O Método da Matemática — Gottfried Wilhelm Leibniz

Em “O Método da Matemática“, Leibniz expõe sua idéia de uma possível Característica, um método que, segundo ele, matematizaria as idéias humanas.


Prefácio para a Ciência Geral

Uma vez que a felicidade consiste na paz de espírito, e uma vez que a paz de espírito duradoura depende da confiança que temos no futuro, e uma vez que essa confiança baseia-se na ciência que devemos ter acerca da natureza de Deus e da alma, segue-se que a ciência é necessária para a verdadeira felicidade.

Mas a ciência depende da demonstração, e a descoberta das demonstrações por meio de um determinado Método não é conhecida por todos. Porque, embora todo homem seja capaz de julgar uma demonstração (ela não mereceria este nome se todos aqueles que a consideram atentamente não fossem convencidos e persuadidos por ela), não obstante, nem todo homem é capaz de descobrir demonstrações por sua própria iniciativa, nem de apresentá-las distintamente uma vez que sejam descobertas, se lhe faltar tempo ou método.

O verdadeiro Método considerado em todo seu escopo é para mim uma coisa até então praticamente desconhecida, e não tem sido praticado, exceto em matemática. Ele é até muito imperfeito em relação à própria matemática, como tive a sorte de revelar através de provas surpreendentes àqueles que são considerados como estando entre os melhores matemáticos do século. E espero oferecer algumas amostras disso, que talvez não sejam consideradas indignas pela posteridade.

Entretanto, se o Método dos Matemáticos não foi suficiente para descobrir tudo o que poderia ser esperado deles, ele permaneceu pelo menos capaz de salvá-los de erros, e se eles não disseram tudo o que deveriam dizer, também não disseram nada que não se esperasse que dissessem.

Se aqueles que cultivaram as outras ciências tivessem imitado os matemáticos pelo menos nesse ponto, estaríamos bastante satisfeitos, e já teríamos há muito tempo uma metafísica segura, bem como uma ética dependente da metafísica, já que esta última inclui o tipo de conhecimento sobre Deus e a alma que deve governar nossa vida.

Além disso, deveríamos ter a ciência do movimento que é a chave para a física e, consequentemente, para a medicina. É verdade, acredito que agora estamos prontos para aspirar a ela, e alguns de meus primeiros pensamentos foram recebidos com tanto aplauso pelos homens mais instruídos de nosso tempo por causa da maravilhosa simplicidade introduzida, assim, acredito que tudo o que temos que fazer agora é realizar certos experimentos em um plano e escala deliberados (em vez de tentarmos a sorte, o que é tão comum), a fim de construirmos a partir daí o bastião de uma física segura e demonstrativa.

Ora, a razão pela qual a arte de demonstrar foi até agora encontrada apenas na matemática não foi bem compreendida pelas pessoas comuns, pois se a causa do problema tivesse sido conhecida, o remédio já teria sido descoberto há muito tempo. A razão é esta: a matemática carrega consigo seu próprio teste. Pois quando me é apresentado um teorema falso, não preciso examinar ou mesmo conhecer a demonstração, pois descobrirei sua falsidade a posteriori por meio de uma experiência fácil, ou seja, por meio de um cálculo, que não custará mais que papel e tinta, o que mostrará o erro por menor que seja. Se fosse tão fácil em outros assuntos verificar os raciocínios por meio de experimentos, não haveria opiniões tão diferentes. Contudo, o problema é que os experimentos em física são difíceis e muito caros; e em metafísica são impossíveis, a menos que Deus, por amor a nós, faça um milagre para nos familiarizar com coisas remotas imateriais.

Tal dificuldade não é intransponível, embora no início possa parecer que sim. Mas aqueles que se derem ao trabalho de considerar o que vou dizer sobre isso, logo mudarão de idéia. Devemos então notar que os testes ou experimentos feitos em matemática para evitar erros de raciocínio (como, por exemplo, o teste dos noves, o cálculo do Ludolph de Colônia sobre a magnitude dos círculos, tabelas de senos, etc.), tais testes não são feitos na coisa em si, mas nos caracteres que substituímos no lugar da coisa. Tomemos por exemplo um cálculo numérico: se 1677 vezes 365 são 612.105, dificilmente teríamos alcançado tal resultado se fosse necessário fazer 365 pilhas de 1677 seixos cada uma e depois, finalmente, contá-las todas para saber se o número acima mencionado é encontrado. É por isso que estamos satisfeitos em fazê-lo com caracteres no papel, por meio do teste dos noves, etc. Da mesma maneira, quando propomos um valor aproximadamente exato do π na quadratura de um círculo, não precisamos fazer um grande círculo material e amarrar uma corda em torno dele para ver se a relação entre o comprimento dessa corda ou a circunferência e o diâmetro tem o valor proposto; isso seria incômodo, pois se o erro for de um milésimo ou inferior a parte do diâmetro, precisaremos de um grande círculo construído com muita precisão. No entanto, ainda refutamos o falso valor de π através da experiência e do uso do cálculo ou teste numérico. Mas esse teste é realizado apenas no papel, e consequentemente nos caracteres que representam a coisa, e não na coisa em si.

Tal consideração é fundamental neste assunto, e embora muitas pessoas de grande capacidade, especialmente em nosso século, possam ter afirmado nos oferecer demonstrações em questões de física, metafísica, ética e até mesmo em política, jurisprudência e medicina, no entanto, ou se enganaram (porque cada passo está em terreno escorregadio e é difícil não cair a menos que sejam guiadas por algumas direções tangíveis), ou, mesmo quando são bem sucedidas, não conseguiram convencer a todos com seu raciocínio (porque ainda não houve uma maneira de examinar os argumentos por meio de alguns testes fáceis à disposição de todos).

De onde se manifesta que se pudéssemos encontrar caracteres ou sinais apropriados para expressar todos os nossos pensamentos tão seguramente e tão exatamente quanto a aritmética expressa números ou a análise geométrica expressa linhas, poderíamos, em todos os assuntos, na medida em que sejam passíveis de raciocínio, realizar o mesmo que é feito em Aritmética e na Geometria.

Pois todas as investigações que dependem do raciocínio seriam realizadas pela transposição de caracteres e por uma espécie de cálculo, o que facilitaria imediatamente a descoberta de belos resultados. Porque não precisaríamos quebrar a cabeça tanto quanto é necessário hoje, e ainda assim poderíamos ter a certeza de realizar tudo o que os fatos dados permitem.

Ademais, seríamos capazes de convencer o mundo do que havíamos de encontrar ou concluir, uma vez que seria fácil verificar o cálculo, seja fazendo-o novamente ou tentando testes semelhantes aos de expulsão dos noves em aritmética. E se alguém duvidasse dos meus resultados, eu lhe diria: “Vamos calcular, senhor”, e assim, pegando a pena e a tinta, logo resolveríamos a questão.

Ainda acrescento: dentro do possível, na medida em que o raciocínio permita com relação aos fatos dados. Pois, embora certas experiências sejam sempre necessárias como base para o raciocínio, no entanto, uma vez dadas essas experiências, devemos derivar delas tudo o que qualquer um poderia derivar; e devemos até mesmo descobrir quais experiências ainda precisam ser feitas para o esclarecimento de todas as dúvidas adicionais. Isso seria uma ajuda admirável, mesmo em ciência política e medicina, para um raciocínio firme e perfeito a respeito de determinados sintomas e circunstâncias. Porque, mesmo que não haja circunstâncias suficientes para formar um julgamento infalível, seremos sempre capazes de determinar o que é mais provável em relação aos dados fornecidos. E isso é tudo o que a razão pode fazer.

Ora, os caracteres que expressam todos os nossos pensamentos constituirão uma nova linguagem que pode ser escrita e falada; tal linguagem será muito difícil de construir, mas muito fácil de aprender. Ela será rapidamente aceita por todos devido a sua grande utilidade e sua surpreendente facilidade, e servirá maravilhosamente na comunicação entre vários povos, o que ajudará a fazê-la aceitável. Aqueles que escreverão nessa língua não cometerão erros, desde que evitem os erros de cálculo, barbarismos, solecismos e outros erros de gramática e construção. Além disso, essa linguagem possuirá a maravilhosa propriedade de silenciar pessoas ignorantes. Pois as pessoas serão incapazes de falar ou escrever sobre qualquer coisa, exceto sobre o que entendem, ou, se tentarem fazê-lo, uma de duas coisas acontecerá: ou a vaidade do que avançam será aparente para todos, ou aprenderão ao escrever ou ao falar. Como de fato aqueles que calculam aprendem escrevendo e aqueles que falam às vezes se encontram com algum sucesso que não imaginavam, a língua corre à frente da mente. Isto acontecerá especialmente com nossa língua por causa de sua exatidão. Tanto é assim, que não haverá equívocos ou anfibólios, e tudo o que será dito inteligivelmente nessa língua será dito com propriedade. Essa língua será o maior instrumento da razão.

Ouso dizer que esse é o maior esforço da mente humana, e quando o projeto for realizado, caberá simplesmente aos homens serem felizes, pois eles terão um instrumento que exaltará a razão não menos do que o Telescópio aperfeiçoa nossa visão. É uma de minhas ambições realizar tal projeto, se Deus me der tempo suficiente. Não devo isso a ninguém além de mim mesmo, e tive o primeiro pensamento sobre isso quando tinha 18 anos, como evidenciei um pouco mais tarde em um tratado publicado (De Arte Combinatoria, 1666). E como estou confiante de que não há nenhuma descoberta que se aproxime dessa, acredito que não há nada tão capaz de imortalizar o nome do inventor. Mas tenho razões muito mais fortes para pensar assim, pois a religião que sigo de perto me assegura que o amor de Deus consiste em um desejo ardente de obter o bem-estar geral, e a razão me ensina que não há nada que contribua mais para o bem-estar geral da humanidade do que a perfeição da razão.

Rumo a uma Característica Universal

Um antigo ditado diz que Deus criou tudo de acordo com o peso, a medida e o número. Entretanto, há muitas coisas que não podem ser pesadas, a saber, o que não é afetado pela força ou poder; e qualquer coisa que não seja divisível em partes escapa à medição. Por outro lado, não há nada que não possa ser subsumido sob o número. O número é, portanto, por assim dizer, uma forma metafísica fundamental, e a aritmética uma espécie de estática do universo, na qual os poderes das coisas são revelados.

Que os segredos mais profundos estão escondidos nos números tem sido uma convicção dos homens desde o tempo do próprio Pitágoras que, segundo uma fonte confiável, transmitiu essa e muitas outras intuições à Grécia a partir do Oriente. Entretanto, como a chave certa para o segredo não estava possuída, a curiosidade do homem foi levada a nulidades e superstições de todo tipo, das quais surgiu uma espécie de Cabala vulgar, distante do verdadeiro e também — sob o falso nome de magia — uma abundância de fantasias com as quais os livros fervilham. Enquanto isso, ainda há homens que persistem na velha crença de que descobertas maravilhosas são iminentes com a ajuda de números, caracteres ou sinais de uma nova linguagem, que o “adamita” Jacob Böhme chama de uma língua da natureza.

Entretanto, ninguém talvez tenha penetrado no verdadeiro princípio, a saber, o de que podemos atribuir a cada objeto um número característico determinado por ele. Pois os homens mais instruídos, sempre que eu lhes divulgava algo do gênero, me levavam a acreditar que eles não entendiam nada do que eu queria dizer com isso. De fato, durante muito tempo, homens excelentes trouxeram à luz uma espécie de “linguagem universal” ou “característica” na qual diversos conceitos e coisas deveriam ser reunidos em uma ordem apropriada, com sua ajuda, era para que pessoas de diferentes nações comunicassem seus pensamentos a uma e traduzissem para sua própria língua os sinais escritos de uma língua estrangeira. Entretanto, ninguém, até o presente momento, conseguiu dominar uma língua que abraçasse tanto a técnica de descobrir proposições quanto seu exame crítico — uma língua cujos sinais ou caracteres desempenhariam o mesmo papel que os sinais de aritmética para números e os de álgebra para quantidades em geral. No entanto, é como se Deus, ao conceder estas duas ciências à humanidade, quisesse que percebêssemos que nossa compreensão oculta um segredo muito mais profundo, prefigurado por essas duas ciências.

Ora, através de algum tipo de destino que eu já tinha quando menino, fui conduzido a tais reflexões, e desde então, como muitas vezes acontece com as primeiras inclinações, elas permaneceram mais profundamente impressionadas em minha mente. Isso foi maravilhosamente vantajoso para mim de duas maneiras — embora frequentemente tenha sido dúbio e prejudicial para muitos —: primeiro, fui completamente autodidata; assim que entrei no estudo de qualquer ciência, imediatamente procurei algo novo, com frequência, antes mesmo de compreender completamente seu conteúdo bem conhecido e familiar. Assim, eu ganhei de duas maneiras: Não enchi minha cabeça com afirmações vazias (apoiando-me em autoridade aprendida e não em evidências reais) que são esquecidas mais cedo ou mais tarde; além disso, não descansei até ter penetrado na raiz e na fibra de cada teoria e chegado aos princípios em si, a partir dos quais eu poderia, com meu próprio poder, descobrir tudo aquilo que pudesse ser relevante.

No início de minha juventude, eu manifestava preferência por livros históricos e exercícios de retórica, e mostrava tanta facilidade em prosa e poesia que meus professores temiam que eu pudesse permanecer suspenso nessas delícias. Consequentemente, fui levado à lógica e à filosofia. Pouco antes eu tinha entendido alguma coisa em todos esses assuntos, coloquei no papel uma abundância de pensamentos fantasiosos que haviam subido à superfície do meu cérebro, e quando os apresentei aos meus professores, eles ficaram maravilhados. Uma das coisas que eu explorei foi o problema das categorias. O que eu pretendia mostrar especialmente era que assim como temos categorias que prevêem classes de conceitos simples, também deve haver um novo tipo de categoria que abraça as próprias proposições ou termos complexos em sua ordem natural. Eu não tinha nenhuma idéia na época dos métodos de prova, e não sabia que o que eu estava avançando já estava sendo feito por geômetras quando eles organizavam suas proposições em uma ordem consecutiva para que em uma prova uma proposição procedesse de outras de forma ordenada. Assim, minha reflexão foi absolutamente supérflua, mas, como meus professores não satisfaziam minhas dúvidas, tive que assumir a tarefa por conta própria a fim de estabelecer as referidas categorias de termos complexos ou teoremas.

Como resultado de minha assídua preocupação com esse problema, cheguei, por uma espécie de necessidade interna, a uma reflexão de espantosa importância: é preciso inventar, pensei, uma espécie de alfabeto dos pensamentos humanos, e através da conexão de suas letras e da análise das palavras que são compostas a partir delas, tudo mais pode ser descoberto e julgado. Essa inspiração me deu então uma alegria muito rara que foi, naturalmente, bastante prematura, pois ainda não tinha compreendido o verdadeiro significado do assunto. Mais tarde, porém, a conclusão se impôs a mim, a cada passo no crescimento de meu conhecimento, para que um objeto de tal significado tivesse que ser perseguido ainda mais. O acaso, então, fez com que, como jovem de vinte anos, eu tivesse que compor uma dissertação acadêmica. Então escrevi a dissertação sobre “ars combinatoria” (arte da combinação) que em 1666 foi publicada em forma de livro, e assim minha espantosa descoberta foi tornada pública. É claro que as pessoas observam que esse tratado é o trabalho de um jovem recém-saído da escola, ainda não familiarizado com as ciências; pois eu vivia em um lugar onde a matemática não era cultivada, e se eu, como Pascal, tivesse vivido minha primeira vida em Paris, eu já teria conseguido fazer avançar as ciências. Ainda assim, não me arrependo de ter escrito tal dissertação, por duas razões: primeiro, porque ela encontrou a aprovação de muitos homens do mais alto intelecto; segundo, porque ela já deu ao mundo uma insinuação de minha descoberta, de modo que a suspeita de que ela foi descoberta recentemente não pode ser sustentada.

Muitas vezes me perguntei por que ninguém até agora, na medida em que qualquer prova escrita indica, havia colocado suas mãos sobre um assunto tão importante. Pois se alguém tivesse apenas seguido passo a passo um método de procedimento rigoroso desde o início, deveria ter sido imediatamente forçado a fazer considerações semelhantes — as quais eu, ainda garoto, sentia falta no estudo da Lógica, sem nenhum conhecimento de matemática, ciências naturais e morais — considerações que me surgiram simplesmente porque eu sempre procurei primeiro os princípios originais. A principal razão, porém, pela qual as pessoas não chegam tão longe reside no fato de que os princípios abstratos são geralmente áridos e não muito excitantes, e depois de um breve contato com eles, as pessoas os deixam em paz. Porém, havia três homens, especialmente, que me deixaram pensando no motivo de não terem entrado em um problema tão importante: Aristóteles, Joachim Jungius, e René Descartes. Pois Aristóteles no Organon e na Metafísica investigou com a maior acuidade de espírito a natureza mais íntima dos conceitos. Joachim Jungius de Lijbeck, no entanto —que, é claro, era ele mesmo pouco conhecido na Alemanha — é um homem de julgamento tão penetrante e de uma mente tão abrangente que se deveria esperar dele mais do que de ninguém — nem mesmo de Descartes — uma renovação fundamental das ciências, se ele só tivesse sido conhecido e apoiado. Ele já era um homem velho quando o trabalho de Descartes entrou em vigor, e é lamentável que os dois não se tenham conhecido. Este não é o lugar para indicar o que deve ser exaltado em Descartes, cuja mente está muito acima de qualquer elogio. Ele certamente colocou os pés no verdadeiro e correto caminho no país das idéias, o caminho que poderia ter levado ao nosso objetivo — porém, mais tarde, como parece, no decorrer de seu ensaio [Discurso sobre o Método] ele largou o fardo do problema do método, e se contentou com meditações metafísicas e aplicações de sua geometria analítica com as quais ele atraiu tanta atenção. Além disso, ele decidiu investigar a natureza dos corpos para fins de medicina, o que ele certamente teria razão em fazer, se ele somente resolvesse primeiro o outro problema, ou seja, a ordenação de julgamentos e idéias. Com efeito, a partir daí poderia ter surgido uma iluminação intelectual maior do que se acreditava ser possível, o que teria lançado luz também sobre temas experimentais. O fato de ele não ter direcionado seus esforços para esse fim só pode ser explicado pelo fato de ele não ter compreendido o significado mais profundo do problema. Se ele tivesse visto um método para estabelecer uma filosofia racional com a mesma clareza incomparável da aritmética, ele não teria escolhido outro caminho senão este, a fim de estabelecer uma escola que ele tão ambiciosamente se esforçou para fazer. Porque uma escola que seguisse tal método em filosofia atrairia naturalmente dentre seus novatos estudantes a mesma liderança no reino da razão que a geometria tem, e não vacilaria ou colapsaria se como resultado de uma invasão, em uma nova era bárbara, as próprias ciências se afundassem com a humanidade.

Eu, pelo contrário, por mais ocupado ou desviado que estivesse, persisti firmemente nessa linha de reflexão; estava sozinho nesse assunto, porque havia intuído todo o seu significado e percebido uma forma maravilhosa e fácil de alcançar o objetivo. Foi preciso uma reflexão extenuante de minha parte, mas finalmente descobri o caminho. A fim de estabelecer a Característica que eu procurava — pelo menos no que diz respeito à gramática dessa maravilhosa linguagem universal e a um dicionário que seria adequado para os casos mais numerosos e mais recorrentes —, para estabelecer, em outras palavras, os números característicos de todas as idéias, nada menos que a fundação de um percurso de estudo matemático-filosófico de acordo com um novo método, que eu posso oferecer, e que não envolve maiores dificuldades do que qualquer outro procedimento não muito distante dos conceitos familiares e do método de escrita. Também não exigiria mais trabalho do que o que já se gasta atualmente em palestras ou enciclopédias. Acredito que algumas poucas pessoas selecionadas poderão fazer tudo isso em cinco anos e que, de qualquer forma, após apenas dois anos, chegarão a um domínio das doutrinas mais necessárias na vida prática, a saber, as proposições da moral e da metafísica, de acordo com um método de cálculo infalível. Uma vez estabelecidos os números característicos para a maioria dos conceitos, a humanidade então possuirá um novo instrumento que aumentará muito mais as capacidades da mente do que os instrumentos ópticos fortalecerá os olhos, e substituirá o microscópio e o telescópio na mesma medida em que a razão é superior à visão. Grande como é o benefício que a agulha magnética trouxe aos marinheiros, muito maiores serão os benefícios que tal constelação trará a todos aqueles que navegam nos mares de investigação e experimentação. O que mais sairá dela, está no colo do destino, mas só pode ser resultado significativo e de excelência. Pois todos os outros dons podem corromper o homem, mas a razão genuína por si só é incondicionalmente saudável para ele. Sua autoridade, entretanto, não estará mais aberta à dúvida quando for possível revelar a razão em todas as coisas com a clareza e certeza que até agora só era possível na aritmética. Ela porá um fim a esse tipo de objeção enfadonha com a qual as pessoas se atormentam umas às outras e que tira de muitos o prazer de raciocinar e discutir em geral. Pois em vez de testar um argumento, um adversário geralmente faz a seguinte objeção: “Como você sabe que sua razão é melhor que a minha? Que critério de verdade você tem?” Se a primeira parte então se refere novamente às suas razões, seu interlocutor não tem paciência para testá-las; já que, em sua maioria, ainda deve haver muitas outras questões a serem resolvidas, o que levaria uma semana de trabalho se ele observasse os procedimentos e regras de raciocínio tradicionalmente válidos. Em vez disso, após longas discussões a favor e contra, na maioria das vezes é a emoção e não a razão que reclama a vitória, e a luta termina ali com o nó górdio cortado em vez de desamarrado. Isto é especialmente pertinente para as deliberações da vida prática, nas quais algumas decisões devem ser finalmente tomadas. Aqui só raramente as vantagens e desvantagens, que são tão frequentemente distribuídas de muitas maneiras diferentes de ambos os lados, são pesadas como se estivessem em equilíbrio. Quanto mais forte a representação, ou melhor, a deturpação que uma parte faz deste ou daquele ponto de acordo com sua disposição variável, persuadindo os outros contra seu adversário por efeitos retóricos de alívio agudo e cores contrastantes, mais dogmaticamente ele se decide ou doutrina os outros, especialmente quando apela habilmente a seus preconceitos. Por outro lado, dificilmente há alguém que seja capaz de pesar e compreender toda a tabela de prós e contras de ambos os lados, ou seja, não apenas para contar as vantagens e desvantagens, mas também para pesá-las com precisão umas em relação às outras. Assim, eu considero os dois litigantes como se fossem dois comerciantes que devem muito dinheiro um ao outro e nunca elaboraram um balanço financeiro de seu saldo, mas, em vez disso, sempre riscam os vários lançamentos de suas dívidas pendentes e insistem em inserir seus próprios créditos com relação à legitimidade e magnitude de suas dívidas. Desta forma, é claro, os conflitos nunca poderiam terminar. Não precisamos nos surpreender então que a maioria das disputas surgem da falta de clareza das coisas, ou seja, do fracasso em reduzi-las a números.

Nossa Característica, entretanto, reduzirá todas as questões a números, e assim apresentará uma espécie de estática em virtude da qual as provas racionais podem ser pesadas. Além disso, como as probabilidades estão na base da estimativa e da prova, podemos sempre estimar qual evento, em determinadas circunstâncias, pode ser esperado com a maior probabilidade. Quem estiver firmemente convencido da verdade da religião e de suas implicações e, ao mesmo tempo, em seu amor pela humanidade anseia por sua conversão, certamente terá que entender, assim que entender nosso método, que (além dos milagres e atos dos santos ou das conquistas de um grande governante) não pode haver meios mais eficazes concebidos para a propagação da fé do que a descoberta aqui em discussão. Pois uma vez que os missionários sejam capazes de introduzir essa linguagem universal, então também a verdadeira religião, que está em íntima harmonia com a razão, será estabelecida, e haverá tão pouca razão para temer qualquer apostasia no futuro quanto para temer uma renúncia à aritmética e à geometria, uma vez que tenham sido aprendidas. Repito, portanto, o que tenho dito com frequência, que ninguém, seja profeta ou príncipe, pode se propor uma tarefa de maior significado para o bem-estar humano, assim como para a glória de Deus. No entanto, não devemos ficar satisfeitos com as palavras. Como, entretanto, a maravilhosa inter-relação de todas as coisas torna extremamente difícil formular explicitamente os números característicos das coisas individuais, inventei um artifício elegante em virtude do qual certas relações podem ser representadas e fixadas numericamente e que, portanto, podem ser determinadas ainda mais através de cálculos numéricos. Faço a suposição arbitrária, a saber, de que alguns números característicos especiais já são dados, e que alguma propriedade geral peculiar é observável neles. Assim, entretanto, pego números que estão correlacionados com a propriedade peculiar, e então posso com sua ajuda demonstrar imediatamente com facilidade surpreendente todas as regras de lógica numérica, e posso oferecer um critério para verificar se um determinado argumento é formalmente conclusivo. Se, entretanto, uma demonstração é materialmente conclusiva pode, pela primeira vez, ser julgada sem qualquer problema e sem o perigo de erro, uma vez que sejamos colocados na posse dos números verdadeiros e característicos das próprias coisas.


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Original disponível em http://www.rbjones.com/rbjpub/philos/classics/leibniz/meth_math.htm

Sobre o Autor ou Tradutor

Bernardo Santos

Aluno do Olavão, bacharel em matemática, amante da Filosofia, tradutor e músico nas horas vagas, Bernardo Santos é administrador principal do Diário Intelectual.

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