Em “Monadologia”, Leibniz nos apresenta sua teoria das Mônadas, os “verdadeiras átomos”, seres constituintes de todas as coisas.
1. A Mônada, da qual falaremos aqui, nada mais é do que uma substância simples, que integra compostos. Por “simples”, entende-se “sem partes”. (Theod. Discurso preliminar, §10.)
2. E deve haver substâncias simples, uma vez que existem compostos; pois um composto não é nada mais do que uma coleção ou um agregado de coisas simples.
3. Ora, onde não há partes, não pode haver extensão nem forma [figura] nem divisibilidade. Essas Mônadas são os verdadeiros átomos da natureza e, em suma, os elementos das coisas.
4. Nenhuma dissolução desses elementos precisa ser temida, e não há nenhuma maneira concebível de destruir uma substância simples por meios naturais.
5. Pela mesma razão, não há nenhuma maneira concebível de uma substância simples poder surgir por meios naturais, uma vez que ela não pode ser formada pela combinação de partes [composição].
6. Assim, pode-se dizer que uma Mônada só pode vir a ser ou chegar ao seu fim de uma vez, ou seja, só pode surgir pela criação e chegar ao fim apenas pela aniquilação, enquanto que aquilo que é composto surge ou chega ao fim por meio de partes.
7. Além disso, não há como explicar como uma Mônada pode ser alterada ou modificada internamente por meio de qualquer outra coisa criada; já que é impossível mudar o lugar de qualquer coisa nela ou conceber nela qualquer movimento interno que possa ser produzido, dirigido, aumentado ou diminuído nela, embora tudo isso seja possível no caso de compostos, nos quais há mudanças entre as partes. As Mônadas não têm janelas, através das quais qualquer coisa poderia entrar ou sair. Os acidentes não podem se separar das substâncias nem sair delas, tal como as “espécies sensíveis” dos escolásticos costumavam fazer. Assim, nem a substância nem o acidente podem entrar numa Mônada por fora.
8. No entanto, as Mônadas devem ter algumas qualidades, caso contrário elas não seriam sequer coisas existentes. E se substâncias simples não diferissem em qualidade, não haveria absolutamente nenhum meio de perceber qualquer mudança nas coisas. Pois o que está no composto só pode vir dos elementos simples que ele contém, e as Mônadas, se não tivessem qualidades, seriam indiscerníveis umas das outras, uma vez que não diferem quantitativamente. Consequentemente, supondo-se que o espaço é um plenum, cada parte do espaço receberia sempre, em qualquer movimento, exatamente o equivalente ao que já tinha, e nenhum estado das coisas seria discernível de outro.
9. De fato, cada Mônada deve ser diferente de todas as outras. Pois na natureza nunca há dois seres perfeitamente iguais e nos quais não é possível encontrar uma diferença interna, ou pelo menos uma diferença fundada em uma qualidade intrínseca [ou ’uma denominação intrísnseca’].
10. Suponho também como admitido que todo ser criado, e consequentemente a Mônada criada, está sujeito a mudanças, e, ainda, que essa mudança é contínua em cada um deles.
11. Do que acaba de ser dito, decorre que as mudanças naturais das Mônadas vêm de um princípio interno, uma vez que uma causa externa não pode ter influência sobre seu ser interno. (Theod. §396, §400.)
12. Todavia, além do princípio da mudança, deve haver um pormenor do que está a mudar [un detail de ce qui change], que constitui, por assim dizer, a natureza específica e a variedade das substâncias simples.
13. Esse pormenor deve envolver uma multiplicidade na unidade ou naquilo que é simples. Pois, como toda mudança natural ocorre gradualmente, algo muda e algo permanece inalterado; e consequentemente, uma substância simples deve ser afetada e relacionada de muitas maneiras, embora não tenha partes.
14. A condição passageira, que envolve e representa uma multiplicidade na unidade ou na substância simples, não é nada além do que se chama Percepção, que deve ser distinguida da Apercepção ou Consciência, tal como depois aparecerá. Nesse aspecto, a opinião dos cartesianos é extremamente defeituosa, pois trata como inexistentes aquelas percepções das quais não estamos cientes conscientemente. Isso também os levou a acreditar que só as mentes [espritas] são Mônadas, e que não há almas de animais nem outras Entelequias. Assim, tal como a multidão, eles não conseguiram distinguir entre uma inconsciência prolongada e a morte absoluta, o que os fez cair novamente no preconceito escolástico de almas totalmente separadas [dos corpos], e até mesmo confirmou a opinião de mentes desequilibradas segundo as quais as almas são mortais.
15. A atividade do princípio interno que produz mudança ou passagem de uma percepção para outra pode ser chamada de Apetição. É verdade que o desejo [l’appetit] nem sempre pode atingir plenamente toda a percepção a que visa, mas sempre obtém parte dele e alcança novas percepções.
16. Temos em nós mesmos a experiência de uma multiplicidade em substância simples, quando descobrimos que o menor pensamento do qual somos conscientes envolve variedade em seu objeto. Assim, todos aqueles que admitem que a alma é uma substância simples deveriam admitir tal multiplicidade na Mônada; e M. Bayle não deveria ter encontrado qualquer dificuldade nisso, tal como ocorreu em seu Dicionário, no artigo “Rorarius“.
17. Ademais, deve-se confessar que a percepção e o que dela depende são inexplicáveis por motivos mecânicos, ou seja, por meio de figuras e moções. E supondo que houvesse uma máquina, construída para pensar, sentir e ter percepção, ela poderia ser pensada como aumentada em tamanho, mantendo as mesmas proporções, para que se pudesse entrar nela como em um moinho. Sendo assim, devemos, ao examinar seu interior, encontrar apenas partes que funcionam umas sobre as outras, e nunca nada que possa explicar uma percepção. Portanto, é em uma substância simples, e não em um composto ou em uma máquina, que a percepção deve ser buscada. E mais, nada além disto (isto é, percepções e suas mudanças) pode ser encontrado em uma substância simples. É também somente nisto que podem consistir todas as atividades internas de substâncias simples.
18. Todas as substâncias simples ou Mônadas criadas podem ser chamadas de Enteléqias, pois têm nelas uma certa perfeição (ἒχουσι τὸ ἐντελές); elas têm uma certa auto-suficiência (ἀυτάρκεια) que as torna as fontes de suas atividades internas e, por assim dizer, autômatos incorpóreos. (Theod. §87)
19. Se quisermos dar o nome de Alma a tudo que tem percepções e desejos [appetitis] no sentido geral que expliquei, então todas as substâncias simples ou Mônadas criadas podem ser chamadas de almas; mas como o sentimento [le sentiment] é algo mais do que uma percepção nua, acho correto que o nome geral de Mônadas ou Enteléquias seja suficiente para substâncias simples que têm apenas percepção, e que o nome de Almas seja dado apenas àquelas em que a percepção é mais distinta, e é acompanhada pela memória.
20. Pois experimentamos em nós mesmos uma condição na qual não nos lembramos de nada e não temos percepção distinta; como quando caímos num desmaio ou quando ficamos dominados por um sono profundo e sem sonhos. Neste estado, a alma não difere perceptivelmente de uma Mônada nua; porém, uma vez que este estado não é duradouro, e a alma sai dele, a alma é algo mais do que uma Mônada nua. (Theod. §64.)
21. E não se segue que, nesse estado, a substância simples esteja sem nenhuma percepção. Isso, de fato, não pode ser, pelas razões já dadas; pois não pode perecer, e não pode continuar a existir sem ser afetada de alguma forma, e esse afecto nada mais é do que sua percepção. Contudo, quando há uma grande multidão de pequenas percepções, nas quais não há nada de distinto, ficamos atônitos; como quando nos viramos continuamente da mesma maneira várias vezes seguidas, de onde vem uma tontura que pode nos fazer desmaiar, e que nos impede de distinguir qualquer coisa. A morte pode, por um tempo, colocar animais nessa condição.
22. E como todo estado presente de uma substância simples é naturalmente uma consequência de seu estado anterior, de tal modo, seu presente é importante para o seu futuro; (Theod. §350.)
23. E como, ao acordarmos do estupor, nos Apercebemos de nossas percepções, devemos ter tido percepções imediatamente antes de acordarmos, embora não estivéssemos de modo algum conscientes delas; pois uma percepção pode de modo natural vir somente de outra percepção, tal como um movimento pode, de modo natural, vir somente de um movimento. (Theod. §401-403.)
24. Assim, parece que se não tivéssemos em nossas percepções nada de distinto e, por assim dizer, elevado, e de maior gosto nas nossas percepções, estaríamos sempre em um estado de estupor. E tal é o estado em que se encontram as Mônadas nuas.
25. Vemos também que a natureza deu aos animais percepções mais elevadas, a partir do cuidado que ela teve em fornecer-lhes órgãos, que coletam numerosos raios de luz, ou numerosas ondulações do ar, a fim de, unindo-as, fazê-las ter maior efeito. Algo semelhante a isso ocorre no olfato, no paladar e no tato, e talvez em uma série de outros sentidos, que nos são desconhecidos. E explicarei em seguida como aquilo que acontece na alma representa aquilo que acontece nos órgãos do corpo.
26. A memória proporciona à alma uma espécie de Consecutividade, que se assemelha [imite] com a razão, mas que deve ser distinguida dela. Assim, vemos que quando os animais têm uma percepção de algo que os atinge e do qual já tiveram uma percepção semelhante, são levados, por meio da representação em sua memória, a esperar o que estava associado à coisa nessa percepção anterior, e passam a ter sentimentos semelhantes aos que tinham na ocasião anterior. Por exemplo, quando um bastão é mostrado aos cães, eles se lembram da dor que isso lhes causou, e uivam e fogem. (Prelim.§65.)
27. E a força da imagem mental que os impressiona e os move vem ou da magnitude ou do número das percepções anteriores. Porque muitas vezes uma forte impressão produz, todo ao mesmo tempo, o mesmo efeito que um Hábito de longa duração, ou que muitas e muitas vezes se repetiram em percepções comuns.
28. Na medida em que a concatenação de suas percepções se deve apenas ao princípio da memória, os homens agem como os animais inferiores, assemelhando-se aos médicos empíricos, cujos métodos são os da mera prática sem teoria. De fato, em três quartos de nossas ações não somos nada além de empíricos. Por exemplo, quando esperamos que haja luz do dia amanhã, o fazemos empiricamente, porque isso sempre aconteceu até agora. É apenas o astrônomo que pensa nisso com base em fundamentos racionais. (Prelim. §65 )
29. Mas é o conhecimento das verdades necessárias e eternas que nos distingue dos meros animais e nos dá a Razão e as ciências, elevando-nos ao conhecimento de nós mesmos e de Deus. E é isso em nós que é chamado de Alma ou Mente racional [esprit].
30. É também através do conhecimento das verdades necessárias, e através de sua expressão abstrata, que nos elevamos a atos de reflexão, os quais nos fazem pensar no que se chama eu, e observar que isto ou aquilo está dentro de nós: e assim, pensando em nós mesmos, pensamos no ser, na substância, no simples e no composto, no imaterial, e no próprio Deus, concebendo que o que está limitado em nós está nEle sem limites. E tais atos de reflexão fornecem os principais objetos de nossos raciocínios. (Pref.4).
31. Nossos raciocínios baseiam-se em dois grandes princípios, o da Contradição, em virtude do qual julgamos falso o que envolve uma contradição, e verdadeiro o que é oposto ou contraditório ao falso; (§44, §169.)
32. E a da Razão Suficiente, em virtude do qual sustentamos que não pode haver nenhum fato real ou existente, nenhuma afirmação verdadeira, a menos que haja uma razão suficiente pela qual isso deveria ser assim e não de outra forma, embora essas razões geralmente não possam ser conhecidas por nós. (§44, §196.)
33. Há também dois tipos de verdades, as do raciocínio e as dos fatos. As verdades do raciocínio são necessárias e seu oposto é impossível: as verdades dos fatos são contingentes e seu oposto é possível. Quando uma verdade é necessária, sua razão pode ser encontrada pela análise, resolvendo-a em idéias e verdades mais simples, até chegarmos àquelas que são primárias. (§170, §174, §189, §280-282, §367, resumo obj. 3)
34. É assim que os Teoremas especulativos da Matemática e os Cânones práticos são reduzidos, pela análise, a Definições, Axiomas e Postulados.
35. Em suma, há idéias simples, das quais não se pode dar uma definição; há também axiomas e postulados, resumidamente, princípios primários, que não podem ser provados, e na verdade não têm necessidade de prova; e essas são Enunciados Idênticos, cujo oposto envolve uma contradição expressa.
36. Mas também deve haver uma razão suficiente para verdades contingentes ou verdades dos fatos, ou seja, para a sequência ou conexão das coisas que estão dispersas pelo universo dos seres criados, na qual a análise em razões particulares pode continuar em detalhes infinitos por causa da imensa variedade de coisas na natureza e da divisão infinita dos corpos. Há uma infinidade de formas e moções presentes e passadas que compõem a causa eficiente de minha escrita atual; e há uma infinidade de tendências e disposições minuciosas de minha alma, que vão constituir sua causa final. (§36, §37, §44, §45, §49, §52, §121, §122, §337, §340, §344)
37. E como todos esses detalhes envolvem novamente outras coisas contingentes anteriores ou mais detalhadas, cada uma das quais ainda precisando de uma Análise semelhante para ceder sua razão, não avançamos ainda mais: e a razão suficiente ou final deve estar fora da sequência ou Série de coisas contingentes particulares, por mais infinita que tal série possa ser.
38. Assim, a razão final das coisas deve estar em uma substância necessária, na qual a variedade de mudanças particulares existe apenas eminentemente, como na sua fonte; e essa substância é a que chamamos Deus. (§7)
39. Ora, como essa substância é uma razão suficiente de toda essa variedade de particularidades, que também estão ligadas entre si; há apenas um Deus, e esse Deus é suficiente.
40. Podemos também sustentar que essa substância suprema, que é única, universal e necessária, não havendo nada fora dela que seja independente dela,– tal substância, que é uma sequência pura do ser possível, deve ser ilimitável e deve conter o máximo de realidade possível.
41. De onde se segue que Deus é absolutamente perfeito; pois a perfeição nada mais é que a quantidade de realidade positiva, no sentido estrito, deixando fora da consideração os limites ou fronteiras em coisas que são limitadas. E onde não há limites, ou seja, em Deus, a perfeição é absolutamente infinita. (§22; pref. 4ª).
42. Segue-se também que os seres criados derivam suas perfeições da influência de Deus, mas que suas imperfeições vêm de sua própria natureza, que é incapaz de ser sem limites. Pois é nisso que eles diferem de Deus. Um exemplo dessa imperfeição original dos seres criados pode ser visto na inércia natural dos corpos. (§20, §27-31, <§154> §153, §167, §377ss, §30, §380, resumo obj. 5.)
43. É ainda mais verdade que em Deus não existe apenas a fonte das existências, mas também a das essências, na medida em que elas são reais, ou seja, a fonte do que é real no possível. Porque o entendimento de Deus constitui a região das verdades eternas ou das idéias das quais elas dependem, e sem Ele não haveria nada de real nas possibilidades das coisas, e não só não haveria nada na existência, mas nada seria sequer possível. (§20)
44. Pois se existe uma realidade nas essências ou possibilidades, ou melhor, nas verdades eternas, tal realidade deve ser fundada em algo existente e actual, e consequentemente na existência do Ser necessário, em quem a essência envolve a existência, ou em quem ser possível é ser actual. (§184-189, §335).
45. Assim, só Deus (ou o Ser necessário) tem essa prerrogativa de que Ele deve necessariamente existir, se Ele for possível. E como nada pode interferir com a possibilidade daquilo que não envolve limites, não há negação e consequentemente não há contradição, essa [Sua possibilidade] é suficiente por si só para dar a conhecer a existência de Deus a priori. Provamo-lo assim, através da realidade das verdades eternas. Porém, há pouco provamos isso também a posteriori, pois existem seres contingentes, que podem ter sua razão final ou suficiente apenas no Ser necessário, que tem a razão de sua existência em si mesmo.
46. Não devemos, entretanto, imaginar, como alguns, que as verdades eternas, sendo dependentes de Deus, são arbitrárias e dependem de Sua vontade, como Descartes e, posteriormente, M. Poiret parecem ter defendido. Isso é verdade somente para verdades contingentes, das quais o princípio é conveniência [convenance] ou escolha do melhor, enquanto as verdades necessárias dependem somente de Sua compreensão e são seu objeto interior. (§180-184, §185, §335, §351, §380)
47. Assim, só Deus é a unidade primária ou substância simples original, da qual todas as Mônadas criadas ou derivadas são produtos e têm seu nascimento, por assim dizer, através de contínuas fulgurações da Divindade de momento em momento, limitadas pela receptividade do ser criado, cuja essência é ter limites. (§382-391, §398, §395).
48. Em Deus há Poder, o qual é a fonte de tudo, também Conhecimento, cujo conteúdo é a variedade das idéias, e finalmente Vontade, que faz mudanças ou produtos de acordo com o princípio do melhor. (§7, §149, §150) Tais características correspondem ao que nas Mônadas criadas consttui o Sujeito ou Base, a faculdade da Percepção e a faculdade da Apetição. Mas em Deus esses atributos são absolutamente infinitos ou perfeitos; e nas Mônadas criadas ou nas Entelequias (ou perfectihabiae, como Hermolaus Barbarus traduziu a palavra) existem apenas imitações desses atributos, de acordo com o grau de perfeição da Mônada. (§48,§87.)
49. Diz-se que uma coisa criada age externamente, na medida em que tem perfeição, e sofre [ou é passiva, patir], em relação a outra, na medida em que é imperfeita. Assim, a atividade [ação] é atribuída a uma Mônada, na medida em que tem percepções distintas, e a passividade [paixão], na medida em que suas percepções são confusas. (§32, §66, §386)
50. E uma coisa criada é mais perfeita do que outra nisto: há no mais perfeito aquilo que serve para explicar a priori o que acontece no menos perfeito, e é por isso que se diz que o primeiro age sobre o segundo.
51. Contudo, em substâncias simples, a influência de uma Mônada sobre outra é apenas ideal, e só pode ter seu efeito através da mediação de Deus, na medida em que nas idéias de Deus qualquer Mônada reivindica corretamente que Deus, ao regular as outras desde o início das coisas, deve levá-la em consideração. Pois uma vez que uma Mônada criada não pode ter nenhuma influência física sobre o ser interior de outra, é somente por esse meio que uma pode ser dependente da outra. (§9, §54, §65, §66, §201; resumo obj. 3)
52. Portanto, entre as coisas criadas, Ações e Paixões são mútuas. Pois Deus, comparando duas substâncias simples, encontra em cada uma delas razões que O obrigam a adaptar a outra a ela, e consequentemente o que é ativo em certos aspectos é passivo de um outro ponto de vista; ativo na medida em que o que se conhece distintamente nela serve para explicar [rendre raison de] o que ocorre na outra, e passivo na medida em que a explicação [raison] do que ocorre nela se encontra naquilo que é distintamente conhecido em outra.
53. Ora, como nas Idéias de Deus existe um número infinito de universos possíveis, e como apenas um deles pode ser actual, deve haver uma razão suficiente para a escolha de Deus, o que O leva a decidir sobre um em vez de outro. (§<7>, §8, §10, §44, §173, §196ss., §225, §414-416).
54. E essa razão só pode ser encontrada na Conveniência [convenance], ou nos graus de perfeição que esses mundos possuem, já que cada coisa possível tem o direito de aspirar à existência em proporção à quantidade de perfeição que contém em gérmen (§74, §<78>, §167, §350, §201, §130, §352-<354>, §345ss., §354 )
55. Assim, a existência actual do melhor que a sabedoria faz conhecer a Deus se deve a isto: que Sua bondade O faz escolher, e Seu poder O faz produzir. (§8, §78, §80, §<81>, §84, §119, §204 <ss.>, §206, §208; resumo obj. 1 e 8 .)
56. Ora, essa conexão ou adaptação de todas as coisas criadas com cada uma, e de cada uma a todas, significa que cada substância simples tem relações que expressam todas as outras e, consequentemente, que é um espelho vivo perpétuo do universo. (§130, §360)
57. E assim como a mesma cidade, vista de vários lados, parece bastante diferente e torna-se como se fosse numerosa em aspectos [perspectivement]; assim mesmo, como resultado do número infinito de substâncias simples, parece que existem tantos universos diferentes, que, no entanto, nada mais são do que aspectos [perspectives] de um único universo, de acordo com o ponto de vista especial de cada Mônada. (§147.)
58. E por esse meio se obtém a maior variedade possível, juntamente com a maior ordem possível; ou seja, é o caminho para obter a maior perfeição possível. (§120, §124, §241 ss., §214, §243, §275 )
59. Ademais, nenhuma hipótese a não ser esta (que me arrisco a chamar de provada) exalta adequadamente a grandeza de Deus; e o Monsieur Bayle o reconheceu quando, em seu Dicionário (artigo Rorarius), levantou objeções a ela, na qual de fato estava inclinado a pensar que eu estava atribuindo demais a Deus — mais do que é possível atribuir. Porém, ele não pôde dar nenhuma razão que pudesse demonstrar a impossibilidade dessa harmonia universal, segundo a qual cada substância expressa exatamente todas as outras através das relações que tem com elas.
60. Além disso, no que acabo de dizer, podem ser vistas a priori as razões pelas quais as coisas não poderiam ser de outra forma senão como são. Pois Deus, ao regular o todo, teve em conta cada parte, e em particular cada Mônada, cuja natureza consiste em representar, nada pode limitá-la à representação de apenas uma parte das coisas; embora seja verdade que tal representação é meramente confusa no que diz respeito à variedade de coisas particulares [le detail] em todo o universo, e pode ser distinta apenas no que diz respeito a uma pequena parte das coisas, ou seja, aquelas que são tanto as mais próximas quanto as maiores em relação a cada uma das Mônadas; caso contrário, cada Mônada seria uma divindade. E não é em relação ao seu objeto, mas em relação às diferentes formas pelas quais elas têm conhecimento de seu objeto, que as Mônadas são limitadas. De maneira confusa, todas elas se esforçam em busca [vont a] do infinito, do todo; mas elas são limitadas e diferenciadas através dos graus de suas percepções distintas.
61. E os compostos são, a esse respeito, análogos a [symbolisent avec] substâncias simples. Porque tudo é um plenum (e assim toda matéria está ligada entre si) e no plenum cada movimento tem um efeito sobre corpos distantes na proporção de sua distância, de modo que cada corpo não só é afetado por aqueles que estão em contato com ele e de alguma forma sente o efeito de tudo o que acontece com eles, mas também é mediatamente afetado por corpos adjacentes àqueles com os quais ele mesmo está em contato imediato. Por conseguinte, essa intercomunicação das coisas se estende a qualquer distância, por maior que seja. E consequentemente cada corpo sente o efeito de tudo o que acontece no universo, de modo que aquele que vê tudo pode ler em cada um o que está acontecendo em todos os lugares, e até mesmo o que aconteceu ou vai acontecer, observando no presente o que está tão distante no tempo quanto no espaço: sympnoia panta (σὕηπνοια πάντα), como Hipócrates dizia. Mas uma alma pode ler em si mesma apenas aquilo que está ali representado de forma distinta; não pode desdobrar tudo ao mesmo tempo, pois sua complexidade é infinita.
62. Assim, embora cada Mônada criada represente todo o universo, ela representa mais distintamente o corpo que lhe pertence especialmente, e do qual ela é a enteléquia; e como tal corpo expressa todo o universo através da conexão de toda a matéria no plenum, a alma também representa todo o universo ao representar esse corpo, que lhe pertence de uma forma especial. (§400)
63. O corpo pertencente a uma Mônada (que é sua enteléquia ou sua alma) constitui junto com a enteléquia o que pode ser chamado de um ser vivo, e junto com a alma o que é chamado de animal. Ora, esse corpo de ser vivo ou de um animal é sempre orgânico; pois, como cada Mônada é, à sua maneira, um espelho do universo, e como o universo é governado de acordo com uma ordem perfeita, deve haver também ordem naquilo que o representa, ou seja, nas percepções da alma, e consequentemente deve haver ordem no corpo, através da qual o universo é representado na alma. (§403)
64. Assim, o corpo orgânico de cada ser vivo é uma espécie de máquina divina ou autômato natural, que supera infinitamente todos os autômatos artificiais. Porque uma máquina feita pela habilidade do homem não é também uma máquina em cada uma de suas partes. Por exemplo, o dente de uma roda de latão tem peças ou fragmentos que para nós não são produtos artificiais, e que não têm as características especiais da máquina, pois não dão nenhuma indicação do uso para o qual a roda foi projetada. Mas as máquinas da natureza, a saber, corpos vivos, ainda são máquinas em suas menores peças ad infinitum. É isso que constitui a diferença entre natureza e arte, ou seja, entre a arte divina e a nossa. (§134, §146, §194, §403 .
65. E o Autor da natureza pôde empregar esse poder divino e infinitamente maravilhoso da arte, porque cada porção de matéria não só é infinitamente divisível, como os antigos observavam, mas também é na verdade subdividida sem fim, cada parte se subdivide em outras partes, das quais cada uma tem algum movimento próprio; caso contrário, seria impossível para cada porção de matéria expressar todo o universo. (Prelim. §70, Theod. §195 ).
66. De onde parece que na menor partícula de matéria existe um mundo de criaturas, seres vivos, animais, enteléquias, almas.
67. Cada porção de matéria pode ser pensada à semelhança de um jardim cheio de plantas e como um lago cheio de peixes. Mas cada ramo de cada planta, cada membro de cada animal, cada gota de suas partes líquidas também são alguns desses jardins ou lagos.
68. E embora a terra e o ar que estão entre as plantas do jardim, ou a água que está entre os peixes do tanque, não sejam plantas nem peixes; no entanto, eles também contêm plantas e peixes, mas na maioria das vezes tão ínfimos que são imperceptíveis para nós.
69. Assim, não há nada em repouso, nada estéril, nada morto no universo, nenhum caos, nenhuma confusão a não ser na aparência, de certa maneira como poderia parecer dentro de um tanque à distância, no qual se veria um movimento confuso e, por assim dizer, uma enxameação de peixes dentro do tanque, sem se distinguir separadamente os próprios peixes. (Theod. Pref. [E. 475 b; 477 b; G. vi. 40, 44]).
70. Daí parece que cada corpo vivo tem uma enteléquia dominante, que em um animal é a alma; mas os membros de tal corpo vivo estão cheios de outros seres vivos, de plantas, de animais, cada um dos quais tem também sua enteléquia ou alma dominante.
71. Mas não se deve imaginar, como foi feito por alguns que entenderam mal meu pensamento, que cada alma tem uma quantidade ou parte de matéria pertencente exclusivamente a si mesma ou a ela apegada para sempre, e que, consequentemente, possui outros seres vivos inferiores, que se dedicam para sempre a seu serviço. Porque todos os corpos estão em um fluxo perpétuo como os rios, e partes estão entrando neles e saindo deles continuamente.
72. Assim, a alma muda seu corpo apenas gradualmente, pouco a pouco, de modo que nunca é privada de todos os seus órgãos ao mesmo tempo; e muitas vezes há metamorfose nos animais, mas nunca metempsicose ou transmigração das almas; nem há almas totalmente separadas [dos corpos] nem espíritos não encarnados [gênios sem corpo]. Só Deus está completamente sem corpo. (§90, §124)
73. Daqui decorre também que nunca há nascimento absoluto [geração] nem morte total, no sentido estrito, que consiste na separação da alma do corpo. O que chamamos de nascimentos [gerações] são desenvolvimentos e crescimento, enquanto que o que chamamos de mortes são involuções e diminuições.
74. Os filósofos têm ficado muito perplexos quanto à origem das formas, enteléquias ou almas; mas hoje se sabe, através de estudos cuidadosos de plantas, insetos e animais, que os corpos orgânicos da natureza nunca são produtos do caos ou da putrefação, mas sempre provêm de sementes, nas quais houve, sem dúvida, alguma pré-formação; e se sustenta que não só o corpo orgânico já existia antes da concepção, mas também uma alma nele, e, em suma, o próprio animal; e que por meio da concepção esse animal foi meramente preparado para a grande transformação que implica em se tornar um animal de outro tipo. Algo assim é realmente visto à parte do nascimento [geração], como quando os vermes se tornam moscas e as lagartas se transformam em borboletas. (Theod. §86, §89. Pref. [E. 475 b; G. vi. 40 sq.]; §90, §187, §188, §403, §86, §397).
75. Os animais, dos quais alguns são elevados por meio da concepção à categoria de animais maiores, podem ser chamados de espermáticos, mas aqueles entre eles que não são assim criados mas permanecem em sua própria espécie (ou seja, a maioria) nascem, multiplicam-se e são destruídos como os animais grandes, e são apenas alguns poucos escolhidos [elus] que passam para um teatro maior.
76. Todavia, essa é apenas a metade da verdade, e por isso eu sustento que se um animal nunca vem à existência por meios naturais [naturellement] ele não chega a um fim por meios naturais; e que não somente não haverá nascimento [geração], mas também não haverá destruição completa ou morte no sentido estrito. E esses raciocínios, feitos a posteriori e extraídos da experiência, estão em perfeita concordância com meus princípios deduzidos a priori, conforme acima. (§90)
77. Assim, pode-se dizer que não somente a alma (espelho de um universo indestrutível) é indestrutível, mas também o próprio animal, embora seu mecanismo [máquina] possa muitas vezes perecer em parte e se desprender ou tomar despojos orgânico [des depouilles organiques].
78. Esses princípios me proporcionaram uma maneira de explicar naturalmente a união, ou melhor, o acordo mútuo [conformite] da alma e do corpo orgânico. A alma segue suas próprias leis, e o corpo também segue suas próprias leis; e eles concordam um com o outro em virtude da harmonia pré-estabelecida entre todas as substâncias, já que todas elas são representações de um mesmo universo. (Pref. [E. 475 a; G. vi. 39]; Theod. §340, §352, §353, §358).
79. As almas agem de acordo com as leis das causas finais através de apetições, fins e meios. Os corpos agem de acordo com as leis de causas ou moções eficientes. E os dois reinos, o das causas eficientes e o das causas finais, estão em harmonia um com o outro.
80. Descartes reconheceu que as almas não podem transmitir nenhuma força aos corpos, porque há sempre a mesma quantidade de força na matéria. No entanto, ele era da opinião de que a alma poderia mudar a direção dos corpos. Porém, isso porque em seu tempo não se sabia que existe uma lei da natureza que afirma também a conservação da mesma direção total na matéria. Se Descartes tivesse notado isso, teria chegado ao meu sistema da harmonia pré-estabelecida. (Pref. [E. 477 a; G. vi. 44]; Theod. §22, §59, §60, §61, §63, §66, §345, §346 sqq., §354, §355).
81. De acordo com este sistema, os corpos agem como se (para supor o impossível) não houvesse almas, e as almas agem como se não houvesse corpos, e ambos agem como se cada um influenciasse o outro.
82. Quanto às mentes [esprits] ou almas racionais, embora eu ache que o que acabo de dizer é verdade para todos os seres vivos e animais (isto é, que os animais e as almas surgem quando o mundo começa e já não chegam a um fim que o mundo chega), ainda assim há essa peculiaridade nos animais racionais: seus pequenos animais espermáticos, desde que sejam apenas espermáticas, têm meramente almas comuns ou sensuosas [sensitivas]; mas quando aqueles que são escolhidos [elus], por assim dizer, alcançam a natureza humana através de uma concepção actual, suas almas sensuosas são elevadas à categoria da razão e à prerrogativa das mentes [esprits]. (§91, §397)
83. Entre outras diferenças que existem entre almas e mentes comuns [esprits], algumas das quais já mencionei, há também a seguinte: que as almas em geral são espelhos vivos ou imagens do universo das coisas criadas, mas que as mentes são também imagens da Deidade ou do próprio Autor da natureza, capazes de conhecer o sistema do universo, e até certo ponto de imitá-lo através de ensamplos [echantillons] arquitetônicos, sendo cada mente como uma pequena divindade em sua própria esfera. (§147.)
84. É isso que permite aos espíritos [ou mentes-esprits] entrar em uma espécie de comunhão com Deus, e faz com que, em relação a eles, Ele não seja apenas o que um inventor é para sua máquina (que é a relação de Deus com outras coisas criadas), mas também o que um príncipe é para seus súditos, e, de fato, o que um pai é para seus filhos.
85. De onde é fácil concluir que a totalidade [assemblage] de todos os espíritos [esprits] deve compor a Cidade de Deus, ou seja, o Estado mais perfeito possível, subordinado ao mais perfeito dos Monarcas. (§146; resumo obj. 2)
86. Essa Cidade de Deus, essa monarquia verdadeiramente universal, é um mundo moral no mundo natural, e é a mais exaltada e mais divina entre as obras de Deus; e é nela que consiste realmente a glória de Deus, pois Ele não teria glória se Sua grandeza e Sua bondade não fossem conhecidas e admiradas pelos espíritos [esprits]. É também em relação a essa Cidade divina que Deus tem bondade especialmente, enquanto Sua sabedoria e Seu poder se manifestam em toda parte.
87. Como demonstramos acima que existe uma perfeita harmonia entre os dois reinos na natureza, um das causas eficientes, e outro de causas finais, devemos aqui notar também outra harmonia entre o reino físico da natureza e o reino moral da graça, ou seja, entre Deus, considerado como Arquiteto do mecanismo [máquina] do universo e Deus considerado como Monarca da Cidade divina dos espíritos [esprits]. (§62, §74, §112, §118 §130, §247, §248 ).
88. Um resultado dessa harmonia é o fato de que as coisas levam à graça pelos próprios caminhos da natureza e que este globo, por exemplo, deve ser destruído e renovado por meios naturais no exato momento em que o governo dos espíritos o exige, para a punição de uns e a recompensa de outros. (§18ss., §110, §244, §245, §340)
89. Pode-se também dizer que Deus como Arquiteto satisfaz em todos os aspectos a Deus como Legislador e, portanto, que os pecados devem carregar sua pena consigo, através da ordem da natureza, e mesmo em virtude da estrutura mecânica das coisas; e da mesma maneira, que as ações nobres alcançarão suas recompensas por meios que, no lado corporal, são mecânicos, embora isso não possa e nem sempre deva acontecer imediatamente.
90. Finalmente, sob esse governo perfeito, nenhuma ação boa ficaria sem recompensa e nenhuma ação ruim ficaria impune, e tudo deverá contribuir para o bem-estar dos bons, ou seja, daqueles que não são malcontentes com esse grande estado, mas que confiam na Providência, depois de terem cumprido seu dever, e que amam e imitam, tal como se encontra, o Autor de todo bem, encontrando prazer na contemplação de Suas perfeições, tal como é o caminho do genuíno Amor Puro, que tem prazer na felicidade do amado. É isso que leva as pessoas sábias e virtuosas a dedicarem suas energias a tudo o que aparece em harmonia com a presuntiva ou antecedente vontade de Deus, e ainda assim as faz contentes com o que Deus realmente faz acontecer através de Sua vontade secreta, consequente e decisiva, reconhecendo que, se pudéssemos compreender suficientemente a ordem do universo, deveríamos descobrir que ela excede todos os desejos dos homens mais sábios, e que é impossível torná-la melhor do que ela é, não apenas como um todo e em geral, mas também para nós mesmos em particular, se estivermos ligados, como deveríamos estar, ao Autor de tudo, não apenas quanto à causa arquitetônica e eficiente de nosso ser, mas como ao nosso mestre e à causa final, que deveria ser todo o objetivo de nossa vontade, e que pode por si só produzir nossa felicidade. (§134, §278. Pref. [E. 469; G. vi. 27, 28]).
Original disponível em: https://www.rbjones.com/rbjpub/philos/classics/leibniz/monad.htm
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