In interiore hominis habitat veritas“, ensinava Sto. Agostinho.
É notório o ódio que os detratores do professor Olavo nutrem por ele. Nem mesmo o luto da família é respeitado. Eles o odeiam, pois as trevas odeiam a luz e o erro despreza a verdade. Odeiam, sobretudo, por serem incapazes de atingi-lo; incapazes de combater sua filosofia. Tomás de Aquino dizia que a Verdade é uma adequação entre a coisa e o intelecto, mas, para os adeptos do antiolavismo, não passa de uma relação banal entre a burrice e afetação emocionais. Por mais que gritem, batam o pé e praguejem, jamais apagarão o fato de serem limitados demais para sequer compreenderem a obra do professor, que se mantém inabalável. Resta, portanto, uma única maneira de combater o gigante: o assassinato de reputação. Como o alpinista que, frustrado diante da grandeza do Everest, chuta uma pedrinha que rolou do monte e declara, esbravejando: “Você não é de nada!” O que essas pobres almas pensam ser uma demonstração pública de superioridade acaba por ser apenas uma prova cabal de impotência diante do filósofo. Não podendo combatê-lo, declaram a morte do inimigo; contentando-se com a auto-ilusão da vitória. Adotando, como seu mais elevado feito heroico, a icônica assertiva: “eu não preciso delas, estão verdes mesmo”.
Olavo de Carvalho partiu desse Vale de Lágrimas, entrando para a eternidade, mas não nos deixou órfãos, pois sua obra também é eterna. Seus detratores passarão, mas a obra de Olavo de Carvalho permanecerá pelos séculos dos séculos como a mais alta e clara expressão de uma genuína filosofia. E quem duvida disso não sabe o que diz. Ignorar um dos autores mais lidos do Brasil e o autor mais compreendido da história é pedantismo, ego, vaidade provinciana. Não se pode compreender a nossa atual situação sem entender o papel do professor Olavo de Carvalho nela. A conta é simples qual é o impacto cultural de uma obra que vendeu meio milhão (!) de exemplares num país em que 10 mil exemplares vendidos atestam um best-seller? O Mínimo – para choro e ranger de dentes dos intelocratas – vendeu tudo isso…
Quanto aos autodeclarados representantes do Magistério infalível, que vivem de apontar o dedo para condenar o professor Olavo de Carvalho como herético, gnóstico e não sei mais o quê, deveriam atentar para o que o Michele Federico Sciacca, filósofo católico italiano, ensina em seu livro Filosofia e Antifilosofia:
Depois, é preciso distinguir a verdade nas várias formas das quais ela [a verdade] se veste, nos vários modos de concebê-la, nos aspectos ou lados diferentes, pelos quais ela se mostra visível às mentes. Saber que estas não são mais que outras tantas partes da mesma verdade, nenhuma das quais exclui a outra, nenhuma contradiz a outra, cada uma lhe acrescenta um novo raio de luz. O sábio que for animado pelo espírito de conciliação encontrará sob tantas expressões diversas, entre múltiplos pensamentos, a unidade belíssima do verdadeiro, múltiplo sem mistura em suas aparições, mas sempre concorde e consentâneo consigo mesmo.”
Eis aí mais um dos principais ensinamentos do Olavo sobre o qual discorrerei a seguir.
Sou formado em filosofia pela Universidade Federal do Maranhão e aluno do professor Olavo de Carvalho desde 2013. Apesar de toda a influência exercida sobre mim o único contato pessoal que tive com o professor Olavo foi em razão de uma conferência que ele gentilmente concedeu ao I Encontro da Juventude Conservadora da UFMA, organizado por mim na Universidade Federal do Maranhão, em 2016. Foram apenas três minutinhos explicando-lhe sobre o que eu gostaria que falasse. Ainda lembro como se fosse ontem da alegria e satisfação que senti ao vê-lo transformar o que era para ser uma singela palestra em uma de suas melhores aulas.
Durante minha jornada acadêmica li muitos livros de filosofia, integrei grupos de estudos, realizei diversas comunicações orais e participei de inúmeros congressos na área de humanidades e posso garantir: a obra filosófica do professor Olavo de Carvalho não é coisa para principiantes.
Dizer que a gigantesca obra do professor é irrelevante para a história do pensamento filosófico brasileiro e/ou mundial é passar atestado de neófito, de calouro em matéria de filosofia. É não saber identificar, numa obra, o que é secundário e o que é essencial para seu pensamento. O próprio Olavo disse inúmeras vezes que sua obra divide-se em livros escritos porque ele quis e livros escritos porque o Brasil precisava. Esta segunda classe é, em sua maioria, composta por escritos jornalísticos inferiores em matéria filosófica, embora de grande valor científico, pois o Olavo é um grande gênio da Ciência Política; e ninguém que tenha lido seu debate com o professor Alexandr Dugin , ou que tenha feito seu curso “Ciência Política: Saber, Prever e Poder”, duvida disso.
A primeira classe, da qual o COF – Curso Online de Filosofia – faz parte, e que em sua maioria continua inédita, é onde pode-se dizer que vemos o Olavo no seu melhor. O problema é que ela tem por principal característica o ser aparentemente caótica. Digo aparentemente, pois o filosofar em espiral é marca essencial do método educacional do professor. A realidade, ensinava ele, foge de uma visão demasiada estática das coisas. É preciso buscar uma visão viva e em movimento dos processos reais que não se deixam apreender por quem descarta a variação constante das perspectivas. É exatamente isso que buscava o método empregado pelo professor.
A filosofia do Olavo, a exemplo da filosofia dos grandes filósofos, não propõe uma doutrina filosófica, algo pronto, linear e acabado – embora também contenha uma doutrina. O fato é que Olavo não foi, nem de longe, um pensador sistemático. Sua missão, ele não cansava de repetir, é formar filósofos, ou seja, pessoas capazes de apreender as coisas na multiplicidade de perspectivas em que elas se apresentam. Em suma: pessoas capazes de perceber a verdade independente da forma pela qual ela se mostre; e, para isso, “é preciso um pouco de confusão”. Por isso mesmo o professor sempre escreveu de forma mais ou menos anárquica, de acordo com seu interesse vital; e nisso é impossível não compará-lo ao filósofo espanhol Ortega y Gasset, de quem o Olavo leu tudo quando jovem. Isso, a meu ver, é o que na obra do Olavo, afugenta os principiantes, o que separa os homens dos meninos. Os estudiosos dos macaqueadores.
Não é por acaso que se acusa o professor Olavo de coisas tão distintas como maçom, católico radical, islâmico, comunista, membro da extrema direita e por aí vai. Todos julgam que, por terem apreendido um pedacinho do Olavo de Carvalho – pedaço que não raro é retirado de uma tomada de posição momentânea – abarcaram todo o seu pensamento. Reduzem e limitam o filósofo para que assim ele caiba em suas cabecinhas rasas.
O que se deve entender é que não se julga o pensamento de um filósofo sem levar em conta a unidade de sua obra, bem como sua evolução e maturação. É impossível definir o pensamento do Olavo de Carvalho lendo uma ou outra posição sua sobre este ou aquele fato do dia; há de se encontrar, apesar das contradições aparentes, uma unidade na vasta obra do professor. Aliás, é assim que se estuda filosofia. É assim que se distingue os que estão dispostos a ir até as profundezas dos que contentam-se em pairar sobre a superfície, pois a própria experiência mesma do pensar exige o confronto de contrários num choque dialético que admite, ao menos como possibilidade, a existência de verdades comuns em ideias opostas. Caso contrário, não há pensamento, reflexão ou crítica, apenas doutrinação e fanatismo. Qualquer estudante de filosofia que ignorar isto impossibilitará, no ato, a reflexão filosófica. Reflexão que, como nos mostra o Caduceu, símbolo tradicional da divindade astral Mercúrio, é movimentação em espiral firmada, mas não definida, por uma linearidade lógica. E aqui ler o texto introdutório escrito pelo Olavo para a sua tradução da “Dialética Erística” de Schopenhauer é crucial.
É preciso entender que, tratando-se do estudo da filosofia, uma coisa é de suma importância: estudar a biografia do autor.
Sem conhecer, ao menos o básico, da vida do filósofo é impossível compreender sua filosofia, pois ela não surgiu Ex Nihilo. A obra escrita do filósofo deve ser analisada desde o encontro ou distanciamento que ela tem com sua vida. Saber quais as situações externas e internas que o compeliram a escrever; saber se o autor guiou suas ações pelos princípios que externou no texto escrito ou se sua filosofia não serve para explicar nem a sua própria vida, que tudo que escreveu é teatro, como no caso do Rousseau, ou mentira deslavada, como no caso do Maquiavel, é algo elementar, mas que foge por completo das análises universitárias que baseiam-se na falsa definição de que filosofia é uma disciplina que lida com textos (sic).
Mas o que esperar de filósofos profissionais além de que cumpram as obrigações de sua profissão? Certa vez postei em meu perfil do facebook que os departamentos de filosofia são também seus túmulos – reafirmo. Mas a crítica deve estender-se para além da academia e atingir os declarados críticos do sistema universitário que contentam-se em imitar em vez de ser; ignorando os conselhos do professor que dizia enfaticamente: “Prometam ser”. Não se pode pretender “restaurar a alta cultura” sem fazer isso desde dentro. Sem, primeiro, ser um homem de cultura capaz de participar, em pé de igualdade com os grandes gênios, da Grande Conversação. E não se pode pretender sistematizar a obra de um filósofo sem, em certa medida, filosofar.
E aqui o livro do Ronald Robson, Conhecimento por Presença – em torno da filosofia do Olavo de Carvalho, Vide Editorial, nos aparece providencialmente na contramão do que se vê hoje na chamada nova direita ou movimento conservador. Enquanto muitos alunos do professor Olavo de Carvalho contentam-se em repetir frases prontas e raciocinar em cima de lugares comuns, o Ronald se põe como alguém que não apenas repete, mas dialoga com a filosofia do Olavo – e é assim mesmo que deve ser.
Postar nas redes sociais que o “Olavo tem Razão” é fácil, pois ele quase sempre teve mesmo. Posar para fotos com “O Mínimo” e sair distribuindo palavrões – porcamente, e não pedagogicamente, como fazia o Olavo – numa tentativa de emular o linguajar que o professor usou no True Outspeak – qualquer um pode fazer. Dizer que é seu aluno para subir na vida infelizmente virou rotina; como se o mérito dessa relação não fosse todo do professor (risos). Difícil é acompanhá-lo através da História Essencial da Filosofia, estudar e absorver a Teoria dos Quatro Discursos do Aristóteles em Nova Perspectiva – a única grande obra filosófica publicada no Brasil em décadas -, seus estudos sobre civilização, ascensão e queda de impérios nO Jardim das Aflições, suas análises brilhantes sobre símbolos no Dialética Simbólica, suas profundas aulas sobre lógica, verdade e ciência no Edmund Husserl contra o Psicologismo (que eu estou convencido ser um dos maiores lançamentos da área de humanidades da década, mas que foi solenemente ignorado pelos youtubêres conservadores), seus estudos sobre as várias faces do autor de O Príncipe no Maquiavel, ou a Confusão Demoníaca, que ganhou uma edição americana recentemente; ou também as motivações ocultas da dúvida metódica em Visões de Descartes. E estudar as mais de 500 aulas do COF, que tal? Chamar o Olavo de professor sem dar a mínima atenção ao que ele está ensinando é pose, nada mais. Um bom aluno integra em sua alma os ensinamentos recebidos; mantendo-os vivos e em movimento. Hugo de São Vitor, não à toa, dizia que devemos usar a leitura para integrar-nos à Ordem. Ou seja, existe uma ordem natural e cósmica, externa ao indivíduo, que deve ser absorvida pelo aluno. E é isso o que faz, com notável êxito, meu conterrâneo Ronald Robson em seu livro. Leitura indispensável para quem deseja conhecer o filósofo, e não apenas o polemista, Olavo de Carvalho. A obra do professor é vasta, profunda e aparentemente caótica – aparentemente, repito -, mas Graças a Deus temos o Ronald, como bem disse meu bom amigo Alexandre Ferreira.
Ler Olavo de Carvalho é um deleite para o intelecto, bem como para o coração e a alma. Ou, como diria o Palhaço do Brasileirinhos: “Ler Olavo de Carvalho é como comer feijoada”. Em seus escritos encontramos um estilo impecável, uma ironia ao melhor estilo socrático e uma sinceridade mortal (não há palavra melhor, Olavo é mortalmente sincero em suas investigações). Some tudo isso a um choque de cultura e realidade; eis a obra olavética: um convite para que retornemos à realidade das coisas. Talvez por isso – ou precisamente por isso – a nossa intelligentzia o rejeita; nossos dotôres preferem a cômoda e falsa segurança de sua bolha acadêmica. Convenhamos: é mais seguro ignorar o “autoproclamado filósofo” (como se existisse alguma instituição capaz de conceder um título de filósofo) do que combater suas ideias, pois, para tal, seria preciso fazer aquilo a que Olavo nos convida e de que a classe acadêmica foge como o diabo da cruz: pensar. Sair de sua bolha e encarar a realidade nua, crua e imperdoável. E isto, meus amigos, é para poucas almas; para almas veraces, como diz Ortega y Gasset, e não para aquelas que tomam como plena realização de suas vidas acumular títulos universitários. A estas, resta o limbo do esquecimento.
Enfim, se há um conselho que deve ser repetido sempre a todos os que buscam uma verdadeira vida intelectual, é este: deixem de frescura e vão ler Olavo de Carvalho e, caso queiram uma boa ajuda no percurso, deixem o Ronald guia-los pelo caminho.
Fidelium animae, per misericordiam Dei, requiescant in pace. Amen. Descanse em paz, querido professor. Nós nos veremos na eternidade, onde “nossas lágrimas de alegria inundarão universos inteiros”.