Heráclito de Éfeso

heráclito

Filósofo grego de Éfeso (cidade que existiu em algum lugar próximo da atual Kuşadası, na Turquia) que atuava por volta de 500 a.C., Heráclito apresentou uma teoria distinta que expressou em linguagem oracular. Ele é bastante conhecido por suas doutrinas de que as coisas estão mudando constantemente (fluxo universal), de que os opostos convergem (unidade de opostos) e de que o fogo é o material elementar do mundo. A interpretação exata dessas doutrinas é controversa, assim como a inferência, muitas vezes extraída dessas teorias, de que no mundo como Heráclito o concebe as proposições contraditórias devem ser verdadeiras.

1. Vida e Obra

Pouco se sabe da vida de Heráclito; a maior parte do que nos foi transmitido consiste em histórias aparentemente inventadas para ilustrar seu personagem, conforme inferido de seus escritos (Diógenes Laércio 9.1-17). Sua cidade natal, Éfeso, era uma proeminente cidade da Jônia – a costa da Ásia Menor que fica na Grécia – mas esteve sujeita ao domínio persa durante o período de sua vida. De acordo com um relato, ele herdou o título honorífico e o cargo de “rei” dos jônicos, cargo que renunciou em favor de seu irmão. Ele é geralmente considerado como tendo favorecido o governo aristocrático em vez da democracia, com base em suas próprias observações políticas. 

Sua cidade ficava próxima a Mileto, onde viveram os primeiros pensadores reconhecidos na tradição posterior como filósofos; mas não há registro de que tenha conhecido nenhum dos pensadores milesianos (Tales, Anaximandro e Anaxímenes) ou de ter sido ensinado por eles, ou, ainda, de alguma vez ter viajado.

Dizem que ele escreveu um único livro (em rolo de papiro), e o depositou no grande templo de Ártemis, em Éfeso. Tal história é suficientemente plausível: os templos serviram frequentemente como depositários de dinheiro e outros objetos de valor, e nenhuma biblioteca é conhecida da época de Heráclito. A estrutura do livro de Heráclito é controversa. Ele poderia ter consistido em um argumento relativamente coerente e consecutivo. Por outro lado, os numerosos fragmentos (mais de cem) que chegaram até nós não se conectam facilmente entre si, ainda que provavelmente constituam uma fração considerável do todo. Assim, é possível e até mesmo provável que o livro tenha sido composto mais de ditos e epigramas do que de uma exposição contínua. Em sua forma, então, poderia ter parecido mais com uma coleção de provérbios, como os que foram atribuídos aos sete sábios, do que com um tratado cosmológico dos milesianos. Teofrasto, que conhecia seu livro, disse que parecia apenas meio acabado, uma espécie de miscelânea que ele atribuía à melancolia do autor.  Diógenes Laércio relata que a obra foi dividida (ele não diz por quem) em três seções, uma sobre cosmologia, uma sobre política (e ética) e uma sobre teologia (9,5-6). Todos esses tópicos são tratados nos fragmentos existentes de Heráclito, embora muitas vezes seja difícil ver que limites o trabalho poderia ter traçado entre eles, já que Heráclito parece ver profundas interconexões entre ciência, assuntos humanos e teologia.

Ao contrário da maioria dos outros primeiros filósofos, Heráclito é geralmente visto como independente das várias escolas e movimentos que mais tarde os estudantes designaram (de certa forma anacrônica) para os antigos, e ele próprio implica que é autodidata (B101). Heráclito tem sido julgado por diversos comentaristas antigos e modernos como sendo um monista material ou um filósofo do processo; um cosmólogo científico, um metafísico ou um pensador principalmente religioso; um empírico, um racionalista ou um místico; um pensador convencional ou um revolucionário; um desenvolvedor da lógica ou alguém que negou a lei da não-contradição; o primeiro filósofo genuíno ou um obscurantista anti-intelectual. Sem dúvida, o sábio de Éfeso continuará sendo controverso e difícil de interpretar, mas os estudiosos têm feito progressos significativos na compreensão e apreciação de seu trabalho.

2. Método

Heráclito esforçou-se ao máximo para romper o molde do pensamento de sua época. Embora tenha sido influenciado de várias maneiras pelo pensamento e linguagem de seus antecessores – incluindo os poetas épicos, Homero e Hesíodo, o poeta e filósofo Xenófanes, o historiador e antiquário Hecateu, o guru religioso Pitágoras, o sábio Bias de Priene, o poeta Arquíloco, e os filósofos milesianos – ele criticou a maioria explícita ou implicitamente, e lançou-se em seu próprio caminho. Heráclito rejeitou o polumathiê – ou seja, a obtenção de variadas informações – alegando que tal “não ensina a compreensão” (B40). Ele tratou os poetas épicos como tolos e chamou Pitágoras de fraude.

Em seus fragmentos, Heráclito não critica explicitamente os milesianos, e é provável que ele os tenha visto como os mais avançados dos pensadores anteriores.Heráclito crítica tacitamente Anaximandro por não apreciar o papel da injustiça no mundo (B80), ao passo que talvez tenha expressado alguma admiração por Tales (B38). Seus pontos de vista podem ser vistos como encarnando críticas estruturais aos princípios milesianos, porém, mesmo os corrigindo, ele construiu sobre suas bases. 

O mais fundamental afastamento de Heráclito da filosofia que o antecede está em sua ênfase nos assuntos humanos. Enquanto ele continua muitas das teorias físicas e cosmológicas de seus predecessores, muda seu foco do reino cósmico para o reino humano. Poderíamos pensar nele como o primeiro humanista, não fosse o fato de que parece não gostar muito bem da humanidade. Desde o início, deixa claro que a maioria das pessoas é estúpida demais para entender sua teoria.  Ele pode estar bastante preocupado com a relevância humana das teorias filosóficas, mas é um elitista, como Platão, que pensa que apenas leitores seletos são capazes de se beneficiar de seus ensinamentos. E talvez por isso ele, tal como Platão, não ensine seus princípios filosóficos diretamente, mas os exprima de uma forma literária que distancia o autor do leitor. Em qualquer caso, parece considerar-se não tanto como o autor de uma filosofia quanto como o porta-voz de uma verdade independente:

Tendo ouvido não a mim, mas à Palavra (o Logos), é sábio concordar que todas as coisas são uma só. (B50)

Heráclito salienta que a mensagem não é uma invenção sua, mas uma verdade atemporal disponível para qualquer um que atenda ao modo como o mundo em si é. “Embora esta Palavra seja comum“, adverte ele, “muitos vivem como se tivessem um entendimento privado” (B2). A Palavra (relato, mensagem) existe à parte dos ensinamentos de Heráclito, mas ele tenta transmitir essa mensagem a seu público.

A cegueira dos seres humanos é um dos temas principais de Heráclito.  Ele a anuncia no início de seu livro:

Embora esta Palavra seja para sempre verdadeira, ainda assim os homens provam-se incapazes de entendê-la quando a ouvem pela primeira vez, tal quanto antes de tê-la ouvido. Porque, embora todas as coisas aconteçam de acordo com essa Palavra, os homens parecem não ter nenhuma experiência com ela quando fazem o julgamento das palavras e atos conforme eu expus ao dividir cada coisa de acordo com sua espécie e mostrar como é o que é. Ademais, outros homens não sabem o que estão fazendo quando acordados, mesmo quando esquecem o que fizeram durante o sono. (B1)

Ele começa avisando seus leitores que a maioria deles não entenderá sua mensagem. Ele promete “distinguir cada coisa de acordo com sua natureza e mostrar como é o que é”, uma reivindicação semelhante à dos milesianos. No entanto, tal como os adormecidos, seus leitores não compreenderão o mundo ao seu redor. Isso implica que, em seu livro, Heraclito tem algumas coisas a dizer sobre o mundo natural, mas muito mais a dizer sobre a condição humana.

Não menos importante que a mensagem de Heráclito é a forma pela qual ele a transmite ao seu público. Aristóteles notou que, mesmo na primeira frase de B1, citada acima, a força da palavra “para sempre” não era clara: combinaria tanto com as palavras anteriores quanto com as posteriores, com “estar” ou “provar” (Retórica 1407b11-18)? Ele considerava a ambiguidade como uma fraqueza na comunicação de Heráclito. Mas se atentarmos à linguagem de Heráclito, vemos que a ambiguidade sintática é mais do que um acidente: é uma técnica comum que ele usa para enriquecer suas palavras e infundi-las com uma complexidade verbal única como a da poesia. Charles Kahn (1979: 89) identifica dois traços gerais do estilo de Heráclito: densidade linguística e ressonância. A primeira é sua capacidade de reunir múltiplos significados em uma única palavra ou frase, a segunda é sua capacidade de usar uma expressão para evocar outra. Para dar um exemplo simples:

moroi mezones mezonas moiras lanchanousi.
Mortes maiores ganham maior porção. (B25)

Heráclito usa aliteração (quatro palavras iniciadas com m, seguidas) e chiasmus (um padrão ABBA) para ligar morte e recompensa. A última aparece como uma imagem espelho da primeira e, em som e sentido, eles se fundem. Outro fragmento consiste em três palavras em grego:

êthos anthrôpôi daimôn.
A personalidade do homem é seu espírito-guardião. (B119)

A segunda palavra, no caso dativo “para” ou “ao” homem, está entre os nomes de dois objetos muito diferentes, “personalidade” e “espírito-guardião”.  Gramaticalmente, ela pode se apegar a qualquer um deles indiferentemente, e parece destinada a ser ouvida em combinação com ambos, de modo que conta duas vezes. Devido ao seu duplo papel, a palavra forma uma espécie de cola sintática entre os sujeitos, de outra forma diversos, unindo-os em uma unidade.  Tradicionalmente, ter um bom ou mau espírito-guardião constitui a “sorte” de alguém – alguém é eudaimôn ou dusdaimôn – afortunado ou miserável – à mercê do seu supervisor divino. Mas Heráclito transforma a própria sorte em função da personalidade, da postura ética, ao fazer do “homem” o elo.

Em última análise, Heráclito carrega suas palavras com camadas de significado e complexidades que devem ser descobertas em insights e resolvidas como enigmas. Como ele implica na segunda frase de sua introdução, B1, seu logoi é projetado para ser experimentado, não apenas compreendido, e somente aqueles que o experimentam em suas riquezas captarão sua mensagem.

3. Princípios Filosóficos

Embora suas palavras tenham o objetivo de proporcionar encontros concretos com o mundo, Heráclito adere a alguns princípios abstratos que governam o mundo. Já na antiguidade ele era famoso por defender a coincidência de opostos, a doutrina do fluxo e sua visão de que o fogo é a fonte e a natureza de todas as coisas. Ao comentar sobre Heráclito, Platão fez uma leitura inicial, que foi seguida tentativamente por Aristóteles, e que é popular até hoje (afiada e vigorosamente defendida por Barnes, 1982, cap. 4). De acordo com a versão de Barnes, Heráclito é um monista material que acredita que todas as coisas são modificações do fogo. Tudo está em fluxo (no sentido de que “tudo está sempre fluindo sob alguns aspectos”, 69), o que implica na coincidência de opostos (interpretado como a visão de que “cada par de contrários é em algum lugar coinstanciado; e cada objeto coinstata pelo menos um par de contrários”), 70. A coincidência de opostos, assim interpretada, implica em contradições, que Heraclito não pode evitar. Nessa visão, Heráclito é influenciado pela teoria anterior do monismo material, e por observações empíricas que tendem a apoiar o fluxo e a coincidência de opostos. Em um tempo antes do desenvolvimento da lógica, conclui Barnes, Heráclito viola os princípios da lógica e torna impossível o conhecimento.

Obviamente, tal leitura não é caridosa para com Heráclito. Há, além disso, razões para questioná-la. Primeiro, algumas das opiniões de Heráclito são incompatíveis com o monismo material (a ser discutido mais tarde), de modo que o pano de fundo de suas teorias deve ser repensado. Segundo, há evidências de que a teoria do fluxo de Heráclito é mais fraca do que a atribuída a ele por essa leitura. Terceiro, há evidências de que sua visão da coincidência de opostos é mais fraca do que a que lhe é atribuída aqui. 

3.1 Fluxo

Barnes baseia sua leitura platônica na declaração do próprio Platão:

Heráclito, creio, diz que todas as coisas passam e nada fica, e comparando as coisas existentes ao fluxo de um rio, ele diz que você não poderia pisar duas vezes no mesmo rio.

(Platão, Crátilo 402a = A6)

O método acadêmico estabelecido é tentar verificar a interpretação de Platão olhando para as próprias palavras de Heráclito, se possível. Há três supostos “fragmentos do rio”:

B12. potamoisi toisin autoisin embainousin hetera kai hetera hudata epirrei.
Por aqueles que entram nos mesmos rios, correm águas sempre diferentes.

(Cleanthes de Arius Didymus de Eusebius)

B49a. potamois tois autois … 
Nos mesmos rios que pisamos e não pisamos, estamos e não estamos.

(Heraclitus Homericus)

B91[a]. potamôi … tôi autôi …
Não é possível pisar duas vezes no mesmo rio, de acordo com Heráclito, ou entrar em contato duas vezes com um ser mortal no mesmo estado.

(Plutarco)

Entre eles, apenas o primeiro tem a densidade linguística característica das palavras de Heráclito. O segundo começa com as mesmas três palavras que B12, mas em Ático, não no dialeto jônico de Heráclito, e a segunda cláusula não tem conexão gramatical com a primeira. A terceira é evidentemente uma paráfrase de um autor famoso por citar de memória e não diretamente de livros. Mesmo assim, começa em grego com a palavra “rio”, mas no singular.  Não há evidência de que repetições de frases com variações façam parte do estilo de Heráclito (como é o caso de Empédocles). Começar com a palavra ‘rio(s)’ vai contra o estilo de prosa do grego normal, e na suposição plausível de que todas as fontes estão tentando imitar Heráclito, que não se repete, seríamos levados a escolher B12 como o único “fragmento do rio”, a única citação real do livro de Heráclito.  Eis a conclusão de Kirk (1954) e Marcovich (1967), baseada em uma interpretação que remonta a Reinhardt (1916). Que o B12 é genuíno é sugerido pelas características que ele compartilha com fragmentos heráclitos: ambiguidade sintática (toisin autoisin ‘o mesmo’ [no dativo] pode ser interpretado ou com ‘rios’ [“os mesmos rios”] ou com ‘aqueles que pisam’ [“as mesmas pessoas”], com o que vem antes ou depois), chiasmus, pintura-sonora (a primeira frase cria o som de água apressada com seus ditongos e sibilantes), rima e aliteração.

Se o B12 for aceito como genuíno, ele tende a desqualificar os outros dois supostos fragmentos. A principal conexão teórica no fragmento é aquela entre “mesmos rios” e “outras águas”.  O B12 é, entre outras coisas, uma declaração da coincidência de opostos. Mas especifica os rios como sendo os mesmos. A afirmação é, na superfície, paradoxal, mas não há razão para interpretá-la como falsa ou contraditória. Faz todo o sentido: chamamos um rio de corpo de águas precisamente porque consiste em mudar as águas; se as águas deixassem de fluir, não seria um rio, mas um lago ou uma faixa seca. Há um sentido, então, no qual um rio é um tipo notável de existência, que permanece o que é ao mudar o que ele contém (cf. Tratado de Hume 1.4.6, p. 258 Selby-Bigge). Heráclito deriva uma visão marcante de um encontro cotidiano. Além disso, ele fornece, através da ambiguidade da primeira frase, outra leitura: pelas mesmas pessoas que pisam em rios, outras e outras águas fluem. Com essa leitura, são as pessoas que permanecem as mesmas em contraste com a mudança das águas, como se o encontro com um ambiente fluente ajudasse a constituir o sujeito perceptível como o mesmo. (Ver Kahn 1979.) B49a, em contraste, contradiz a afirmação de que se pode pisar nos mesmos rios (e também afirma essa afirmação), e B91[a], como Platão no Crátilo, nega que se pode pisar duas vezes. No entanto, se os rios permanecerem os mesmos, certamente se pode pisar duas vezes – não nas mesmas águas, com certeza, mas nos mesmos rios. Assim, os outros supostos fragmentos são incompatíveis com o único fragmento certifidicamente genuíno.

De fato, Marcovich (1967) conseguiu mostrar como uma leitura errada de B12 poderia levar a uma interpretação como a que está contida em A6 e B91[a]. É possível ver Crátilo, um falecido seguidor de Heráclito, fornecendo a leitura errónea, e depois acrescentando sua famosa réplica de que não se pode pisar no mesmo rio nem mesmo uma vez (embora a leitura possa remontar anteriormente à Hippias:  Mansfeld 1990: 43-55).  Uma vez que Platão teria ouvido as palestras de Crátilo, é bem possível que ele tenha derivado sua leitura da crítica de Crátilo. 

Se tal interpretação estiver correta, a mensagem do fragmento do rio, B12, não é a de que todas as coisas estão mudando de modo que não podemos encontrá-las duas vezes, mas algo muito mais sutil e profundo. É que algumas coisas permanecem as mesmas apenas através das mudanças. Um tipo de realidade material duradoura existe em virtude da constante rotação de sua matéria constituinte. Aqui a constância e a mudança não são opostas, mas inextricavelmente ligadas. Um corpo humano poderia ser compreendido exatamente da mesma maneira, como viver e continuar em virtude de um metabolismo constante – como Aristóteles, por exemplo, mais tarde compreendeu.  Segundo essa leitura, Heráclito acredita no fluxo, mas não como destrutivo da constância; é, paradoxalmente, uma condição necessária da constância, pelo menos em alguns casos (e, sem dúvida, em todos). Em geral, pelo menos em alguns casos exemplares, estruturas de alto nível se sobrepõem ao fluxo de material de baixo nível. A leitura platônica ainda tem defensores (por exemplo, Tarán 1999), mas não é mais a única leitura de Heráclito defendida por estudiosos.

3.2 A Unidade dos Opostos

A doutrina do fluxo de Heráclito é um caso especial da unidade dos opostos, apontando para formas em que as coisas são ambas iguais e não são as mesmas ao longo do tempo. Ele retrata dois opostos-chave que estão interligados, mas não são idênticos. Heráclito às vezes explica como as coisas têm qualidades opostas:

O mar é a água mais pura e mais poluída: para peixes, potável e saudável, para homens, não-potável e prejudicial. (B61)a

Barnes pensa que Heráclito recebe sua doutrina sobre a co-fundamentação universal dos contrários através da aplicação enganosa de qualificadores (tais como: “para peixes”, “para homens”). Mas B61 mostra que ele está perfeitamente ciente deles, e podemos dizer que ele os compreende tacitamente mesmo quando não os expressa. Quando diz,

Coleções: integrais e não integrais; reunidas, separadas; cantadas em uníssono, cantadas em conflito; de todas as coisas uma e de uma só todas as coisas (B10)

ele não se contradiz. Há contextos perfeitamente bons nos quais tudo o que ele diz é verdade. Pode-se dividir uma coleção em suas partes ou unir as partes em um todo unificado. 

O mais eloquente é que Heráclito explica como os contrários estão conectados:

E é a mesma coisa em nós que é rápida e morta, acordada e adormecida, jovem e velha; as primeiras são deslocadas e se tornam as últimas, e as últimas, por sua vez, são deslocadas e se tornam as primeiras..(B88)

Qualidades contrárias são encontradas em nós como “a mesma coisa”.  Mas elas são as mesmas em virtude da mudança de uma coisa para outra. Estamos dormindo e acordamos; estamos acordados e vamos dormir. Assim, o sono e o despertar são ambos encontrados em nós, mas não ao mesmo tempo ou com o mesmo aspecto. De fato, se o sono e o despertar fossem idênticos, não haveria nenhuma mudança, tal como exigido pela segunda frase. Os contrastes são os mesmos em virtude da constituição de um sistema de conexões: morto-vivo, acordado-dormindo, jovem-velho. Os sujeitos não possuem propriedades incompatíveis ao mesmo tempo, mas em momentos diferentes.

Em geral, o que vemos em Heráclito não é uma confusão de opostos em uma identidade, mas uma série de análises sutis que revelam a interconexão de estados contrários na vida e no mundo.  Não há necessidade de lhe imputar uma falácia lógica. Os opostos são uma realidade, e suas interconexões são reais, mas os opostos correlatos não são idênticos entre si.

3.3 Ontologia

A visão padrão da ontologia de Heráclito desde Aristóteles é que ele é um monista material que sustenta que o fogo é a realidade última; todas as coisas são apenas manifestações do fogo. Segundo Aristóteles, os milesianos em geral eram monistas materiais que defendiam outros tipos de matéria suprema: Tales, água; Anaximandro, o ilimitado; Anaxímenes, ar (Metafísica 983b6-984a8). Portanto, a teoria de Heráclito seria apenas mais uma versão de uma teoria de fundo comum. Já existem problemas com a compreensão de Aristóteles sobre os milesianos: Aristóteles não tem nenhuma evidência textual para a visão de Tales e deve reconstruí-la a partir de quase nada; ele às vezes trata Anaximandro como um pluralista tal como Anaxágoras, que pensa que o ilimitado é uma mistura de qualidades; no máximo, Anaxímenes pode exemplificar o monismo material – mas Platão o lê como um pluralista (Timeu 39 com Graham 2003b; Graham 2003a). No caso de Heráclito, suas próprias declarações tornam a interpretação do monismo material problemática. De acordo com o monismo material, algum tipo de matéria é a realidade última, e qualquer variação no mundo consiste apenas em uma mudança qualitativa, ou possivelmente quantitativa, dele; porque existe apenas uma realidade – o fogo, por exemplo – que nunca pode vir a existir ou perecer, mas só pode mudar em suas aparências. Heráclito, no entanto, defende um tipo radical de mudança:

Para as almas, é morte tornar-se água; para a água, é morte tornar-se terra; mas da terra nasce a água e da água nasce a alma. (B36)

(Aqui a alma parece ocupar o lugar do fogo.) A linguagem do nascimento e da morte no mundo dos seres vivos é precisamente a linguagem usada na metafísica grega para vir a ser e perecer. Ela implica uma transformação radical que exclui a continuação da identidade (cf. B76, B62). De fato, os intérpretes de Heráclito não podem dispor dele de ambas as maneiras: Heráclito não pode ser ao mesmo tempo um crente no fluxo radical (a transformação de tudo em tudo: fogo em água, água em terra, etc.) e um defensor do monismo. Ou ele acredita em uma mudança meramente ilusória ou, no máximo, limitada, ou ele deve ser um pluralista. 

Uma dificuldade a mais permanece para a leitura monista. Em sua suposta versão do monismo, o fogo é a realidade última. No entanto, o fogo (como os antigos reconheceram) é o menos substancial e o mais evanescente dos elementares. Ele é melhor símbolo de mudança do que de permanência. Outros alegados casos de monismo material oferecem um tipo básico de matéria que poderia ser estável e permanente durante longos períodos de tempo; mas o fogo manifesta “necessidade e saciedade” (B65), uma espécie de consumo contínuo que só pode viver devorando combustível. Não é paradoxal a escolha de Heráclito de uma realidade básica em si mesma? Na melhor das hipóteses, seu apelo ao fogo parece se basear no monismo material de uma forma que aponta além da teoria, para um relato no qual o processo de mudança é mais real do que as substâncias materiais que passam por mudanças.

4. Cosmologia

Embora Heraclito seja mais do que um cosmólogo, ele oferece uma cosmologia. Sua afirmação mais fundamental sobre cosmologia é encontrada em B30:

Esta ordem mundial [kosmos], a mesma de tudo, nenhum deus ou homem criou, mas sempre foi, e é e será: fogo eterno, a ser ateado em medidas e a ser extinto em medidas. 

Nessa passagem, ele usa, pela primeira vez em qualquer texto grego existente, a palavra kosmos “ordem” para significar algo como “mundo”.  Ele identifica o mundo com o fogo, mas continua a especificar porções de fogo que estão se acendendo e se apagando. Embora fontes antigas, incluindo Aristóteles (Sobre os Céus 279b12-17), assim como os estóicos, atribuam a Heráclito um mundo que foi periodicamente destruído pelo fogo e depois renascido, a presente declaração parece contradizer essa visão, como Hegel já notou. Se o mundo sempre foi e é e será, então não perece e volta a existir, embora partes dele (medidas de fogo) estejam constantemente sendo transformadas. 

Heraclito descreve as transformações dos corpos elementares:

As mudanças do fogo: primeiro o mar, e do mar metade é terra, metade turbilhão de fogo. (B31[a])
<a Terra> é liquefeita como o mar e medida na mesma proporção que tinha antes de se tornar terra. (B31[b])

O fogo se transforma em água (“mar”), e depois metade dessa quantidade se transforma em terra e a outra metade em “incêndio” (prêstêr, um fenômeno de tempestade ardente e ventosa). A porção que se transforma em terra se transforma de volta em água, na mesma quantidade que tinha anteriormente. Aqui Heráclito prevê uma transformação, semelhante à lei, das coisas do fogo para a água e para a terra; a transformação é reversível, e nela são preservadas as mesmas quantidades relativas de coisas. Há, então, uma espécie de conservação da matéria, ou pelo menos da quantidade total da matéria.  O que faria o mundo ser contínuo seria o fato de que quando uma porção de fogo se transforma em água, uma porção equivalente de água se transforma em fogo. O equilíbrio geral é preservado, mesmo que a água que está agora no mar não seja a mesma água que estava nele antes. Essa imagem tem uma semelhança com a imagem do rio, que permanece a mesma, apesar de seu conteúdo material em mudança. 

Nessa visão de mundo, as transformações mútuas da matéria não são uma característica acidental, mas a própria essência da natureza. Sem mudanças, não haveria mundo. Heraclito parece reconhecer isso em seus elogios à guerra e aos conflitos:

Devemos reconhecer que a guerra é comum, a luta é justiça e todas as coisas acontecem de acordo com a luta e a necessidade. (B80)
A guerra é mãe de todos e rainha de todos; e alguns ela manifestou como deuses, outros como homens; alguns ela fez escravos, outros livres. (B53)

Os poderes conflitantes dos opostos, incluindo os dos corpos elementares, tornam possível o mundo e toda sua variedade; sem esse conflito, teríamos apenas uma uniformidade sem vida. Na passagem anterior Heráclito talvez esteja criticando Anaximandro por sua visão de que a justiça cósmica consiste numa punição dos poderes que ultrapassam seus limites (Anaximandro B1). A justiça não é a correção de um excesso, mas todo o padrão de dominação de um oposto seguido pelo do outro. 

Há, no entanto, uma força orientadora no mundo:

O relâmpago dirige todas as coisas. (B64)

O eixo ardente do relâmpago é um símbolo da direção do mundo. Anaximandro provavelmente já usou a imagem do comandante do universo (Kahn 1960: 238). Heráclito o identifica com o relâmpago, ele próprio um atributo de Zeus, o deus da tempestade. As mudanças operadas pelo fogo e simbolizadas por ele governam o mundo.  O poder governante do universo pode ser identificado com Zeus, mas não de uma forma direta: “Um ser, o único sábio, seria e não seria chamado pelo nome de Zeus” (B32). E aqui a palavra usada para “Zeus” pode ser traduzida como “Vida”.  Como os Milesianos, Heráclito identifica o poder governante do mundo com a divindade, mas (também como eles) sua concepção não é uma concepção convencional. 

Heráclito proporcionou algum tipo de discussão sobre os fenômenos meteorológicos e astronômicos. Ele estudou o desaparecimento e reaparição da lua no final e início de um mês (Oxyrhynchus Papyri LIII 3710 ii. 43-47 e iii. 7-11 – a evidência mais clara de que Heráclito tinha um interesse científico em astronomia). Ele explicou o sol e a lua como tigelas cheias de fogo. Como a tigela da lua girava, ela causava as fases. Os eclipses eram o resultado de uma rotação do lado convexo das tigelas para voltar-se para a terra. Não temos relatos sobre a terra em si, mas podemos supor que, como seus antecessores, Heráclito a via como plana. As evaporações da terra e do mar aparentemente forneciam combustível para os corpos celestes, que queimavam como lâmpadas a óleo. 

O poder divino se manifesta em todos os fenômenos: “Deus é dia-noite, inverno-verão, paz-guerra, saciedade-fome, e ele se altera da mesma forma que o <fogo> quando é misturado com especiarias, que é nomeado de acordo com o aroma de cada uma delas” (B67). Novamente Heraclito parece enfatizar a unidade do poder divino, mesmo que os humanos lhe atribuam nomes e atributos diferentes. Todas as coisas que acontecem são boas, mas os humanos não as percebem como sendo assim: “Para Deus todas as coisas são justas, boas e dignas, mas os homens supõem que algumas coisas são injustas, outras justas” (B102). Heráclito não tenta fornecer uma teodicéia detalhada, mas procura ver todas as coisas sub specie aeternitatis, nas quais o conflito (incluindo presumivelmente o conflito humano) mantém o mundo em movimento (B80, citado acima). 

5. Conhecimento

Platão afirmou que, para Heráclito, o conhecimento se torna impossível pelo fluxo de objetos sensíveis. No entanto, Heráclito não repudia o conhecimento ou a sabedoria que vem de uma compreensão adequada do mundo. Com certeza, ele acredita que a maioria das pessoas não é capaz de sabedoria; a compreensão é um bem raro e precioso, que mesmo a maioria dos sábios de reputação não alcança (B28[a]). No entanto, a sabedoria é possível, e está incorporada na mensagem de Heráclito, para aqueles que podem discerni-la.

Heráclito parece aceitar a evidência dos sentidos como sendo, de alguma forma, valiosa: “As coisas de que há visão, audição, experiência, eu prefiro” (B55). A visão é o melhor dos sentidos: “Os olhos são testemunhas mais precisas do que os ouvidos” (B101a). No entanto, ao contrário daqueles que vêem o conhecimento como uma acumulação de informação ou a sabedoria como uma coleção de ditos, ele requer muito mais do que sensação e memória:

Aprender muitas coisas não ensina a compreensão. Caso contrário, teria ensinado Hesíodo e Pitágoras, assim como a Xenófanes e Hecateu. (B40)

Nessa declaração, Heráclito analisa as principais autoridades de sua época, vivas (as três últimas) e mortas, lidando com o conhecimento religioso e secular, e encontra todas elas carentes. Eles gastam muito esforço na coleta de informações e não o suficiente para entender seu significado. “Que inteligência ou compreensão eles [o povo] têm?” pergunta Heráclito. “Eles seguem os bardos populares e tratam a multidão como seu instrutor, não percebendo que os muitos são inferiores, enquanto poucos são nobres” (B104). Ele critica Hesíodo sobre especificidades: “O professor da multidão é Hesíodo; eles acreditam que ele tem o maior conhecimento – o qual não compreendeu dia e noite: pois eles são um” (B57). Em seus mitos, Hesíodo trata o Dia e a Noite como pessoas separadas, revezando-se em viagens ao exterior, enquanto um permanece em casa. Todavia isso não capta a interconexão entre o dia e a noite, e falsifica a realidade. Heráclito critica Homero, Pitágoras e Arquíloco por suas inadequações. 

Em geral, ele sustenta que as pessoas não aprendem o que deveriam: “Muitos não entendem tais coisas como as encontram, nem aprendem com sua experiência, mas pensam que aprendem” (B17). De fato, eles não processam as informações que recebem: “Tendo ouvido sem compreender, são como os surdos; este ditado lhes dá testemunho: presentes estão ausentes” (B34). Heráclito explica: “Pobres testemunhas para os homens são os olhos e ouvidos daqueles que têm almas bárbaras” (B107). Um bárbaro era um não-grego; assim como um estrangeiro ouve palavras gregas sem entender seu significado, a maioria das pessoas percebe sem entender o mundo ao seu redor. A percepção sensorial é necessária para o conhecimento, mas não suficiente; sem a capacidade de decifrar informações a partir dos sentidos, não se pode compreender o mundo.

Que chance há, então, de aprender os segredos do mundo?  Heráclito não é totalmente pessimista em relação às capacidades cognitivas humanas: “Todos os homens têm uma participação no autoconhecimento e no pensamento sadio” (B116). O que é necessário não é simplesmente mais experiência sensível ou mais informação, mas uma maneira melhor de compreender a mensagem (o logos) que o mundo oferece. Nesse contexto, seu curioso método de expressão começa a fazer sentido. Ele apresenta suas afirmações na forma de enigmas, charadas e adivinhas,  Muitas delas suportam duas ou mais leituras, e contêm percepções ocultas. Para compreendê-las o leitor deve compreender sua complexidade e depois descobrir sua unidade. Ler Heráclito apropriadamente é ter uma rica experiência cognitiva, como sugere o filósofo em sua introdução (B1).

Heráclito frequentemente apresenta uma situação ou imagem concreta simples que tem implicações para nossa compreensão do mundo: um rio, um arco, uma estrada. Ele não costuma pronunciar generalizações e deduzir consequências. Ao contrário, seu método pode ser visto como indutivo: ele oferece um exemplo que sugere princípios gerais. Ao contrário da maioria dos filósofos, ele desafia o lado direito do cérebro em vez do lado esquerdo.  Ele não ensina no sentido convencional; ele oferece a seus leitores materiais para a compreensão e permite que eles se eduquem. Ele cita com aprovação um modelo de instrução religiosa:

O Senhor cujo oráculo está em Delfos não revela nem esconde, mas dá um sinal. (B93)

As declarações de enigma do oráculo délfico não fornecem respostas simples, mas obrigam as pessoas a interpretá-las. Suas verdades chegam até o leitor atento como descobertas resultantes da solução de um enigma.

6. Valor

O objetivo da abordagem incomum de Heráclito é produzir leitores que tenham uma compreensão adequada do mundo e de seu lugar nele. “O pensamento sadio é a maior virtude e sabedoria: é falar a verdade, agir com base na compreensão da natureza das coisas” (B112). Tal compreensão só pode resultar de uma capacidade de interpretar a linguagem da natureza. A compreensão adequada permite agir de forma harmoniosa.

Heráclito exige moderação e autocontrole de uma forma um tanto convencional (B85, B43). Ele também recomenda o objetivo grego convencional de buscar a fama: “Os melhores escolhem uma coisa acima de tudo, a fama eterna dos mortais; os muitos desfilam como gado” (B29). Morrer em batalha é um tipo de morte superior (B24). Aqueles que bebem em excesso molham a alma e, consequentemente, a prejudicam (B117), pois uma alma saudável é seca (B118).  Aqueles que experimentam melhores mortes obtêm melhores recompensas (B25).  Aqueles que mentem serão punidos (B28[b]). “Porque os homens que ali morrem aguardam coisas que não esperam ou antecipam” (B27). Algumas dessas observações tendem a sugerir uma vida após a morte com recompensas e punições, embora sua crença em uma existência contínua seja controversa (ver Nussbaum 1972). Em qualquer caso, Heráclito vê a alma como o centro moral e cognitivo da experiência humana.

Na teoria política, ele sustenta que um homem bom vale por dez mil pessoas comuns (B49). Ele critica seus concidadãos por terem banido um líder ilustre:

Os cidadãos adultos de Éfeso deveriam enforcar-se, cada um, e deixar a cidade para as crianças, já que baniram Hermodoro, um homem preeminente entre eles, dizendo: ‘Que ninguém se destaque entre nós; ou que ele se destaque em outro lugar, entre outros’. (B121)

Evidentemente, ele confia em poucos e desconfia de muitos. Ele vê as boas leis como sendo reflexos de princípios universais:

Falando com bom senso, devemos nos fortalecer no senso comum a todos, pois uma cidade é fortificada por sua lei, e de forma ainda mais vigorosa.  Pois todas as leis humanas são nutridas pela única lei divina. Porque ela prevalece até onde deseja, é suficiente para todos e é superabundante. (B114)

A lei divina, na opinião de Heráclito, é provavelmente contínua com as leis que regem o cosmos, que mantêm a justiça através da oposição (B80).

7. Influência

Embora Heráclito não seja conhecido por ter tido alunos, seus escritos parecem ter sido influentes desde cedo. Ele pode ter provocado Parmênides a desenvolver uma filosofia contrastante (Patin 1899; Graham 2002), embora suas opiniões tenham muito mais em comum do que é geralmente reconhecido (Nehamas 2002). Empédocles parece ter invocado temas heraclitianos, e alguns tratados hipocráticos imitaram a linguagem heráclita e apresentaram aplicações de temas heraclianos. Demócrito ecoou muitos dos pronunciamentos éticos de Heráclito em sua própria ética. Desde cedo, Heráclito foi visto como o representante do fluxo universal em contraste com Parmênides, o representante do stasis universal. Crátilo trouxe a filosofia de Heráclito a Atenas, onde Platão a ouviu.  Platão parece ter usado a teoria de Heráclito (conforme interpretada por Crátilo) como um modelo para o mundo sensível, pois ele usou a teoria de Parmênides em favor do mundo inteligível. Como mencionado, tanto Platão quanto Aristóteles viam Heráclito como uma violação da lei de não-contradição, expondo uma teoria incoerente do conhecimento baseada em um fluxo radical. No entanto, Aristóteles também o tratou como um monista material coerente que colocou o fogo como um princípio último. Os estóicos usaram a física de Heráclito como inspiração para sua própria física, compreendendo-o como defensor de uma destruição periódica do mundo pelo fogo, seguida de uma regeneração do mundo; Cleanthes, em particular, comentou sobre Heráclito. Aenesidemus interpretou Heráclito como uma espécie de proto-cético (ver Polito 2004). 

Desde Platão, Heráclito tem sido visto como um filósofo do fluxo. O desafio ao interpretar o filósofo de Éfeso sempre foi encontrar uma teoria coerente em suas afirmações paradoxais. Desde Hegel, ele tem sido visto como um filósofo paradigmático do processo – talvez com alguma justificativa. 

8. Adendo

O recém publicado Derveni Papyrus, descoberto em um túmulo no norte da Grécia, contém um comentário sobre um poema órfico. O comentarista discute algumas passagens de Heráclito em conexão com o poema, a saber, B3 + B94 (que pode ter sido assim reunido no livro de Heráclito) (coluna 4). Ver Betegh 2004. O Oxyrhynchus Papyri (vol. 53, no. 3710) também mostra que Heráclito estava interessado em determinar os dias do mês lunar e, portanto, em questões científicas. Ver Burkert 1993.

Em trabalhos recentes, os estudiosos dedicaram atenção especial à teoria moral e política de Heráclito (Fattal 2011, Sider 2013, Robitzsch 2018), às questões do logos e da racionalidade (Hülsz 2013, Long 2013), ao caráter material da alma (Betegh 2007), e à teoria da mudança elementar (Neels 2018).

Há uma nova edição importante de Pré-Socráticos, que contém um volume dedicado principalmente a Heráclito, com uma seleção generosa de textos, incluindo muitos dedicados aos respectivos (Laks e Most 2016). Há também um importante novo estudo sobre Heráclito que defende uma interpretação tradicional das fontes (Finkelberg 2017).

Bibliografia

Edições

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Estudos

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Other Internet Resources

The Fragments of Heraclitus, with translation and notes, maintained by Randy Hoyt.
Philoctetes, a site with several linked resources on Heraclitus.
The Fragments of Heraclitus, translated by G.T.W. Patrick (1889).

contradiction | Parmenides | Presocratic Philosophy | process philosophy | Pythagoras | soul, ancient theories of | Xenophanes

Este artigo foi publicado originalmente no site Plato Stanford: https://plato.stanford.edu/entries/heraclitus/

Sobre o Autor ou Tradutor

Bernardo Santos

Aluno do Olavão, bacharel em matemática, amante da Filosofia, tradutor e músico nas horas vagas, Bernardo Santos é administrador principal do Diário Intelectual.

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