Leucipo

A tradição grega considerava Leucipo como o fundador do atomismo na filosofia grega antiga. Pouco se sabe sobre ele, e é difícil distinguir suas opiniões das de seu colega Demócrito. Às vezes, diz-se que ele foi aluno de Zenão de Eléia e que elaborou a filosofia atomista para escapar dos problemas levantados por Parmênides e seus seguidores.

1. Vida e Obra

Diz-se que Leucipo nasceu em Elea, Abdera ou Mileto (DK 67A1). Não se sabe ao certo suas datas, exceto que ele viveu durante o século V a.C. Diógenes Laércio relata que ele foi aluno de Zenão, seguidor de Parmênides (DK 67A1). Zenão é mais conhecido pelos paradoxos que sugerem que o movimento seria impossível se uma grandeza pudesse ser dividida em um número infinito de partes, cada uma das quais deve ser percorrida, e outros absurdos associados ao fato de as grandezas serem infinitamente divisíveis. A probabilidade de que o atomismo tenha sido formulado, pelo menos em parte, em resposta a esses argumentos pode explicar a história de que Leucipo foi aluno de Zenão.

A extensão da contribuição de Leucipo para o desenvolvimento da teoria atomista é desconhecida. Sua relação com Demócrito, e até mesmo sua própria existência, foi objeto de considerável controvérsia nos estudos do século XIX (Graham 2008). A maioria dos relatos sobre o atomismo grego primitivo refere-se apenas às visões de Demócrito ou aos dois atomistas juntos; Epicuro parece até ter negado a existência do filósofo Leucipo (DK 67A2). Aristóteles certamente atribui a fundação do sistema atomista a Leucipo. Às vezes, diz-se que Leucipo foi o autor de uma obra chamada Grande Sistema Mundial; uma citação que sobreviveu teria vindo de uma obra intitulada Sobre a Mente.

2. A Doutrina Atomista

Leucipo é apontado pela maioria das fontes como o criador da teoria de que o universo consiste em dois elementos diferentes, que ele chamou de “o cheio” ou “sólido” e “o vazio” ou “vácuo”. Acredita-se que tanto o vazio quanto os átomos sólidos dentro dele sejam infinitos e que entre eles se encontrem os elementos de tudo. Como pouco se sabe sobre os pontos de vista de Leucipo e suas contribuições específicas para a teoria atomista, uma discussão mais completa sobre a doutrina atomista desenvolvida é encontrada no verbete sobre Demócrito.

O atomismo grego primitivo é geralmente considerado como tendo sido formulado em resposta à afirmação eleática de que “aquilo que é” deve ser uno e imutável, porque qualquer afirmação de diferenciação ou mudança dentro de “aquilo que é” envolve a afirmação de um “aquilo que não é”, um conceito ininteligível. Embora o argumento de Parmênides seja difícil de ser interpretado, na antiguidade ele foi entendido como tendo forçado os filósofos posteriores a explicar como a mudança é possível sem supor que algo vem do “que não é”, ou seja, do nada. Aristóteles nos diz que Leucipo tentou formular uma teoria que fosse consistente com a evidência dos sentidos de que a mudança, o movimento e uma multiplicidade de coisas existem no mundo (DK 67A7). No sistema atomista, muitas das mudanças que percebemos são meramente aparentes: os constituintes reais do ser persistem inalterados, apenas se reorganizando em novas combinações que formam o mundo da aparência. Tal como o Ser parmenideano, os átomos não podem mudar ou se desintegrar em “o que não é” e cada um é uma unidade sólida; no entanto, as combinações de átomos que formam o mundo da aparência se alteram continuamente. Aristóteles cita uma analogia com as letras do alfabeto, que podem produzir uma infinidade de palavras diferentes a partir de alguns poucos elementos em combinações; todas as diferenças decorrem da forma (schêma) das letras, já que o A difere do N; por sua disposição (taxis), já que o AN difere do NA; e por sua orientação posicional (thesis), já que o N difere do Z (DK 67A6).

Leucipo também teria aceitado o argumento do eleático Melisso de que o vazio é necessário para o movimento, mas considerou isso como evidência de que, uma vez que experimentamos o movimento, deve haver vazio (DK 67A7). A razão para postular as menores magnitudes indivisíveis também é relatada como uma resposta aos paradoxos de Zenão que surgem da suposição de que as magnitudes são infinitamente divisíveis (DK 29A22). É relatado que Leucipo afirma que os átomos estão sempre em movimento (DK 67A18). Aristóteles o critica por não oferecer uma explicação que diga não apenas por que um determinado átomo está se movendo (porque colidiu com outro), mas também por que existe movimento. Como os átomos são indestrutíveis e imutáveis, suas propriedades presumivelmente permanecem as mesmas durante todo o tempo.

De acordo com Diógenes Laércio, que relata a cosmologia de Leucipo, os mundos ou kosmoi são formados quando grupos de átomos se combinam para formar um redemoinho cósmico, o que faz com que os átomos se separem e se classifiquem de acordo com sua espécie. Uma espécie de membrana de átomos se forma a partir dos átomos em círculo, envolvendo outros dentro dela e criando pressão por meio do turbilhão. A membrana externa adquire continuamente outros átomos de fora quando entra em contato com eles, que se inflamam à medida que giram e formam as estrelas, com o sol no círculo mais externo. Os mundos são formados, crescem e perecem, de acordo com um tipo de necessidade (DK 67A1).

Em uma citação direta de Leucipo, diz-se que nada acontece em vão (matên), mas que tudo vem do logos e por necessidade (DK 67B2). Isso foi considerado intrigante, pois a referência ao logos pode parecer sugerir que as coisas são governadas pela razão, uma idéia que o sistema de Demócrito exclui. Ou o sistema de Leucipo é diferente, nesse aspecto, do de Demócrito, ou a referência a logos aqui não pode ser a uma mente controladora. Barnes considera que não há motivos para preferir qualquer uma das interpretações (Barnes 1984), mas Taylor argumenta que a opinião de Leucipo é a de que um relato (ou logos) pode ser dado sobre as causas de todas as ocorrências (Taylor 1999, p. 189). Não há nada em outros relatos que sugira que Leucipo endossou a idéia de uma inteligência universal que governa os eventos.

Aristóteles frequentemente associa Leucipo e Demócrito em seus comentários, inclusive em seu relato sobre a motivação para a postulação dos átomos e do vazio. Em particular, Aristóteles associa Leucipo e Demócrito à afirmação deliberadamente paradoxal de que “o ser não é mais do que o não-ser”, ou seja, que o vazio existe tanto quanto o cheio ou o sólido (DK 67A6). Schofield (2002) argumentou que o registro mais cuidadoso em Simplício mostra que a doutrina do ou mallon ou “não mais” se deve a Demócrito. Seguindo essa linha, Graham (2008) sugere uma nova leitura de Leucipo, na qual a distinção entre átomo e vazio é, na verdade, baseada em uma leitura da Doxa de Parmênides, seu relato cosmológico. Em vez de abstrações lógicas, Ser e Não-Ser, os átomos de Leucipo seriam, em essência, baseados nos contrários cosmológicos de Parmênides, noite e luz. Se essa linha de interpretação for seguida, a noção de átomo e vazio de Leucipo pode ter sido bastante diferente da de Demócrito, e a tendência de Aristóteles a se referir aos dois em conjunto seria um tanto enganosa.


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Bibliography

Texts

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Secondary Sources

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atomism: ancient | Demócrito | Epicurus | Lucretius | Melissus | Parmênides | Zeno of Elea

Acknowledgments

I wish to thank the ancient philosophy editor John Cooper, A.P.D. Mourelatos, Tim O’Keefe and anonymous referees for helpful comments and suggestions.

Este artigo foi publicado originalmente no site Plato Stanford: https://plato.stanford.edu/entries/leucippus/

Sobre o Autor ou Tradutor

Bernardo Santos

Aluno do Olavão, bacharel em matemática, amante da Filosofia, tradutor e músico nas horas vagas, Bernardo Santos é administrador principal do Diário Intelectual.

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