Ceticismo e Espiritualismo — Gilbert Keith Chesterton

Ceticismo e Espiritualismo” foi extraído de um ensaio publicado originalmente no Illustrated London News, em 14 de abril de 1906


Ao olhar para vários trabalhos recentes, vejo títulos como “Outro médium exposto” e “Outra fraude espiritualística”. Os comentários fáceis e convencionais feitos sobre o assunto pelos jornalistas me parecem singularmente carentes de um sentido lógico, e parece haver uma suposição subjacente em todos esses comentários segundo a qual, quanto mais frequentemente você descobre um médium desonesto ou uma sessão fraudulenta, mais você tem diminuído o crédito ou a probabilidade do espiritualismo. Nunca estive em uma sessão em minha vida, e nunca tive, e provavelmente nunca terei, nada a ver com o conjunto específico de pessoas que se dizem espiritualistas. Todavia, como uma mera questão de justiça intelectual ou de lucidez mental, é desejável protestar contra esse argumento confuso que conecta a falsidade comprovada dos patifes com a provável falsidade dos fenômenos psíquicos. As duas coisas não têm nenhuma conexão lógica. Nenhum número concebível de médiuns falsos afeta a probabilidade da existência de médiuns reais de um modo ou de outro. Isto é certamente óbvio o suficiente. Nenhum número concebível de notas bancárias falsificadas pode refutar a existência do Banco da Inglaterra. Se calhar, o argumento poderia ser invertido; poderíamos dizer com mais razão que, uma vez que todas as hipocrisias são frutos perversos da virtude do público, do mesmo modo, quanto mais espiritualismo real houver no mundo, maior a chance de existência do falso espiritualismo.

Na verdade, a mera racionalidade abstrata desse problema é discutida de forma muito equivocada. Por exemplo, é sempre considerado ridículo e um sinal para uma explosão de risos o fato de os espiritualistas dizerem que uma sessão foi estragada pela presença de um cético, ou que uma atitude de fé é necessária para encorajar as comunicações psíquicas. No entanto, não há nada de irracional ou improvável na idéia de que a dúvida possa desencorajar e a fé encorajar as comunicações espirituais, caso existam. A sugestão não torna o espiritualismo mais improvável segundo uma lógica abstrata. Tudo o que ela faz é tornar as coisas mais difíceis. Não há nada de insensato ou fantástico na suposição de que uma pessoa desapaixonada age como um dissuasor das verdades apaixonadas. Somente ocorre de se tornar muito mais difícil para qualquer pessoa desapaixonada descobrir o que é verdade. Há mil paralelos práticos. Um psicólogo imparcial estudando o problema da natureza humana poderia, sem dúvida, aprender muito com um homem e uma mulher fazendo amor um com o outro em sua presença. No entanto, infelizmente, o fato é que nenhum homem e nenhuma mulher fariam amor um com o outro na presença de um psicólogo imparcial. Estudantes de fisiologia e cirurgia podem aprender algo com um homem que de repente esfaqueia outro homem em uma plataforma num auditório. Mas nenhum homem apunhalaria outro homem em uma plataforma num auditório. Um mestre de escola aprenderia muito se os meninos fossem apenas meninos em sua presença; mas eles nunca são apenas meninos em sua presença. Um educador que estuda a infância poderia fazer descobertas importantes se pudesse ouvir as coisas ditas por um bebê quando absolutamente sozinho e à sua vontade com sua mãe. Mas é bastante óbvio que a simples entrada de um grande e feio educador (eles são bastante feios) deixaria a criança gritando de terror.

O problema, portanto, do ceticismo e do êxtase espiritual é um problema perfeitamente humano e compreensível de se afirmar, embora possa ser um problema difícil de ser resolvido. É exatamente como se um homem apontasse para alguma senhora (você pode escolher uma senhora a partir de seu próprio conhecimento e a seu próprio critério) e dissesse com ênfase marcante: “Sob nenhuma circunstância eu poderia dirigir um soneto a essa senhora”. Poderíamos responder: “Oh, sim; se você se apaixonar por ela, talvez se sinta inclinado a fazer isso”. Ele seria plenamente justificado em responder (com lágrimas nos olhos): “Mas eu não posso me apaixonar por ela por qualquer processo imaginável”. Contudo, ele não teria justificação lógica se respondesse “Oh, tudo isso é um absurdo. Você quer que eu desista do meu julgamento e me torne um tolo apaixonado”. Toda a questão em discussão é o que aconteceria se ele se tornasse um apaixonado. Do mesmo modo, o cético que é expulso de uma sessão espiritualista usando seu chapéu e seus casacos esfarrapados tem o perfeito direito de dizer (com ou sem lágrimas nos olhos) “Mas por que me culpar pela descrença? Eu não consigo acreditar em tais coisas por meio de qualquer processo imaginável”. Mas ele não tem o direito lógico de dizer que não poderia ter sido seu ceticismo que estragou a sessão, ou que não havia nada de anti-filosófico em supor que o fosse. Uma pessoa imparcial é um bom juiz de muitas coisas, mas não de todas. Ele não é (por exemplo) um bom juiz do que é sentir-se parcial.

De minha parte, o pouco que eu me ressinto com o pouco que vi do espiritualismo é totalmente o elemento oposto. Eu não me importo com o espiritualismo, na medida em que ele é feroz e credenciado. Nisso ele me parece ser semelhante ao sexo, ao canto, aos grandes épicos e às grandes religiões, a tudo aquilo que tornou a humanidade heróica. Não tenho objeção ao espiritualismo, na medida em que ele é espiritualista. Protesto contra ele, na medida em que ele é científico. Convicção e curiosidade são ambas coisas muito boas. Porém, elas deveriam ter duas casas diferentes. Houve muitas crenças frenéticas e blasfemas nesta nossa velha terra bárbara; os homens serviram suas divindades com danças obscenas, com canibalismo e com o sangue de bebês. Todavia, nenhuma religião foi tão blasfema a ponto de fingir que estava investigando cientificamente seu deus para ver do que ele era feito. Os Bacanais não disseram: “Vamos descobrir se existe um deus do vinho”. Eles gostavam tanto do vinho que gritavam naturalmente ao deus do vinho. Os Cristãos não disseram: “Algumas poucas experiências nos mostrarão se existe um Deus da bondade”. Eles gostavam tanto do Bem que sabiam que era um Deus. Além disso, todas as grandes religiões sempre amaram apaixonada e poeticamente os símbolos e os mecanismos pelos quais funcionavam — o templo, as vestes coloridas, o altar, as flores simbólicas, ou o fogo sacrificial. Isso tornou essas coisas belas: isso as tornou abertas à carga da idolatria. E nessas grandes religiões ritualísticas surgiu, seja qual for o seu significado, aquilo de que Sófocles falou: “O poder dos deuses, que é poderoso e não envelhece”. Quando ouvir que os espiritualistas começaram a esculpir grandes asas douradas em suas plataformas, reconhecerei a atmosfera de uma fé. Quando ouvir que são acusados de adorarem uma prancheta feita de marfim e sardônica (o que quer que isso seja), saberei que eles se tornaram uma grande religião. Enquanto isso, temo que continuarei sendo um daqueles que acreditam em espíritos com demasiada facilidade para se tornar um espiritualista. As pessoas modernas pensam que o sobrenatural é tão improvável que querem vê-lo. Eu o acho tão provável que o deixo em paz. Os Espíritos não valem todo esse alvoroço; eu sei disso, pois eu mesmo sou um…


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Recomendação de leitura: Ortodoxia – G. K. Chesterton.

Sobre o Autor ou Tradutor

Bernardo Santos

Aluno do Olavão, bacharel em matemática, amante da Filosofia, tradutor e músico nas horas vagas, Bernardo Santos é administrador principal do Diário Intelectual.

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