“A Política por Excelência” é artigo escrito pelo José Ortega y Gasset e publicado no jornal El Sol, em 29 de maio de 1927.
A política é uma atividade tão complexa, contendo tantas operações parciais, todas elas necessárias, que é muito difícil defini-la sem deixar de fora algum ingrediente importante. É verdade que, pela mesma razão, a política, no sentido perfeito da palavra, quase nunca existe. Quase todos os políticos o são apenas parcialmente. Na melhor das hipóteses, eles possuem plena consciência de uma ou outra dimensão do político e se contentam com ela, ignorando as outras.
Pode-se dizer que política é tato e astúcia para obter de outros homens o que queremos, e não se pode negar que, de fato, sem isso não há política. Contudo, evidentemente, é preciso mais. Há aqueles que, hiperestésicos em relação às deficiências da justiça social, chamarão de política um credo de reforma pública que traga maior equidade à convivência humana. E não há dúvida de que, sem algum senso de justiça e uma afeição natural por ela, ninguém pode ser um grande político. Todavia, essa é a porção da idealidade moral que o homem político leva para seu desempenho público. Fazer com que a política consista nisso é esvaziá-la de si mesma e preenchê-la com um misticismo ético pobre. Por mais de um século, cometeu-se este erro de perspectiva: um corpo de doutrinas morais foi colocado no centro do programa, e somente em segundo plano prestou-se atenção ao que era propriamente político. Outros dirão que a política não é nada disso, mas um bom senso administrativo disposto a governar, como em uma indústria, os interesses materiais e morais de uma nação, e assim por diante.
Repito que tudo isso e muito mais deve estar reunido em um homem para torná-lo um grande político. É como um edifício alto em que cada andar sustenta o próximo na vertical. A política é uma arquitetura completa, incluindo os porões. Em um ensaio recente sobre Mirabeau, enfatizei até que ponto o homem público precisa das qualidades mais estranhas, algumas delas de aparência viciosa, e não apenas na aparência. Elas são os alicerces subterrâneos, as raízes escuras que sustentam o gigantesco organismo de um grande político.
Mas há um sentido da palavra Política que me parece ser o ápice de seu complexo significado e que é, em minha opinião, o dom supremo que qualifica o gênio dela, separando-o do homem público vulgar. Se fosse necessário definir política com apenas um atributo, eu não hesitaria em preferir este: política é ter uma ideia clara do que deve ser feito pelo Estado em uma nação.
Refiramo-nos à Espanha, para evitar expressões puramente abstratas. Suponhamos que alguém nos diga: “Na Espanha, o princípio da autoridade deve ser afirmado e deve-se fazer economias”. Tudo bem: não nego que seja necessário fazer as duas coisas; mas nego que essa seja uma política no melhor sentido da palavra. Por uma razão decisiva para mim: a autoridade e as economias que são recomendadas são feitas no Estado espanhol, não na nação espanhola. E essa distinção é, em minha opinião, o ponto decisivo.
O Estado nada mais é do que uma máquina colocada dentro da nação para servir à nação. O pequeno político sempre tende a esquecer essa relação elementar e, quando pensa no que deve ser feito na Espanha, pensa, estritamente falando, apenas no que deve ser feito no Estado e para o Estado. As economias não são feitas na Espanha, mas no Estado, e por mais importante que seja alcançá-las, elas não têm valor nacional real em si mesmas. Da mesma forma, a autoridade é necessária, como pré-condição para que a máquina do Estado funcione; mas possuí-la não fez nada de importante. A questão começa quando nos perguntamos: como essa máquina estatal, com suas economias e sua autoridade, vai funcionar, como ela vai agir sobre a nação? Isso é o que é decisivo, porque a realidade histórica efetiva é a nação e não o Estado. O grande político sempre vê os problemas do Estado por meio e em termos de problemas nacionais. Ele sabe que o Estado é apenas um instrumento para a vida nacional. Por outro lado, o pequeno político, ao se deparar com o Estado em suas mãos, tende a levá-lo muito a sério, a dar-lhe um valor absoluto, a desconsiderar seu significado puramente instrumental.
Esse erro leva a uma deturpação completa da questão essencial. Vejo que quase todo mundo — tanto autoritários quanto radicais — mobiliza seu intelecto nessa falsa direção: como é possível criar na Espanha o Estado mais perfeito que se possa imaginar? (Para o autoritário e o radical, a perfeição do Estado consiste em qualidades divergentes; mas o objetivo é comum: alcançar um Estado perfeito). Para aqueles que pensam que a perfeição do Estado está fora dele, na perfeição do corpo nacional, o pensamento político deve inverter a questão: como o Estado deve ser organizado para que a nação possa ser aperfeiçoada?
A distinção não é ociosa nem utópica. Nosso povo chega a um ponto em que é forçado a inventar instituições, ou seja, uma figura estatal. A solução varia muito, dependendo do fato de a pessoa estar disposta a ver o problema de uma forma ou de outra. A Rússia e a Itália optaram por errar e, em vez de inovar profundamente1, seguiram a tradição utópica dos últimos dois séculos: preferiram o fantasma transitório de um Estado “perfeito” ao futuro de uma nação vigorosa e saudável. Desejo para nossa Espanha uma solução inversa, mais completa e com uma perspectiva mais longa.
No fim, é a nação que vive. O próprio Estado, que pode agir de forma tão proveitosa sobre ela, é nutrido, a longo prazo, por seus fluidos. A grande política se resume em situar o corpo nacional de tal forma que ele seja capaz de lidar consigo mesmo. Veremos, depois de algum tempo, o resultado das soluções que propõem o oposto: suspender toda a espontaneidade nacional e tentar fare dallo Stato, viver a partir do Estado.
Pode-se dizer que um Estado é perfeito quando, ao conceder a si mesmo o mínimo de vantagens indispensáveis, contribui para aumentar a vitalidade de seus cidadãos. Se nos abstrairmos desse último aspecto, se começarmos a desenhar um Estado perfeito em si mesmo, como um sistema puro e abstrato de instituições, acabaremos inevitavelmente construindo uma máquina que paralisará toda a vida nacional. Como sempre, essa reductio ad absurdum nos ajuda a descobrir o erro nessa direção do pensamento político.
Na história, o que triunfa é a vitalidade das nações, não a perfeição formal dos Estados. E o que deve ser aspirado pela Espanha em um momento como este é a descoberta de instituições que consigam forçar cada cidadão espanhol ao máximo de desempenho vital (vital, não apenas civil).
Mas é fácil entender a enorme dificuldade que a política nesse sentido excelente implica. Ela exige idéias claras e precisas sobre a situação histórica do povo espanhol, sobre as virtudes que ele tem (e tem em abundância) e as que lhe faltam, sobre a estrutura social real de nosso país. Esses assuntos delicados são confrontados com a avalanche de clichês de cafeteria, e é angustiante notar o número muito pequeno de pessoas que pensaram séria e diretamente sobre eles. Pouquíssimos espanhóis têm uma noção exata do que, por exemplo, nossos conselhos municipais, nossas províncias e nossas regiões significam para uma possível organização pública da Espanha. Os preconceitos mais vãos e pueris interceptam a visão imediata do que essas três categorias políticas representam de fato e de verdade. É quase inevitável que os esquematismos preconcebidos suplantem uma concepção severa das realidades.
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Notas:
[1] As inovações são tanto mais profundas, sérias e sutis quanto menos espetaculares forem. Na política, o espetacular é o romanticismo, um retorno ao passado ou a manutenção dele.