Uma prece no Jardim – Gabriel Coelho

“Uma prece no Jardim” foi escrito por Gabriel Coelho.


A estrutura das obras de Olavo de Carvalho consiste basicamente na exposição de um acontecimento real, geralmente nacional e quase sempre banal, seguida por uma elevação de patamar levando a uma investigação mais profunda. Nem sempre, no entanto, o procedimento é exposto de forma linear e completa. Por exemplo, no Imbecil Coletivo tem-se apenas a documentação dos acontecimentos, sem a subida de nível para a investigação aprofundada; já no Aristóteles em Nova Perspectiva tem-se, inversamente, a investigação sem a exposição textual de um acontecimento concreto a que ela esteja ligada. À primeiro vista, essa aparente incompletude pode dar a impressão de uma filosofia inacabada. No primeiro caso fazendo parecer que o trabalho se compõe de meros comentários avulsos destinados à polêmica jornalística, e no segundo caso, de uma análise abstrata sem correspondente concreto na vida real. 

Ambos são equívocos que já foram esclarecidos pelo próprio autor, seja de forma direta, avisando no Imbecil que a imensidão de exemplos considerados e a limitação da vida humana tornavam inviável fazer a devida investigação com cada acontecimento registrado no livro, seja no Aristóteles com um aviso de rodapé que acaba deixando passar como um comentário secundário aquilo que é, na verdade, a chave fundamental para essa questão: o fato de que os acontecimentos concretos, apesar de não estarem registrados no livro, estavam se passando na realidade prática naquele mesmo momento no Seminário de Filosofia. Nos dois casos, afinal, há a perfeita ligação entre acontecimento e investigação filosófica, ela apenas não está exposta de forma oficial e definitiva naquela “unidade externa e corpórea, que duas capas e uma lombada conferem ao objeto denominado livro”. A unidade do fenômeno está completamente dada na realidade mesma, faltando apenas a atividade de coleta e unificação editorial, trabalho que se o professor não pôde fazer deve então ser finalizado pelos alunos.

A garantia da completude que dou a esses exemplos aparentemente incompletos se dá pelo fato de já existir uma obra de Olavo de Carvalho que apresenta a demonstração completa dessa ligação íntima entre acontecimento e investigação, cuja existência sustenta assim as demais obras, mesmo nos casos em que não se apresentem com a mesma totalidade: O Jardim das Aflições.

Mas mesmo no Jardim há uma característica peculiar da qual só vim me dar conta pouco tempos atrás.

A investigação e a exposição feitas na obra não possuem aquela característica impessoal e indiferente que se tem como marca de critério científico. Antes, elas reproduzem precisamente o esforço cognitivo pessoal do filósofo em particular. E, após todos os 32 capítulos que constituem o miolo do livro, Olavo de Carvalho desenvolve o subseqüente capítulo 33, onde abarca recapitulativamente a trajetória inteira da investigação e atinge aquela posição que no Aristóteles ele determina como o cume da reflexão filosófica — o momento em que o filósofo toma posse do seu próprio conhecimento e passa a saber tudo quanto de fato sabe.

Mas, se a anamnese tem toda essa característica fundamental na reflexão filosófica, ela não é, afinal de contas, o fim último da existência. Para além do conhecimento do seu próprio conhecimento, existe o campo da “Metafísica, que Aristóteles anuncia mas não realiza, já que o reino dela não é deste mundo”.

E é exatamente pela incapacidade intrínseca do filósofo de, uma vez no topo da reflexão filosófica, saltar para esse reino, que O Jardim das Aflições não acaba no capítulo 33 e o autor desenvolve um Post-Scriptum de caráter muito peculiar.Aqui, com plena posse do conhecimento e intrinsecamente impossibilitado de ir para além dele, o filósofo volta-lhe os olhos e passa a fitá-lo, não com exaltações e júbilos de vitória, mas com piedade e humildade. E então a anamnese filosófica se transmuta em confissão cristã. O filósofo vê na seqüência dos fatos relatados a síntese de erros dele mesmo e de todos os seus irmãos de pátria e, num ato de contrição, profere um mea-culpa, finalizando a obra com uma oração para que todos aqueles pecados sejam enfim redimidos.


Se esta publicação foi útil para você, apoie nosso projeto através do APOIA.se ou de um Pix de qualquer valor para que possamos continuar trazendo mais conteúdos como esse. Agradecemos imensamente pelo seu apoio! Chave Pix: diariointelectualcontato@gmail.com


Sobre o Autor ou Tradutor

Gabriel Coelho Teixeira

Militar da Força Aérea Brasileira, editor na Eleia Editora e escreve contos para a Revista Unamuno.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Você também pode gostar disto: