam os reis e os legisladores decretam coisas justas” [Prov 8,15]. Às vezes eles fazem tais coisas furtivamente e às vezes com violência: “Seus príncipes são companheiros infiéis de ladrões, todos amam subornos, correm atrás de recompensas” [Is 1,23]. Às vezes roubam promulgando leis e fazendo-as valer apenas para fins lucrativos: “Ai dos que fazem leis perversas” [Is 10,1]. E Santo Agostinho diz que toda usurpação injusta é roubo quando ele pergunta: “O que são tronos senão formas de roubo?”[Cidade de Deus IV, 4].
Em terceiro lugar, o roubo é cometido por não pagar o salário devido: “O salário daquele a quem você contratou não permanecerá contigo até o dia seguinte” [Lv 19,13]. Isso significa que um homem deve pagar a cada um o que lhe é devido, seja ele príncipe, prelado, ou clérigo, etc.: “Dai, pois, a todos os homens o que lhes é devido. Homenagem, a quem se deve tributo, costume, a quem costume” [Rm 13:7]. Portanto, somos obrigados a dar um retorno aos governantes que guardam nossa segurança.
O quarto tipo de roubo é fraude na compra e venda: “Não tereis pesos diversos em vossa bolsa, um maior e um menor” [Dt 25:13]. E novamente: “Não faça injustiça no julgamento, na regra, no peso, ou na medida” [Lev 19:35-36]. Tudo isso é dirigido contra os guardas das lojas de vinho que misturam água com o vinho. A usura também é proibida: “Quem habitará em seu tabernáculo, ou quem descansará em sua santa colina… Aquele que não entregou seu dinheiro à usura” [Sl 14:1,5]. Isto também se opõe aos cambistas de dinheiro que cometem muitas fraudes, e aos vendedores de tecidos e outros bens.
Em quinto lugar, o roubo é cometido por aqueles que compram promoções para posições de honra temporal ou espiritual. “As riquezas que ele engoliu, ele vomitará, e Deus as tirará de sua barriga” [Jó 20:15], refere-se à posição temporal. Assim, todos os tiranos que detêm um reino ou província ou terra pela força são ladrões, e são obrigados à restituição. Com relação às dignidades espirituais: ” Em verdade vos digo que aquele que não entra pela porta no curral das ovelhas, mas sobe por outro caminho é ladrão e bandido” [Jo 10,1]. Portanto, aqueles que cometem a simonia são ladrões.
Por que se deve evitar o roubo
“Você não deve roubar”. Como já foi dito, esse mandamento proíbe tomar as coisas indevidamente, e podemos apresentar muitas razões pelas quais ele é dado. A primeira é por causa da gravidade desse pecado, que é comparável a um assassinato: “O pão dos necessitados é a vida dos pobres; aquele que os defrauda disso é um homem cheio de sangue” [Sir 24:25]. E novamente: “Aquele que derrama sangue e aquele que defrauda o trabalhador de seu contrato são irmãos” [Sir 24:27].
A segunda razão é o peculiar perigo envolvido no roubo, pois nenhum pecado é tão perigoso. Depois de cometer outros pecados, uma pessoa pode se arrepender rapidamente, por exemplo, de assassinato quando sua raiva esfria, ou de fornicação quando sua paixão diminui, e assim por diante para os outros; mas mesmo que uma pessoa se arrependa de tal pecado, não se faz facilmente as satisfações necessárias para ele. Isso se deve à obrigação de restituição e ao dever de compensar o prejuízo sofrido pelo legítimo proprietário. E tudo isso está acima e para além da obrigação de arrepender-se pelo próprio pecado: “Ai daquele que amontoa o que não é seu; por quanto tempo ele se carregará de barro grosso”? [Hab 2:6 Vulgata; “barro” deve ser “dívidas”]. Pois a argila espessa é aquela da qual não se pode facilmente se livrar.
A terceira razão é a inutilidade dos bens roubados, pois eles não têm valor espiritual: “Os tesouros da maldade nada lucrarão” [Prov 10,2]. A riqueza pode realmente ser útil para dar esmolas e oferecer sacrifícios, pois “o resgate da vida de um homem são suas riquezas” [Prov 13,8]. Mas se diz de bens roubados: “Eu sou o Senhor que ama o julgamento, e odeio o roubo de um holocausto” [Is 41,8]. E novamente: “”Aquele que oferece um sacrifício arrancado do dinheiro dos pobres é como o que degola o filho aos olhos do pai.” [Sir 34:,24]. “Ai daquele que, para a sua casa, ajunta cobiçosamente bens mal adquiridos, para pôr o seu ninho no alto, a fim de se livrar do poder do mal!” [Hab. 2:9], “Quem aumenta sua riqueza com juros exorbitantes, ajunta para algum outro, que será bondoso com os pobres”. [Prov. 28:8]. “Mas a riqueza do pecador é depositada para o justo.” [Prov. 13:22]
A quarta razão é que os resultados do roubo são peculiarmente prejudiciais ao ladrão, pois levam à sua perda de outros bens. Não é diferente da mistura de fogo e palha: “O fogo devorará o tabernáculo deles, que gostam de receber subornos” [Jó 15:34]. E deve ser sabido que um ladrão pode perder não apenas sua própria alma, mas também as almas de seus filhos, já que eles são obrigados a fazer a restituição.
O OITAVO MANDAMENTO
“Você não deve prestar falso testemunho contra seu próximo”.
O Senhor proibiu qualquer pessoa de ferir seu próximo por atos; agora nos proíbe de feri-lo por palavras. “Não dareis falso testemunho contra o vosso próximo”. Isso pode ocorrer de duas maneiras, seja em um tribunal de justiça ou em uma conversa comum.
No tribunal de justiça isso pode acontecer de três maneiras, de acordo com as três pessoas que podem violar esse Mandamento no tribunal. A primeira pessoa é o autor da denúncia que faz uma falsa acusação: “Não serás um detrator nem um murmurador entre o povo” [Lv 19,16]. E note bem que não só é errado falar falsamente, mas também esconder a verdade: “Se teu irmão te ofende, vai e repreende-o” [Mt 18,15]. A segunda pessoa é a testemunha que depõe mentindo: “Uma testemunha falsa não ficará impune” [Prov 25,18]. Pois esse mandamento inclui todos os precedentes, na medida em que a falsa testemunha pode ser ele mesmo o assassino ou o ladrão, etc. E tais testemunhas devem ser punidas de acordo com a lei. “Quando, após a mais diligente inquisição, descobrirem que a falsa testemunha contou uma mentira contra seu irmão, deverão render-lhe aquilo que ele pretendia fazer a seu irmão…. Não tereis pena dele, mas exigireis vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé” [Dt 19,18-21]. E novamente: “Um homem que dá falso testemunho contra seu próximo é como um dardo, uma espada e uma flecha afiada” [Prov 25,18]. A terceira pessoa é o juiz que peca ao dar uma sentença injusta: “Você não deve… julgar injustamente”. Não respeite a pessoa dos pobres, nem honre o semblante dos poderosos. Mas julgue seu próximo segundo a justiça” [Lv 19,15].
Formas de violar esse mandamento
Em conversas normais, pode-se violar esse Mandamento de cinco maneiras. A primeira é por detração: “Detratores, desprezíveis para Deus” [Rm 1:30]. “desprezíveis para Deus” aqui indica que nada é tão caro ao homem como seu bom nome: “Um bom nome é melhor que grandes riquezas” [Prov 22:1]. Mas os detratores afastam esse bom nome: “Se uma serpente morde ao silencio [, sem comando], não é melhor que a serpente que morde às escondidas” [Ecles 10:11]. Portanto, se os detratores não restaurarem sua reputação, eles não poderão ser salvos.
Em segundo lugar, pode-se quebrar esse preceito escutando os detratores de boa vontade: “Cubra seus ouvidos com espinhos, não escute uma língua malvada e faça barreiras e grades para sua boca” [Sir 28:28]. Não se deve ouvir tais coisas deliberadamente, mas sim virar as costas, mostrando um semblante triste e severo: “O vento norte afasta a chuva, assim como um semblante triste e uma língua que repreende” [Prov 25,23].
Em terceiro lugar, os fofoqueiros quebram esse preceito quando repetem o que ouvem: “Seis coisas há que o Senhor odeia, e a sétima Sua alma detesta… aquele que semeia discórdia entre irmãos” [Pv 6,16,19]. Em quarto lugar, aqueles que falam palavras honrosas, os bajuladores: “O pecador se enaltece nos desejos de sua alma, e o homem injusto se bendiz” [Sl 9,24]. E novamente: “Ó povo meu, os que vos chamam bem-aventurados vos enganam” [Is 3,12].
Efeitos particulares decorrentes da mentira
A proibição desse Mandamento inclui toda forma de falsidade: “Recuse-se a proferir qualquer mentira; pois o hábito de mentir não serve para nada” [Sir 7:14]. Há quatro razões para isso. A primeira é que mentir é como mentir para o demônio, porque um mentiroso é como o filho do demônio. Ora, nós sabemos que o discurso de um homem trai de que região e país ele vem, portanto: “Até seu sotaque o trai” [Mt 26,73]. Mesmo assim, alguns homens são da espécie do diabo, e são chamados filhos do diabo porque são mentirosos, já que o diabo é “mentiroso e pai da mentira” [Jo 8,44]. Assim, quando o demônio disse: “Não, certamente não morrerás” [Gn 3,4], ele mentiu. Mas, ao contrário, os outros são os filhos de Deus, que é a Verdade, e são aqueles que falam a verdade.
A segunda razão é que a mentira induz à ruína da sociedade. Os homens vivem juntos na sociedade, e isso se torna logo impossível se eles não falarem a verdade uns aos outros. “Portanto, afaste a mentira, fale a verdade, cada homem com seu próximo; pois somos membros uns dos outros” [Ef 4,25].
A terceira razão é que o mentiroso perde sua reputação em relação à verdade. Aquele que está acostumado a dizer mentiras não é acreditado mesmo quando fala a verdade: “O que pode ser purificado pelo impuro? E que verdade pode vir do que é falso?”. [Sir 24:4].
A quarta razão é que um mentiroso mata sua alma, pois “a boca que mente mata a alma” [Sb 1,11]. E novamente: “Vós destruireis todos os que falam mentiras” [Sl 5,7]. Assim, fica claro que a mentira é um pecado mortal; embora se deva saber que algumas mentiras podem ser veniais.
É um pecado mortal, por exemplo, mentir em assuntos de fé. Isso diz respeito aos professores, prelados e pregadores, e é o mais grave de todos os outros tipos de mentira: “Haverá entre vós professores mentirosos, que introduzirão seitas de perdição” [2Pd 2,1]. Depois há aqueles que mentem para enganar o próximo: “Não mintais uns aos outros” [Col 3,9]. Tais dois tipos de mentiras, portanto, são pecados mortais.
Há aqueles que mentem em seu próprio benefício, e isso de várias maneiras. Às vezes é só por humildade. Tal pode ser o caso da confissão, sobre a qual Santo Agostinho diz: “Assim como se deve evitar esconder o que se cometeu, assim também não se deve mencionar o que não se cometeu”. “Deus tem alguma necessidade de sua mentira?” [Jó 13:7]. E novamente: “Há quem se humilhe mal, e seu interior está cheio de enganos; e há quem se humilhe excessivamente com uma grande baixeza” [Sir 19:25 Vulgata].
Há outros que contam mentiras por vergonha, a saber, quando alguém conta uma falsidade acreditando que está dizendo a verdade, e ao tomar consciência disso se envergonha de se retrair: “De modo algum fale contra a verdade, mas tenha vergonha da mentira de sua ignorância” [Sir 4:30]. Outros mentem por resultados desejados como quando desejam ganhar ou evitar algo: “Colocamos nossa esperança em mentiras, e por falsidade estamos protegidos” [Is 28:15]. E novamente: “Quem confia na mentira alimenta os ventos” [Prov 10:4].
Finalmente, há alguns que mentem para beneficiar outro, isto é, quando desejam libertar alguém da morte, ou do perigo, ou de alguma outra perda. Isto deve ser evitado, como nos diz Santo Agostinho. “Não aceite nenhuma pessoa contra sua própria pessoa, nem contra sua alma uma mentira” [Ecles 4:26]. Mas outros mentem apenas por vaidade, e isso, também, nunca deve ser feito, pois o hábito de tal nos conduz ao pecado mortal: “Porque o enfeitiçar da vaidade obscurece as coisas boas” [Sab 4:12].
O NONO (DÉCIMO) MANDAMENTO
“Você não cobiçará os bens de seu próximo”.
[São Tomás coloca o Décimo Mandamento antes do Nono. O Décimo Mandamento é mais amplo em extensão do que o Nono, que é específico. ]
“Você não cobiçará os bens de seu próximo”. Há esta diferença entre as leis divinas e as leis humanas, de que a lei humana julga apenas os atos e as palavras, enquanto a lei divina julga também os pensamentos. A razão é porque as leis humanas são feitas por homens que vêem as coisas apenas externamente, mas a lei divina é de Deus, que vê tanto as coisas externas quanto o próprio interior dos homens. “Tu és o Deus do meu coração” [Sl 72,26]. E novamente: “O homem vê as coisas que aparecem, mas o Senhor vê o coração” [1 Sam 16,7]. Portanto, tendo considerado os Mandamentos que dizem respeito às palavras e aos atos, tratamos agora dos Mandamentos sobre os pensamentos. Pois com Deus a intenção é tomada pela ação, e assim as palavras, “Não cobiçarás”, significam incluir não somente a obtenção por ato, mas também a intenção de tomar. Portanto, diz: “Não cobiçarás nem mesmo os bens do teu próximo”. Há uma série de razões para isso.
A primeira razão para o Mandamento é que o desejo do homem não tem limites, porque o próprio desejo é ilimitado. Mas aquele que é sábio visará algum fim em particular, pois ninguém deve ter desejos sem sentido: “O homem cobiçoso não se contentará com o dinheiro” [Ecles 5,9]. Porém, os desejos do homem nunca são satisfeitos, porque o coração do homem foi feito para Deus. Assim, diz Santo Agostinho: “Tu nos fizeste para Ti, ó Senhor, e nosso coração permanece inquieto até que descanse em Ti” [ Conf. I]. Nada, portanto, menos do que Deus pode satisfazer o coração humano: “Ele satisfaz teu desejo com coisas boas” [Sl 102,5].
A segunda razão é que a cobiça destrói a paz do coração, a qual é, de fato, altamente deleitosa. O homem cobiçoso é sempre diligente para adquirir o que lhe falta, e para manter o que tem: “A fartura dos ricos não o deixará dormir” [Ecles 5,12]. “Pois onde está o seu tesouro, aí está também o seu coração” [Mt 6,21]. Foi por isso, diz São Gregório, que Cristo comparou a riqueza com os espinhos [Lc 8,14].
Em terceiro lugar, a cobiça de um homem rico torna suas riquezas inúteis tanto para si mesmo quanto para os outros, porque ele deseja apenas agarrar-se a elas: “A riqueza não é apropriada para um homem cobiçoso e um mesquinho” [Lc 14,3]. A quarta razão é que ela destrói a igualdade da justiça: “Nem aceitais subornos, que até cegam os sábios e pervertem as palavras dos justos” [Ex 23,8]. E novamente: “Aquele que ama o ouro não será justificado” [Ex 31,5]. A quinta razão é que destrói o amor de Deus e do próximo, pois diz Santo Agostinho: “Quanto mais se ama, menos se cobiça”, e também quanto mais se cobiça, menos se ama. “Tampouco despreze seu querido irmão por causa do ouro” [Sir 7:20]. E assim como “Nenhum homem pode servir a dois senhores”, assim também não pode servir a “Deus e ao mâmon” [Mt 6,24].
Por fim, a avareza produz todo tipo de maldade. É “a raiz de todo o mal”, diz São Paulo, e quando essa raiz é implantada no coração, ela gera assassinato e roubo e todo tipo de maldade.”Os que se tornam ricos, caem em tentação e na armadilha do diabo, e em muitos desejos inúteis e prejudiciais que afogam os homens na destruição e na perdição. Porque o desejo pelo dinheiro é a raiz de todo o mal” [1 Tim 6:9-10]. E note, além disso, que a cobiça é um pecado mortal quando se cobiça os bens do próximo sem razão; e mesmo se houver uma razão, se tratará de um pecado venial.
O DÉCIMO (NONO) MANDAMENTO
“Você Não Cobiçará a Esposa de seu Próximo”.
São João diz em sua primeira Epístola que “tudo o que há no mundo é a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e o orgulho da vida” [1Jo 2,16]. Ora, tudo o que é desejável está incluído nessas três, duas das quais são proibidas pelo preceito: “Não cobiçarás a casa do teu próximo”. Aqui “casa”, significando estatura, refere-se à avareza, pois “a glória e a riqueza estarão em sua casa” [Sl 111,3]. Isso significa que aquele que deseja a casa, deseja honras e riquezas. E assim, após o preceito que proíbe o desejo pela casa do próximo, vem o Mandamento que proíbe a concupiscência da carne: “Não cobiçarás a mulher do teu próximo”.
Por causa da corrupção que resultou da Queda, ninguém esteve livre da concupiscência, exceto Cristo e a Virgem gloriosa. E onde quer que haja concupiscência, existe pecado venial ou mortal, na condição de que seja concedido que domine a razão. Assim, o preceito não foi ‘que o pecado não exista’; porque está escrito: “Eu sei que nada de bom habita em mim, isto é, em minha carne” [Rom 7,18].
Antes de tudo, o pecado reina na carne quando, ao se dar o consentimento para ele, a concupiscência reina no coração. E, portanto, São Paulo acrescenta “de modo a obedecer às suas concupiscências” às palavras: “Não deixe o pecado reinar em seu corpo mortal” [Rm 6:12]. Assim, o Senhor diz: “Quem olhar para uma mulher para cobiçá-la, já cometeu adultério com ela em seu coração” [Mt 5,28]. Pois com Deus a intenção é assumida como um ato.
Em segundo lugar, o pecado reina na carne quando a concupiscência de nosso coração é expressa em palavras: “Pela abundância do coração fala a boca” [Mt 12,34]. E novamente: “Que nenhum discurso maligno saia de sua boca” [Ef 4,29]. Portanto, não é sem pecado que se compõe canções frívolas. Mesmo os filósofos pensavam assim, e os poetas que escreveram versos amadores foram enviados para o exílio. Por fim, o pecado reina na carne quando, a mando do desejo, os membros são feitos para servir à iniqüidade: “Como vós cedestes vossos membros para servir à imundícia para uma iniqüidade cada vez maior” [Rm 6,19]. Tais são, portanto, os passos progressivos de concupiscência.
Formas de superar a concupiscência
Devemos perceber que evitar a concupiscência exige muita mão-de-obra, pois ela baseia-se em algo dentro de nós. É tão difícil quanto tentar capturar um inimigo em sua própria casa. Entretanto, tal aspiração pode ser superada de quatro modos.
Primeiro, fugindo de ocasiões externas como, por exemplo, más companhias; e, na verdade, de qualquer que seja uma ocasião para tal pecado: “Não olhe para uma donzela, para que sua beleza não seja um tropeço para você… Não olhe à sua volta para os caminhos da cidade, nem vagueie pelas suas ruas. Afaste seu olhar de uma mulher vestida elegantemente, e não olhe para a beleza de uma outra. Pois muitos pereceram pela beleza de uma mulher, pela qual a luxúria se acende como um fogo” [Sir 9:5-9]. E novamente: “Pode um homem esconder o fogo em seu peito, e suas vestes não arder?” [Prov 6,27]. E assim foi ordenado a Ló que fugisse, “nem vos deixais ficar em qualquer parte do país” [Gn 19,17].
A segunda maneira é não dar abertura a pensamentos que, por si mesmos, são ocasião de desejos luxuriosos. E isso deve ser feito pela mortificação da carne: “Castigo meu corpo e o sujeito” [1 Cor 9,27].
A terceira via é a perseverança na oração: “A menos que o Senhor construa a casa, em vão trabalham aqueles que a constroem” [Sl 126,1]. E também: “Eu sabia que não poderia ser continente de outra forma, a não ser que Deus o tivesse concedido” [Sb 8,21]. Mais uma vez: “Essa espécie não é expulsa senão pela oração e pelo jejum” [Mt 17,20]. Tudo isso não é diferente de uma luta entre duas pessoas, uma das quais você deseja que ganhe, a outra, que perca. Você deve amparar uma e retirar todo o apoio da outra. Assim também entre o espírito e a carne há um combate contínuo. Ora, se você deseja que o espírito ganhe, você deve ajudá-lo através da oração, e da mesma maneira você deve resistir à carne através de meios como o jejum; pois ao jejuar a carne se enfraquece.
A quarta maneira é se manter ocupado com ocupações saudáveis: “A ociosidade tem ensinado muitos males” [Sir 23:29]. Novamente: ” Esta foi a iniqüidade de Sodoma sua irmã, o orgulho, a plenitude do pão, a abundância e a ociosidade dela” [Ez 16,49]. São Jerônimo diz: “Esteja sempre ocupado em fazer qualquer atividade boa, para que o diabo possa encontrar você sempre ocupado”. Ora, o estudo das Escrituras é a melhor de todas as ocupações, como nos diz São Jerônimo: “Amai estudar as Escrituras e não amais os vícios da carne” [ Ad Paulin. ].
RESUMO DOS DEZ MANDAMENTOS
Eis os dez preceitos aos quais Nosso Senhor se referiu quando Ele disse: “Se queres entrar na vida, guarda os mandamentos” (Mt 19,17). Há dois princípios fundamentais de todos os Mandamentos, a saber, o amor a Deus e o amor ao próximo. O homem que ama a Deus deve necessariamente fazer três coisas: (1) ele não deve ter outro Deus. E em apoio a esse princípio está o Mandamento: “Não terás deuses estrangeiros”; (2) ele deve dar a Deus toda a honra. E assim é ordenado: “Não tomareis o nome de Deus em vão”; (3) ele deve descansar livremente em Deus. Por isso: “Lembrai-vos de santificar o dia de sábado”.
No entanto, para amar a Deus dignamente, é preciso antes de tudo amar o próximo. E assim: “Honrai vosso pai e vossa mãe”. Depois, é preciso evitar fazer mal ao próximo em ato. “Não matarás” refere-se à pessoa de nosso próximo; “Não cometerás adultério” refere-se à pessoa que se uniu em casamento com nosso próximo; “Não roubarás” refere-se aos bens externos de nosso próximo. Devemos também evitar ferir nosso próximo tanto por palavras: “Não darás falso testemunho”, como por pensamento: “Não cobiçarás os bens de teu próximo” e “Não cobiçarás a esposa de teu próximo”.
Original disponível em: https://isidore.co/aquinas/english/TenCommandments.htm#3
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