A Mão de Deus – Bernard Nathanson

Resenha de A mão de Deus, de Bernard Nathanson, Quadrante Editora.

Autobiografia de um Aborteiro Arrependido

Deve-se dar prioridade de atenção, não às opiniões levadas pelas emoções do momento, mas àquelas de quem, após uma meditação longa, sincera e corajosa da própria vida, assume pessoalmente a responsabilidade dos erros cometidos. E o peso dessa prioridade ante a histeria coletiva deve ser redobrado, uma vez que o seu autor, após confessada toda a sua vida para si mesmo e para Deus, tem a caridade de compartilhar publicamente seu exemplo de vida, revelado desta vez sob a perspectiva do arrependimento profundo, para que se aprenda o que ele aprendeu sem precisar, porém, errar o tanto quanto ele. Bernard Nathanson oferece isto na sua autobiografia A mão de Deus, publicada pela editora Quadrante.

Após uma carreira bem sucedida como médico aborteiro, com uma lista de 72 mil abortos pesando-lhe nas costas, Nathanson, agora arrependido, reflete sobre a própria vida ao mesmo tempo em que fornece um panorama dos bastidores da indústria abortista.

A dedicação de um médico a realizar abortos não é uma prática superficial a que se adere num primeiro momento e depois se dispensa sem mais nem menos. Ela é antes de tudo a conseqüência de um mal espiritual profundo e extremamente danoso. Por isso Bernard Nathanson inicia sua autobiografia com uma meditação sobre a sua própria infância e sua ascendência genealógica. Nathanson identifica no seio familiar desestruturado – até mesmo com casos de suicídios – a origem da monstruosidade em que ele iria descambar mais tarde e que lhe rendeu a alcunha de “rei do aborto”. A família é sempre a base de tudo. Quantos militantes abortistas não são também casos de famílias desestruturadas?

O primeiro contato de Nathanson com o aborto foi na adolescência quando sua namorada de faculdade engravidou e ele, apoiado pelo próprio pai, convenceu a jovem a abortar. Relembrando o fato 50 anos depois, o autor não deixa de reconhecer uma influência satânica por trás da motivação a essa decisão.

Também não deixa de reconhecer outra influência demoníaca quando, anos mais tarde e num outro relacionamento, sua mulher engravidou dele. Mas desta vez, em vez de recomendar que ela procurasse um médico aborteiro, ele mesmo tomou as rédeas da situação e fez o aborto do próprio filho. Tão corrompido já se encontrava Nathanson moral e espiritualmente que, após narrar o passo a passo do procedimento em que abortou seu próprio filho, confessa ter sentido nada mais que plena satisfação profissional por mais um procedimento cirúrgico bem sucedido.

A partir de então, o envolvimento de Nathanson com a prática do aborto foi ficando cada vez mais profundo. Participou desde o início das sucessivas etapas da indústria abortista. O estímulo às operações de abortos começou com a intenção de atender mulheres que se encontravam em situações gestacionais perigosas. Mas a prática do aborto não era legalizada. Para burlar então a proibição, foi criada uma estrutura clandestina envolvendo consultórios em diversos países. Como o negócio era extremamente lucrativo, os médicos passaram a se dedicar efusivamente à prática de inúmeros abortos, entregando-se ao máximo que conseguiam fazer, dezenas num mesmo dia. Até que enfim a coisa parece ter atingido o seu estágio definitivo como uma indústria abrangendo todo o planeta, contratando os “serviços” de mulheres da África, América Central e do Sul, que engravidavam inúmeras vezes ao longo do ano para então serem efetuados os abortos que forneceriam o tecido fetal valioso a ser comercializado mundialmente.

Começando sob a motivação equivocada de caridade, foi só uma questão de tempo para que o monstro se revelasse. Essa é a verdadeira cara do aborto, revelada por quem esteve comprometido pessoalmente com a causa – e isso para não entrar na questão da influência satânica por trás da coisa.

Nathason, porém, apresenta o momento específico em que se deu conta da monstruosidade em que estava envolvido. Foi logo após o advento da tecnologia de ultrassonografia. Até então o aborto era um procedimento realizado às cegas, os médicos não sabiam exatamente o que estavam fazendo. Tanto que imaginavam se tratar o aborto de uma mera cirurgia como qualquer outra. Com o surgimento do ultrassom, Nathason pôde pela primeira vez ver um feto dentro da barriga da mãe. Imediatamente ele atinou com a gravidade dos fatos:

“Quando, no início dos anos 1970, o ultrassom me pôs diante da visão do embrião no útero, simplesmente perdi a minha fé no aborto sob demanda.

Por volta de 1984, no entanto, havia começado a levantar mais perguntas sobre o aborto: o que de fato acontece nele? Já havia feito vários, mas o aborto é um procedimento às cegas. O médico não vê o que está fazendo. Ele insere um instrumento no útero, liga um motor, um aspirador é acionado e suga algo; no fim, resta um montículo de carne num coletor de gaze. Eu queria saber o que acontecia, e por isso, em 1984, disse a um amigo que fazia quinze, ou talvez vinte, abortos por dia: «Ouça, Jay, faça-me um favor. No próximo sábado, quando estiver fazendo todos esses abortos, coloque um aparelho de ultrassom na mãe e grave para mim.»

Ele o fez e, quando viu os filmes comigo num estúdio de edição, ficou tão afetado que nunca mais fez outro aborto. Embora eu já estivesse há cinco anos sem fazer um, fiquei sacudido até o fundo da alma pelo que vi. As gravações eram estarrecedoras.”

A partir de então Nathanson ingressou nas linhas de batalha contra o aborto e passou a ser um militante pró-vida. As gravações de ultrassom foram usadas no documentário produzido e apresentado por ele, O grito silencioso.

Bernard Nathanson não se tornou logo um homem católico após as gravações de ultrassom a que assistira. Isso só veio a acontecer quando ele testemunhou a dedicação das pessoas envolvidas na militância pela defesa da vida e identificou a motivação cristã pela qual elas eram movidas, mesmo em situações de desvantagem e humilhação ante os abortistas. Até o final da biografia, ele ainda estava sob acompanhamento espiritual de um sacerdote para a conversão ao catolicismo.

A editora Quadrante publicou a biografia de Bernard Nathanson no início de setembro de 2023. Não sei qual foi a demanda pelo livro desde então. Mas a interação aos anúncios da editora nas redes sociais foi baixíssima, ínfima mesmo. De maneira oposta, pouco tempo antes as redes sociais foram invadidas por uma discussão calorosa envolvendo o aborto de uma menina de dez anos. Acredito não ser desprezível o fato de que o mesmo tema tenha gerado efusivos bate-bocas pautados pela mídia ao mesmo tempo que tenha passado despercebido uma obra mais densa e profunda como a autobiografia de Bernard Nathanson.


Esta resenha não tem a intenção de substituir a leitura do livro.

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Sobre o Autor ou Tradutor

Gabriel Coelho Teixeira

Militar da Força Aérea Brasileira, editor na Eleia Editora e escreve contos para a Revista Unamuno.

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